segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Jó 1 a 42

Jó 1

Achando Consolo em Jó

“1 Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó. Era homem íntegro e reto, que temia a Deus e se desviava do mal.
2 Nasceram-lhe sete filhos e três filhas.
3 Possuía ele sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas, tendo também muitíssima gente ao seu serviço; de modo que este homem era o maior de todos os do Oriente.
4 Iam seus filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três irmãs para comerem e beberem com eles.
5 E sucedia que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó e os santificava; e, levantando-se de madrugada, oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; pois dizia Jó: Talvez meus filhos tenham pecado, e blasfemado de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.
6 Ora, chegado o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.
7 O Senhor perguntou a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela.
8 Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal?
9 Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura Jó teme a Deus debalde?
10 Não o tens protegido de todo lado a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? Tens abençoado a obra de suas mãos, e os seus bens se multiplicam na terra.
11 Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e ele blasfemará de ti na tua face!
12 Ao que disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo o que ele tem está no teu poder; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.
13 Certo dia, quando seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho em casa do irmão mais velho,
14 veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles;
15 e deram sobre eles os sabeus, e os tomaram; mataram os moços ao fio da espada, e só eu escapei para trazer-te a nova.
16 Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei para trazer-te a nova.
17 Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Os caldeus, dividindo-se em três bandos, deram sobre os camelos e os tomaram; e mataram os moços ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova.
18 Enquanto este ainda falava, veio outro e disse: Teus filhos e tuas filhas estavam comendo e bebendo vinho em casa do irmão mais velho;
19 e eis que sobrevindo um grande vento de além do deserto, deu nos quatro cantos da casa, e ela caiu sobre os mancebos, de sorte que morreram; e só eu escapei para trazer-te a nova.
20 Então Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça e, lançando-se em terra, adorou;
21 e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor.
22 Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.” (Jó 1.1-22)

A verdadeira fonte dos sofrimentos de Jó é declarada neste primeiro capítulo, sem que ele e seus amigos o soubessem até então, quando foi feita tal revelação de Deus ao escritor deste livro.
Jó, antes de ter sido provado, nada sabia sobre os conflitos espirituais, como sendo Satanás a fonte da maioria deles.
Ele chegou a ter tal conhecimento somente depois de ter sido provado.
E isto é uma forma de conhecimento de Deus, da Sua vontade, em Sua providência permissiva, se podemos assim chamá-la, porque, para propósitos específicos, permite que sejamos atacados por Satanás e por toda sorte de tribulações, de maneira que venhamos a conhecer esta parte do Seu caráter divino, que nos protege, nos lançando de encontro às tempestades, e não colocando uma redoma de vidro ao nosso redor, para que nada nos atinja.  
Jó era muito rico, provavelmente um príncipe do Oriente que viveu antes mesmo dos dias de Moisés, sendo portanto a sua experiência, o primeiro registro por escrito que aprouve ao Senhor usar para que viesse a ser inserido posteriormente na Bíblia.
Então temos aqui lições preciosas do significado da vida com Deus, e quais são as implicações do nosso relacionamento e amizade com ele, tal como Jó possuía, antes de ter sido provado, porque se diz dele, que era homem justo, temente a Deus e que se desviava do mal, e que igual a ele não havia na terra.
Temos nesta única declaração, o registro da verdade de que este mundo sempre foi um lugar dominado pelo pecado desde a queda de Adão, porque somente Jó era digno de ser elogiado por Deus em seus dias.
E mesmo dele é dito, que necessitava se desviar do mal, para que não fosse apanhado por ele, vindo a praticá-lo.
E não é dito que o diabo foi instigado por Deus a provar os ímpios que haviam naquele tempo, mas exatamente a este justo, chamado Jó.
Temos aqui então outra lição importante quanto ao fato de agradarmos a Deus.
Isto não significa que seremos poupados por Ele de dificuldades e de sermos atacados pelo diabo.
Ao contrário, quanto mais Ele se agradar de nós, mais seremos atacados pelo Inimigo, porque isto lhe dá grande inveja, e não somente isto, Deus o permitirá, para que sejamos ainda mais aperfeiçoados na nossa fé, ao permanecermos firmes nEle, enquanto lutamos as guerras espirituais contra os poderes das trevas, resistindo a eles, e não permitindo que nos desviem da presença do Senhor, tal como Jó não lhes havia permitido.
Aqui neste primeiro capítulo é descrita a causa de ter Jó perdido todos os seus bens, inclusive seus filhos e servos, restando apenas cada um dos seus servos, que lhes vinham trazer as notícias das perdas que estava sofrendo.
Nós vemos neste capítulo que desde que Deus entregou ao poder de Satanás tudo o que Jó possuía, menos o próprio Jó, porque o argumento do diabo era o de que Jó era íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal, conforme o Senhor dera testemunho dele, em razão de Deus ter cumulado Jó com grandes riquezas.
Na verdade, o Senhor poderia ter convencido Satanás com argumentos, porque não é por permitir que muitos sejam ricos, em Sua providência, que eles se tornam tementes e gratos a Ele, porque, ao contrário, é muito difícil que um rico reconheça a mão de Deus em tudo o que tem, senão que o atribui à sua própria inteligência e força do seu braço, de maneira que nosso Senhor diz deles que dificilmente um rico encontra a salvação.
Então Jó, era a exceção à regra.
Era uma raridade.
Porque, como dissemos, e a verdade o comprova, não são os ricos as pessoas que mais temem ao Senhor. Então o argumento de Satanás era falso em si mesmo.
Todavia, este não era apenas o pensamento do diabo, que não entende as coisas de Deus senão somente as dos homens, como também das pessoas de um modo geral na antiguidade, que julgavam erroneamente, que Deus somente se agradava dos ricos, por lhes cumular de bens, e que tinha um grande desagrado em relação aos pobres, motivo porque permitia que vivessem em condições de penúria.
Então, através da experiência de Jó, Deus, aproveitaria a oportunidade para desfazer este modo errôneo de julgar, revelando que não é por enriquecer a alguém que demonstra o Seu amor para com as pessoas, e certamente, não era portanto, este  o motivo de ter enriquecido a Jó, conforme o diabo estava argumentando.
Não é por permitir que sejamos muito pobres ou ricos que Deus demonstra o Seu favor, amor e cuidado por nós.
A história tem comprovado justamente o oposto deste modo de pensar, porque aqueles que mais serviram a Deus, e com o qual tiveram um relacionamento de íntima amizade, foram em sua grande maioria pessoas pobres, tal como tivemos isto no exemplo dos apóstolos de Jesus Cristo.
É certo que não haverá nenhuma forma de pobreza material quando estivermos reinando juntamente com Cristo, senão somente pobreza de espírito em perfeito grau, porque reconheceremos finalmente o quanto dependemos dEle para tudo.
Todavia, para humilhar as coisas fortes, as que são, as arrogantes e elevadas, Deus tem escolhido as que não são, as que são fracas e humildes, para reduzir a nada todos os que são soberbos perante Ele.
Este é, de um modo geral, um mal incurável no homem, que não consegue distinguir entre grandeza diante de Deus e grandeza terrena, uma vez que pensa que ser bem sucedido significa ter um grande intelecto, fama, dinheiro e poder, que em última instância os leva a competirem uns com os outros, para se acharem em posição de fama e honra mais elevada, comparativamente falando.
Então Deus ensina, pela imposição de pobreza e humildade, que o caráter espiritual do Seu reino não é este de modo nenhum, até mesmo porque é contrário a toda possibilidade de um viver em amor e em submissão de uns aos outros. A grandeza do reino do céu é medida pelo grau da humildade e não de posses, bens e poder terreno.
Não será em nada, a não ser somente em Cristo, que os cristãos devem se gloriar, e é nEle que eles se gloriarão na vida por vir, e não em suas habilidades e posses, porque receberão tudo gratuitamente das mãos do Senhor, e entenderão que mesmo em suas próprias realizações, está implícita a graça divina, que lhes concede tais capacitações.
Então saberão perfeitamente que não têm de fato, motivo algum, para se gloriarem em si mesmos.    
Foi por isso que Deus permitiu ao diabo tocar em tudo o que Jó possuía, e que lhe despojasse dos seus bens, porque sabia que havia em Jó tal desprendimento em relação ao que tinha, porque sabia que tudo vinha das mãos de Deus, a ponto de julgar que até mesmo o mal era obra direta das Suas mãos divinas, conforme havia declarado à sua esposa, quando esta lhe pediu que amaldiçoasse a Deus e morresse.
Em Sua presciência, o Senhor conhecia que havia tal caráter em Jó, e por isso permitiu que fosse provado pelo diabo, porque por meio do testemunho de Jó, ninguém poderá se justificar perante Ele, alegando falta de amor ou cuidado, por causa de perdas que tenha sofrido, ou por aspirações que não puderam ser realizadas, porque não criou o homem para tal propósito de acumular bens terrenos, fama ou poder, mas para viver em amor, em plena unidade espiritual com Ele.
Deus revela no livro de Jó que há uma grande guerra espiritual neste mundo, especialmente do diabo contra os santos.
E que se não fosse pela providência e controle divino, Satanás já teria de há muito destruído a tudo e a todos.
Veja que foi ele quem instigou os sabeus e os caldeus para roubarem os rebanhos de Jó e para matarem os seus servos.
Nós vemos aqui o diabo em seu ministério de matar, roubar e destruir.
Até então, nada sucedia aos servos de Jó e a seus rebanhos, e num só momento lhe sobrevieram todas estas coisas.
Logo, vemos que o diabo é quem move nações às guerras injustas, movidas por motivos injustos; e que este mundo seria um grande palco de conflitos, caso lhe fosse permitido por Deus agir com toda a liberdade.
Ele somente pôde agir contra Jó, instigando os sabeus e os caldeus, quando isto lhe foi permitido pelo Senhor. De outro modo, nada poderia ter feito.
O mesmo se dá em seus ataques desferidos contra a Igreja de Cristo. Nada é feito por ele, senão aquilo em que lhe damos lugar, de forma a obter permissão de Deus para agir contra o Seu povo, com o fim de sermos disciplinados e aperfeiçoados em santidade.
Jó não poderia ter aprendido muitas coisas relativas ao caráter de Deus e ao Seu modo de se relacionar conosco, a não ser por ter experimentado tais provações, e isto não é diferente em relação a qualquer filho de Deus.            
 Todavia, já havia nele um verdadeiro temor ao Senhor, que é o princípio de toda a sabedoria posterior que poderemos vir a adquirir em relação a Ele e aos Seus caminhos, porque, depois de todas as perdas que sofreu, Jó não se indispôs contra Deus. Ao contrário, adorou ao Senhor e declarou com o seus lábios, com o resto de força que lhe sobrara por concessão da graça divina, as belas e profundas palavras que podemos ler no final deste capitulo:
“20 Então Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça e, lançando-se em terra, adorou;
21 e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor.
22 Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.”
Onde muitos gigantes espirituais da própria Igreja de Cristo poderiam ter tombado, caso fossem provados de tal forma, Jó permaneceu firme em sua confiança no Senhor, não se desviando de Sua presença.
Tal é a grandeza de Jó diante de Deus na glória, que Ele o citou pela boca do profeta Ezequiel, colocando-o ao lado de Nóe e Daniel (Ez 14.14,20), como sendo homens justos perante Ele, dotados de um espírito excelente que os levava a se desviarem continuamente do mal, para não desapontá-lO.
Foi permitido a Satanás, excepcionalmente, por Deus, para provar a Jó, que ele tivesse até mesmo poder sobre o fogo do céu, e sobre os ventos para produzir tempestades. Vento este com o qual derrubou a casa onde os filhos de Jó se encontravam, e os matou a todos, os setes filhos e três filhas, ao mesmo tempo.
Jó conduziu dez filhos ao sepultamento, no mesmo dia, e a sua atitude foi a de se humilhar perante Deus reconhecendo que Ele tem o pleno direito de dispor como quiser de tudo o que temos e que somos, e bendizendo o nome do Senhor o adorou.
Naquele momento, até mesmo as vestes que trazia sobre si, ele as rasgou em sinal de que não dependia sequer delas para continuar adorando e servindo a Deus, sabendo que ele próprio, seria também convocado um dia a estar em Sua presença, sem nada levar consigo deste mundo.
Demonstrou com isso que não vivia pela visão do presente, mas pela visão da fé que aponta para a nossa vida futura com Deus.
O seu presente era dirigido, conduzido por esta visão de fé, e não pela vista, modo este que é o que deveria ser vivido por todo servo de Deus, e no qual temos um grande exemplo em Jó.
Não foi por nenhum pecado que houvesse cometido que Jó estava sendo afligido daquela maneira, porque o próprio Deus declarou acerca dele não apenas que era um homem reto, mas também íntegro.
Ele não estava sendo castigado por ser um malfeitor, mas sofrendo por causa do seu amor a Deus.
Ele estava sendo chamado a dar o testemunho de amor a Deus no vale da provação, tal como todo servo fiel é também chamado a dar, para que o Senhor seja glorificado na fidelidade e no amor deles por Ele.
Não são os confortos e os prazeres deste mundo o fim último e a razão de ser de nossa vida.
Todas estas coisas serão desfeitas com o tempo, e cessam na morte.
Mas o espírito permanece vivo e convém que seja achado na presença de Deus.
Afinal, a sentença de retornar ao pó não foi dada ao espírito, senão ao nosso corpo que foi feito do pó da terra, e que sendo um elemento natural, não participante do mundo espiritual, deve retornar à terra, de onde foi tirado no princípio para ser formado, quando Deus criou o primeiro homem, do qual todos somos descendentes, a saber, Adão.



Jó 2

O Inimigo invisível que nos Ataca

“1 Chegou outra vez o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor; e veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o Senhor.
2 Então o Senhor perguntou a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela.
3 Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal? Ele ainda retém a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.
4 Então Satanás respondeu ao Senhor: Pele por pele! Tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
5 Estende agora a mão, e toca-lhe nos ossos e na carne, e ele blasfemará de ti na tua face!
6 Disse, pois, o Senhor a Satanás: Eis que ele está no teu poder; somente poupa-lhe a vida.
7 Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor, e feriu Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça.
8 E Jó, tomando um caco para com ele se raspar, sentou-se no meio da cinza.
9 Então sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua integridade? Blasfema de Deus, e morre.
10 Mas ele lhe disse: Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos de Deus o bem, e não receberemos o mal? Em tudo isso não pecou Jó com os seus lábios.
11 Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, Bildade o suíta e Zofar o naamatita; pois tinham combinado para virem condoer-se dele e consolá-lo.
12 E, levantando de longe os olhos e não o reconhecendo, choraram em alta voz; e, rasgando cada um o seu manto, lançaram pó para o ar sobre as suas cabeças.
13 E ficaram sentados com ele na terra sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande.” (Jó 2)

Não podemos esquecer que Jó era o maior homem em importância e poder no Oriente, em seus dias (Jó 1.3).
Agora se encontrava totalmente desprovido de bens e de filhos, mas suas aflições não se limitariam a isto, porque também foi permitido por Deus, como vemos neste segundo capítulo, que Satanás lhe tocasse, causando-lhe uma enfermidade terrível, que produzia ulcerações em todo o seu corpo, que infectavam a ponto de ser necessário raspar as secreções purulentas com um caco de telha.
Que grande desconforto e dor isto não deveria estar produzindo em Jó.
Em face de tão grande assolação, os teólogos da prosperidade material e da confissão positiva, para continuarem afirmando o ensino deles, dizem que o caso de Jó, obviamente configura a exceção das exceções, e que não se pode ter a mesma resignação que ele teve diante de tudo o que sofreu, porque, segundo eles, hoje, em Jesus Cristo, devemos determinar contra todo tipo de pobreza ou enfermidade, de forma que nunca sejamos atingidos por uma coisa ou outra, porque, segundo eles, esta é certamente a vontade de Deus para os Seus filhos, em toda e qualquer circunstância.
No entanto, vejamos o que nos diz o Novo Testamento em relação ao que nos é ordenado aprender do exemplo de Jó, para aplicarmos em nossas próprias vidas:
“Eis que chamamos bem-aventurados os que suportaram aflições. Ouvistes da paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu, porque o Senhor é cheio de misericórdia e compaixão.” (Tg 5.11)
Eles bem gostariam de riscar este versículo de Tiago de suas Bíblias, mas ele lá se encontra recomendando tanto a eles quanto a nós, que sejamos pacientes nas aflições, suportando tudo com a mesma perseverança de Jó.
Nada se diz de se revoltar contra as aflições. Ao contrário, se diz que são bem-aventurados todos os que suportaram aflições tal como Jó, porque por elas, Deus está aperfeiçoando a nossa fé, para produzir em nós maturidade espiritual.
Como Tiago ensina no primeiro capitulo de sua epístola:
“2 Meus irmãos, tende por motivo de grande gozo o passardes por várias provações,
3 sabendo que a aprovação da vossa fé produz a perseverança;
4 e a perseverança tenha a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, não faltando em coisa alguma.” (Tg 1.2-4)
“Bem-aventurado o homem que suporta a provação; porque, depois de aprovado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam.” (Tg 1.12)
Como Deus poderia ter derrotado e humilhado o diabo através do testemunho de Jó, caso este se rebelasse contra Ele?
Ele não havia perdido apenas os bens, os filhos e a saúde, como também os amigos, e a influência que tinha sobre eles, porque é comum sermos abandonados por quase todos, quando não nos encontramos no pináculo da glória.
Todos gostam de serem conhecidos por outros como sendo amigos do príncipe, mas quem gosta de ser conhecido como amigo do pobre andrajoso?
Deus não faz acepção de pessoas, mas os homens fazem.
A realidade da vida o tem comprovado.
Até a própria mulher de Jó se indispôs contra ele, apesar de estar compartilhando da miséria de seu marido, porque fora também atingida por ela.
Os amigos de Jó, de sua terra natal de Uz, lhe haviam abandonado completamente, porque testemunharam diretamente o quadro de miséria absoluta que lhe havia alcançado. Por que, no juízo deles, deveriam continuar honrando a quem que se tornara menor do que eles? Como reconheceriam poder e autoridade em quem não possuía sequer um boi, um camelo, um cordeiro? E que mal podia se manter de pé com uma enfermidade pouco ou sequer conhecida entre eles?
Deste modo, ao ouvirem notícias do que havia sucedido a Jó, apenas três amigos de outras terras se dispuseram vir ter com ele, não para ajudá-lo a sair da condição em que se encontrava, mas para se certificarem do que havia chegado ao conhecimento deles, e para se condoerem de Jó e consolá-lo.
Estes vieram de Temã (Elifaz), de Suah (Bildade) e de Naamá (Zofar).
Tal foi o espanto deles quando depararam com o quadro de miséria e enfermidade em que Jó se encontrava, e impactados pela lembrança da antiga glória que havia nele, e que agora lhe havia sido tirada, que choraram em alta voz, porque Jó estava irreconhecível, pelo muito que havia sido devastado pela doença.
Além de lançarem pó sobre suas cabeças em sinal de lamento por ele, ficaram sentados ao seu lado por sete dias e sete noites, sem que nenhum deles lhe pudesse dizer qualquer palavra, porque a dor de Jó era muito grande, e é bem possível que estivesse inconsciente ou em algum tipo de coma, pela intensidade da dor, motivo porque não seria possível se comunicarem com ele, enquanto estivesse em tal estado.
Antes que a enfermidade avançasse até o ponto em que os três amigos de Jó viram o estado em que ele se encontrava, batalhas terríveis de acusação desferidas diretamente contra ele, devem ter ocorrido, com o diabo tentando convencer-lhe de que Deus havia pago a sua justiça com o mal. Que Deus havia sido injusto para com ele, não reconhecendo toda a sua integridade, retidão e piedade.
Como não conseguiu fazer Jó recuar na sua fé e paciência, por fim, usou a boca da própria mulher de Jó com a insinuação de que tinha sido vã toda aquela sua integridade, porque a recompensa que Deus lhe dera por ela, foi um pagamento às avessas.
Então explodiu a grande intenção do diabo, conforme ele vinha dizendo desde o início ao Senhor que Jó o faria, caso fosse provado, que seria blasfemar o Seu nome. Por isso a mulher de Jó lhe pediu que blasfemasse de Deus.
Todavia, a fé de Jó foi fortalecida pelo Senhor para que ele se mantivesse firme em sua integridade, e em vez de cometer este ato insano, ele mostrou à sua esposa que ela estava falando como alguém que está fora do seu juízo perfeito.
Ela estava muito abalada pela aflição que estava sofrendo juntamente com seu marido, e se tornou um instrumento fácil nas mãos do diabo, para que atacasse a justiça de Deus.
Jó lembrou à sua esposa o direito que Deus possui de fazer vir sobre nós tanto o bem quanto o mal.
Ele pode usar a ambos para propósitos específicos. Ainda que o próprio Jó, não compreendesse ainda muito bem, como Deus pode produzir o bem a partir das aflições que sofremos, como o apóstolo Paulo compreendeu perfeitamente este propósito, e todo crente que é bem esclarecido nos caminhos de Deus.
“3 E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,
4 e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança;
5 e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rom 5.3-5)
Satanás queria provar a todo custo que Deus não pode ser amado verdadeiramente caso não compre os homens com favores, agradando-os em tudo, e sem lhes fazer experimentar condições que contrariem as suas vontades.
Mas, por meio de Jó, Deus provou que não é amado pelos Seus filhos, porque sempre agrade a vontade deles. Ao contrário, é mais amado, quanto mais eles compreendam que devem renunciar às suas próprias vontades, ao seu ego, a crucificarem suas paixões carnais, para viverem de modo submisso ao pendor do Espírito, porque este é o único modo de sermos verdadeiramente livres e felizes, a saber, vivendo para fazer não a nossa própria vontade, mas a de Deus.
Porque a perfeição do conhecimento, da sabedoria, e das coisas que nos convêm, não se encontram em nós mesmos, mas somente nEle.
Por isso é necessário que morramos para a nossa própria vontade, para que possamos conhecer e fazer a Sua vontade que é sempre boa, perfeita e agradável.
Era isto que Deus estava ensinando à mulher de Jó, aos seus amigos e a nós.
Jó estava sendo crucificado para o seu próprio ego. Para os resquícios das coisas que ainda se encontravam em luta no seu interior contra a vontade de Deus, e que não haviam ainda sido reveladas até aquele momento, mas que viriam à tona, com a progressividade do tempo de suas aflições, que não sendo abreviado, fez com que ele amaldiçoasse até mesmo o fato de ter sido trazido à vida no ventre de sua mãe, e lamentou o fato de não ter sido um abortivo.
Quem diria que no justo e íntegro Jó, havia ainda algumas áreas que necessitavam da mortificação da cruz, para que morresse inteiramente para a sua própria vontade?
E isto se dá com todos os justos de Deus neste mundo.
No melhor deles sempre haverá a necessidade desta operação da cruz, para que renunciem à própria vontade deles, e que se submetam à de Deus, quando esta contraria totalmente o que eles querem, para que aprendam, que afinal, não a sua vontade, mas a do Senhor, é a melhor para eles e para muitos.
Ninguém se iluda neste ponto, pensando que tem morrido completamente para o ego, porque a velha natureza permanece em nós, e haverá de permanecer até que venhamos a ser perfeitos na glória futura.
E esta velha natureza sempre há de se levantar e se revelar, dependendo do tipo de prova a que formos submetidos pelo Senhor.
Podemos estar quietos e sossegados em nosso canto, fazendo a obra do Senhor em submissão à Sua vontade, até que, por Sua permissão, sejamos provados pelo Inimigo, que nos atacará nos nossos pontos frágeis e que podemos até mesmo não conhecê-los até o momento ou o tipo de provação. Então se revelará o que há ainda no nosso interior e que necessita ser levado à cruz para ser morto.
Quem diria que no manso Moisés havia tão grande ira e indignação? A contenda das águas de Meribá o revelaram nitidamente, e tal foi registrado para o nosso ensino, para não nos julgarmos perfeitamente santos e mortos para o pecado, enquanto estivermos neste mundo.
  Satanás reduz o problema da relação do homem com Deus ao simples ato de blasfemar, como ele vinha procurando fazer com que Jó cometesse tal pecado.
Mas a raiz do pecado é mais profunda e está ligada à própria natureza humana, e Deus conhece isto perfeitamente, e sabe que há necessidade de um tratamento progressivo e prolongado para que todos os Seus filhos sejam livrados disto.
Talvez tenha sido este o motivo de não ter proferido nenhum juízo contra a mulher de Jó.
O Senhor pesou a amargura da sua alma. Viu o quanto ela estava despreparada para sofrer perdas daquele nível.
Sabia que não seria por um simples ato de permanecer calada que ela poderia esconder dele toda a grande amargura que havia sido instalada em sua alma contra Ele, por ter permitido que a vida reta de seu marido estivesse recebendo aquele tipo de recompensa às avessas.
Paulo foi arrebatado ao terceiro céu, e a recompensa de uma tal visão gloriosa foi a de receber um espinho doloroso em sua carne, um mensageiro de Satanás que o esbofeteava continuamente e que o humilhava.
Isto foi necessário, segundo ele próprio reconheceu, para que não se ensoberbecesse com a experiência gloriosa que havia tido da parte de Deus. O Senhor usou aquele espinho para mantê-lo sóbrio e humilde.    
Geralmente, grandes bênçãos recebidas de Deus, especialmente em Sua obra e serviço, são acompanhadas posteriormente de grandes investidas do reino das trevas.
Tribulações costumam seguir grandes conquistas da fé, porque Satanás não somente procura revidar as perdas que sofreu, como também o Senhor o permite para que não nos gloriemos fora de medida, e para que permaneçamos humildes perante Ele.
Isto faz com que sejamos livrados da tentação de nos gloriarmos em nós mesmos e em nossos feitos, e que tributemos toda honra e glória ao Senhor, enquanto reconhecemos que continuamos dependentes dEle para tudo.
Jó estava a caminho de aprender esta grande lição, quando viria por fim a declarar:
“2 Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.” (Jó 42.2)
“5 Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos.
6 Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e na cinza.” (Jo 42.5,6)
Não havia de fato nenhuma causa para que Jó sofresse daquele modo, como forma de castigo por algum mal que tivesse praticado, como o próprio Deus havia declarado ao diabo, mas certamente havia um grande propósito em tudo que Deus permitiu que o diabo lhe fizesse, para o crescimento espiritual de Jó, e para que Ele recebesse grande glória no testemunho de amor, fé e fidelidade que Jó demonstrara debaixo de todos aqueles ataques que lhes foram desferidos pelo diabo.
Removamos então as tribulações das vidas dos cristãos. Que aperfeiçoamento espiritual eles poderão ter? Que glória o Senhor poderá receber?
Logo, esta teologia que afirma que o sofrimento é algo estranho à vida cristã, está completamente errada e frustra os propósitos eternos de Deus.
A sã teologia afirma o seguinte:
“18 Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.
19 Porque isto é agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, suporte tristezas, padecendo injustamente.
20 Pois, que glória é essa, se, quando cometeis pecado e sois por isso esbofeteados, sofreis com paciência? Mas se, quando fazeis o bem e sois afligidos, o sofreis com paciência, isso é agradável a Deus.
21 Porque para isso fostes chamados, porquanto também Cristo padeceu por vós, deixando-vos exemplo, para que sigais as suas pisadas.” (I Pe 2.18-21)
“12 Amados, não estranheis a ardente provação que vem sobre vós para vos experimentar, como se coisa estranha vos acontecesse;
13 mas regozijai-vos por serdes participantes das aflições de Cristo; para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e exulteis.
14 Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória, o Espírito de Deus.
15 Que nenhum de vós, entretanto, padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se entremete em negócios alheios;
16 mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus neste nome.” (I Pe 4.12-16)
Os sofrimentos de Jó não podem ser portanto classificados como uma exceção das exceções, e parte de uma teologia antiga e ultrapassada, porque conforme podemos ver no ensino de nosso Senhor e de Seus apóstolos, o livro de Jó, como qualquer outro livro da Bíblia, possui ensinos atuais, imutáveis e aplicáveis aos cristãos de todas as épocas.
Jó aprendeu sobretudo a ser longânimo como Deus é longânimo, em seus sofrimentos, porque foi com paciência que ele os suportou, e não se irou contra os seus amigos que lhe molestavam a alma, antes intercedeu em favor deles, ainda quando estava muito enfermo, e foi pela sua oração que Deus lhes preservou em vida.
Instruídos que estamos pela Palavra de Deus, mantenhamos portanto o amor ao Senhor, a fé, a fidelidade e tenhamos paciência em nossas perdas de bens, de entes amados e em nossas enfermidades, porque o Senhor está no controle de todas as coisas, como bem demonstrou na vida de Jó, livrando-o posteriormente de todas as suas aflições e enfermidades, e dando-lhe o dobro de tudo quanto possuía antes.


O tempo de nossas provações é um tempo de aprendizagem e de transformação, para que possamos ser preparados para bênçãos maiores e melhores da parte de Deus, e a melhor delas, um conhecimento mais íntimo  do próprio Deus.


Jó 3

Pode o Justo ser Afligido?

Comentário no capítulo 4

“1 Depois disso abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.
2 E Jó falou, dizendo:
3 Pereça o dia em que nasci, e a noite que se disse: Foi concebido um homem!
4 Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz.
5 Reclamem-no para si as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; espante-o tudo o que escurece o dia.
6 Quanto àquela noite, dela se apodere a escuridão; e não se regozije ela entre os dias do ano; e não entre no número dos meses.
7 Ah! que estéril seja aquela noite, e nela não entre voz de regozijo.
8 Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam os dias, que são peritos em suscitar o leviatã.
9 As estrelas da alva se lhe escureçam; espere ela em vão a luz, e não veja as pálpebras da manhã;
10 porquanto não fechou as portas do ventre de minha mãe, nem escondeu dos meus olhos a aflição.
11 Por que não morri ao nascer? por que não expirei ao vir à luz?
12 Por que me receberam os joelhos? e por que os seios, para que eu mamasse?
13 Pois agora eu estaria deitado e quieto; teria dormido e estaria em repouso,
14 com os reis e conselheiros da terra, que reedificavam ruínas para si,
15 ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata;
16 ou, como aborto oculto, eu não teria existido, como as crianças que nunca viram a luz.
17 Ali os ímpios cessam de perturbar; e ali repousam os cansados.
18 Ali os presos descansam juntos, e não ouvem a voz do exator.
19 O pequeno e o grande ali estão e o servo está livre de seu senhor.
20 Por que se concede luz ao aflito, e vida aos amargurados de alma;
21 que anelam pela morte sem que ela venha, e cavam em procura dela mais do que de tesouros escondidos;
22 que muito se regozijam e exultam, quando acham a sepultura?
23 Sim, por que se concede luz ao homem cujo caminho está escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados?
24 Pois em lugar de meu pão vem o meu suspiro, e os meus gemidos se derramam como água.
25 Porque aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece.
26 Não tenho repouso, nem sossego, nem descanso; mas vem a perturbação.” (Jó 3.1-26)


Jó 4

Pode o Justo ser Afligido?

Enquanto Jó permaneceu calado remoendo-se apenas de dores, e provavelmente delirando em estado de semi-consciência, em razão da grande febre que deveria ter-lhe acometido como consequência da grave infecção que tomara todo o seu corpo, não pôde expressar o seu lamento, como estava fazendo agora, depois de ter permanecido calado juntamente com seus três amigos, por sete dias e noites seguidos.
Todavia, tão logo expressou em termos veementes o seu grande lamento pela condição em que se encontrava, aquilo foi forte demais para os seus amigos tolerarem, porque Elifaz passou a acusá-lo de ser precipitado em suas palavras, e de hipócrita, porque foi conselheiro de muitos para que ficassem fortes e firmes em suas aflições, no entanto, não estava dando tal exemplo de fortaleza e ânimo, quando ele próprio foi atingido pelo sofrimento.
É deveras impressionante, como procuramos tirar daqueles que estão afligidos, um direito que o próprio Deus não lhes tira, a saber, o de se queixarem de suas dores. Jó não estava se queixando contra Deus, mas queixando-se da sua condição, e não há nada de pecaminoso nisto. O pecado de murmuração é mostrar insatisfação para com Deus, mas não por si mesmo, e pelas aflições que sofremos.
Seria antinatural, ou seja, algo contrário à natureza normal, que não se lute pela manutenção da nossa vida, em face do instinto de sobrevivência que o próprio Deus colocou em nós para a nossa preservação; e de igual modo que não se fuja de toda forma de mal que possa nos causar algum tipo de sofrimento ou dano.
Na verdade, era isto o que as palavras do lamento de Jó expressavam. Ele considerava que seria melhor não existir do que estar passando por tudo aquilo que lhe sobreviera repentinamente, e sem que houvesse qualquer promessa ou sinal de esperança, de que aquele quadro fosse revertido.
Não é exatamente isto que sentimos, caso não sejamos assistidos e fortalecidos pela graça de Deus, a lhe dar glória em meio às aflições que nos atingem?
Se a graça estiver presente e atuando, somos fortalecidos e triunfamos sobre a dor.
Todavia, se para fins específicos, Deus nos deixa à mercê de nossas próprias forças e capacidades limitadas, sucumbimos, e o quadro normal de ser visto é o de que seremos achados desalentados e deprimidos, ainda que não abandonemos nossa confiança no Senhor, não Lhe voltemos as costas, e que continuemos nos sujeitando quietamente à Sua vontade, debaixo da Sua potente mão, tal como sucedera no caso de Jó.      
Qual foi a reação do próprio Senhor Jesus Cristo, quando em Sua agonia no Getsêmani?
Ele chegou a pedir ao Pai que se fosse possível, que passasse dEle aquele cálice de sofrimentos. Todavia, Ele permaneceu perfeitamente sujeito à vontade do Pai em todo o tempo.
Agora, seria de se esperar que alguém lhe dissesse naquela hora de extrema aflição que rejubilasse, saltando de alegria, a pretexto de que seria possível fazê-lo pelo fortalecimento da graça que Lhe seria concedida pelo Pai?
Quando a alma está angustiada até a morte, como se achava a de nosso Senhor no Getsêmani, o que se manifestará é a tristeza e não a alegria.
Se houvesse um sorriso na face de Jesus naquela hora, poder-se-ia dizer que seria um sorriso falso. E como pode ter parte com a falsidade Aquele que é em tudo verdadeiro?
O mundo gosta da dissimulação. Não pode suportar expressões de abatimento e de tristeza, que fazem também parte desta vida.
Por isso procura disfarçar suas tristezas debaixo de máscaras de uma suposta alegria.
Para este propósito os homens se drogam, se embebedam, e fazem um sem número de coisas para se mostrarem alegres, quando na verdade estão angustiados ou entristecidos.
Então não havia nada reprovável na atitude de Jó. Ao contrário, ele estava sendo absolutamente sincero e verdadeiro, e por isso continuava justo e aprovado aos olhos do Senhor.
Jó pôs em contraste a alegria das novas do dia do seu nascimento, com a intensa dor e tristeza que estava sentindo naqueles dias de sofrimento, que lhe pareciam que não teriam fim até o dia da sua morte.
Como ele não conhecia ainda de maneira plena o propósito de Deus nas aflições, pareceu-lhe muito estranho tudo aquilo que estava sofrendo.
O argumento lógico em sua mente era o seguinte: “Por que Deus o trouxera à vida, e o inspirara a viver em completa retidão perante Ele, se no final, seria colocado como um opróbrio à vista de todos, não como um testemunho de alguém que foi abençoado por Deus, mas ao contrário, que foi amaldiçoado por Ele?”
E mais: “Quem se sentiria inspirado a permanecer na prática da justiça, se o prêmio que Deus tinha reservado para os justos era aquele pelo qual ele estava passando?”.
Como dissemos antes, até então, como qualquer outro, Jó era um refém de sua própria época, em que se costumava avaliar o favor e o amor de Deus pelos homens, na medida proporcional dos bens e saúde que eles possuíam e desfrutavam.  
À medida que a revelação de Deus, do Seu caráter e vontade foi progredindo, à medida que o tempo passava, até culminar com a revelação final que nos foi feita por Seu Filho Jesus Cristo, sabemos que há um bom propósito nas aflições que sofremos, e que sair deste mundo pelo martírio, é um privilégio, e não uma desonra.
Mas, devemos considerar que este conhecimento não estava disponível nos dias de Jó, e este foi um dos motivos de Deus tê-lo provado de tal forma, para que começasse a revelar ao mundo qual é o Seu propósito nas tribulações.
Todavia, apesar de toda a revelação que temos da parte de Deus na Sua Palavra, há ainda muito Elifaz por aí fazendo um diagnóstico incorreto relativo ao problema do mal que sofremos.
Eles colocam tudo na avaliação comum de que se há sofrimentos e aflições, é porque pecamos, ou porque não temos exercido a nossa fé. Nem uma e nem outra coisa se aplicavam ao caso de Jó.
Contudo, Elifaz diagnosticou a aflição de Jó como sendo causa da iniquidade que ele havia semeado (v. 8). É verdade que há uma lei da colheita segundo a semeadura, mas não era este o caso do sofrimento de Jó, porque não estava colhendo algum fruto mau de uma semente má que houvesse semeado.
O “doutor” de almas Elifaz havia portanto, errado em seu diagnóstico.
E, não satisfeito, com isto, colocou em dúvida a sinceridade da confiança de Jó no temor do Seu Deus, e a sua esperança na integridade dos seus caminhos (v. 6).
Segundo ele, se Jó fosse realmente sincero nisto, não teria recebido todo aquele mal que lhe sobreviera repentinamente.
Em sua teologia estreita não havia lugar para sofrimento ou destruição de justos (v. 7).
É fato que a ira de Deus haverá de consumir o ímpio, mas Elifaz não sabia que Deus também é longânimo, isto é, tardio em se irar, e que por isso não executa logo o juízo, porque dá tempo ao homem para que se arrependa de seus pecados e viva, lançando todas as transgressões passadas no mar do esquecimento, além de apagar toda e qualquer culpa.
Todavia, Elifaz considerava que Jó estava sendo atingido por uma rajada da ira de Deus para ser consumido na sua iniquidade (v. 9).
Quão errado e equivocado ele estava, apesar de ter dito certas verdades que se aplicam a muitos, mas não eram aplicáveis ao caso de Jó, e de tantos servos fiéis de Deus que sofreram, ou que ainda sofrem por amor a Ele, neste mundo.
Elifaz firmou a sua teologia sobre o sofrimento do homem e o castigo divino, de uma visão que lhe fora dada, e de uma voz que lhe dissera o seguinte:
“Pode o homem mortal ser justo diante de Deus? Pode o varão ser puro diante do seu Criador?” (v. 17)
Isto é uma verdade, porque não há nenhum justo, nenhum sequer, diante de Deus, pela sua própria justiça, e todos os que são justos perante Ele, o são, porque têm sido justificados pela fé em Cristo, e por terem sido redimidos no Seu sangue.
Só que em vez de Elifaz, reconhecer que o homem não pode de si mesmo ser justo diante de Deus, no entanto há graça, misericórdia e poder no próprio Deus para torná-lo justo perante Ele.
Então Elifaz se precipitou elaborando uma teologia conclusiva, em cima desta visão que recebera, na qual atribuiu consequentemente desconfiança da parte de Deus em todos os seus servos no céu, e até mesmo o fato de atribuir loucura a todos os seus anjos, inclusive aos eleitos, e segundo ele, de quão maior desconfiança da parte de Deus não gozam todos os homens que habitam na terra (v. 18,19).
Que teologia desastrada foi esta a que Elifaz elaborou em cima de uma visão relativa à verdade que havia recebido! É assim que são formadas grandes heresias. Elas partem geralmente de um entendimento ou interpretação incorretos de uma verdade bíblica.
É importante, pois, se não desejamos ser achados como Elifaz, que confiramos verdades bíblicas com verdades bíblicas, coisas espirituais com espirituais, e que não sejamos precipitados em nossas conclusões sobre o modo de agir de Deus, generalizando todas as suas ações a partir de uma única declaração relativa ao Seu caráter ou atributos.
Satanás procura por todos os modos atacar o caráter de Deus. Se não ataca o Senhor diretamente perante os homens acusando-O de injustiça por permitir que sofram males, ele procura sutilmente, distorcer as verdades divinas, dando-lhes uma interpretação diferente do seu verdadeiro significado, para que em vez de os homens serem justos em suas avaliações relativas aos atos de Deus, lhe atribuam juízos e castigos por ações, que não são de Deus, mas que o próprio diabo usa para afligir os homens, tal como estava ocorrendo no caso de Jó, e Elifaz estava atribuindo tudo aquilo a um castigo de Deus porque, segundo Elifaz, Ele não podia confiar em Jó, como em qualquer ser na terra ou no céu.
Certamente Deus não se pode confiar à natureza terrena do homem que é decaída no pecado, mas daí, dizer que não pode confiar em nenhum dos Seus servos, vai uma distância muito grande, porque estes não possuem neste mundo apenas a natureza terrena, mas a própria natureza divina da qual foram feitos coparticipantes por meio da fé em Jesus.
E cabe dizer que no céu, nenhum cristão que para lá tenha ido, se encontra sob a influência da natureza terrena, assim como os anjos eleitos, de modo, que o Senhor pode confiar perfeita e plenamente neles, porque já não podem ser vencidos por qualquer tipo de mal.
Devemos nos acautelar, portanto, para não sermos achados como um tipo de Elizaz, que procurando consolar alguém que está sofrendo, acabe lançando sal e vinagre sobre as feridas que estiverem abertas, em nosso zelo pela defesa da justiça e santidade de Deus, condenando como malfeitor, quem está sofrendo por causa do Seu amor e fidelidade a Deus.
É muito fácil dizer para alguém que está sofrendo de modo terrível: “Você não terá cometido algum pecado oculto ou não confessado?”
No entanto, isto somente pode servir para agravar ainda mais o sofrimento de uma consciência fraca de alguém que esteja sofrendo por amor a Cristo e ao evangelho, e não necessariamente por algum pecado que tenha cometido.
É necessário ter cuidado na aplicação de aconselhamentos em tais casos, e insinuações relativas a pecados devem ser feitas somente por revelação do Espírito ao nosso espírito, e não por uma ruim suspeita, ou por um princípio de aconselhamento generalizante a que estejamos acostumados a usar.
Devemos ter cuidado para não vazar os olhos de nossos irmãos quando nos dispomos a tirar o pequeno cisco que há neles, quando temos a nossa visão prejudicada por alguma trave em nossos próprios olhos, que nos impeça de enxergar a verdade,  tal como sucedera no caso de Elifaz em relação a Jó.

“1 Então respondeu Elifaz, o temanita, e disse:
2 Se alguém intentar falar-te, enfadarte-ás? Mas quem poderá conter as palavras?
3 Eis que tens ensinado a muitos, e tens fortalecido as mãos fracas.
4 As tuas palavras têm sustentado aos que cambaleavam, e os joelhos desfalecentes tens fortalecido.
5 Mas agora que se trata de ti, te enfadas; e, tocando-te a ti, te desanimas.
6 Porventura não está a tua confiança no teu temor de Deus, e a tua esperança na integridade dos teus caminhos?
7 Lembra-te agora disto: qual o inocente que jamais pereceu? E onde foram os retos destruídos?
8 Conforme tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam o mesmo.
9 Pelo sopro de Deus perecem, e pela rajada da sua ira são consumidos.
10 Cessa o rugido do leão, e a voz do leão feroz; os dentes dos leõezinhos se quebram.
11 Perece o leão velho por falta de presa, e os filhotes da leoa andam dispersos.
12 Ora, uma palavra se me disse em segredo, e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela.
13 Entre pensamentos nascidos de visões noturnas, quando cai sobre os homens o sono profundo,
14 sobrevieram-me o espanto e o tremor, que fizeram estremecer todos os meus ossos.
15 Então um espírito passou por diante de mim; arrepiaram-se os cabelos do meu corpo.
16 Parou ele, mas não pude discernir a sua aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, então ouvi uma voz que dizia:
17 Pode o homem mortal ser justo diante de Deus? Pode o varão ser puro diante do seu Criador?
18 Eis que Deus não confia nos seus servos, e até a seus anjos atribui loucura;
19 quanto mais aos que habitam em casas de lodo, cujo fundamento está no pó, e que são esmagados pela traça!
20 Entre a manhã e a tarde são destruídos; perecem para sempre sem que disso se faça caso.
21 Se dentro deles é arrancada a corda da sua tenda, porventura não morrem, e isso sem atingir a sabedoria?” (Jó 4.1-21)


Jó 5

Meia Verdade Não é a Verdade

As palavras de Elifaz no quinto capítulo de Jó, que estaremos comentando, estão cheias de verdade bíblica e de sabedoria, no entanto, não eram as palavras que deveriam ser usadas para consolarem a Jó naquela sua terrível aflição.
Ele exaltou a Deus, e as bênçãos de Deus sobre os justos.
Todavia, como Jó poderia ser consolado, ao ouvir naquele momento em que estava com sua alma angustiada até a morte, as seguintes palavras que Elifaz havia dito:
“18 Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mãos curam.
19 Em seis angústias te livrará, e em sete o mal não te tocará.
20 Na fome te livrará da morte, e na guerra do poder da espada.
21 Do açoite da língua estarás abrigado, e não temerás a assolação, quando chegar.
22 Da assolação e da fome te rirás, e dos animais da terra não terás medo.
23 Pois até com as pedras do campo terás a tua aliança, e as feras do campo estarão em paz contigo.
24 Saberás que a tua tenda está em paz; visitarás o teu rebanho, e nada te faltará.
25 Também saberás que se multiplicará a tua descendência e a tua posteridade como a erva da terra.
26 Em boa velhice irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.
27 Eis que isso já o havemos inquirido, e assim o é; ouve-o, e conhece-o para teu bem.” (v. 18 a 27)
Tudo isto era exatamente o oposto de tudo o que Jó estava experimentando naquela hora da aflição.
Isto sequer lhe foi dito, como algo em que deveria colocar a sua esperança para o futuro, mas como uma verdade final e absoluta no caso dos justos.
Então, em vez de consolo, havia nestas palavras condenação e acusação, porque atestavam que tudo isto lhe fora arrancado, e por conseguinte deveria aceitar o fato de que Deus estava grandemente desagrado com ele.
Mais uma vez, ao tentar justificar Deus, Elifaz condenou Jó.
Os pastores devem ter muito cuidado para não agirem como Elifaz em seus ministérios, tirando qualquer esperança de consolo e salvação para os pecadores, pela apresentação de uma teologia em que não exista um Deus misericordioso e longânimo, mas somente justo e juiz, que não pode de modo algum se mostrar favorável para com pecadores perdidos, e nem mesmo para com os cristãos que estiverem em pecado.
Deus é juiz, é disciplinador, tudo isto é correto, mas não se apressa para executar a sentença e a disciplina, porque nos dá tempo pela Sua grande longanimidade para que nos arrependamos.
Assim, se nem mesmo no caso de pecadores declarados, pode-se aplicar a teologia da instantânea retribuição de Deus ao mal, quanto mais, a cristãos, que como Jó, sofrem por amor a Cristo e à justiça do evangelho.
Muitos chamam o livro de Jó de lenda, porque não admitem que tenha sido real a sua história, porque segundo eles, não há ninguém que tenha sofrido tanto neste mundo como ele.
De fato, eles não conhecem a história da Igreja, e o testemunho dos mártires.
Lembro-me neste momento de John Owen, que perdeu onze filhos, sendo dez deles em tenra idade, ainda quando crianças, e o décimo primeiro mal ultrapassou a puberdade.
E ele foi afligido de variados e muitos modos, e no entanto foi um gigante espiritual em seus dias.
Por isso Tiago nos chama a olhar para o exemplo de Jó, quando somos perseguidos e afligidos por causa do nosso testemunho do evangelho, tal como estava ocorrendo com os cristãos de seus dias que estavam sendo perseguidos e mortos, espoliados de seus bens, por causa do testemunho que davam de Cristo.
A experiência de Jó está narrada na Bíblia para o propósito mesmo de nos lembrar que Satanás perseguirá todos os santos fiéis de Deus neste mundo, e que ele os afligirá de um modo ou de outro, e que eles, tal como Jó, devem permanecer firmes em sua fé em Deus.
Lembro-me de ter aconselhado uma serva do Senhor que estava muito aflita porque era casada com um homem que não é cristão e que sempre se gloriava contra ela dizendo que ele apesar de não ser cristão tinha uma vida não atribulada, e que ela, sendo cristã, estava cheia de aflições e tribulações.
E o argumento final do diabo através dele para ela era o seguinte, conforme costuma ser o de sempre: “Onde estava o Deus dela?” “Onde estava o Seu poder e amor por ela para livrá-la, e dar-lhe uma vida sem problemas tal como a dele?”.
Isto pode soar verdadeiro, mas como ela sofria por amor à justiça de Cristo, por se manter firme no seu testemunho de cristã fiel, quem estava de fato em grande perigo e debaixo de grande desagrado e ira de Deus era ele, e não ela.
Caso ele não venha a se arrepender de seus pecados e se converter a Cristo lhe aguarda um terrível inferno de fogo no qual passará toda a eternidade, enquanto sua esposa, uma vez vencidas as leves e momentâneas tribulações que temos neste mundo, será achada no paraíso, ao lado de Cristo, para um viver glorioso pelos séculos dos séculos sem fim.
Elifaz reconhecia que todo homem é atribulado neste mundo, mas não sabia que Deus somente corrige aos Seus filhos, porque os ama.
A telogia de Elifaz, afirmava o oposto a esta verdade, porque segundo ele, somente os ímpios são corrigidos, e não aqueles que confiam em Deus.
Ele considerou de modo simplista que Jó deveria fazer como ele, que em suas tribulações buscava socorro em Deus para ser livrado delas; porque estava convicto de que Ele põe num lugar alto os abatidos; e os que choram são exaltados à segurança (v. 11).
Mais uma vez, havia verdade nas palavras de Elifaz, mas isto não é uma regra absoluta, porque Deus, em Sua soberania, permite que os justos sofram neste mundo injustamente, porque Lhe é coisa agradável vê-los triunfar sobre o mal com a prática do bem, e sendo pacientes em suas tribulações, até que sejam revestidos de graça e poder pelo Espírito Santo, para suportá-las.
O apóstolo Pedro admitiu que somos contristados por várias tribulações, se necessário for, para o aperfeiçoamento da nossa fé. Então temos tristezas misturadas à nossa alegria, em nossa jornada terrena, rumo à Canaã celestial.
Podemos dizer que o cristão é alguém alegre com as tristezas que o acompanham neste mundo. Isto é uma realidade que não se pode negar, porque Deus mesmo impõe tais tristezas para vários propósitos úteis: para gerar contrição, arrependimento, fortalecimento de fé etc.
Não se pode portanto afirmar que alguém deve se converter a Cristo para escapar de todo e qualquer tipo de sofrimento, porque isto não é verdade, e o próprio Cristo nos chama a carregarmos com paciência e voluntariamente a nossa própria cruz, e que devemos participar em alguma medida do mesmo cálice de sofrimentos que Ele teve que experimentar por amor a nós.
Não devemos buscar tribulações e sofrimentos, mas não devemos estranhá-los, se Deus, em Sua providência, enviá-los a nós para sermos provados, tal como havia feito com Jó no passado.



“1 Chama agora; há alguém que te responda; E a qual dentre os entes santos te dirigirás?
2 Pois a dor destrói o louco, e a inveja mata o tolo.
3 Bem vi eu o louco lançar raízes; mas logo amaldiçoei a sua habitação:
4 Seus filhos estão longe da segurança, e são pisados nas portas, e não há quem os livre.
5 A sua messe é devorada pelo faminto, que até dentre os espinhos a tira; e o laço abre as fauces para a fazenda deles.
6 Porque a aflição não procede do pó, nem a tribulação brota da terra;
7 mas o homem nasce para a tribulação, como as faíscas voam para cima.
8 Mas quanto a mim eu buscaria a Deus, e a Deus entregaria a minha causa;
9 o qual faz coisas grandes e inescrutáveis, maravilhas sem número.
10 Ele derrama a chuva sobre a terra, e envia águas sobre os campos.
11 Ele põe num lugar alto os abatidos; e os que choram são exaltados à segurança.
12 Ele frustra as maquinações dos astutos, de modo que as suas mãos não possam levar coisa alguma a efeito.
13 Ele apanha os sábios na sua própria astúcia, e o conselho dos perversos se precipita.
14 Eles de dia encontram as trevas, e ao meio-dia andam às apalpadelas, como de noite.
15 Mas Deus livra o necessitado da espada da boca deles, e da mão do poderoso.
16 Assim há esperança para o pobre; e a iniquidade tapa a boca.
17 Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus corrige; não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso.
18 Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mãos curam.
19 Em seis angústias te livrará, e em sete o mal não te tocará.
20 Na fome te livrará da morte, e na guerra do poder da espada.
21 Do açoite da língua estarás abrigado, e não temerás a assolação, quando chegar.
22 Da assolação e da fome te rirás, e dos animais da terra não terás medo.
23 Pois até com as pedras do campo terás a tua aliança, e as feras do campo estarão em paz contigo.
24 Saberás que a tua tenda está em paz; visitarás o teu rebanho, e nada te faltará.
25 Também saberás que se multiplicará a tua descendência e a tua posteridade como a erva da terra.
26 Em boa velhice irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.
27 Eis que isso já o havemos inquirido, e assim o é; ouve-o, e conhece-o para teu bem.”


Jó 6

Ao Sofredor Deve se Mostrar Misericórdia

Nós vemos no sexto capitulo do livro de Jó, que depois de ter sido acusado por Elifaz Jó se defendeu sem atribuir injustiça a Deus, quando disse que era o próprio Deus quem estava cravando nele as Suas flechas de aflição, em cujas pontas havia veneno para fazer definhar o espírito, pois estava aterrorizado pelos terrores que o Senhor havia lançado contra o seu espírito (v. 4).
Por isso a sua mágoa e calamidade eram mais pesadas para ele do que a areia dos mares, e era por causa daquela grande e terrível angústia que havia falado do modo temerário (precipitadamente) que levou Elifaz a julgá-lo incorretamente, como um pecador murmurador impenitente; quando na verdade estava dando vazão a toda a grande angústia que havia se apoderado da sua alma.
Ele estava se queixando porque lhe foi retirado todo o amparo e tudo aquilo em que encontrava alento e segurança.
Por isso disse, para que fosse entendido, que um asno não zurrará enquanto tiver capim diante de si para ser alimentado, e nem o boi mugirá enquanto houver pasto. O seu capim, se podemos assim dizer, e o seu pasto lhe haviam sido tirados, e ele estava lamentando pela falta do que era necessário à sua subsistência e paz de espírito.
Que sabor ele poderia achar na vida naquelas condições? Era como uma comida sem sal ou como uma clara de ovo que não tem qualquer sabor.
Todavia, como Deus não atendia ao clamor do seu espírito por libertação daquela condição angustiosa, melhor seria se fosse do Seu agrado, que o esmagasse logo e desse cabo da sua vida, para ser livrado daquela terrível angústia que lhe parecia que somente seria agravada e não mais teria fim. Qual seria pois, segundo Jó pensava, o proveito em que fosse prolongada?
Se Deus desse cabo da sua vida, aquilo seria para ele uma grande misericórdia e consolação, e poderia ter até mesmo alguma alegria no meio de toda aquela dor, que não lhe dava tréguas, porque sabia que compareceria em espírito aprovado diante de Deus, porque nunca havia negado as palavras do Santo, uma vez que havia vivido em verdadeira justiça e santidade de vida.  
Ele estava convicto disto, porque a sua consciência em nada lhe acusava, quanto era sincero o seu empenho e diligência em se apresentar aprovado diante do Senhor, por praticar somente aquilo que Lhe era agradável.
Jó mostrou a seus amigos, especialmente a Elifaz, que lhe havia acusado diretamente, que não havia dolo nele, pelo simples fato de ter derramado a sua queixa perante Deus, lamentando a sua existência por ter sido entregue a um tão grande sofrimento.
Suas forças lhe haviam abandonado completamente. Afinal ele não era da constituição da pedra ou do bronze, mas da fraca carne que enferma e enfraquece.
Seu espírito havia definhado a tal ponto que não havia nele próprio qualquer esperança para achar bom ânimo com suas próprias forças.
Portanto, era de se esperar que este conforto e socorro lhe viesse da parte dos seus amigos.
Contudo, o que eles estavam fazendo não poderia lhe dar qualquer consolo, porque em vez de lhe mostrarem compaixão, estavam lhe acusando duramente de ter pecado contra Deus.
Jó sabia por experiência, em seus aconselhamentos que fazia, antes da sua provação, que até mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso, deve-se mostrar compaixão (v. 14), e ele fazia isto, por exemplo, em relação a seus filhos, enquanto viviam, pois apresentava sacrifícios para expiação da culpa e do pecado por eles, como sacerdote de sua casa, para que fossem perdoados por Deus, de algum pecado que pudessem ter cometido contra Ele.
Ele confiava no valor do sangue para a expiação da culpa e do pecado, conforme o Senhor havia ensinado a Seus servos, desde os dias de Adão.
O que Jó fazia era portanto um ato de fé na promessa de Deus, de que se mostraria misericordioso a todo aquele que confiasse nEle e no meio que estabelecera para o perdão dos pecados, a saber, a apresentação de sacrifícios que ensinavam em figura que a expiação dos nossos pecados é feita pelo sacrifício de Jesus.    
No entanto, seus amigos, a quem ele chamou de “meus irmãos” (v. 15) haviam agido aleivosamente, como as torrentes de um rio que passa, e que uma vez que tenham passado por nós, já não podem ser de qualquer serventia, porque não poderemos usar estas águas que passaram.
Eles foram para ele como as caravanas que se perdiam de seus cursos no deserto, e que não podiam mais atingir o objetivo para onde levariam os seus víveres, porque pereceriam no deserto.
E todos aqueles que pusessem neles a sua esperança viriam por fim a ficarem frustrados porque seriam impedidos de serem ajudados.
Seus amigos haviam se desviado do curso, porque vieram consolá-lo, e no entanto, estavam somente lhe acusando de pecados que não havia cometido.
Eles haviam de fato perdido o seu rumo, e não poderiam portanto, serem de qualquer serventia para ele, quanto a ser consolado.
Jó não lhes havia pedido qualquer consolo, ou presente, ou oferta dos seus bens, para suprir a sua presente carência. Nem lhes havia pedido que o livrassem das mãos do adversário que o oprimia.
No entanto, eles estavam reprovando as palavras que haviam sido proferidas por um desesperado na sua grande angústia.
Que grandes consoladores eles eram, para não dizer o contrário, porque se mostravam incapazes de mostrar verdadeiramente misericórdia pela condição terrível em que ele se encontrava.
Se houvesse um verdadeiro ensino e entendimento no que eles falavam, Jó diz que se calaria, e aceitaria corrigir-se naquilo em que estivesse errado (v. 24).
Mas eles diagnosticaram o seu estado meramente pelas palavras de desabafo que havia proferido.
Não estavam portanto em condições de lhe ensinarem nada segundo a reta justiça.
Então ele lhes rogou que mudassem de parecer para que não continuassem naquele caminho de injustiça, porque a causa de Jó era justa, e eles lhe haviam condenado como se fosse injusto aos olhos de Deus, coisa que ele não era de modo algum.
Ele queria poupá-los de um possível juízo de Deus, por estarem sendo injustos com ele, e por isso lhes rogou que mudassem de parecer em relação a ele.


“1 Então Jó, respondendo, disse:
2 Quem dera de fato se pesasse a minha mágoa, e juntamente na balança se pusesse a minha calamidade!
3 Pois, na verdade, seria mais pesada do que a areia dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido temerárias.
4 Porque as flechas do Todo-Poderoso se cravaram em mim, e o meu espírito suga o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam contra mim.
5 Zurrará o asno montês quando tiver erva? Ou mugirá o boi junto ao seu pasto?
6 Pode se comer sem sal o que é insípido? Ou há gosto na clara do ovo?
7 Nessas coisas a minha alma recusa tocar, pois são para mim qual comida repugnante.
8 Quem dera que se cumprisse o meu rogo, e que Deus me desse o que anelo!
9 que fosse do agrado de Deus esmagar-me; que soltasse a sua mão, e me exterminasse!
10 Isto ainda seria a minha consolação, e exultaria na dor que não me poupa; porque não tenho negado as palavras do Santo.
11 Qual é a minha força, para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para que me porte com paciência?
12 É a minha força a força da pedra? Ou é de bronze a minha carne?
13 Na verdade não há em mim socorro nenhum. Não me desamparou todo o auxílio eficaz?
14 Ao que desfalece devia o amigo mostrar compaixão; mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso.
15 Meus irmãos houveram-se aleivosamente, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam,
16 os quais se turvam com o gelo, e neles se esconde a neve;
17 no tempo do calor vão minguando; e quando o calor vem, desaparecem do seu lugar.
18 As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao deserto, e perecem.
19 As caravanas de Tema olham; os viandantes de Sabá por eles esperam.
20 Ficam envergonhados por terem confiado; e, chegando ali, se confundem.
21 Agora, pois, tais vos tornastes para mim; vedes a minha calamidade e temeis.
22 Acaso disse eu: Dai-me um presente? Ou: Fazei-me uma oferta de vossos bens?
23 Ou: Livrai-me das mãos do adversário? Ou: Resgatai-me das mãos dos opressores ?
24 Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei.
25 Quão poderosas são as palavras da boa razão! Mas que é o que a vossa arguição reprova?
26 Acaso pretendeis reprovar palavras, embora sejam as razões do desesperado como vento?
27 Até quereis lançar sortes sobre o órfão, e fazer mercadoria do vosso amigo.
28 Agora, pois, por favor, olhai para, mim; porque de certo à vossa face não mentirei.
29 Mudai de parecer, peço-vos, não haja injustiça; sim, mudai de parecer, que a minha causa é justa.


30 Há iniquidade na minha língua? Ou não poderia o meu paladar discernir coisas perversas?” (Jó 6)


Jó 7

Sofrimentos Intensos Intercalados por Deus no Curso da Vida

Não era Deus quem estava produzindo diretamente toda aquela grande aflição em Jó, mas Satanás, mas como tudo fora feito pela permissão divina, então Jó dirige suas queixas dizendo que era o próprio Deus quem lhe estava afligindo, conforme se vê no sétimo capitulo do seu livro.
A sua enfermidade não lhe permitia sequer dormir sossegado.
As feridas de seu corpo cicatrizavam em duras cascas que tornavam a se abrir, e isto causava uma dor ainda maior, porque a região onde ocorre a rachadura se torna ainda mais sensível.
A enfermidade não dava sinal de melhoras, antes progredia, dando a Jó a impressão de que todo aquele sofrimento ainda aumentaria mais até culminar com a sua morte.
Então ele pediu ao Senhor que fizesse cessar aquela agressão brutal que estava sofrendo sem poder esboçar qualquer tipo de defesa contra ela, ou acalentar qualquer esperança de melhora.
Muito deveria estar doendo em Jó o ter que suspender a sua devoção diária a Deus, e os serviços que realizava em Seu nome para o bem do próximo. Ele havia se tornado agora um fardo inútil e imprestável.
Ele não podia entender por qual motivo Deus estava fazendo aquilo com ele, uma vez que não havia nenhum proveito imediato e direto para quem quer que fosse, em toda aquela sua grande aflição e angústia.
Ele considerava que todo o serviço que vinha fazendo para Deus lhe trouxera como pagamento aqueles meses de escassez e as noites de aflição que havia ordenado para ele (v. 4).
Jó sabia que nossa vida é como um sopro que logo passa, e que somos impedidos, pela morte, de continuar nos relacionando com aqueles que viveram ao nosso redor. Então indagou a Deus qual seria o proveito de mantê-lo em vida naquele estado deplorável.
Ele havia sido isolado em vida de todos os seus familiares e da convivência de todas as pessoas que se encontravam sob a sua influência. Era já como alguém que havia morrido. Por que motivo então Deus o mantinha existindo sobre a terra, já que lhe havia antecipado a sentença que recai sobre aqueles que morrem?
Ele considerou portanto, que era justa a sua queixa, porque até mesmo quando pensava que teria algum alívio em seu leito, até ali, era espantado com sonhos e com visões atemorizantes.
 Sua vida havia se tornado um grande vazio e por isso pediu a morte a Deus, porque abominava aquela forma de vida que estava sendo obrigado a viver (v. 15,16).
A consciência de Jó em nada lhe condenava, mas se tudo aquilo lhe havia sobrevindo por algum pecado que lhe fosse oculto, então pediu a Deus, sabendo o quanto Ele é perdoador, que tirasse então esta iniquidade que estava oculta a seus olhos e que perdoasse a sua transgressão.


“1 Porventura não tem o homem duro serviço sobre a terra? E não são os seus dias como os do jornaleiro?
2 Como o escravo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
3 assim se me deram meses de escassez, e noites de aflição se me ordenaram.
4 Havendo-me deitado, digo: Quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me revolver na cama até a alva.
5 A minha carne se tem vestido de vermes e de torrões de pó; a minha pele endurece, e torna a rebentar-se.
6 Os meus dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão, e chegam ao fim sem esperança.
7 Lembra-te de que a minha vida é um sopro; os meus olhos não tornarão a ver o bem.
8 Os olhos dos que agora me veem não me verão mais; os teus olhos estarão sobre mim, mas não serei mais.
9 Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir.
10 Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar o conhecerá mais.
11 Por isso não reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amargura da minha alma.
12 Sou eu o mar, ou um monstro marinho, para que me ponhas uma guarda?
13 Quando digo: Confortar-me-á a minha cama, meu leito aliviará a minha queixa,
14 então me espantas com sonhos, e com visões me atemorizas;
15 de modo que eu escolheria antes a estrangulação, e a morte do que estes meus ossos.
16 A minha vida abomino; não quero viver para sempre; retira-te de mim, pois os meus dias são vaidade.
17 Que é o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas sobre ele o teu pensamento,
18 e cada manhã o visites, e cada momento o proves?
19 Até quando não apartarás de mim a tua vista, nem me largarás, até que eu possa engolir a minha saliva?
20 Se peco, que te faço a ti, ó vigia dos homens? Por que me fizeste alvo dos teus dardos? Por que a mim mesmo me tornei pesado?


21 Por que me não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniquidade? Pois agora me deitarei no pó; tu me buscarás, porém eu não serei mais.” (Jó 7)


Jó 8

Uma Teologia sem a Graça Não é Verdadeira

Depois que Jó pediu a Deus que o matasse, Bildade começou a falar também repreendendo a Jó por causa das palavras que ele havia proferido, às quais chamou de vento impetuoso que havia saído da sua boca, conforme vemos no oitavo capítulo de Jó.
O argumento de Bildade era basicamente o seguinte:
Jó não tinha o direito de se queixar e de falar daquela maneira, porque Deus é sempre justo, e jamais perverterá o direito, ou seja, Ele sempre julgará com justiça, de forma que tudo o que ocorrer na terra, terá sido o resultado de um julgamento perfeitamente correto da parte de Deus.
Então ele citou como exemplo o fato de Jó ter sido poupado em vida, enquanto seus filhos haviam sido mortos por causa da iniquidade deles.
Se Deus havia matado os filhos de Jó é porque eles o mereciam por causa da maldade que certamente haviam praticado contra Ele, e sabia que não se arrependeriam de seus pecados.
Mas Jó, deveria considerar que tendo sido mantido em vida, é porque Deus sabia que ele poderia buscá-lo e procurar achar lugar de arrependimento perante Ele, para ser curado de todo aquele mal, e ser livrado da morte.
Então, segundo Bildade, Jó estava errado em pedir que Deus o matasse, porque o alvo de Deus era que ele se arrependesse de seus pecados para que pudesse lhe restaurar a saúde e mantê-lo em vida saudável e próspera.
Para dar respaldo à sua teologia, na qual não havia qualquer espaço para a graça e longanimidade divinas, Bildade apelou ao testemunho dos antigos, como a dizer, que não falava por si mesmo, mas do que aprendera da sabedoria dos seus antepassados.
Ele apelou também para as evidências que são apresentadas pela própria natureza, de maneira que nenhum ser pode se desenvolver bem, a não ser no seu habitat que seja propício a tal desenvolvimento.
Ele queria convencer a Jó que assim como o papiro não pode crescer fora de um pântano, de igual modo o junco não pode se desenvolver sem um grande suprimento de água.
Então Jó deveria considerar por estes exemplos o seu próprio caso, porque se fosse de fato justo, seria como um junco junto à água da bondade divina, e não estaria perecendo daquela forma terrível.
Que esperança Jó poderia ter como ímpio, longe de Deus, que é a fonte da verdadeira vida?
Ele não poderia ter segurança em sua própria casa, e por isso lhe sobreviera todo aquele mal.
Ele deveria portanto clamar a Deus, buscar a Deus, e se arrepender dos seus pecados.
A gente chega a tremer quando percebe quantos Bildades há na Igreja com sua teologia rápida e rasteira de derrubar quem está ferido apenas com argumentos de justiça e santidade, sem qualquer espaço para perdão ou misericórdia.
Eles apagam os pavios fumegantes e quebram as canas quebradas.
Não são reparadores de brechas e restauradores de veredas para caminhar, conforme a promessa do Senhor para a vocação da Igreja, em Isaías.
Não são embaixadores em nome de Cristo oferecendo a reconciliação dos pecadores com Deus. Antes, são os seus exatores, os seus condenadores, sob a capa da falsa consolação de que devem apenas buscar a Deus e confessarem seus pecados, que tudo o mais irá prosperar sempre em suas vidas, segundo a expectativa do mundo, quanto àquilo que eles consideram um viver abençoado.
Falsos consoladores desprovidos de qualquer misericórdia.
Homens religiosos que falam em nome de Deus e da Sua justiça e santidade, sem que a conheçam de fato, manifestada na pessoa de Cristo morrendo pelos pecadores na cruz.
Mandam o pecador que está morrendo ir para casa e ficar em oração e lendo a Bíblia para que possa achar a salvação, em vez de levarem o mesmo a confessar a Cristo como Senhor para o perdão imediato de todos os seus pecados, e para a salvação instantânea da sua alma.
Este caminho de graça e misericórdia é muito fácil e rápido para o legalismo deles, porque gostam de se sentir em melhores condições diante de Deus do que aqueles que eles pensam estar consolando, amarrando os fardos pesados da justiça própria que atam nos ombros dos pecadores, e que eles não se dispõem a ajudá-los a carregar, sequer tocando um só dedo nestes fardos.
Na teologia dos Bildades Deus jamais rejeitará somente os retos, mas nunca tomará pela mão os malfeitores (v. 20). No entanto, Jesus não veio para os justos e para os que são sadios, mas para os pecadores e para os que são enfermos. Ele os curará e salvará, tão somente caso se acheguem a Ele, porque não rejeitará a nenhum que o busque para ser salvo.                  



“1 Então respondeu Bildade, o suíta, dizendo:
2 Até quando falarás tais coisas, e até quando serão as palavras da tua boca qual vento impetuoso?
3 Perverteria Deus o direito? Ou perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
4 Se teus filhos pecaram contra ele, ele os entregou ao poder da sua transgressão.
5 Mas, se tu com empenho buscares a Deus, e ao Todo-Poderoso fizeres a tua súplica,
6 se fores puro e reto, certamente mesmo agora ele despertará por ti, e tornará segura a habitação da tua justiça.
7 Embora tenha sido pequeno o teu princípio, contudo o teu último estado aumentará grandemente.
8 Indaga, pois, eu te peço, da geração passada, e considera o que seus pais descobriram.
9 Porque nós somos de ontem, e nada sabemos, porquanto nossos dias sobre a terra, são uma sombra.
10 Não te ensinarão eles, e não te falarão, e do seu entendimento não proferirão palavras?
11 Pode o papiro desenvolver-se fora de um pântano. Ou pode o junco crescer sem água?
12 Quando está em flor e ainda não cortado, seca-se antes de qualquer outra erva.
13 Assim são as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; a esperança do ímpio perecerá,
14 a sua segurança se desfará, e a sua confiança será como a teia de aranha.
15 Encostar-se-á à sua casa, porém ela não subsistirá; apegar-se-lhe-á, porém ela não permanecerá.
16 Ele está verde diante do sol, e os seus renovos estendem-se sobre o seu jardim;
17 as suas raízes se entrelaçam junto ao monte de pedras; até penetra o pedregal.
18 Mas quando for arrancado do seu lugar, então este o negará, dizendo: Nunca te vi.
19 Eis que tal é a alegria do seu caminho; e da terra outros brotarão.
20 Eis que Deus não rejeitará ao reto, nem tomará pela mão os malfeitores;
21 ainda de riso te encherá a boca, e os teus lábios de louvor.
22 Teus aborrecedores se vestirão de confusão; e a tenda dos ímpios não subsistirá.” (Jó 8)


Jó 9

Nossa Justiça Própria Não é Suficiente para nos Justificar

Comentário no capítulo 10.

“1 Então Jó respondeu, dizendo:
2 Na verdade sei que assim é; mas como pode o homem ser justo para com Deus?
3 Se alguém quisesse contender com ele, não lhe poderia responder uma vez em mil.
4 Ele é sábio de coração e poderoso em forças; quem se endureceu contra ele, e ficou seguro?
5 Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor;
6 o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem;
7 o que dá ordens ao sol, e ele não nasce; o que sela as estrelas;
8 o que sozinho estende os céus, e anda sobre as ondas do mar;
9 o que fez a ursa, o Oriom, e as Plêiades, e as recâmaras do sul;
10 o que faz coisas grandes e insondáveis, e maravilhas que não se podem contar.
11 Eis que ele passa junto a mim, e, não o vejo; sim, vai passando adiante, mas não o percebo.
12 Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?
13 Deus não retirará a sua ira; debaixo dele se curvaram os aliados de Raabe;
14 quanto menos lhe poderei eu responder ou escolher as minhas palavras para discutir com ele?
15 Embora, eu seja justo, não lhe posso responder; tenho de pedir misericórdia ao meu juiz.
16 Ainda que eu chamasse, e ele me respondesse, não poderia crer que ele estivesse escutando a minha voz.
17 Pois ele me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa.
18 Não me permite respirar, antes me farta de amarguras.
19 Se fosse uma prova de força, eis-me aqui, diria ele; e se fosse questão de juízo, quem o citaria para comparecer?
20 Ainda que eu fosse justo, a minha própria boca me condenaria; ainda que eu fosse perfeito, então ela me declararia perverso:
21 Eu sou inocente; não estimo a mim mesmo; desprezo a minha vida.
22 Tudo é o mesmo, portanto digo: Ele destrói o reto e o ímpio.
23 Quando o açoite mata de repente, ele zomba da calamidade dos inocentes.
24 A terra está entregue nas mãos do ímpio. Ele cobre o rosto dos juízes; se não é ele, quem é, logo?
25 Ora, os meus dias são mais velozes do que um correio; fogem, e não veem o bem.
26 Eles passam como balsas de junco, como águia que se lança sobre a presa.
27 Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, mudarei o meu aspecto, e tomarei alento;
28 então tenho pavor de todas as minhas dores; porque bem sei que não me terás por inocente.
29 Eu serei condenado; por que, pois, trabalharei em vão?
30 Se eu me lavar com água de neve, e limpar as minhas mãos com sabão,
31 mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão.
32 Porque ele não é homem, como eu, para eu lhe responder, para nos encontrarmos em juízo.
33 Não há entre nós árbitro para pôr a mão sobre nós ambos.
34 Tire ele a sua vara de cima de mim, e não me amedronte o seu terror;
35 então falarei, e não o temerei; pois eu não sou assim em mim mesmo.” (Jó 9)



Jó 10

Nossa Justiça Própria Não é Suficiente para nos Justificar

O discurso legalista de Bildade não foi capaz de demover Jó da ideia de pedir a Deus que o matasse.
Ao contrário deu ensejo a que Jó respondesse no início do nono capítulo ao legalismo de Bildade com a graça de Deus.
Bildade estava falando da justiça que é operada pelo próprio homem, e que de modo nenhum pode justificá-lo perante Deus. Bildade não sabia disto, mas Jó bem conhecia esta verdade, porque apesar de se declarar justo, ele não o fazia confiado na sua justiça própria, e bem sabia que esta justiça do próprio homem ainda o mantém condenável perante o perfeitamente justo e santo Deus.
Jó reconhecia juntamente com Bildade que é necessário que o homem se apresente justo diante de Deus, mas sabia ao mesmo tempo que ninguém pode por si mesmo ser justo aos olhos de Deus (Jo 9.1,2).
Que argumentos pode o homem apresentar a Deus, estando em debate com Ele, para comprovar que é justo?
Como pode a criatura contender com o Criador de todas as coisas? O Deus que tudo vê e controla e que no entanto é invisível? (v. 11)
Ele tem o direito de fazer o que quiser com tudo o que criou, porque tudo lhe pertence, e quem poderia impedi-lo de fazê-lo, ou questionar os seus motivos? (v. 12)
Antes, se iraria de todo com estes contendedores que ousam questionar os Seus atos.
Jó, em sua humildade, sabia que não teria palavras para discutir com Deus para ser livrado das coisas que estava sofrendo, por poder convencer-Lhe da Sua própria justiça. Mesmo sendo justo, nada poderia responder a Deus, senão somente pedir-lhe misericórdia, por ser o Seu juiz. (v. 14,15)
Ainda que obtivesse uma resposta de Deus ao seu clamor, não poderia contar que Ele aceitasse os seus argumentos para convencer-Lhe da sua própria justiça (v. 16).
Sem que o fizesse, o que seria uma grande afronta para o Juiz de toda a terra, já estava sofrendo da parte dEle toda aquela grande aflição, então, tentar argumentar em termos de sua justiça própria só faria agravar o seu caso.
Além disso, se ele se apresentasse em juízo para ser julgado por Deus, quem teria poder para convocar o Senhor para julgar o seu caso?
De modo que ainda que fosse possível ser perfeitamente justo, pela justiça própria, a sua própria boca o condenaria perante Deus, e ela declararia a sua perversidade.
Jó não tinha sua vida preciosa a seus próprios olhos, não buscava honra para si mesmo, e ainda assim, em sua inocência em relação a isto, estava sendo destruído por Deus, e então somente poderia concluir que Ele destrói tanto o reto quanto o ímpio (v. 22).
Nem mesmo o seu sofrimento poderia purificá-lo tornando-o justo perante Deus.
Então todo o trabalho, todo o esforço no sentido de buscar ser julgado por Deus para ser inocentado, se revelaria no final, um trabalho vão, porque Deus não o tomaria por inocente. Então o seu livramento não seria baseado na sua inocência, porque ninguém é inocente perante este Deus terrível e santo.
Ainda que se lavasse com a água pura extraída da neve, e que limpasse suas mãos com sabão, Jó estava convicto que Deus mesmo assim o submergiria no fosso.
Ele sabia que Deus não é homem, como ele era, para que pudesse lhe falar de igual para igual em juízo.
E que não há ninguém que possa se colocar como árbitro entre Deus e os homens.
Então, se buscar ser achado justificado por Deus baseado em sua própria justiça, a causa do homem já se encontra desde o início, perdida.
Para que pudesse falar com Deus, sem temor, seria necessário que Deus tirasse primeiro a vara da disciplina que havia colocado sobre ele, e que removesse o terror que havia trazido sobre ele.
Por isso Jó disse a seus amigos que a única coisa que lhe restava como direito era poder dar livre curso à sua queixa e falar da amargura da sua alma, porque estava cheio de tédio pela sua própria vida (Jó 10.1). Ele esperava que ao menos com isso, achasse misericórdia diante de Deus, movendo a Sua compaixão em favor dele.
E se devesse dizer algo a Deus, somente lhe pediria que não o condenasse, e que lhe fizesse saber por que estava contendendo com ele, porque afinal Deus e a Sua vontade era tudo para ele.
Jó estava convicto da sua integridade perante o Senhor, e sabia que Deus também sabia que ele não era ímpio (v. 7). Então por que estava tendo prazer em oprimi-lo e em desprezá-lo, favorecendo o desígnio dos ímpios que lhe estavam desprezando e zombando dele? (v. 3).
Afinal, Jó sabia que Deus não vê e não avalia e julga conforme fazem os homens, de modo que não poderia deixar de ser misericordioso para com as nossas faltas eventuais e que não temos prazer de cometer por sabermos o quanto entristecem o Seu Espírito.
Jó reconhecia que ele, como todo homem, era obra das mãos de Deus. Foi o Senhor que o tecera no ventre da sua mãe e que colocara nele o espírito, conservando-o em Sua providência, para que não se desfizesse como o corpo natural que torna ao pó na morte (v. 10 a 12).
Contudo, Deus guardou para Si o modo como criou o homem, porque isto foi da Sua vontade. Mas revelou ao homem que o criara para ser santo e responsável perante Ele, de maneira que nenhuma iniquidade pode ser absolvida por causa da justiça perfeita de Deus.
Por isso Jesus teve que morrer na cruz, porque Deus não pode absolver o culpado, senão perdoá-lo. Cristo sofreu a condenação, de modo que não houve absolvição da culpa, mas pagamento da pena de modo perfeito por Cristo na cruz.  
De modo que o icrédulo não poderá achar misericórdia no juízo, uma vez que não pode ser absolvido da culpa que tem perante Deus, por que não tem depositado sua fé em Cristo, que foi o único que carregou sobre Si a nossa culpa.
E o próprio justo, como tem sido justificado pela graça que há em Cristo, e por ser ainda pecador enquanto estiver neste mundo, não pode levantar a cabeça perante o Senhor por sua própria justiça, porque está farto de ignomínia, e de contemplar a sua própria miséria (v. 15).
Por isso, mesmo ao justo altivo que andar na soberba, Deus o caçará como um leão feroz para abatê-lo em sua exaltação.
Há miríades de testemunhas de Deus (anjos) que podem no acusar perante Ele dos nossos pecados.
Jó não tinha a esperança e o consolo do céu que nós temos, porque isto não havia ainda sido revelado por Deus, na plenitude em que foi revelado a nós.
Ele pensava que o espírito, mesmo do justo, iria depois da morte, para um lugar de escuridão e densas trevas, juntamente com o seu corpo (v. 22).
Então, quando estava pedindo a Deus que o matasse estava apenas querendo um pouco de alívio das suas presentes condições, mas não para ir para um lugar de descanso e glória, porque considerava que tão grande era a justiça e a santidade de Deus, que não lhe seria permitido, como pecador, estar em Sua presença nas alturas do céu.
 Havia portanto este deficiência de conhecimento de muitas coisas relativas à pessoa de Deus que somente nos foram clara e diretamente reveladas por meio de Cristo.
A teologia de Jó não poderia ser perfeita, apesar de ser muito superior à dos seus amigos.


“1 Tendo tédio à minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma:
2 Direi a Deus: Não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo.
3 Tens prazer em oprimir, em desprezar a obra das tuas mãos e favorecer o desígnio dos ímpios?
4 Tens tu olhos de carne? Ou vês tu como vê o homem?
5 São os teus dias como os dias do homem? Ou são os teus anos como os anos de um homem,
6 para te informares da minha iniquidade, e averiguares o meu pecado,
7 ainda que tu sabes que eu não sou ímpio, e que não há ninguém que possa livrar-me da tua mão?
8 As tuas mãos me fizeram e me deram forma; e te voltas agora para me consumir?
9 Lembra-te, pois, de que do barro me formaste; e queres fazer-me tornar ao pó?
10 Não me vazaste como leite, e não me coalhaste como queijo?
11 De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste.
12 Vida e misericórdia me tens concedido, e a tua providência me tem conservado o espírito.
13 Contudo ocultaste estas coisas no teu coração; bem sei que isso foi o teu desígnio.
14 Se eu pecar, tu me observas, e da minha iniquidade não me absolverás.
15 Se for ímpio, ai de mim! Se for justo, não poderei levantar a minha cabeça, estando farto de ignomínia, e de contemplar a minha miséria.
16 Se a minha cabeça se exaltar, tu me caças como a um leão feroz; e de novo fazes maravilhas contra mim.
17 Tu renovas contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estão comigo.
18 Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se então tivera expirado, e olhos nenhuns me vissem!
19 Então fora como se nunca houvera sido; e da madre teria sido levado para a sepultura.
20 Não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento;
21 antes que me vá para o lugar de que não voltarei, para a terra da escuridão e das densas trevas,
22 terra escuríssima, como a própria escuridão, terra da sombra trevosa e do caos, e onde a própria luz é como a escuridão.” (Jó 10)

Jó 11

Deus Atende às Nossas Queixas?

As feridas de Jó estavam sangrando e a sua dor não cessava, no entanto, nenhum dos seus amigos trouxe óleo ou bálsamo para aliviá-lo, ao contrário estavam lançando vinagre sobre a sua alma, afligindo-o ainda mais, como também fez Zofar neste 11º capítulo, acusando-o de pecados que ele não havia cometido.
Não podemos esquecer do testemunho que o próprio Deus havia dado sobre Jó, antes de permitir que o diabo o afligisse, de que era homem reto e íntegro, temente a Deus e que se desviava do mal.
Deus estava contente com Jó e se regozijava nele.
Portanto, não era por nenhuma iniquidade que tivesse praticado que lhe sobreviera todo aquele sofrimento.
Ele não estava sendo castigado ou corrigido por Deus.
Como vimos nos dois primeiros capítulos, a causa do sofrimento de Jó, é que Deus permitira ao diabo que a sua fé fosse provada.
Quanto a isto, Jó não é um caso isolado, porque todos os cristãos são provados, especialmente aqueles que são mais fiéis ao Senhor, para que sejam mais santos ainda.
A vocação do justo é se tornar mais justo ainda, conforme palavras de nosso Senhor no final do livro de Apocalipse, e este progresso em justiça é forjado pelas provações.
Certamente, é isto o que incomoda a muitos, tal como havia incomodado aos amigos de Jó.
Eles bem conheciam a sua reputação de homem sábio e justo.
A justiça, a misericórdia e a bondade de Jó, superava em muito a deles, tal como a dos cristãos supera a dos escribas e fariseus.
Isto gera, de modo sutil e muitas vezes de modo encoberto aos olhos daqueles que são por ela tomados, inveja espiritual daqueles que se aproximam em graus elevados ao próprio caráter de Deus.
Isto é o que os torna diferentes e que lhes faz alvo da perseguição de outros.
Podemos dizer, portanto, que o que os amigos de Jó estavam fazendo era uma perseguição espiritual. Um ataque de revanche motivado pela inveja.  
Eles não perderiam a oportunidade de tentar convencer Jó que não era tão justo e santo quanto pensava ser.
Ainda que nada tivessem algo para acusá-lo diretamente, eles atacariam a sua reputação com ruins suspeitas e acusações vazias, insinuando que abrigava iniquidade no seu coração.
E aproveitando-se do seu estado de fraqueza e miséria extremas, sentindo-se superiores a ele, porque não se encontravam nas mesmas condições, agiram como conselheiros, só que conselheiros molestos e implacáveis, a pretexto de estarem buscando o bem de Jó, repreendendo-o e lhe rogando que se humilhasse diante de Deus reconhecendo e confessando os seus pecados.
Isto não é algo incomum de ser visto ainda em nossos dias.
Basta que algum irmão em Cristo comece a andar no caminho da justiça, e a se consagrar de modo efetivo a Deus, e em sendo permitido pelo Senhor que seja provado em sua fé, vindo a sofrer perdas e dores, que logo o acusarão de hipócrita e de orgulhoso espiritual, tal como os amigos de Jó estavam fazendo com ele.
Zofar não aceitou a alegação de Jó de que a sua doutrina era pura, assim como estava limpo de culpa aos seus olhos, e julgou que isto era o orgulho espiritual que lhe estava trazendo aquela ruína, que segundo zofar ainda era pequena, em face do que merecia a iniquidade de Jó.
Segundo Zofar, como Jó poderia se considerar justo aos olhos de Deus, se não há nenhum mortal que possa se comparar à profundidade da Sua justiça, santidade e poder?
E como poderia o homem descobrir estas profundezas de Deus, para ser igual a Ele?
Zofar não sabia no entanto, que o homem não foi criado à imagem e semelhança de Deus, para lhe ser igual em conhecimento e em poder, mas em santidade.
Deus não justificará portanto a quem Lhe for igual em conhecimento. Ou que Lhe seja igual em poder, porque isto é algo impossível de ser obtido pelo homem.
Mas justificará a todo aquele que detestar o pecado, e crer que Ele é poderoso para santificá-lo gradualmente, até que atinja a plenitude desta santidade na glória.
Os amigos de Jó julgavam que lhe faltava tal santidade, porque pensavam que ele havia voltado as costas para Deus, e que entrara em contenda com o Criador, pelo que depreenderam das palavras de amargura que saíam da sua boca, por causa da sua grande aflição.
Tão grande era a falta de empatia deles com o grande sofrimento de Jó, tão grande era a falta de misericórdia e sensibilidade, que não puderam atinar com o fato de que o homem que se encontra grandemente debilitado haverá de pronunciar palavras de amargura em algum grau, porque nisto aprende que nada é sem a assistência da graça do Senhor. E é principalmente esta lição que Deus pretende nos ensinar em nossas aflições.
Quantas queixas e lamentos encontramos nos Salmos de Davi, e dele se diz ter sido um homem segundo o coração de Deus. Ele não recebeu nenhuma repreensão da parte do Senhor por causa disto. Ao contrário, fez com que suas palavras fossem registradas, para que aprendêssemos que no maior dos valentes, no maior dos santos, há muito gemido e dor, quando nos sentimos desamparados pela graça do Todo-Poderoso. E que é nosso dever clamar das profundidades da nossa alma, até que Ele se levante em nosso socorro, porque se compadecerá da alma aflita, que reconhece que é fraca e nada sem Ele.



“1 Então respondeu Zofar, o naamatita, dizendo:
2 Não se dará resposta à multidão de palavras? ou será justificado o homem falador?
3 Acaso as tuas jactâncias farão calar os homens? e zombarás tu sem que ninguém te envergonhe?
4 Pois dizes: A minha doutrina é pura, e limpo sou aos teus olhos.
5 Mas, na verdade, quem dera que Deus falasse e abrisse os seus lábios contra ti,
6 e te fizesse saber os segredos da sabedoria, pois é multiforme o seu entendimento; sabe, pois, que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade.
7 Poderás descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso?
8 Como as alturas do céu é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o Seol; que poderás tu saber?
9 Mais comprida é a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar.
10 Se ele passar e prender alguém, e chamar a juízo, quem o poderá impedir?
11 Pois ele conhece os homens vãos; e quando vê a iniquidade, não atentará para ela?
12 Mas o homem vão adquirirá entendimento, quando a cria do asno montês nascer homem.
13 Se tu preparares o teu coração, e estenderes as mãos para ele;
14 se há iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti, e não deixes a perversidade habitar nas tuas tendas;
15 então levantarás o teu rosto sem mácula, e estarás firme, e não temerás.
16 Pois tu te esquecerás da tua miséria; apenas te lembrarás dela como das águas que já passaram.
17 E a tua vida será mais clara do que o meio-dia; a escuridão dela será como a alva.
18 E terás confiança, porque haverá esperança; olharás ao redor de ti e repousarás seguro.
19 Deitar-te-ás, e ninguém te amedrontará; muitos procurarão obter o teu favor.
20 Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e para eles não haverá refúgio; a sua esperança será o expirar.” (Jó 11)

Jó 12

Todas as Nossas Habilidades São Dons de Deus

Os amigos de Jó queriam passar por mestres perante ele, ensinando-lhe coisas óbvias.
Jó não necessitava que ninguém lhe ensinasse que Deus é o Criador Todo-Poderoso, conforme Zofar fizera em seu discurso anterior, e que deu ocasião a esta réplica de Jó no 12º capítulo.
Ele falava com Deus antes da sua aflição, e Deus lhe respondia.
Ele sabia perfeitamente que tudo o que existe é obra das mãos do Senhor.
Deus, no entanto, em Sua soberania, decidiu permanecer em silencio diante de suas queixas, em sua grande aflição, e não lhe cabia questionar os Seus motivos.
Todavia, isto não deveria servir para se tornar motivo de chacota para os seus amigos, conforme estavam agindo com ele.
Como poderiam ser tão cegos para a realidade de que Deus não exerce prontamente o juízo sobre o mal?
Como poderiam julgar que ele sendo justo e reto estava sofrendo todo aquele mal por causa de alguma iniquidade que houvesse praticado?
Por acaso não percebiam que Deus permitia que houvesse paz na tenda dos tiranos? Ou seja, que Ele não vivia a lhes transtornar com juízos em razão da impiedade que praticavam?
Mesmo idólatras que afrontam a Deus, confiando em falsos deuses para estarem seguros, não são deixados por longo tempo sem sofrer qualquer castigo da Sua parte?
Contudo, é certo que há um Criador e um Juiz de toda a terra, mas é necessário considerar o Seu modo de julgar, especialmente o tempo do Seu juízo.
Até mesmo os animais do campo, as aves do céu, os peixes do mar, e a própria terra dão um testemunho de que há um Criador que tudo fez.
É na Sua mão divina que se encontra a alma de todo ser vivente e o espírito de todo o gênero humano. Ou seja, tudo foi criado por Ele, para estar debaixo do Seu governo, e para viver para Ele.
Assim como o sentido do paladar prova as comidas, o da audição prova as palavras. Então deveríamos ter cuidado com o que falamos porque nossas palavras serão provadas não somente pelos que nos ouvem, como também e principalmente pelo nosso Criador.
Então, não é do próprio homem que procede a sabedoria. Ela, como tudo o mais procede do Criador de tudo e de todos. O que temos que não tenhamos recebido dEle? Até mesmo dons e capacitações intelectuais nos foram dadas por Ele para serem usadas para Ele e para a Sua glória e louvor.
Tudo se encontra debaixo do Seu domínio, e assim, enfraquece a quem quer, como havia feito com Jó, como exalta a quem quer. Nisto comprova que é de fato o Senhor, e que não deve satisfações às suas criaturas, dos Seus atos em relação a elas.
Ninguém deve se gloriar de suas condições e capacitações, de suas grandezas terrenas, porque há um Criador que pode tirar aquilo que nos tem dado, e é nosso dever reconhecer que tudo o que temos e que somos, procede como dons de Sua Providência para nós.



“1 Então, Jó respondeu:
2 Na verdade, vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria.
3 Também eu tenho entendimento como vós; eu não vos sou inferior; quem não sabe coisas como essas?
4 Eu sou motivo de chacota para os meus amigos; eu, que invocava a Deus, e ele me respondia; o justo e o reto servem de chacota.
5 No pensamento de quem está seguro, há desprezo para o infortúnio, um empurrão para aquele cujos pés já vacilam.
6 As tendas dos tiranos gozam paz, e os que provocam a Deus estão seguros; têm o punho por seu deus.
7 Mas pergunta agora às alimárias, e cada uma delas to ensinará; e às aves dos céus, e elas to farão saber.
8 Ou fala com a terra, e ela te instruirá; até os peixes do mar to contarão.
9 Qual entre todos estes não sabe que a mão do SENHOR fez isto?
10 Na sua mão está a alma de todo ser vivente e o espírito de todo o gênero humano.
11 Porventura, o ouvido não submete à prova as palavras, como o paladar prova as comidas?
12 Está a sabedoria com os idosos, e, na longevidade, o entendimento?
13 Não! Com Deus está a sabedoria e a força; ele tem conselho e entendimento.
14 O que ele deitar abaixo não se reedificará; lança na prisão, e ninguém a pode abrir.
15 Se retém as águas, elas secam; se as larga, devastam a terra.
16 Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que faz errar.
17 Aos conselheiros, leva-os despojados do seu cargo e aos juízes faz desvairar.
18 Dissolve a autoridade dos reis, e uma corda lhes cinge os lombos.
19 Aos sacerdotes, leva-os despojados do seu cargo e aos poderosos transtorna.
20 Aos eloquentes ele tira a palavra e tira o entendimento aos anciãos.
21 Lança desprezo sobre os príncipes e afrouxa o cinto dos fortes.
22 Das trevas manifesta coisas profundas e traz à luz a densa escuridade.
23 Multiplica as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega.
24 Tira o entendimento aos príncipes do povo da terra e os faz vaguear pelos desertos sem caminho.


25 Nas trevas andam às apalpadelas, sem terem luz, e os faz cambalear como ébrios.” (Jó 12)


Jó 13

Deus é o Lugar de Paz da Alma

As palavras de Jó deste 13º capitulo são aterrorizantes para todo conselheiro cristão precipitado no falar e no julgar, e que se faz a si mesmo, mensageiro e conselheiro de Deus, quando não foi por Ele enviado para atender a determinada situação específica.
Tal como os amigos de Jó não haviam sido levantados por Deus para aconselhá-lo e lhe dizerem tudo o que lhe falavam em Seu nome.
Jó não estava se rebelando contra a palavra de Deus na boca de seus amigos, mas contra a palavra de homens proferidas em nome de Deus.
Deste modo, não poderiam produzir o efeito que seria esperado naquela situação, que seria o de consolá-lo.
Ao contrário, só serviram para aumentar ainda mais a sua aflição.
Aquilo foi permitido por Deus para mostrar a que ponto podem chegar as nossas aflições neste mundo. Porque não somente o mal que nos é lançado diretamente pelo diabo nos aflige, como também o mau juízo dos homens, ainda que proceda de nossos familiares ou amigos.
Está determinado pelo conselho eterno de Deus, que o justo sofrerá perseguições, e estas lhe sobrevirão de variadas formas.
As acusações dos amigos de Jó, eram apenas uma das muitas facetas das aflições que temos que sofrer neste mundo, quando permitidas por Deus.
Não importava a Jó se defender perante os homens, mas perante Deus.
Tal como Paulo fizera em seus dias dizendo que pouco lhe importava ser julgado por tribunal humano, mas sim em ser julgado pelo Senhor, porque é a Ele que devemos dirigir a nossa causa e defesa.
O homem não está qualificado para julgar estas demandas espirituais que nos sobrevêm segundo a vontade de Deus, para propósitos específicos.
Então não será na terra que acharemos o fórum legítimo e adequado para serem julgadas as nossas causas espirituais, senão somente no tribunal divino, o qual ainda se manifestará para recompensar a cada um segundo as suas obras. Somente então haverá um julgamento preciso, claro, aberto, perfeito, de tudo o que passamos neste mundo.
Por isso Deus não tem constituído advogados humanos neste mundo para defenderem as nossas causas espirituais. Somente Cristo é o Advogado que nos tem sido dado, e é portanto, somente a Ele que devemos recorrer para apresentar as nossas causas, especialmente, as relativas às nossas aflições.
Quando o homem se propõe a fazer o papel de advogado, que é exclusivo de Cristo, fatalmente errará, porque Deus não lhe revelará as causas e os propósitos das aflições pelas quais nos faz passar neste mundo, senão somente a Seu Filho Jesus Cristo, que é nosso Advogado no céu.
Os que temerariamente se colocam nesta posição de advogados funestos, que não foram constituídos por Deus, caem fatalmente, na condição expressada nas seguintes palavras de Jó:
“7 Falareis falsamente por Deus, e por ele proferireis mentiras?
8 Fareis aceitação da sua pessoa? Contendereis a favor de Deus?
9 Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como quem zomba de um homem?
10 Certamente vos repreenderá, se em oculto vos deixardes levar de respeitos humanos.
11 Não vos amedrontará a sua majestade? E não cairá sobre vós o seu terror?”
Jó havia perdido a esperança de continuar vivo. Ele estava convicto em sua aflição que Deus o mataria, mas ainda assim, quando comparecesse na presença de Deus, defenderia o seu modo de caminhar diante dEle (v.15).
Ele tinha real comunhão com Deus. Ele andou em todos os Seus caminhos. Sua devoção era sincera, e a graça de Deus operou poderosamente em sua vida, dando-lhe integridade e retidão, e também o temor do Senhor que lhe fazia sempre se desviar do mal.
Ele estava desejoso portanto de comparecer em juízo para defender os seus caminhos diante do tribunal do Senhor.
Ele sabia que Deus é justo Juiz. Que julga os Seus filhos com misericórdia, e que não é implacável na aplicação da justiça, porque não lançará em rosto faltas que foram anteriormente perdoadas.
Jó conhecia o caráter de Deus por experiência, por viver em intimidade com Ele, ainda que lhe faltasse muitas coisas a serem conhecidas relativas ao Seu caráter, conforme ele viria a expressar no final do seu livro, depois de tê-las aprendido em meio a tudo o que havia sofrido.
 Contudo, mesmo nos dias da sua aflição, Ele jamais abandonara a sua confiança no Senhor e na Sua justiça e misericórdia. Por isso não apelava para homem algum, senão somente para o Senhor, porque sabia que seria julgado com equidade e misericórdia, e consoante uma perfeita e imparcial justiça. Justiça esta, muito diferente da justiça dos homens que é cheia de parcialidade, de imperfeições, de acusações injustas, de falsidades, e de motivações incorretas.
Ele poderia dizer juntamente com Davi na hora do juízo: “Caiamos nas mãos de Deus porque são muitas as suas misericórdias, mas nas mãos dos homens não caiamos nós.”
 Era justamente a esta expressão de sentimentos que ele estava se referindo neste 13º capítulo do seu livro.
Um incrédulo ímpio não poderia ter a mesma confiança que Jó tinha em relação ao juízo divino.
E todo cristão sincero, tal como ele, tem a mesma confiança, não porque confie na sua própria justiça, mas por saber que há um Deus justo que julga segundo a Sua graça e misericórdia a todo aquele que confiou nEle, e nesta Sua graça e misericórdia, para que fosse salvo da condenação eterna.
Por isso Jó podia dizer que:
“Eis que já pus em ordem a minha causa, e sei que serei achado justo:” (v. 18)
Nos versos 19 a 28, Jó expressa em belas palavras, qual é o sentimento do justo em relação a Deus quando em grande aflição.
Ele não quer ouvir palavras de acusação, como estavam fazendo os seus amigos, mas simplesmente deseja que Deus dê alívio ao seu espírito, que lance para longe os terrores que amedrontam a sua alma. Que possa ver a face do Senhor, sentir a Sua presença.
Poder ouvir a voz do Senhor e falar com Ele em oração, sem um espírito transtornado pela aflição. Porque a alma não foi feita para o transtorno senão para a paz com Deus, e não pode portanto, estar sossegada, quando longe do seu lugar de repouso, que é o próprio Senhor.
O sentimento de que possa haver alguma falta ou pecado em nós que tenha quebrado nossa comunhão com Deus é algo terrível para ser suportado por um justo tal como era Jó.
O pensamento de que haja pecados ocultos que produziram tal quebra de comunhão é algo insuportável, e a alma não achará descanso enquanto não experimentar de novo a aprovação do Senhor, que é percebida pela Sua presença e mover do Seu Espírito em nós.
Era isto que estava sendo ocultado de Jó, que não lhe estava sendo concedido em sua aflição, e era por esse motivo que sua alma gemia e derramava palavras de amargura em seus lábios; porque sabia que não poderia estar consolado enquanto não fosse restaurada a manifestação da presença do Senhor no seu coração.



“1 Eis que os meus olhos viram tudo isto, e os meus ouvidos o ouviram e entenderam.
2 O que vós sabeis também eu o sei; não vos sou inferior.
3 Mas eu falarei ao Todo-Poderoso, e quero defender-me perante Deus.
4 Vós, porém, sois forjadores de mentiras, e vós todos, médicos que não valem nada.
5 Quem dera vos calásseis de todo, pois assim passaríeis por sábios.
6 Ouvi agora a minha defesa, e escutai os argumentos dos meus lábios.
7 Falareis falsamente por Deus, e por ele proferireis mentiras?
8 Fareis aceitação da sua pessoa? Contendereis a favor de Deus?
9 Ser-vos-ia bom, se ele vos esquadrinhasse? Ou zombareis dele, como quem zomba de um homem?
10 Certamente vos repreenderá, se em oculto vos deixardes levar de respeitos humanos.
11 Não vos amedrontará a sua majestade? E não cairá sobre vós o seu terror?
12 As vossas máximas são provérbios de cinza; as vossas defesas são torres de barro.
13 Calai-vos perante mim, para que eu fale, e venha sobre mim o que vier.
14 Tomarei a minha carne entre os meus dentes, e porei a minha vida na minha mão.
15 Eis que ele me matará; não tenho esperança; contudo defenderei os meus caminhos diante dele.
16 Também isso será a minha salvação, pois o ímpio não virá perante ele.
17 Ouvi atentamente as minhas palavras, e chegue aos vossos ouvidos a minha declaração.
18 Eis que já pus em ordem a minha causa, e sei que serei achado justo:
19 Quem é o que contenderá comigo? Pois então me calaria e renderia o espírito.
20 Concede-me somente duas coisas; então não me esconderei do teu rosto:
21 desvia a tua mão para longe de mim, e não me amedronte o teu terror.
22 Então chama tu, e eu responderei; ou eu falarei, e me responde tu.
23 Quantas iniquidades e pecados tenho eu? Faze-me saber a minha transgressão e o meu pecado.
24 Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu inimigo?
25 Acossarás uma folha arrebatada pelo vento? E perseguirás o restolho seco?
26 Pois escreves contra mim coisas amargas, e me fazes herdar os erros da minha mocidade;
27 também pões no tronco os meus pés, e observas todos os meus caminhos, e marcas um termo ao redor dos meus pés,


28 apesar de eu ser como uma coisa podre que se consome, e como um vestido, ao qual rói a traça.” (Jó 13)



Jó 14

A Brevidade das Posses Terrenas

Não podemos esquecer que todas as palavras de Jó em seu livro, foram proferidas por ele quando se encontrava em sua grande aflição, e não confortavelmente instalado num escritório escrevendo sobre teologia.
Não era seu propósito definir os atributos de Deus, e meditar sobre as Suas grandezas, para registrá-las por escrito.
Ao contrário, ele fala da miséria em que ele se encontrava, e usou-a para ilustrar quão passageira e incerta é a vida do homem neste mundo.
Ele chega a comparar os homens com as árvores, conforme vemos neste 14º capítulo, porque a estas é dado rebrotarem muitas vezes se forem cortadas, e permanecerem por um período de vida na terra muito maior do que aquele que tem sido permitido por Deus ao homem.
Esta brevidade da vida na terra é comumente esquecida quando alguém se encontra sem aflições.
Ainda que Jó não tenha feito tal reflexão, é importante que a façamos, a saber, quanto à utilidade da aflição neste propósito divino de nos lembrar de tal brevidade de vida, e que deveríamos portanto, ponderar todos os nossos caminhos, porque um dia nos apresentaremos a ele em juízo.  
Deus pôs limites à existência de cada homem, e assim, não poderão ultrapassar os limites de sua existência neste mundo.
Tudo se desgasta pelo uso na natureza, para que o homem se lembre que ele também passará e já não será achado neste mundo.
Com isto, o Senhor nos ensina a não colocarmos nossas esperanças neste mundo e em nada que nele há, porque é certo que nos arrancará dele no tempo que tem determinado para cada um de nós.
Por isso somos chamados a juntar tesouros no céu e não na terra, porque não é aqui a nossa morada eterna.
Nem mesmo poderemos nos gloriar, depois que morrermos, conforme dito por Jó, nas honras que nossos filhos vierem a receber e nem compartilhar das dores das humilhações que eles vierem a sofrer (v. 21).
Disto se aprende que sequer vale o argumento de que devemos colocar aqui na terra as nossas esperanças, objetivos e expectativas, em razão de que elas se justificam por causa de nossos filhos.
Pela sua própria experiência, que estava vivendo, Jó tinha autoridade para dizer tais palavras porque lhe fora dado estar como que morto em vida.
Os humores da podridão da morte estavam espalhados por todo o seu corpo.
A ausência inexplicável, para Ele, da presença de Deus, tudo o que havia perdido, inclusive todos os seus filhos, estando despojado de tudo e de todos, poder-se-ia bem se dizer dele que não vivia, mas que já estava morto.
Então, podemos dar a devida consideração a todas as suas palavras, quanto a nos alertar que não vale a pena investir nas coisas deste mundo que passa.
Se nenhum outro testemunho ou ensino tivéssemos na Bíblia a tal respeito, este de Jó seria bastante para nos incentivar a estarmos crucificados para o mundo e o mundo para nós, e empenharmos todo o nosso vigor e empenho nas coisas relativas ao reino de Deus, que permanece para sempre.



“1 O homem, nascido da mulher, é de poucos dias e cheio de inquietação.
2 Nasce como a flor, e murcha; foge também como a sombra, e não permanece.
3 Sobre esse tal abres os teus olhos, e a mim me fazes entrar em juízo contigo?
4 Quem do imundo tirará o puro? Ninguém.
5 Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; tu lhe puseste limites, e ele não poderá passar além deles.
6 Desvia dele o teu rosto, para que ele descanse e, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia.
7 Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que não cessem os seus renovos.
8 Ainda que envelheça a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no pó,
9 contudo ao cheiro das águas brotará, e lançará ramos como uma planta nova.
10 O homem, porém, morre e se desfaz; sim, rende o homem o espírito, e então onde está?
11 Como as águas se retiram de um lago, e um rio se esgota e seca,
12 assim o homem se deita, e não se levanta; até que não haja mais céus não acordará nem será despertado de seu sono.
13 Quem dera me escondesses no Seol, e me ocultasses até que a tua ira tenha passado; que me determinasses um tempo, e te lembrasses de mim!
14 Morrendo o homem, acaso tornará a viver? Todos os dias da minha lida esperaria eu, até que viesse a minha mudança.
15 Chamar-me-ias, e eu te responderia; almejarias a obra de tuas mãos.
16 Então contarias os meus passos; não estarias a vigiar sobre o meu pecado;
17 a minha transgressão estaria selada num saco, e ocultarias a minha iniquidade.
18 Mas, na verdade, a montanha cai e se desfaz, e a rocha se remove do seu lugar.
19 As águas gastam as pedras; as enchentes arrebatam o solo; assim tu fazes perecer a esperança do homem.
20 Prevaleces para sempre contra ele, e ele passa; mudas o seu rosto e o despedes.
21 Os seus filhos recebem honras, sem que ele o saiba; são humilhados sem que ele o perceba.
22 Sente as dores do seu próprio corpo somente, e só por si mesmo lamenta.” (Jó 14)



Jó 15

Jogando Vinagre em Feridas

Maior do que o sofrimento físico e pelas perdas que havia sentido, foi o que Jó sentiu pela grande pressão que os seus amigos faziam sobre a sua alma.
Quando estamos em grande estado de fraqueza, angústia, dor, aflição, não queremos ouvir conselhos funestos, mas alguém que se coloque ao nosso lado e levante um clamor a Deus em nosso favor para que nos dê alívio.
É o que todo bom médico procura fazer: aliviar as dores de seus pacientes, e não aumentá-las.
Que médicos de almas eram aqueles amigos de Jó, que só faziam aumentar o seu sofrimento, e que não recuavam diante da constatação do efeito das suas palavras sobre ele?
Eles queriam justificar a Deus condenando o seu servo justo e íntegro.
Não estavam muito distantes dos principais sacerdotes e anciãos de Israel, que tentaram justificar a Deus e a Lei de Moisés, levando Jesus a morrer na cruz.
Não podemos ser aprovados por Deus condenando inocentes, e era justamente isto que estavam fazendo os amigos de Jó.
Mais do que justificar a Deus, os amigos de Jó queriam exibir a grande sabedoria da qual julgavam estarem dotados.
Pavões exibicionistas diante da dor alheia. É algo para ser não apenas temido, mas evitado.
Todavia, quantos destes pavões não são encontrados nas próprias igrejas, exibindo conhecimento teológico enquanto matam almas inocentes, com a sua incapacidade de sintonizarem com a dor alheia.
Que ao menos ficassem calados diante de tais sofrimentos, como Jó apelou insistentemente a seus amigos que o fizessem.
Todavia não lhe deram ouvido e continuaram em sua obstinação, fustigando a sua alma justa, conforme vemos neste 15º capítulo, tentando convencê-lo de que a causa do seu sofrimento era falta de temor e de reverência para com Deus. Principalmente por insistir em afirmar que era justo perante Ele.
Como eles não admitiam que tais sofrimentos não podiam acometer uma alma justa, então concluíram que a causa da aflição de Jó era a iniquidade do seu coração.
Não são poucos os teólogos, especialmente os da confissão positiva e da teologia da prosperidade, que advogam a mesma posição errada dos amigos de Jó.
Eles afirmam que se alguém está sofrendo é por causa do pecado que tenha praticado, ou então por causa da falta de fé para repreender o mal.
Que modo mais simplista e errado de se definir a vida!
Isto não pode ser aplicado como uma regra absoluta, porque se há de fato, sofrimento que é causado por causa de pecados praticados e também pela incredulidade, não se pode, no entanto, diagnosticar todo tipo de sofrimento por esta mera regra estreita.
Como se encaixam nesta regra as seguintes afirmações bíblicas, dentre outras:
“confirmando as almas dos discípulos, exortando-os a perseverarem na fé, dizendo que por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus.” (At 14.22)
“E na verdade todos os que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições.” (II Tim 3.12)
“Antes em tudo recomendando-nos como ministros de Deus; em muita perseverança, em aflições, em necessidades, em angústias,”  (II Cor 6.4)
“Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor do seu corpo, que é a igreja;” (Col 1.24)
“mas regozijai-vos por serdes participantes das aflições de Cristo; para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e exulteis.” (I Pe 4.13)
“Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim tenhais paz. No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” (Jo 16.33)
“pois vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele, mas também o padecer por ele,” (Fp 1.29)
Todas estas afirmações bíblicas relativas aos sofrimentos dos justos não poderiam ser entendidas pelos amigos de Jó, se fossem lidas para eles, porque se justificariam como fazem os teólogos da confissão positiva e da prosperidade material, porque não se darão por convencidos até que sejam humilhados por Deus, tal como o Senhor fizera com os amigos de Jó, lhes declarando que os mataria caso Jó não intercedesse em favor deles, e também por conceder a Jó uma vida próspera em dobro, em relação a tudo o que tinha antes de ter sido afligido.
A história não tinha acabado.
Havia ainda capítulos para serem contados, mas como isto foi encoberto por Deus aos amigos de Jó, eles prosseguiram em suas ousadas asseverações, conforme as que vemos nas palavras de Elifaz neste 15º capítulo, que continuou teimosamente justificando a Deus, quando Ele não necessita de nenhum justificador, e o pior de tudo, fazendo-o, por condenar a Jó.
Diferentemente de Jó, aqueles homens se julgavam justos a seus próprios olhos, tal como os fariseus e escribas dos dias de Jesus, simplesmente por entenderem que possuíam um conhecimento elevado acerca de Deus.
Como se julgavam retos por causa deste conhecimento, então eram ímpios todos aqueles, que segundo eles, lhes faltava tal conhecimento, e nisto incluíram o próprio Jó.
Eles definiram o ímpio por esta medida particular que eles haviam criado em suas próprias imaginações, sem que tivessem recebido qualquer revelação específica da parte de Deus.
Então, estes ímpios jamais poderiam ter paz tal como eles, e jamais poderiam esperar algo diferente de uma condenação inapelável.
Veja, que tal como os escribas e fariseus, haviam esquecido, ou não conheciam, os aspectos mais importantes da teologia, que são a justiça, a fé e a misericórdia.    
Eles faziam umas poucas coisas que consideravam justas e como sendo toda a vontade de Deus, e se julgavam portanto, aprovados.
Eles não conseguiam enxergar que por maiores e melhores que sejam as obras dos homens, eles permanecem condenados diante de Deus, sendo salvos exclusivamente por Sua graça e misericórdia, pelo simples fé no ato da justiça que nos tem oferecido em Jesus Cristo.
Somos justificados pela justiça de um Outro, a saber: Cristo.
Somos vestidos com a Sua justiça para sermos aceitos por Deus.
Ninguém será justificado por obras que realize ou pelo conhecimento ortodoxo que alegue possuir.
Todavia como o conhecimento incha, os amigos de Jó estavam inchados de orgulho, para que pudessem ser enchidos com o verdadeiro conhecimento que procede de Deus.
Assim, à uma apressada vista, as palavras de Elifaz podem dar a impressão de serem a pura expressão da sabedoria divina, no entanto, não devem ser lidas com os óculos da mente natural, mas com os óculos do Espírito, e então veremos que não passam de afirmações de palha, que não podem resistir ao fogo do justo juízo divino.
Em primeiro lugar, ele desprezou completamente as alegações sábias de Jó sobre a brevidade da vida do homem neste mundo, chamando-as de palavras de vento, e que portanto seriam espalhadas pelo vento oriental. Chamou-as de palavras vãs e de nenhuma serventia. No entanto, vimos quão apropriado é dar a devida atenção ao que Jó disse para que não ajuntemos tesouros na terra, senão somente no céu.  
Além disso, Elifaz afirmou que Jó estava destruindo a reverência, e impedindo a meditação diante de Deus. Obviamente o dissera porque a verdade incomoda, e impede que devaneios sejam a base da nossa meditação espiritual.
Não se pode, no entanto, prestar-se verdadeiro culto a Deus, ou meditar na Sua presença, sem esta sinceridade de abrir o coração perante Ele, tal como Jó estava fazendo.
Enganam-se os herdeiros do espírito dos escribas e fariseus, pensando que é possível cultuar a Deus com hipocrisia, ou seja, ocultando as reais condições de nossa alma, enquanto nos entregamos a ritos e cerimoniais religiosos.
  O problema com os amigos de Jó é da mesma ordem e natureza do problema de todos os hipócritas, ou seja, apesar de serem insinceros diante de Deus, e de não buscarem uma vida verdadeiramente santa, pretendem ainda assim, serem considerados como todos os verdadeiros santos.
Isto nós vemos nas seguintes palavras de inveja amargurada que Elifaz disse a Jó:
“9 Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes, que não haja em nós?
10 Conosco estão os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai.”
Veja que ele estava afirmando um conhecimento superior de Deus, baseado nas tradições que haviam recebido de seus antepassados.
Não era exatamente este o problema com os escribas e fariseus, que invalidaram a Palavra de Deus, por causa das tradições de seus pais?
A teologia de Jó não era uma teologia recebida por tradição de homens, mas por ser cavada em íntima experiência com Deus.
Isto o homem natural não pode aceitar.
Ele não admite que Deus fale diretamente conosco, e que nos revele a Sua vontade.
Tem que estar seguro em algo que lhe foi dito pelos antepassados. Por algum religioso renomado. E é nisto que firmam suas convicções sobre Deus.
O espírito livre de Jó, que não estava preso a tais tradições era um abuso, uma irreverência, algo insuportável para eles.
Assim como foram Jesus e os apóstolos para os escribas e fariseus em seus dias.
Elifaz disse que Jó estava fazendo pouco caso das consolações de Deus, quando estava sendo privado destas consolações durante o período da sua aflição. Que descaramento! Que falta de sensibilidade e misericórdia! Dizer a alguém que estava sendo consumido com a dor, com a morte todo o tempo diante da sua face, que deveria se alegrar em Deus, e se regozijar por saber que Ele é consolador.
Pessoas que se queixam de suas presentes condições aflitivas, não estão necessariamente se voltando contra Deus, pelas palavras amargas que possam sair de suas bocas, tal como Elifaz estava julgando a Jó incorretamente (v. 13).
 Não podemos julgá-los nestas horas difíceis como sendo apóstatas, ou como pessoas que perderam a sua santidade perante Deus.
É muito fácil ser conduzido, como Elifaz foi em seus dias, a um julgamento errado, pensando que a causa dos sofrimentos de tais pessoas é o fato de não serem espirituais, de não obedecerem os mandamentos de Deus, de não estarem orando ou buscando ao Senhor o tanto quanto deveriam.
E finalmente julgá-los como sendo ímpios e não verdadeiros cristãos, tal como Elizaz fizera em relação a Jó, pelo que deduzira de seus grandes sofrimentos.
É cruel dizer para alguém em tais circunstâncias, como as de Jó:
“Está sofrendo assim porque quer! Não deu a devida atenção à vontade de Deus e olha só o que lhe veio a acontecer!”  Se isto é cruel a nossos olhos, imagine aos olhos puros e santos de Deus! Por isso se irou sobremaneira contra os amigos de Jó como vemos no final do seu livro.
Deus se enoja de toda esta justiça farisaica que condena o pecador antes mesmo que ele seja submetido ao juízo divino.
Por isso somos advertidos para não julgarmos para não sermos julgados com o mesmo critério com que julgarmos a outros, porque somos tão pecadores quanto eles, sendo justificados gratuitamente por Cristo, por causa da Sua exclusiva graça e misericórdia.
Todavia, a natureza terrena nos leva sempre a nos compararmos com outros e a nos julgarmos melhores do que eles, ou então a estarmos em melhores condições perante Deus do que eles, em razão de não praticarmos as mesmas coisas que costumam praticar ou por não vivermos tal como eles.
Devemos vigiar constantemente contra este espírito que nos torna inúteis para ajudar o nosso próximo, tal como os amigos de Jó no passado.



“1 Então respondeu Elifaz, o temanita:
2 Porventura responderá o sábio com ciência de vento? E encherá do vento oriental o seu ventre,
3 arguindo com palavras que de nada servem, ou com razões com que ele nada aproveita?
4 Na verdade tu destróis a reverência, e impedes a meditação diante de Deus.
5 Pois a tua iniquidade ensina a tua boca, e escolhes a língua dos astutos.
6 A tua própria boca te condena, e não eu; e os teus lábios testificam contra ti.
7 És tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado à luz antes dos outeiros?
8 Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti só reservas a sabedoria?
9 Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes, que não haja em nós?
10 Conosco estão os encanecidos e idosos, mais idosos do que teu pai.
11 Porventura fazes pouco caso das consolações de Deus, ou da palavra que te trata benignamente?
12 Por que te arrebata o teu coração, e por que flamejam os teus olhos,
13 de modo que voltas contra Deus o teu espírito, e deixas sair tais palavras da tua boca?
14 Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para que fique justo?
15 Eis que Deus não confia nos seus santos, e nem o céu é puro aos seus olhos;
16 quanto menos o homem abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água?
17 Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que tenho visto
18 (o que os sábios têm anunciado e seus pais não o ocultaram;
19 aos quais somente era dada a terra, não havendo estranho algum passado por entre eles);
20 Todos os dias passa o ímpio em angústia, sim, todos os anos que estão reservados para o opressor.
21 O sonido de terrores está nos seus ouvidos; na prosperidade lhe sobrevém o assolador.
22 Ele não crê que tornará das trevas, mas que o espera a espada.
23 Anda vagueando em busca de pão, dizendo: Onde está? Bem sabe que o dia das trevas lhe está perto, à mão.
24 Amedrontam-no a angústia e a tribulação; prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja.
25 Porque estendeu a sua mão contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se porta com soberba;
26 arremete contra ele com dura cerviz, e com as saliências do seu escudo;
27 porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou carne gorda nas ilhargas;
28 e habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguém deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montões de ruínas;
29 não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda, nem se estenderão pela terra as suas possessões.
30 Não escapará das trevas; a chama do fogo secará os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecerá.
31 Não confie na vaidade, enganando-se a si mesmo; pois a vaidade será a sua recompensa.
32 Antes do seu dia se cumprirá, e o seu ramo não reverdecerá.
33 Sacudirá as suas uvas verdes, como a vide, e deixará cair a sua flor como a oliveira.
34 Pois a assembleia dos ímpios é estéril, e o fogo consumirá as tendas do suborno.
35 Concebem a malícia, e dão à luz a iniquidade, e o seu coração prepara enganos.” (Jó 15)


Jó 16

Quebrados e Remodelados

Antes de ter sido afligido, Jó era um bom conselheiro, mas depois do seu sofrimento ele seria transformado por Deus não apenas num conselheiro excelente, como também num intercessor poderoso em favor dos que sofrem.
Ele já estava demonstrando as lições que estava aprendendo nestas palavras de grande humildade que lemos no 16º capitulo. Via agora quão fácil é consolar ineficazmente a outros quando não se passou pelas provas que eles estão experimentando.
Quão difícil é o caminho da consolação por mera palavras, porque viu que no seu próprio caso, não seriam palavras que lhe trariam alívio, nem mesmo o fato dele permanecer calado.
Quando somos atribulados em grandes angústias, pela permissão de Deus, do muito que aprenderemos, talvez a lição mais importante seja esta de que consolaremos a outros não com nossas palavras exortativas, mas com o próprio testemunho de que passamos por vales profundos tal como eles, e de que o Senhor não nos desamparou ainda que parecesse estar distante enquanto caminhávamos solitariamente tendo por companhia apenas a nossa própria dor.
É a isto que Paulo se refere em II Cor 1.3-7:
“3 Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação,
4 que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
5 Porque, como as aflições de Cristo transbordam para conosco, assim também por meio de Cristo transborda a nossa consolação.
6 Mas, se somos atribulados, é para vossa consolação e salvação; ou, se somos consolados, para vossa consolação é a qual se opera suportando com paciência as mesmas aflições que nós também padecemos;
7 e a nossa esperança acerca de vós é firme, sabendo que, como sois participantes das aflições, assim o sereis também da consolação.”
Deus permitiu que Paulo chegasse ao extremo do desespero, conforme afirma no verso 8:
“Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira oprimidos acima das nossas forças, de modo tal que até da vida desesperamos;”
Todavia, o permitira para que aprendesse que Ele nunca nos desampara, mesmo quando parece que fomos desamparados por Ele, tal como Jó estava se sentindo.
E é isto que temos para compartilhar com outros que estão sofrendo as mesmas tribulações, tal como nós, para que sejam consolados, ao saberem, que por mais demorado que Deus possa parecer, Ele nos livrará de todas as nossas tribulações, conforme nos tem prometido, ainda que seja pela morte física, em paz, se isto estiver no conselho da Sua santa vontade.
Por isso o apóstolo afirma ainda nesta mesma epístola o seguinte:
“9 portanto já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos;
10 o qual nos livrou de tão horrível morte, e livrará; em quem esperamos que também ainda nos livrará,”
E também em II Cor 4.8-11:
“8 Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desesperados;
9 perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos;
10 trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos;
11 pois nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal.”
Aí está declarado de forma sucinta o propósito divino nos sofrimentos de Jó, e que ele não podia entender até que a perseverança tivesse a sua obra completa, de maneira que pudesse aprender de Deus, como estava sendo aperfeiçoado para consolar a outros e a interceder por eles, conforme havia feito pelos seus próprios amigos, para que fossem livrados da ira de Deus, conforme vemos no final do seu livro.
 Jó estava chegando no ponto que Deus desejava. Até então ele estava lutando vigorosamente contra as palavras injustas de seus amigos.
Mas agora, ele declara que Deus havia conseguido deixá-lo exausto, e que a penúria física havia avançado de tal forma que ele ficou muito magro, e isto testemunhava contra ele, que havia sido enfraquecido pelo Senhor, então não haveria nenhum proveito em querer se mostrar forte, quando o propósito de Deus era justamente o de enfraquecê-lo.
Ele o faz porque enquanto somos fortes por nós mesmos não podemos experimentar o poder da Sua graça, que se mostra forte somente naqueles que são enfraquecidos por Ele de tal forma, de maneira que vejam toda a sua insuficiência, e que confiem somente na suficiência que Ele supre, tal como Paulo havia aprendido e o declara no décimo segundo capitulo de II aos Coríntios.
A ruína veio violentamente sobre Jó quando ele se encontrava num ato de devoção oferecendo sacrifícios a Deus por cada um de seus filhos. Quando ele estava com sua alma descansada e em plena comunhão com o Senhor.
Não foi quando cometeu algum pecado que isto lhe sobreveio, mas quando estava santificado.
Deus o faz geralmente para que não associemos o motivo de nossas aflições a algum castigo por pecados que tenhamos praticado.
Ele o faz para que saibamos que é a hora da disciplina do Espírito. É a hora da provação da fé, para que seja aumentada ainda mais.
  O sentimento que temos é o mesmo de Jó, porque da paz espiritual e alegria em que nos encontrávamos somos sobressaltados como que se o Senhor nos agarrasse pelo pescoço e nos quebrantasse, despedaçando-nos e colocando-nos como um tipo de alvo no qual ordenará que os seus flecheiros lancem sobre nós as suas flechas (v. 12, 13).
Além disso, não nos sinaliza com nenhuma palavra consoladora ou de misericórdia. Deixa que pensemos que o quadro se agravará ainda mais, e que não seremos poupados.
E somos quebrantados em nosso espírito com golpe sobre golpe, como quem sofre o ataque da parte de um guerreiro.
O resultado destes ataques é o de que toda exaltação e glória pessoal são reduzidas a pó.
Deixamos de nos ter até mesmo em pouca estima. Nos sentimos como o pano com o qual se limpa o chão. Perdemos a vergonha de chorar publicamente. De admitirmos que somos menos do que nada a nossos próprios olhos.
Pode parecer estranho a muitos esta forma de tratamento usado por Deus. Não parece as ações de um Pai bondoso, senão cruel. No entanto, não há outro modo de sermos livrados de nossa vaidade e endurecimento. Portanto, trata-se da mais elevada exibição da Sua misericórdia e amor para com aqueles aos quais Ele ama.
Todo verdadeiro santo deve estr preparado em seu espírito para receber este tratamento, ao menos num determinado período de sua vida, se aspira de fato crescer na graça e no conhecimento de Jesus Cristo, e tornar-se alguém do qual se possa dizer o mesmo que o Pai disse de nosso Senhor: “Este é meu filho amado em quem me comprazo.”. Não há outro modo para aprendermos humildade e mansidão, a submissão verdadeira que deve existir em todos aqueles que têm sido tornados semelhantes a Cristo.
É um erro portanto, dizer que as experiências de Jó foram exclusivas para ele, e que configuram uma exceção à regra geral de Deus.
Jó estava aprendendo a chorar somente diante de Deus, porque viu que os nossos amigos na verdade, zombam de nós, em nossas misérias, e que somente Deus pode defender o direito que o justo tem perante Ele (v. 20, 21)


Ele prosseguiria se defendendo das acusações injustas que estava recebendo da parte dos seus amigos, como veremos adiante, mas já não dando muita importância a elas, porque estava aprendendo que não há verdadeiro consolo e sabedoria nos homens, se eles não os recebem diretamente de Deus, por tê-lo aprendido numa experiência real e prática com Ele.



“1 Então Jó respondeu, dizendo:
2 Tenho ouvido muitas coisas como essas; todos vós sois consoladores molestos.
3 Não terão fim essas palavras de vento? Ou que é o que te provoca, para assim responderes?
4 Eu também poderia falar como vós falais, se vós estivésseis em meu lugar; eu poderia amontoar palavras contra vós, e contra vós menear a minha cabeça;
5 poderia fortalecer-vos com a minha boca, e a consolação dos meus lábios poderia mitigar a vossa dor.
6 Ainda que eu fale, a minha dor não se mitiga; e embora me cale, qual é o meu alívio?
7 Mas agora, ó Deus, me deixaste exausto; assolaste toda a minha companhia.
8 Tu me emagreceste, e isso constitui uma testemunha contra mim; contra mim se levanta a minha magreza, e o meu rosto testifica contra mim.
9 Na sua ira ele me despedaçou, e me perseguiu; rangeu os dentes contra mim; o meu adversário aguça os seus olhos contra mim.
10 Os homens abrem contra mim a boca; com desprezo me ferem nas faces, e contra mim se ajuntam à uma.
11 Deus me entrega ao ímpio, nas mãos dos iníquos me faz cair.
12 Descansado estava eu, e ele me quebrantou; e pegou-me pelo pescoço, e me despedaçou; colocou-me por seu alvo;
13 cercam-me os seus flecheiros. Atravessa-me os rins, e não me poupa; derrama o meu fel pela terra.
14 Quebranta-me com golpe sobre golpe; arremete contra mim como um guerreiro.
15 Sobre a minha pele cosi saco, e deitei a minha glória no pó.
16 O meu rosto todo está inflamado de chorar, e há sombras escuras sobre as minhas pálpebras,
17 embora não haja violência nas minhas mãos, e seja pura a minha oração.
18 Ó terra, não cubras o meu sangue, e não haja lugar em que seja abafado o meu clamor!
19 Eis que agora mesmo a minha testemunha está no céu, e o meu fiador nas alturas.
20 Os meus amigos zombam de mim; mas os meus olhos se desfazem em lágrimas diante de Deus,
21 para que ele defenda o direito que o homem tem diante de Deus e o que o filho do homem tem perante, o seu próximo.
22 Pois quando houver decorrido poucos anos, eu seguirei o caminho por onde não tornarei.” (Jó 16)


Jó 17

O Valor do Espírito Quebrantado

Nós vemos no capítulo 17 que o espírito queixoso de Jó havia dado lugar agora a um coração quebrantado. Ele mesmo declara que seu espírito se encontrava quebrantado.
E o que dizem as Escrituras acerca do espírito quebrantado?
“Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito.” (Sl 34.18)
“O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” (Sl 51.17)
“sara os quebrantados de coração, e cura-lhes as feridas;” (Sl 147.3)
“Porque assim diz o Alto e o Excelso, que habita na eternidade e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e humilde de espírito, para vivificar o espírito dos humildes, e para vivificar o coração dos contritos.” (Is 57.15)
“A minha mão fez todas essas coisas, e assim todas elas vieram a existir, diz o Senhor; mas eis para quem olharei: para o humilde e contrito de espírito, que treme da minha palavra.” (Is 66.2)
Jesus diz que bem-aventurados são os pobres de espírito, que é o mesmo que ser quebrantado de espírito. Quando não tivermos isto, Ele o produzirá em nós, caso sejamos Seus servos, tal como fizera com Jó.
Podemos afirmar portanto, que o coração de Jó chegara ao ponto esperado por Deus, e que logo, logo seria provido o seu livramento.
Jó tinha diante de si a morte, e seus pensamentos eram apenas pensamentos de morte (v. 1).
Assim como os urubus rodeiam aqueles que estão dando sinais de morte, de igual modo os zombadores cercam os que estão em grande penúria, e escarnecem de suas fraquezas, e isto é também aflição para os que sofrem.
Ninguém pode nos valer nestas horas senão somente o Senhor ou aqueles que forem realmente levantados por Ele para nos confortarem.
É comum que atravessemos estes vales sozinhos, porque mesmo os que se encontram ao nosso lado não podem ser companheiros de nossas almas sofridas, enquanto eles não privam dos mesmos sofrimentos.
Somente o Senhor pode compreender a alma sofrida e fazer-lhe companhia.
Então foi a Deus que Jó pediu um penhor, ou seja uma garantia de que seria com ele, e também que lhe estendesse a mão para apoiá-lo naquela hora que sentiu estar abandonando este mundo.
Mesmo em sua agonia Jó não perdeu a visão da verdade de que o justo prossegue no seu caminho e que o que tem mãos puras vai crescendo em força, não em força física propriamente, mas em força espiritual diante de Deus, tal como ele começava a se sentir agora, conforme lhe permitia a graça que o Senhor estava lhe concedendo, em resposta à Sua oração para que lhe desse um penhor e a Sua mão amiga.
O penhor que Deus lhe dera é o mesmo que Ele dá a todos os seus santos em suas aflições, a saber, a sua graça, com a qual são fortificados.
Fortificado pela graça, mesmo ainda em meio aos seus grandes sofrimentos, Jó não estava mais colocando a sua esperança no seol, na sepultura, mas no Senhor (v. 10 a 16)


“1 O meu espírito está quebrantado, os meus dias se extinguem, a sepultura me está preparada!
2 Deveras estou cercado de zombadores, e os meus olhos contemplam a sua provocação!
3 Dá-me, peço-te, um penhor, e sê o meu fiador para contigo; quem mais há que me dê a mão?
4 Porque aos seus corações encobriste o entendimento, pelo que não os exaltarás.
5 Quem entrega os seus amigos como presa, os olhos de seus filhos desfalecerão.
6 Mas a mim me pôs por motejo dos povos; tornei-me como aquele em cujo rosto se cospe.
7 De mágoa se escureceram os meus olhos, e todos os meus membros são como a sombra.
8 Os retos pasmam disso, e o inocente se levanta contra o ímpio.
9 Contudo o justo prossegue no seu caminho e o que tem mãos puras vai crescendo em força.
10 Mas tornai vós todos, e vinde, e sábio nenhum acharei entre vós.
11 Os meus dias passaram, malograram-se os meus propósitos, as aspirações do meu coração.
12 Trocam a noite em dia; dizem que a luz está perto das trevas.
13 Se eu olhar o Seol como a minha casa, se nas trevas estender a minha cama,
14 se eu clamar à cova: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã;
15 onde está então a minha esperança? Sim, a minha esperança, quem a poderá ver?


16 Acaso descerá comigo até os ferrolhos do Seol? Descansaremos juntos no pó?” (Jó 17)


Jó 18

Entrando no Centro do Propósito Divino

Em sua árida teologia, os amigos de Jó não foram capazes de observar o maravilhoso trabalho que a graça estava começando a operar em Jó, em face do seu quebrantamento de espírito.
Eles continuaram então com o mesmo velho discurso de ataque contra os ímpios, considerando o próprio Jó como sendo um deles, conforme se depreende destas palavras de Bildade, no 18º capítulo.
Eles estavam se sentindo desprezados, rejeitados por Jó, por não estar dando a devida consideração às suas palavras, que eles julgavam ser da mais pura sabedoria.
Então o que deveriam fazer com um rebelde como Jó, conforme o juízo deles, senão repreendê-lo ainda mais duramente?
Não é o mesmo que alguns conselheiros cristãos funestos fazem quando pensam que estão sendo desprezados quando pessoas debaixo dos conselhos deles, decidem sabiamente não lhes dar ouvido?
Jó não estava envolvido como eles, num debate acerca de saber quem estava certo ou quem tinha a maior sabedoria.
Ele estava buscando alívio para a sua aflição.
Ele estava buscando respostas em Deus, não propriamente para explicar a razão do mal que estava sofrendo, mas sobre o Seu propósito em tudo aquilo.
Ele queria, como sempre o fizera em toda a sua vida, acertar com a vontade de Deus, e certamente isto estava sendo muito difícil debaixo daquela terrível aflição.
Contudo, ele percebeu que havia sido quebrantado.
Que seu espírito já não estava disposto a tecer argumentos, mas a achar descanso no Senhor.
Foi a partir deste momento que ele começou a entrar, ainda que não o soubesse, no centro do propósito de Deus, porque em toda aflição que sofremos o Seu grande alvo é o de nos quebrantar, de forma que sejamos humildes e submissos ao Seu Espírito.



“1 Então respondeu Bildade, o suíta:
2 Até quando estareis à procura de palavras? considerai bem, e então falaremos.
3 Por que somos tratados como gado, e como estultos aos vossos olhos?
4 Oh tu, que te despedaças na tua ira, acaso por amor de ti será abandonada a terra, ou será a rocha removida do seu lugar?
5 Na verdade, a luz do ímpio se apagará, e não resplandecerá a chama do seu fogo.
6 A luz se escurecerá na sua tenda, e a lâmpada que está sobre ele se apagará.
7 Os seus passos firmes se estreitarão, e o seu próprio conselho o derribará.
8 Pois por seus próprios pés é ele lançado na rede, e pisa nos laços armados.
9 A armadilha o apanha pelo calcanhar, e o laço o prende;
10 a corda do mesmo está-lhe escondida na terra, e uma armadilha na vereda.
11 Terrores o amedrontam de todos os lados, e de perto lhe perseguem os pés.
12 O seu vigor é diminuído pela fome, e a destruição está pronta ao seu lado.
13 São devorados os membros do seu corpo; sim, o primogênito da morte devora os seus membros.
14 Arrancado da sua tenda, em que confiava, é levado ao rei dos terrores.
15 Na sua tenda habita o que não lhe pertence; espalha-se enxofre sobre a sua habitação.
16 Por baixo se secam as suas raízes, e por cima são cortados os seus ramos.
17 A sua memória perece da terra, e pelas praças não tem nome.
18 É lançado da luz para as trevas, e afugentado do mundo.
19 Não tem filho nem neto entre o seu povo, e descendente nenhum lhe ficará nas moradas.
20 Do seu dia pasmam os do ocidente, assim como os do oriente ficam sobressaltados de horror.
21 Tais são, na verdade, as moradas do, ímpio, e tal é o lugar daquele que não conhece a Deus.”


Jó 19

O Redentor que se Levantou sobre a Terra

Nós vemos no 19º capítulo que Jó respondeu ao discurso condenatório de Bildade, pedindo a seus três amigos que tivessem compaixão dele, porque era a mão do Senhor que estava pesando sobre a Sua vida.
Bastava-lhe a humilhação que estava sendo imposta pelo Senhor, que lhe havia tornado um estranho para todos os seus amigos e familiares, e até mesmo para sua esposa e irmãos.
O seu estado físico repugnante, consequente da sua enfermidade, fizera que exalasse mau cheiro e mau hálito, de modo que não era agradável para ninguém estar em sua companhia.
Então, porque seus amigos lhe afligiam ainda mais a sua alma atormentando-lhe com palavras acusadoras?
Eles já haviam se revezado até este ponto, por dez vezes em discursos que o humilhavam, e não sentiam qualquer vergonha por lhe estarem maltratando daquela forma.
Mesmo caso estivesse sofrendo por ter errado, não havia errado contra eles, e portanto não se justificava o mau trato que estava recebendo deles.
Neste caso, somente ele responderia pelo seu erro.
Mas como se mostravam obstinados em incriminá-lo, deveriam estar conscientes de que teriam que prestar conta a Deus, porque fora Ele quem dera ocasião a todo aquele sofrimento pelo qual estava passando.
Certamente o Senhor não lhes daria satisfação de Seus atos. E não poderia ser acusado de ter sido injusto em ter afligido a Jó, uma vez que fosse comprovado que estava sofrendo por motivo de sua justiça, e não por qualquer iniquidade que tivesse praticado.
Em face disso, como ficariam seus amigos com seus argumentos justificando a Deus por estar afligindo Jó em razão de possíveis pecados praticados por ele?
Se fosse este o caso, nada teriam que responder, afora da falta de misericórdia deles, porque em tal pressuposto, teriam razão em dizer que Jó estava sendo castigado pelo mal que havia praticado.
Mas sabemos que não era este o caso. Portanto, como seriam pesadas as acusações deles contra Jó, pelo justo e soberano Deus?
Por isso é recomendado que tenhamos muito cuidado ao exercermos juízos, porque se nossas acusações forem falsas ou infundadas, nós mesmos seremos achados como faltosos diante do Senhor, e teremos que lhe prestar contas pelos nossos julgamentos errados.
Deus havia despojado a Jó da sua antiga honra entre as pessoas que se encontravam debaixo da sua liderança e influência, e lhe impediu de reassumir a antiga posição de honra em que se encontrava.
Jó se sentia como alguém que estava debaixo da ira de Deus e sendo tratado por Ele como um dos Seus adversários.
Até mesmo pelos seus servos ele estava sendo desprezado, sendo tratado como se fosse um estranho.
Seus servos já não mais lhe obedeciam.
Sua mulher e irmãos não suportavam o seu mau cheiro produzido pela enfermidade.
Em tal estado ele suspirou e aspirou para que suas palavras não fossem desprezadas, como estavam sendo pelos seus amigos, mas que fossem registradas num livro, ou então que fossem registradas para sempre na rocha, porque gostaria que elas estivessem em lembrança e fossem apresentadas ao Seu Redentor, o qual ele estava convicto de que vivia e que ainda se levantaria para efetuar a Sua redenção em toda a terra.
Ele sabia que havia sido comprado pela graça de Deus, por meio de um Redentor que pagaria o preço pelos seus pecados, quando se levantasse sobre a terra.
Ele tinha inteira confiança nisto em seu espírito. Tinha plena fé nesta verdade.
Por isso queria que o seu testemunho fosse registrado num livro e na rocha para que fosse lido pelo Seu Redentor, comprovando que era pertencente ao número dos redimidos, por causa do modo como  havia vivido na terra, sem negar o Seu santo nome, porque estava cheio da graça e da fé no Redentor, que lhe justificara, tal como a Abraão, antes dele.
Jó, inteiramente quebrantado, que se encontrava agora, ainda mais do que antes, não aspirava pela sepultura como um lugar para se esconder dos seus sofrimentos, mas como uma libertação da condição da ausência da presença de Deus, para poder para sempre contemplar a Sua face, em espírito, depois de ter deixado este corpo de carne e sangue (v. 26).
Seus olhos veriam o Rei na Sua formosura, não mais como adversário, conforme o afligia neste mundo, porque na Sua presença, não há mais qualquer aflição para ser experimentada. Todo propósito divino em relação a nós se terá cumprido na glória.
De modo, que nenhum cristão será mais achado debaixo da potente mão de Deus para ser afligido, mas a seu lado (v. 27 a).
Então seus amigos deveriam ponderar as suas ações contra ele, porque na perseguição da sua alma, estavam esquecidos desta condição prometida futura.
Eles deviam temer usar a espada afiada de suas línguas com a qual estavam desferindo golpes contra a sua alma justa, porque os que ferem à espada, pela espada afiada de dois gumes da boca de Deus também serão feridos no dia do juízo (v. 27, 28).




“1 Então Jó respondeu:
2 Até quando afligireis a minha alma, e me atormentareis com palavras?
3 Já dez vezes me haveis humilhado; não vos envergonhais de me maltratardes?
4 Embora haja eu, na verdade, errado, comigo fica o meu erro.
5 Se deveras vos quereis engrandecer contra mim, e me incriminar pelo meu opróbrio,
6 sabei então que Deus é o que transtornou a minha causa, e com a sua rede me cercou.
7 Eis que clamo: Violência! mas não sou ouvido; grito: Socorro! mas não há justiça.
8 com muros fechou ele o meu caminho, de modo que não posso passar; e pôs trevas nas minhas veredas.
9 Da minha honra me despojou, e tirou-me da cabeça a coroa.
10 Quebrou-me de todos os lados, e eu me vou; arrancou a minha esperança, como a, uma árvore.
11 Acende contra mim a sua ira, e me considera como um de seus adversários.
12 Juntas as suas tropas avançam, levantam contra mim o seu caminho, e se acampam ao redor da minha tenda.
13 Ele pôs longe de mim os meus irmãos, e os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim.
14 Os meus parentes se afastam, e os meus conhecidos se esquecem de mim.
15 Os meus domésticos e as minhas servas me têm por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos.
16 Chamo ao meu criado, e ele não me responde; tenho que suplicar-lhe com a minha boca.
17 O meu hálito é intolerável à minha mulher; sou repugnante aos filhos de minha mãe.
18 Até os pequeninos me desprezam; quando me levanto, falam contra mim.
19 Todos os meus amigos íntimos me abominam, e até os que eu amava se tornaram contra mim.
20 Os meus ossos se apegam à minha pele e à minha carne, e só escapei com a pele dos meus dentes.
21 Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mão de Deus me tocou.
22 Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne não vos fartais?
23 Quem dera que as minhas palavras fossem escritas! Quem dera que fossem gravadas num livro!
24 Que, com pena de ferro, e com chumbo, fossem para sempre esculpidas na rocha!
25 Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra.
26 E depois de consumida esta minha pele, então fora da minha carne verei a Deus;
27 vê-lo-ei ao meu lado, e os meus olhos o contemplarão, e não mais como adversário. O meu coração desfalece dentro de mim!
28 Se disserdes: Como o havemos de perseguir! e que a causa deste mal se acha em mim,
29 temei vós a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que há um juízo.” (Jó 19)


Jó 20

A Graça Salva Ímpios

O discurso de Zofar, constante do 20º capítulo de Jó, em relação aos ímpios é verdadeiro em muitos aspectos. Onde está pois o erro em suas palavras?
Não propriamente no conteúdo, mas na aplicação delas e no espírito com que foram pronunciadas.
Primeiro destaquemos que sem qualquer misericórdia pelos ímpios, pelos quais deveria interceder para que não morressem em sua impiedade.
Em segundo lugar, no que se refere à aplicação, por tê-las dirigido à pessoa de Jó, porque ficou muito indignado com a advertência que ele acabara de lhes fazer, para que tivessem cuidado em julgá-lo.
Para demonstrar que não deveriam ter cuidado algum, falou por si e pelos seus dois amigos, com estas palavras ameaçadoras e acusadoras, como que se elas fossem aplicáveis a Jó.
Nós podemos ver como ele não aceitou a repreensão e advertência de Jó, pelo que disse nos versos 2 e 3:
“2 Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso.
3 Estou ouvindo a tua repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responde por mim.”
Ele não disse que estava envergonhado por causa do reconhecimento da maldade que estava fazendo com Jó, mas envergonhado por ter recebido dele uma tal repreensão, porque estavam certos de que não poderia ser outra a razão para a aflição de Jó, senão o fato de ter abrigado a iniquidade no seu coração, e em não ter-se disposto em buscar se arrepender diante de Deus.
Não interessava a Zofar, nem a Bildade ou a Elifaz, a necessidade de um Redentor que se levantasse no futuro sobre a terra, porque eles eram os redentores de si mesmos, cheios com a sua justiça própria.
 Eles tinham certas noções sobre o que seria a vontade de Deus, e procuravam cumpri-las à risca, e somente isto, segundo eles, lhes bastava para serem justificados e livrados de qualquer condenação futura.
Milhões de pessoas neste mundo pensaram e continuam pensando exatamente do mesmo modo que eles, confiando em suas práticas religiosas legalistas que receberam por tradição para serem guardadas.
Confiam cegamente que é por se guardar tais tradições que são justificados por Deus.
Com este discurso Zofar comprovou que eles não tinham de fato qualquer compaixão pela condição em que Jó se encontrava. E não seria por se disporem por atenderem ao pedido que lhes fizera que tivessem misericórdia dele que poderiam atendê-lo, porque não se é misericordioso porque se quer, mas por ter aprendido a sê-lo.
A escola da misericórdia demanda sobretudo que se lance fora os livros do egoísmo.
Requer que não estejamos em busca da própria honra, mas da de Deus, pela busca dos interesses de outros, acima dos nossos próprios interesses.
É somente quando se descobre que somos membros uns dos outros, que nos disporemos a socorrê-los e para lhes trazer alívio em suas aflições, tal como fazem os membros do corpo em relação a algum órgão que se encontra enfermo.
Mas como socorrerei meus irmãos em suas necessidades, se não os vejo como partes do mesmo corpo ao qual pertenço, a saber, o de Cristo? Se não os vejo como membros de meus membros, que interesse real poderei ter em ajudá-los?
Este era o problema com os três amigos de Jó. Eram amigos, mas não na verdadeira acepção da palavra. Antes foram seus exatores.
Pensavam que demonstravam amor sincero por Deus odiando os ímpios.
E no grande ódio deles pelos ímpios colocaram até mesmo o próprio Jó, que era homem justo, que igual a ele não havia na terra, conforme declaração do próprio Deus, na mesma vala comum dos ímpios.
Deus não tem prazer na morte do ímpio. Os amigos de Jó estavam enganados em relação a isto.
Antes deseja que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.
Ele se reconciliou com toda a humanidade através de Jesus Cristo, e agora ordena a todos em toda a parte, que deixem a impiedade e que se disponham também a se reconciliarem com Ele, porque já se dispôs de uma vez para sempre a se reconciliar com todos que busquem tal reconciliação, de maneira que não impedirá a quem quer que seja, em fazê-lo.
Todavia, como os três amigos de Jó pensavam que Deus não confia em ninguém, nem mesmo nos anjos do céu, como poderiam aceitar esta doutrina da reconciliação, e de que tenha dado um Redentor para os pecadores, para livrá-los da condenação eterna?
Se Deus não confia no homem, muito menos eles então confiariam em quem quer que seja, até mesmo no justo Jó. E com uma tal teologia errada, a quem poderemos ajudar de fato? Por acaso, a quem demonstremos rancor e desconfiança?
Alguém se disporia a firmar laços de amizade com um desconfiado de carteira assinada, que não confia nem na sua própria sombra? Em quem mais confiaria? E a base de uma verdadeira amizade é a confiança mútua. Uma vez que a confiança se vai, a amizade também vai junto.
Quem se entregará ao amor, se viver sempre a se prevenir de uma possível traição futura?
Na verdade, os amigos de Jó não somente desconfiavam que ele não fosse digno, por causa do que estava sofrendo, como também estavam convictos disto. E quando se julga alguém desta forma, vai-se embora toda e qualquer possibilidade de bom entendimento.
Jó não era culpado de coisa alguma. Mas eles o declararam culpado sem qualquer prova evidente contra ele. Imagine se houvesse  uma tal prova!
Se eles não estavam se dispondo a crer nele e a ajudá-lo sem qualquer prova contra ele, de quão maior indisposição não seriam tomados se vissem nele qualquer culpa.
É assim que agem os fariseus em sua hipocrisia. Sempre prontos a condenarem a outros, enquanto se consideram justos a seus próprios olhos.
Não foi sem razão que Jesus advertiu os apóstolos para se guardarem deste espírito farisaico.



“1 Então respondeu Zofar, o naamatita:
2 Ora, os meus pensamentos me fazem responder, e por isso eu me apresso.
3 Estou ouvindo a tua repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responde por mim.
4 Não sabes tu que desde a antiguidade, desde que o homem foi posto sobre a terra,
5 o triunfo dos iníquos é breve, e a alegria dos ímpios é apenas dum momento?
6 Ainda que a sua exaltação suba até o céu, e a sua cabeça chegue até as nuvens,
7 contudo, como o seu próprio esterco, perecerá para sempre; e os que o viam perguntarão: Onde está?
8 Dissipar-se-á como um sonho, e não será achado; será afugentado qual uma visão da noite.
9 Os olhos que o viam não o verão mais, nem o seu lugar o contemplará mais.
10 Os seus filhos procurarão o favor dos pobres, e as suas mãos restituirão os seus lucros ilícitos.
11 Os seus ossos estão cheios do vigor da sua juventude, mas este se deitará com ele no pó.
12 Ainda que o mal lhe seja doce na boca, ainda que ele o esconda debaixo da sua língua,
13 ainda que não o queira largar, antes o retenha na sua boca,
14 contudo a sua comida se transforma nas suas entranhas; dentro dele se torna em fel de áspides.
15 Engoliu riquezas, mas vomitá-las-á; do ventre dele Deus as lançará.
16 Veneno de áspides sorverá, língua de víbora o matará.
17 Não verá as correntes, os rios e os ribeiros de mel e de manteiga.
18 O que adquiriu pelo trabalho, isso restituirá, e não o engolirá; não se regozijará conforme a fazenda que ajuntou.
19 Pois que oprimiu e desamparou os pobres, e roubou a casa que não edificou.
20 Porquanto não houve limite à sua cobiça, nada salvará daquilo em que se deleita.
21 Nada escapou à sua voracidade; pelo que a sua prosperidade não perdurará.
22 Na plenitude da sua abastança, estará angustiado; toda a força da miséria virá sobre ele.
23 Mesmo estando ele a encher o seu estômago, Deus mandará sobre ele o ardor da sua ira, que fará chover sobre ele quando for comer.
24 Ainda que fuja das armas de ferro, o arco de bronze o atravessará.
25 Ele arranca do seu corpo a flecha, que sai resplandecente do seu fel; terrores vêm sobre ele.
26 Todas as trevas são reservadas para os seus tesouros; um fogo não assoprado o consumirá, e devorará o que ficar na sua tenda.
27 Os céus revelarão a sua iniquidade, e contra ele a terra se levantará.
28 As rendas de sua casa ir-se-ão; no dia da ira de Deus todas se derramarão.


29 Esta, da parte de Deus, é a porção do ímpio; esta é a herança que Deus lhe reserva.” (Jó 20)



Jó 21

Filhos São Corrigidos

Jó mais uma vez protesta contra o erro teológico de seus amigos, quanto ao ensino da correção imediata dos ímpios por Deus, como vemos no capítulo 21.
Ele comprova, que ao contrário dos que amam a Deus, os ímpios não são corrigidos e disciplinados pelo Senhor, enviando-lhes aflições, tal como sucede aos justos.
Nisto Jó estava correto, porque é verdade que Deus corrige somente aos Seus filhos, de maneira que se afirma na epístola aos Hebreus que caso algum cristão não seja participante desta disciplina divina que é comum a todos os Seus filhos, é porque é bastardo e não verdadeiramente filho.
O apóstolo Pedro afirma que o juízo de Deus começa pela Sua própria casa, a saber, pelos cristãos.
E o apóstolo Paulo diz que os cristãos são julgados pelo Senhor para não serem condenados juntamente com o mundo.
Portanto, ao contrário do que imaginavam os amigos de Jó, são justamente os que temem a Deus que estão sujeitos a correções que podemos chamar de certo modo, de imediatas, da parte do Senhor, porque se cumprem enquanto ainda se encontram neste mundo, mas isto não se aplica ao caso dos ímpios que não se arrependem, porque sofrerão um castigo eterno, e não se sujeitariam a qualquer disciplina que lhes fosse imposta por Deus.
Jó manifestou abertamente qual era o pensamento que os seus três amigos estavam abrigando em seus corações em relação a ele nos verso 28:
“Pois dizeis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que morava o ímpio?”
Eles haviam afirmado isto várias vezes em seus discursos condenatórios contra ele, porque era o que abrigavam em seus corações contra ele próprio, Jó, pensando desta mesma forma. Porque Jó era príncipe, e havia sido despojado da sua honra e glória terrenas.
Por causa da sua doença deve ter sido retirado do convívio em sua própria casa e dos aposentos confortáveis que o abrigavam. E daí indagarem em seus corações onde estava a tenda em que ele, o ímpio Jó morava?
Mas a resposta de Jó para esta indagação absurda e injusta, era uma chamada à reflexão para eles, em forma de pergunta, como vemos nos versos 29 e 30:
 “29 Porventura não perguntastes aos viandantes? e não aceitais o seu testemunho,
30 de que o mau é preservado no dia da destruição, e poupado no dia do furor?”
No entanto, Jó não invejava esta falsa e passageira prosperidade dos ímpios, porque sabia qual seria no final o juízo eterno que aguardava por todos eles, de maneira que o expressou com as seguintes palavras:
“Vede, porém, que eles não têm na mão a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!” (v. 16)
À luz destas verdades, quem deveria desconfiar do desconforto de sua posição diante de Deus não era Jó, mas justamente seus três amigos, que estavam se gloriando da prosperidade permanente deles.
Era para desconfiarem, se afinal não estavam alinhando com os ímpios, sob a capa de uma falsa religiosidade.
Não eram assim os escribas e fariseus dos dias de Jesus?
E muitos religiosos de nossos dias?
Eles são lobos vorazes vestidos de ovelhas.
Falam em defesa de Deus e da religião mas seus corações estão distantes do Senhor, porque na verdade, são ímpios cheios de cobiça mundana.
Por isso Jó vinha lhes advertindo repetidamente sobre a hipocrisia e falsidade deles, conforme vemos também no último versículo deste capitulo:
“Como, pois, me ofereceis consolações vãs, quando nas vossas respostas só resta falsidade?” (v. 34)
É bem provável que a afirmação de Deus que encontramos no último capítulo do livro de Jó, em relação a seus três amigos, de que a Sua ira se havia acendido contra eles, bem pode ter sido um modo de confirmar que eles não passavam de ímpios, porque os trataria segundo a própria teologia deles, de que Deus não deixa viver o ímpio e que logo o destrói neste mundo.
No entanto, lhes mostrou que é longânimo para com os ímpios, com os vasos de ira, exatamente por causa dos justos, especialmente de suas intercessões em favor deles, motivo porque mandou Jó interceder por eles para que não fossem mortos.
É importante observar que Eliú foi excluído disto, porque apesar de ter atacado a Jó não sustentou esta falsa teologia de que o justo é sempre poupado neste mundo, e que Deus destrói logo os ímpios, tal como afirmavam os três amigos de Jó.




“1 Então Jó respondeu:
2 Ouvi atentamente as minhas palavras; seja isto a vossa consolação.
3 Sofrei-me, e eu falarei; e, havendo eu falado, zombai.
4 É porventura do homem que eu me queixo? Mas, ainda que assim fosse, não teria motivo de me impacientar?
5 Olhai para mim, e pasmai, e ponde a mão sobre a boca.
6 Quando me lembro disto, me perturbo, e a minha carne estremece de horror.
7 Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder?
8 Os seus filhos se estabelecem à vista deles, e os seus descendentes perante os seus olhos.
9 As suas casas estão em paz, sem temor, e a vara de Deus não está sobre eles.
10 O seu touro gera, e não falha; pare a sua vaca, e não aborta.
11 Eles fazem sair os seus pequeninos, como a um rebanho, e suas crianças andam saltando.
12 Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e regozijam-se ao som da flauta.
13 Na prosperidade passam os seus dias, e num momento descem ao Seol.
14 Eles dizem a Deus: retira-te de nós, pois não desejamos ter conhecimento dos teus caminhos.
15 Que é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará, se lhe fizermos orações?
16 Vede, porém, que eles não têm na mão a prosperidade; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!
17 Quantas vezes sucede que se apague a lâmpada dos ímpios? que lhes sobrevenha a sua destruição? que Deus na sua ira lhes reparta dores?
18 que eles sejam como a palha diante do vento, e como a pragana, que o redemoinho arrebata?
19 Deus, dizeis vós, reserva a iniquidade do pai para seus filhos, mas é a ele mesmo que Deus deveria punir, para que o conheça.
20 Vejam os seus próprios olhos a sua ruína, e beba ele do furor do Todo-Poderoso.
21 Pois, que lhe importa a sua casa depois de morto, quando lhe for cortado o número dos seus meses?
22 Acaso se ensinará ciência a Deus, a ele que julga os excelsos?
23 Um morre em plena prosperidade, inteiramente sossegado e tranquilo;
24 com os seus baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida.
25 Outro, ao contrário, morre em amargura de alma, não havendo provado do bem.
26 Juntamente jazem no pó, e os vermes os cobrem.
27 Eis que conheço os vossos pensamentos, e os maus intentos com que me fazeis injustiça.
28 Pois dizeis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que morava o ímpio?
29 Porventura não perguntastes aos viandantes? e não aceitais o seu testemunho,
30 de que o mau é preservado no dia da destruição, e poupado no dia do furor?
31 Quem acusará diante dele o seu caminho? e quem lhe dará o pago do que fez?
32 Ele é levado para a sepultura, e vigiam-lhe o túmulo.
33 Os torrões do vale lhe são doces, e o seguirão todos os homens, como ele o fez aos inumeráveis que o precederam.
34 Como, pois, me ofereceis consolações vãs, quando nas vossas respostas só resta falsidade?” (Jó 21)


Jó 22

Inveja sob a Capa de uma Falsa Piedade

Elifaz e seus companheiros tinham condenado Jó de ser alguém injusto e hipócrita, mas nenhum deles havia descido a pecados particulares que tivessem sido cometidos por Jó.
Todavia, é o que Elifaz fez aqui neste capítulo 22º, acusando Jó de muitas transgressões às quais ele nomeou citando-as diretamente.
Ele havia se aborrecido grandemente com o fato de Jó ter se declarado justo aos olhos de Deus. Como não admitia que um justo pudesse ser assolado daquela maneira, então acusou Jó de hipocrisia, e declarou no início deste capítulo as seguintes palavras, que usou com ironia ácida, uma vez que Jó se declarava justo. Suas perguntas em forma de ironia não tencionavam portanto obter respostas afirmativas, mas uma negação de tudo o que estava perguntando.
Então ele queria dizer que o homem é de algum proveito a Deus, e que o sábio não é útil apenas para si mesmo, e que Deus tem interesse e lucro em que alguém seja justo e faça perfeitos os seus caminhos.
No entanto, a partir do verso 4, a pergunta busca uma outra forma de resposta, porque Elifaz considerava que não seria possível Deus repreender a Jó, caso fosse justo, como vinha alegando, caso tivesse de fato o temor de Deus, bem como haveria lucro para ele, caso fosse perfeito nos seus caminhos, porque certamente Deus lhe teria recompensado com o bem.
Então confirmou suas acusações com a pergunta feita no verso 5, em que afirmava que a causa do mal de Jó, era a sua grande malícia e as suas iniquidades sem fim.
Foi neste ponto que ele começou a desfilar uma por uma as acusações injustas diretas que dirigiu contra Jó.
Primeiro disse que ele havia tomado penhores ao seu irmão e que havia despojado de suas vestes os que estavam seminus (v. 6).
Que ele não havia dado água de beber ao cansado e que não havia dado pão ao faminto (v.7).
Que deu terras somente aos fortes, e havia sido parcial concedendo que morassem nela apenas os seus favorecidos (v. 8).
Que Jó havia despedido as viúvas que lhe procuraram, de mãos vazias, e quebrado os braços dos órfãos, em vez de sustentá-los (v.9).
E dita estas coisas, disse que era isto a causa de Jó estar cercado de laços e do repentino pavor que lhe perturbava, bem como estar nas trevas em que nada podia ver, e em águas transbordantes que lhe cobriam.
Segundo Elifaz tão densas eram as trevas da iniquidade que envolviam Jó, que sequer Deus poderia vê-lo das alturas.
Ele acusou ainda mais a Jó dizendo que ele dera causa a tudo aquilo voluntariamente, pedindo que Deus se retirasse de sua vida, porque queria seguir a rota antiga em que os homens iníquos haviam pisado (v. 15 a 17)
  E numa referência indireta a Jó, disse que Deus havia enchido de bens as casas destes ímpios, antes de lhes trazer grande ruína, porque Jó era muito rico antes de ter sido afligido (v. 18). Como ele não queria perder seus bens e o conforto em que vivia, tal como sucedera com Jó, exclamou dizendo: “Longe de mim o conselho dos perversos!”
Então ele se regozijava no fato de que os justos que vissem tais ímpios em sua ruína se alegrassem e escarnecessem deles, tal como ele estava fazendo com Jó (v. 19), porque viam nisso a mão de Deus destruindo os seus adversários e o fogo consumindo o restante deles (v. 20).
Depois de ter feito tão grande injustiça a Jó, rogou-lhe que se reconciliasse com Deus para ter paz, e para que lhe sobreviesse o bem, e esta reconciliação, para ele, consistia em que Jó afastasse da sua tenda a injustiça que vinha praticando, e que jogasse fora todo o ouro que ainda possuísse, para que Deus pudesse se tornar o seu ouro e a prata escolhida (v. 21 a 25).
Se Jó purificasse as suas mãos, então Deus tornaria a ser propício novamente para com ele, e assim, poderia ser seu instrumento de salvação dos humildes e até mesmo para libertar o que não fosse inocente, graças à pureza das suas mãos (v. 26 a 30).
À vista apressada pode parecer uma boa teologia, excluída as acusações falsas que foram feitas contra Jó.
Mas é na verdade uma teologia cheia de veneno mortífero para a alma, tal como a teologia legalista dos escribas e fariseus, que continua bem representada ainda em nossos dias em vários segmentos da Igreja.
É a teologia do faça e viverás.
É a teologia da salvação pelas obras.
É a teologia do mérito. Da comparação invejosa de uns com os outros.
Assim eram Elifaz e seus companheiros.
Incapazes de perceberem que todo o verdadeiro bem procede de Deus e não do coração do próprio homem, de onde procede somente o mal, que o contamina.
 Eles pregavam fazer o bem para alcançar a Deus e o Seu favor, quando a verdadeira doutrina ensina que se deve alcançar a Deus e o Seu favor (graça) para que possamos fazer o bem.
Eles representavam o grupo daqueles que costumam dizer: “Seja bonzinho e Deus será com você!”. Mas o homem não pode, de modo algum, sem a graça do Senhor, ser “bonzinho” como eles pretendem ser.
E não será por ser sempre “bonzinho” que será abençoado por Deus, senão por viver pela fé. Não é por agradar a todos que seremos aprovados pelo Senhor. Ao contrário, o evangelho nos impõe desagradar a muitos, até a nós mesmos, especialmente o nosso ego.
Os amigos de Jó eram hipócritas como os fariseus dos dias de Jesus, nunca podemos esquecer disso ao estudarmos o seu livro.
Assim, o pedido de despojamento e de humildade que Elifaz fez a Jó, não era o de uma verdadeira humildade que consiste sobretudo em pobreza de espírito, pelo reconhecimento de nossa total dependência de Deus, mas de se fazer medíocre diante de outros, especialmente destes hipócritas, para que se sintam superiores a nós, tal como eles desejavam se sentir em relação a Jó, porque certamente lhes incomodava o fato de ter sido até a hora da sua aflição, o maior homem do Oriente.
Jó era verdadeiramente humilde, mas a grandeza das possessões materiais que Deus lhe dera, era um grande incômodo para aqueles invejosos.
Então em sua hipocrisia, eles lhe falaram de assistir órfãos, viúvas, pobres, em doar terras, e coisas como estas, não com a intenção de ajudar o próximo, mas de fazer Jó se despojar de seus bens para se tornar pobre.
Na verdade eles não queriam nenhuma restauração para Jó, e é bem possível que lhes agradasse a ideia que ele morresse, para que não o tivessem mais como uma sombra para a própria grandeza deles.
Por isso estavam se esforçando tanto para tentar subjugá-lo com seus argumentos debaixo de uma capa falsa de piedade, porque queriam triunfar sobre ele em todos os sentidos, inclusive em sabedoria e em religiosidade.
Eles queriam o seu troféu. A própria ruína e morte de Jó, como a prova de que a justiça deles era maior do que a dele, porque, caso contrário, Jó não teria morrido em tão grande desgraça, enquanto eles prosseguiam vivendo suas vidas confortáveis e regaladas.




“1 Então, respondeu Elifaz, o temanita:
2 Porventura, será o homem de algum proveito a Deus? Antes, o sábio é só útil a si mesmo.
3 Ou tem o Todo-Poderoso interesse em que sejas justo ou algum lucro em que faças perfeitos os teus caminhos?
4 Ou te repreende pelo teu temor de Deus ou entra contra ti em juízo?
5 Porventura, não é grande a tua malícia, e sem termo, as tuas iniquidades?
6 Porque sem causa tomaste penhores a teu irmão e aos seminus despojaste das suas roupas.
7 Não deste água a beber ao cansado e ao faminto retiveste o pão.
8 Ao braço forte pertencia a terra, e só os homens favorecidos habitavam nela.
9 As viúvas despediste de mãos vazias, e os braços dos órfãos foram quebrados.
10 Por isso, estás cercado de laços, e repentino pavor te conturba
11 ou trevas, em que nada vês; e águas transbordantes te cobrem.
12 Porventura, não está Deus nas alturas do céu? Olha para as estrelas mais altas. Que altura!
13 E dizes: Que sabe Deus? Acaso, poderá ele julgar através de densa escuridão?
14 Grossas nuvens o encobrem, de modo que não pode ver; ele passeia pela abóbada do céu.
15 Queres seguir a rota antiga, que os homens iníquos pisaram?
16 Estes foram arrebatados antes do tempo; o seu fundamento, uma torrente o arrasta.
17  Diziam a Deus: Retira-te de nós. E: Que pode fazer-nos o Todo-Poderoso?
18 Contudo, ele enchera de bens as suas casas. Longe de mim o conselho dos perversos!
19 Os justos o veem e se alegram, e o inocente escarnece deles,
20 dizendo: Na verdade, os nossos adversários foram destruídos, e o fogo consumiu o resto deles.
21 Reconcilia-te, pois, com ele e tem paz, e assim te sobrevirá o bem.
22 Aceita, peço-te, a instrução que profere e põe as suas palavras no teu coração.
23 Se te converteres ao Todo-Poderoso, serás restabelecido; se afastares a injustiça da tua tenda
24 e deitares ao pó o teu ouro e o ouro de Ofir entre pedras dos ribeiros,
25 então, o Todo-Poderoso será o teu ouro e a tua prata escolhida.
26 Deleitar-te-ás, pois, no Todo-Poderoso e levantarás o rosto para Deus.
  27 Orarás a ele, e ele te ouvirá; e pagarás os teus votos.
28 Se projetas alguma coisa, ela te sairá bem, e a luz brilhará em teus caminhos.
29 Se estes descem, então, dirás: Para cima! E Deus salvará o humilde
30 e livrará até ao que não é inocente; sim, será libertado, graças à pureza de tuas mãos.” (Jó 22)


Jó 23

O Amor Lança Fora o Medo

Em nenhum momento de sua grande aflição Jó deixou de reconhecer a Deus como um grande e perfeito Juiz, conforme podemos ver neste 23º capítulo.
Ele estava convicto de que Ele julgaria a sua causa com reta justiça, especialmente, livrando-o das falsas acusações que lhes estavam sendo dirigidas pelos seus três amigos, a ponto de acusá-lo de pecados específicos que sequer passaram pelo seu pensamento.
Mas o peso da mão do Senhor sobre ele, até aquele dia ainda era muito grande, e maior mesmo do que o seu próprio gemido (v. 2).
Todavia, Jó ansiava ter um encontro com o Senhor, no Seu tribunal de juízo, para que pudesse expor diante dele a sua causa, porque já a tinha elaborado com argumentos precisos e verdadeiros para a defesa do seu caminhar perante o Altíssimo.
Como andava em justiça diante de um Deus justo, haveria bom entendimento entre ambos, porque tanto entenderia o que Deus lhe dissesse como o Senhor também o entenderia. Não haveria portanto, conflitos e coisas a serem escondidas em tal tribunal de julgamento.
Jó sabia que era filho de Deus, e teria nEle o julgamento de um pai em relação a seu filho, e não de um juiz togado em relação a um malfeitor.
Por isso estava certo de que Deus seria brando e compassivo para com Ele, e não lhe trataria segundo a grandeza do Seu poder.
Ele estava convicto de sua absolvição eterna pelo seu Juiz, porque estava convicto da sua retidão (v. 7).
Ele tinha em seu espírito o testemunho de ter sido e feito o que Lhe era agradável, e por ter vivido pela fé, no Seu amor divino, não havia nele qualquer temor do Juízo, porque o amor lança fora o medo da condenação.
Sabemos que já não há nenhuma condenação para os que são de Jesus, e Jó, por sua fé, pertencia a Cristo, ainda que Ele não tivesse ainda se manifestado em carne em Seu ministério terreno.
Jó sabia em espírito que tinha em Cristo o Seu Redentor, ainda que não soubesse o Seu nome, porque ainda não havia sido revelado até então.
Contudo, sabia que o efeito desta redenção, desta absolvição é para sempre, ou seja, é eterna, conforme  havia declarado no verso 7.
Ele estava à busca de Deus, sem dar descanso à sua alma, mas o Senhor não estava se revelando a Ele naquele período da sua aflição. Deus não havia ainda falado com ele, como viria a fazer, como lemos na parte final do seu livro, depois que Eliú concluiu o seu discurso.
O Senhor interveio porque se compadeceu de Jó, em face das grandes e contínuas acusações que estava recebendo da parte daqueles insensatos.
Contudo, mesmo na aflição, Jó declara que nunca havia se desviado do caminho do Senhor, antes havia guardado tal caminho (v. 10,11).
Ele nunca deixou de guardar os Seus mandamentos, e sempre escondeu no seu coração as palavras da Sua boca (v. 12).
Ele reconheceu que Deus estava determinado em cumprir tudo o que havia resolvido fazer em relação a ele, e que ninguém poderia desviá-lO do Seu propósito. Por isso, se sujeitou inteiramente ao desígnio do Senhor, porque sabia que o que Ele havia intentado, certamente o faria.
Ele sabia que Deus poderia afligi-lo ainda mais com muitas outras coisas como aquelas, e que por isso ficava perturbado diante dEle, e sentia medo do que mais poderia lhe sobrevir (v. 14,15).
Então seus amigos estavam enganados pensando que ele estava perturbado e temeroso por causa dos pecados, que segundo eles, ele havia cometido, mas o seu temor era do próprio Senhor, das aflições que Ele poderia ainda lhe trazer na Sua determinação que nunca poderá ser frustrada por ninguém e por nenhum poder (v. 16,17).

“1 Então Jó respondeu:
2 Ainda hoje a minha queixa está em amargura; o peso da mão dele é maior do que o meu gemido.
3 Ah, se eu soubesse onde encontrá-lo, e pudesse chegar ao seu tribunal!
4 Exporia ante ele a minha causa, e encheria a minha boca de argumentos.
5 Saberia as palavras com que ele me respondesse, e entenderia o que me dissesse.
6 Acaso contenderia ele comigo segundo a grandeza do seu poder? Não; antes ele me daria ouvidos.
7 Ali o reto pleitearia com ele, e eu seria absolvido para sempre por meu Juiz.
8 Eis que vou adiante, mas não está ali; volto para trás, e não o percebo;
9 procuro-o à esquerda, onde ele opera, mas não o vejo; viro-me para a direita, e não o diviso.
10 Mas ele sabe o caminho por que eu ando; provando-me ele, sairei como o ouro.
11 Os meus pés se mantiveram nas suas pisadas; guardei o seu caminho, e não me desviei dele.
12 Nunca me apartei do preceito dos seus lábios, e escondi no meu peito as palavras da sua boca.
13 Mas ele está resolvido; quem então pode desviá-lo? E o que ele quiser, isso fará.
14 Pois cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo.
15 Por isso me perturbo diante dele; e quando considero, tenho medo dele.
16 Deus macerou o meu coração; o Todo-Poderoso me perturbou.
17 Pois não estou desfalecido por causa das trevas, nem porque a escuridão cobre o meu rosto.” (Jó 23)


Jó 24

Porque Deus Não Executa Logo o Juízo

Depois de ter exposto no capítulo anterior a este 24º, que estaremos comentando, a sua total confiança em Deus, quanto ao julgamento da sua causa justa, Jó retorna agora à controvérsia doutrinal entre ele e os seus amigos relativa à prosperidade dos ímpios.
Desconhecendo a causa de os ímpios não serem logo julgados em suas iniquidades, por Deus (que é a Sua longanimidade, conforme viria a revelar posteriormente em Sua Palavra), Jó no entanto, não desconhecia a realidade de que algo em Deus fazia com que adiasse o julgamento dos ímpios, porque era fato notório, conforme eles prosperam na terra.
Por ser tão grande a iniquidade Jó aspirava que Deus estabelecesse tempos de julgamentos, nos quais Ele próprio estabelecesse diante de todos, as penas devidas aos ímpios, na frente de todos os Seus santos, de forma que não houvesse dúvidas de quem era ímpio e de quem não era, e quais eram as impiedades que eram praticadas na terra  (v. 1).
Isto daria ensejo a que se visse que ele era justo, e que os seus três amigos que o acusavam de iniquidade, eles sim que eram ímpios.
Tudo não ficaria esclarecido? Por que então Deus não estabelecia tribunais de julgamentos de tempos e tempos? Esta era uma pergunta que não queria calar no peito de Jó, especialmente naquela ocasião em que estava sendo atacado tão dura e injustamente por seus amigos.
A pergunta de Jó não pode ser respondida com uma única e simples resposta, mas sem dúvida, uma das razões do juízo ser adiado, e não executado conforme ele o desejava, é a de que há muitos ímpios que vêm a se arrepender de seus pecados, e a se converterem no futuro, por causa da longanimidade que Deus exibe para com eles, e uma outra razão que também poderíamos citar é a de que, de outra sorte, os justos não aprenderiam a ser longânimos para com os ímpios tal como Deus é para com eles. E certamente, é o desejo de Deus que sejamos longânimos para com todos os homens (I Tes 5.14).
Todavia, aqueles que são inimigos da luz e que não permanecem nos caminhos do Senhor, porque insistem em abusar para sempre da longanimidade de Deus, terão que Lhe prestar contas no dia do Juízo, e serão condenados eternamente.
Há muitos que abusam da longanimidade do Senhor chamando o mal de bem.
O problema básico com o ímpio não é a sua impiedade propriamente dita, porque pode ser curado por Cristo deste seu mal. O problema está em não reconhecer que a sua impiedade o torna inimigo de Deus e passível do Seu juízo.
Não é por ser poupado por Deus de aflições neste mundo que isto signifique que Ele está de braços cruzados em relação à impiedade que pratique, ou então que não o julgará um dia, ou até mesmo, o que é pior, pensar que isto signifique que tem agradado a Deus, apesar de continuar vivendo no pecado, segundo o curso do mundo, confundindo a ausência de juízos imediatos de Deus sobre Ele, como uma forma de aprovação indireta da sua conduta.


“1 Por que o Todo-Poderoso não designa tempos de julgamento? E por que os que o conhecem não veem tais dias?
2 Há os que removem os limites, roubam os rebanhos e os apascentam.
3 Levam do órfão o jumento, da viúva, tomam-lhe o boi.
4 Desviam do caminho aos necessitados, e os pobres da terra todos têm de esconder-se.
5 Como asnos monteses no deserto, saem estes para o seu mister, à procura de presa no campo aberto, como pão para eles e seus filhos.
6 No campo segam o pasto do perverso e lhe rabiscam a vinha.
7 Passam a noite nus por falta de roupa e não têm cobertas contra o frio.
8 Pelas chuvas das montanhas são molhados e, não tendo refúgio, abraçam-se com as rochas.
9 Orfãozinhos são arrancados ao peito, e dos pobres se toma penhor;
10 de modo que estes andam nus, sem roupa, e, famintos, arrastam os molhos.
11 Entre os muros desses perversos espremem o azeite, pisam-lhes o lagar; contudo, padecem sede.
12  Desde as cidades gemem os homens, e a alma dos feridos clama; e, contudo, Deus não tem isso por anormal.
13 Os perversos são inimigos da luz, não conhecem os seus caminhos, nem permanecem nas suas veredas.
14 De madrugada se levanta o homicida, mata ao pobre e ao necessitado, e de noite se torna ladrão.
15 Aguardam o crepúsculo os olhos do adúltero; este diz consigo: Ninguém me reconhecerá; e cobre o rosto.
16 Nas trevas minam as casas, de dia se conservam encerrados, nada querem com a luz.
17 Pois a manhã para todos eles é como sombra de morte; mas os terrores da noite lhes são familiares.
18 Vós dizeis: Os perversos são levados rapidamente na superfície das águas; maldita é a porção dos tais na terra; já não andam pelo caminho das vinhas.
19 A secura e o calor desfazem as águas da neve; assim faz a sepultura aos que pecaram.
20 A mãe se esquecerá deles, os vermes os comerão gostosamente; nunca mais haverá lembrança deles; como árvore será quebrado o injusto,
21 aquele que devora a estéril que não tem filhos e não faz o bem à viúva.
22  Não! Pelo contrário, Deus por sua força prolonga os dias dos valentes; veem-se eles de pé quando desesperavam da vida.
23 Ele lhes dá descanso, e nisso se estribam; os olhos de Deus estão nos caminhos deles.
24 São exaltados por breve tempo; depois, passam, colhidos como todos os mais; são cortados como as pontas das espigas.


25  Se não é assim, quem me desmentirá e anulará as minhas razões?” (Jó 24)



Jó 25

A Verdadeira Prosperidade

Bildade parece ter reconhecido afinal que de fato, tal como Jó falara anteriormente, que Deus não estabelece tribunais de Julgamento de tempos em tempos na terra, para expor a iniquidade dos ímpios.
Ao contrário, como Jó falara, era e permanece um fato notório a prosperidade dos ímpios neste mundo. Na verdade são eles que detêm as maiores riquezas da terra, e que se encontram nas posições de honra, destaque, fama e governo entre os homens. Não é comum que os justos ocupem tais posições.
No entanto, Deus afirma que está em guerra com o ímpio.
Como se pode então entender esta realidade que é exatamente nas mãos deles que Deus permite que estejam os bens e as rédeas do mundo?
Parece então que Bildade resolveu nivelar tudo, e declarar somente Deus como justo e santo, e colocou toda a humanidade na condição de vermes e vermezinhos, inclusive os que se consideram justos, porque declarou que não há possibilidade de o homem ser justo diante de Deus, em face do pecado que domina sobre a terra.
Todavia, esta teologia de Bildade é apenas uma teologia de quem entregou as armas e que se cansou do debate sobre a prosperidade dos ímpios que vinha travando com Jó, juntamente com os seus demais amigos.
Não é uma teologia correta, porque o homem pode ser justo sim, mas somente pelo caminho da justificação pela fé. Deus declara o cristão justo na justificação, e implanta a Sua justiça nele, gradualmente começando na regeneração, e avançando na santificação.
E se a rigor todos podem ser chamados de vermezinhos, inclusive os justos, enquanto vivem neste mundo, a grande verdade é que estes vermezinhos justos são transformados (metamorfose) espiritualmente, deixando de ser vermes para alcançarem a glória do céu, tal como os casulos que se transformam em borboletas; todavia, não se pode dizer o mesmo dos vermezinhos ímpios que se aprofundarão cada vez mais na lama até caírem nas profundezas do inferno, e nunca, jamais, deixarão o seu estado de vermes.
Mas estas verdades espirituais estavam debaixo da sombra do Velho Testamento, e vieram à luz plena somente na dispensação do evangelho, conforme a revelação que nos foi feita por nosso Senhor Jesus Cristo.
O livro de Jó revela como os homens andavam às apalpadelas à busca de uma revelação que seria feita aberta, direta e completamente, somente em Jesus Cristo, conforme foi do desígnio do Pai, que nEle residisse toda a plenitude, inclusive esta relativa à revelação da verdade.
É então demonstração de grande amor, bondade e misericórdia, para com a humanidade caída no pecado, pregar a verdade do evangelho, que expõe claramente que não é nenhuma prosperidade duradoura e eterna a que se tem à custa de um viver afastado de Deus e da Sua vontade, revelada na Bíblia.
E isto coloca uma pá de cal nesta teologia malfazeja dos amigos de Jó, que tem atravessado os séculos e dado a muitos a falsa impressão de que ser bem sucedido segundo o mundo é sinônimo de se estar sendo abençoado e aprovado por Deus, independentemente do modo que se viva, porque aqueles que assim pensa, estão cegos quanto à Sua vontade divina, uma vez que não têm a graça de Jesus, que é único colírio que pode nos curar para que possamos ver o mundo espiritual e fazer uma justa avaliação da verdade. Colírio este que pode ser adquirido somente pelo arrependimento e mediante a fé.



“1 Então respondeu Bildade, o suíta:
2 Com Deus estão domínio e temor; ele faz reinar a paz nas suas alturas.
3 Acaso têm número os seus exércitos? E sobre quem não se levanta a sua luz?
4 Como, pois, pode o homem ser justo diante de Deus, e como pode ser puro aquele que nasce da mulher?
5 Eis que até a lua não tem brilho, e as estrelas não são puras aos olhos dele;
6 quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um vermezinho!” (Jó 25)


Jó 26

A Palavra Branda Desvia a Ira

O pequeno discurso não contraditório de Bildade inspirou Jó a falar das grandezas de Deus neste capítulo 26º.
De quão grande valor é a norma bíblica para evitarmos debates e contendas que para nada servem senão para esfriar a fé.
Mas onde o nome de Deus é exaltado, tal como fizera Bildade, outros serão inspirados a fazê-lo, como foi o caso de Jó, que neste capítulo se ocupa somente de falar das grandezas e do poder de Deus.
Bildade introduziu o assunto da nossa pequenez diante do Senhor, e Jó o confirmou com estas suas palavras.
Quando isto acontece, começamos a ocupar o lugar em que devemos estar, para que o Senhor possa se manifestar a nós.
Não nos convém pensamentos de grandeza em relação a nós mesmos. Não nos cabe exaltarmos a nós mesmos. A louvarmos a nós mesmos, porque isto não é aprovado, senão aquele a quem o Senhor louva.
Elogio em boca própria é vitupério, diz o provérbio dos antigos, portanto seja outra, e não a nossa boca, que nos louve, enquanto de nós mesmos, não andemos à busca de nenhum louvor ou glorificação pessoal, porque o Senhor terá isto para conosco como sendo justiça, por estarmos ocupando o lugar que nos é devido em Sua presença e na de todos os homens, que é a de humildade e submissão.
Veja que boa atmosfera e boas palavras espíritos desarmados puderam inspirar e produzir.
Devemos caminhar por esta vereda porque a todo que se humilha o Senhor exalta e concede graça, mas a todo o que se exalta a si mesmo, Ele abate.


“1 Então Jó respondeu:
2 Como tens ajudado ao que não tem força e sustentado o braço que não tem vigor!
3 como tens aconselhado ao que não tem sabedoria, e plenamente tens revelado o verdadeiro conhecimento!
4 Para quem proferiste palavras? E de quem é o espírito que saiu de ti?
5 Os mortos tremem debaixo das águas, com os que ali habitam.
6 O Seol está nu perante Deus, e não há coberta para o abismo.
7 Ele estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada.
8 Prende as águas em suas densas nuvens, e a nuvem não se rasga debaixo delas.
9 Encobre a face do seu trono, e sobre ele estende a sua nuvem.
10 Marcou um limite circular sobre a superfície das águas, onde a luz e as trevas se confinam.
11 As colunas do céu tremem, e se espantam da sua ameaça.
12 Com o seu poder fez sossegar o mar, e com o seu entendimento abateu o adversário.
13 Pelo seu sopro ornou o céu; a sua mão traspassou a serpente veloz.


14 Eis que essas coisas são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pequeno é o sussurro que dele, ouvimos! Mas o trovão do seu poder, quem o poderá entender?” (Jó 26)


Jó 27

Fortalecido pela Graça na Fraqueza Extrema

Os amigos de Jó estavam vigorosos em seus discursos contra ele, e mal davam espaço para que ele se defendesse, mas eles estavam agora dando sinais de cansaço e quase depondo suas armas que estavam usando contra ele.
Então agora, a partir do capítulo 27º, seria a vez deles ouvirem Jó, renovado em seu vigor pela graça divina, falando com desenvoltura sobre a sua justiça, e esclarecendo melhor que o fato de ter falado antes que os ímpios prosperavam não significava que eles se encontravam numa posição aprovada, favorável e confortável diante de Deus. Ao contrário, havia e há uma guerra permanente da justiça de Deus contra a impiedade deles.
Quão enganosa e passageira é portanto a prosperidade dos ímpios, porque ao serem arrancados da terra terão que comparecer diante de Deus, para serem julgados por todas as suas obras.
“Pois qual é a esperança do ímpio, quando Deus o cortar, quando Deus lhe arrebatar a alma?” (v. 8)
Sabendo disto, Jó estava determinado em permanecer na prática da justiça, conforme suas palavras no verso 4 a 6:
“4 não falarão os meus lábios iniquidade, nem a minha língua pronunciará engano.
5 Longe de mim que eu vos dê razão; até que eu morra, nunca apartarei de mim a minha integridade.
6 À minha justiça me apegarei e não a largarei; o meu coração não reprova dia algum da minha vida.”
O clamor do justo, em sua angústia é ouvido por Deus, mas quando a tribulação atinge o ímpio, o seu clamor não é ouvido por Deus. Quão grande diferença há pois entre as aflições dos justos e a dos ímpios que não se arrependem da prática do mal!
Por isso Jó disse se referindo aos ímpios:
“Acaso Deus lhe ouvirá o clamor, sobrevindo-lhe a tribulação?” (v. 9)



“1 E prosseguindo Jó em seu discurso, disse:
2 Vive Deus, que me tirou o direito, e o Todo-Poderoso, que me amargurou a alma;
3 enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz,
4 não falarão os meus lábios iniquidade, nem a minha língua pronunciará engano.
5 Longe de mim que eu vos dê razão; até que eu morra, nunca apartarei de mim a minha integridade.
6 À minha justiça me apegarei e não a largarei; o meu coração não reprova dia algum da minha vida.
7 Seja como o ímpio o meu inimigo, e como o perverso aquele que se levantar contra mim.
8 Pois qual é a esperança do ímpio, quando Deus o cortar, quando Deus lhe arrebatar a alma?
9 Acaso Deus lhe ouvirá o clamor, sobrevindo-lhe a tribulação?
10 Deleitar-se-á no Todo-Poderoso, ou invocará a Deus em todo o tempo?
11 Ensinar-vos-ei acerca do poder de Deus, e não vos encobrirei o que está com o Todo-Poderoso.
12 Eis que todos vós já vistes isso; por que, pois, vos entregais completamente à vaidade?
13 Esta é da parte de Deus a porção do ímpio, e a herança que os opressores recebem do Todo-Poderoso:
14 Se os seus filhos se multiplicarem, será para a espada; e a sua prole não se fartará de pão.
15 Os que ficarem dele, pela peste serão sepultados, e as suas viúvas não chorarão.
16 Embora amontoe prata como pó, e acumule vestes como barro,
17 ele as pode acumular, mas o justo as vestirá, e o inocente repartirá a prata.
18 A casa que ele edifica é como a teia da aranha, e como a cabana que o guarda faz.
19 Rico se deita, mas não o fará mais; abre os seus olhos, e já se foi a sua riqueza.
20 Pavores o alcançam como um dilúvio; de noite o arrebata a tempestade.
21 O vento oriental leva-o, e ele se vai; sim, varre-o com ímpeto do seu lugar:
22 Pois atira contra ele, e não o poupa, e ele foge precipitadamente do seu poder.
23 Bate palmas contra ele, e assobia contra ele do seu lugar.”  (Jó 27)


Jó 28

Onde se Acha a Sabedoria Divina

Jó faz neste capítulo 28º um belo e profundo discurso sobre a verdadeira sabedoria, que procede de Deus.
Ele diz que o homem pode descobrir todos os segredos das coisas preciosas que estão escondidas no seio da terra, pelo esquadrinhar estas coisas naturais.
Todavia, não se acha no meio das coisas naturais, a sabedoria, porque é espiritual.
Deus tem posto também a sabedoria por um fundamento que deve ser procurado e achado pelo homem.
Todavia o homem, de si mesmo, não pode encontrar o caminho que o conduzirá a esta sabedoria.
“12 Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento?
13 O homem não lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes.”
Ela está escondida em Deus de tal forma segura e oculta, que se torna muito mais preciosa que o ouro ou a prata, ou pedras preciosas, ou jóias de ouro fino;  cristal; pérolas ou topázio (v. 15-19). Nada se compara em valor à sabedoria divina.
Esta sabedoria está oculta aos olhos naturais da carne (v. 20,21).
Deus conhece o caminho da sabedoria, o lugar onde ela se encontra (v. 23).
Então é nEle que devemos buscá-la.
Deus definiu o modo de se achar o caminho e o lugar da sabedoria, numa simples frase: “o temor do Senhor é a sabedoria”, e que o caminho do verdadeiro conhecimento é o apartar-se do mal (v. 28)
Quantos ministérios têm sido destruídos porque se afastaram do temor do Senhor?
Ele concede a sabedoria e a graça àqueles que o temem e que permanecem humildes em Sua presença.
Por isso Paulo se gloriava em suas fraquezas pelas aflições constantes que sofria, porque isto o mantinha num espírito que lhe fazia permanecer debaixo do temor de Deus.
Enquanto os pastores choram as suas misérias diante do Senhor, há grande esperança para eles e para seus ministérios.
Mas quando seus corações se elevam pela prosperidade que vêm lhes sendo dadas pelo próprio Senhor, se vai deles a sabedoria, porque deixam o espírito de humildade, porque seu corações se elevam novamente.
Icabode! Foi-se a glória de Israel! É somente o que se pode dizer de tais pastores e seus ministérios quando isto acontece, ou seja, quando deixam de andar humildemente com o seu Deus.
“Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8)
Esta sabedoria é loucura para o mundo.
O modo como estamos tecendo este comentário do livro de Jó, sem qualquer academicismo, é loucura para os sábios, mas os simples entenderão, porque o Senhor lhes concede graça para entenderem a simplicidade que há na revelação da Sua Palavra.



“1 Na verdade, há minas donde se extrai a prata, e também lugar onde se refina o ouro:
2 O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre.
3 Os homens põem termo às trevas, e até os últimos confins exploram as pedras na escuridão e nas trevas mais densas.
4 Abrem um poço de mina longe do lugar onde habitam; são esquecidos pelos viajantes, ficando pendentes longe dos homens, e oscilam de um lado para o outro.
5 Quanto à terra, dela procede o pão, mas por baixo é revolvida como por fogo.
6 As suas pedras são o lugar de safiras, e têm pó de ouro.
7 A ave de rapina não conhece essa vereda, e não a viram os olhos do falcão.
8 Nunca a pisaram feras altivas, nem o feroz leão passou por ela.
9 O homem estende a mão contra a pederneira, e revolve os montes desde as suas raízes.
10 Corta canais nas pedras, e os seus olhos descobrem todas as coisas preciosas.
11 Ele tapa os veios d'água para que não gotejem; e tira para a luz o que estava escondido.
12 Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento?
13 O homem não lhe conhece o caminho; nem se acha ela na terra dos viventes.
14 O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo.
15 Não pode ser comprada com ouro fino, nem a peso de prata se trocará.
16 Nem se pode avaliar em ouro fino de Ofir, nem em pedras preciosas de berilo, ou safira.
17 Com ela não se pode comparar o ouro ou o vidro; nem ser trocada por jóias de ouro fino.
18 Não se fará menção de coral nem de cristal; porque a aquisição da sabedoria é melhor que a das pérolas.
19 Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode comprar por ouro puro.
20 Donde, pois, vem a sabedoria? Onde está o lugar do entendimento?
21 Está encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta às aves do céu.
22 O abismo e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela.
23 Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar.
24 Porque ele perscruta até as extremidades da terra, sim, ele vê tudo o que há debaixo do céu.
25 Quando regulou o peso do vento, e fixou a medida das águas;
26 quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões;
27 então viu a sabedoria e a manifestou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.


28 E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento.”


Jó 29

Deus Era Todo o Prazer de Jó

Os três amigos de Jó ficaram emudecidos depois que ele proferiu o seu belo e profundo discurso sobre a sabedoria divina, a qual não se encontra nos animais, e em nenhuma das coisas naturais da terra, e nem mesmo nos homens que não têm o verdadeiro temor do Senhor, e que não se desviam do mal.
Eles não poderiam retrucar esta doutrina verdadeira, expressada como foi, com as palavras de sabedoria que Deus havia concedido a Jó.
É até mesmo possível que tenham percebido quanto estultos haviam sido em suas afirmações que não estavam fundamentadas em nenhuma revelação que lhes tivesse sido dada pelo Espírito de Deus.
Deus oculta a verdadeira sabedoria dos sábios e entendidos deste mundo e a revela aos pequeninos, ou seja, àqueles que são pobres de espírito perante Ele.
“Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (Mt 11.25)
 Então Jó poderia falar agora abertamente, neste 29º capítulo, sobre a sua antiga glória, antes de ter sido afligido, porque revelara que o seu verdadeiro tesouro não consistia em nada do que possuía neste mundo, mas na Sua comunhão com Deus e na sabedoria que recebia dEle, e pela qual dirigia todos os seus passos nas obras que realizava junto aos seus conterrâneos, e todos aqueles que o procuravam para serem abençoados por ele.
Jó detalha minuciosamente tudo o que fazia especialmente para os desfavorecidos e desprezados.
Como foi um amparo para o fraco na sua angústia.
Era de fato um grande homem segundo o coração de Deus, e por isso o Senhor deu acerca dele o testemunho de ser reto, íntegro, temente a Ele, e que se desviava do mal, ou seja, Jó possuía os requisitos necessários para se obter a verdadeira sabedoria, então era de fato sábio, não segundo o mundo, mas segundo Deus, porque era temente a Ele e se desviava do mal. E o Senhor será também com todo aquele que caminhar neste mundo, tal como caminhava Jó.
É interessante observar que o que Ele lamentou no seu presente estado de aflição não foi propriamente a perda de bens e honra, mas a íntima presença de Deus.
Por isso ele introduz este seu discurso enfatizando a glória da sua caminhada diária com o Senhor, antes de todas as demais coisas que podia fazer a outros, assistido que era pela Sua sabedoria e graça.
Ele disse:
“2 Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses do passado, como nos dias em que Deus me guardava;
3 quando a sua lâmpada luzia sobre o minha cabeça, e eu com a sua luz caminhava através das trevas;
4 como era nos dias do meu vigor, quando o íntimo favor de Deus estava sobre a minha tenda;
5 quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim;” (v. 2 a 5)
Ele está impedido agora pela enfermidade e por sua presente condição, de fazer as obras de Deus. Isto era a causa maior da sua angústia. Não o simples fato de ter perdido pessoas, amigos, bens, saúde.
É este impedimento de continuar servindo a Deus que fere e magoa o coração do justo, e o Senhor é glorificado nisto, e Satanás fica enfurecido de inveja, porque se comprova assim o nosso real amor pelo Senhor, e o testemunho de que Ele é toda a nossa vida, e nada mais.
Continuamos no mundo, desfrutando das coisas lícitas do mundo, mas é no Senhor mesmo que o justo tem todo o seu deleite e prazer.



“1 E prosseguindo Jó no seu discurso, disse:
2 Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses do passado, como nos dias em que Deus me guardava;
3 quando a sua lâmpada luzia sobre o minha cabeça, e eu com a sua luz caminhava através das trevas;
4 como era nos dias do meu vigor, quando o íntimo favor de Deus estava sobre a minha tenda;
5 quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim;
6 quando os meus passos eram banhados em leite, e a rocha me deitava ribeiros de azeite!
7 Quando eu saía para a porta da cidade, e na praça preparava a minha cadeira,
8 os moços me viam e se escondiam, e os idosos se levantavam e se punham em pé;
9 os príncipes continham as suas palavras, e punham a mão sobre a sua boca;
10 a voz dos nobres emudecia, e a língua se lhes pegava ao paladar.
11 Pois, ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; e vendo-me algum olho, dava testemunho de mim;
12 porque eu livrava o miserável que clamava, e o órfão que não tinha quem o socorresse.
13 A bênção do que estava a perecer vinha sobre mim, e eu fazia rejubilar-se o coração da viúva.
14 vestia-me da retidão, e ela se vestia de mim; como manto e diadema era a minha justiça.
15 Fazia-me olhos para o cego, e pés para o coxo;
16 dos necessitados era pai, e a causa do que me era desconhecido examinava com diligência.
17 E quebrava os caninos do perverso, e arrancava-lhe a presa dentre os dentes.
18 Então dizia eu: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia;
19 as minhas raízes se estendem até as águas, e o orvalho fica a noite toda sobre os meus ramos;
20 a minha honra se renova em mim, e o meu arco se revigora na minha mão.
21 A mim me ouviam e esperavam, e em silêncio atendiam ao meu conselho.
22 Depois de eu falar, nada replicavam, e minha palavra destilava sobre eles;
23 esperavam-me como à chuva; e abriam a sua boca como à chuva tardia.
24 Eu lhes sorria quando não tinham confiança; e não desprezavam a luz do meu rosto;


25 eu lhes escolhia o caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas tropas, como aquele que consola os aflitos.” (Jó 29)



Jó 30

Fazendo o Bem a Maus

A aflição trouxe mais sabedoria a Jó, porque por ela pôde aprender que mesmo muitos daqueles que ajudamos nos dias da nossa prosperidade, se levantam contra nós para nos insultarem e zombarem de nós, quando estamos em condições aflitivas, que são consideradas pelo mundo como sendo uma situação de desprezo e miséria.
Jó não abdicaria de continuar fazendo o bem, mesmo a estes que agora lhe faziam o mal, porque aprendera na sua aflição, qual é a real essência da natureza terrena humana. Ela é ingrata, traiçoeira, indigna e não dá honra a quem se deve honra, quando esta pessoa perde toda a fama e poder terreno que possuía dantes perante eles.
A natureza humana é naturalmente inimiga de Deus, porque o espírito do homem está morto em delitos e pecados. Não tem comunhão com Deus, e por isso não pode se firmar na justiça, verdade, bondade, longanimidade e amor, conforme se encontram no próprio Deus.
Somos chamados a pregar o evangelho no meio de lobos devoradores, com a simplicidade das pombas e a prudência das serpentes. A amarmos os nossos inimigos. A orarmos pelos nossos perseguidores. A abençoarmos os que nos maldizem.
Porque a sabedoria divina nos ensina que não devemos fazer o bem olhando para a natureza terrena, mas olhando os homens, lhes servindo como estivéssemos servindo ao próprio Cristo.
De outra sorte, o mal nos vencerá, e não poderemos vencer o mal com o bem, dando de comer e beber aos nossos inimigos, quando tiverem fome e sede.
Ah! Amados! Quão fácil é nos desviarmos do alvo da verdadeira vida cristã!
Que o exemplo de Jó seja uma inspiração a prosseguirmos na prática do bem, mesmo quando nossos olhos são abertos para sabermos a quem somos de fato chamados a abençoar: pessoas não gratas e santas, mas pecadores sujeitos a todas as obras que operam na carne.
Somos chamados a amá-los visando ao aperfeiçoamento paciente deles e nosso, em Deus, e na Sua sabedoria, que não é deste mundo, assim como o Seu reino não é também deste mundo.
Continuemos na prática do bem, ainda que, tal como Jó, recebamos visitações de aflições como uma espécie de estranha recompensa pelo bem que praticamos, sabendo que elas estão contribuindo para nos manter humildes e tementes a Deus, de modo que possamos continuar sendo instrumentos úteis em suas mãos.



“1 Mas agora zombam de mim os de menos idade do que eu, cujos pais teria eu desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.
2 Pois de que me serviria a força das suas mãos, homens nos quais já pereceu o vigor?
3 De míngua e fome emagrecem; andam roendo pelo deserto, lugar de ruínas e desolação.
4 Apanham malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento são as raízes dos zimbros.
5 São expulsos do meio dos homens, que gritam atrás deles, como atrás de um ladrão.
6 Têm que habitar nos desfiladeiros sombrios, nas cavernas da terra e dos penhascos.
7 Bramam entre os arbustos, ajuntam-se debaixo das urtigas.
8 São filhos de insensatos, filhos de gente sem nome; da terra foram enxotados.
9 Mas agora vim a ser a sua canção, e lhes sirvo de provérbio.
10 Eles me abominam, afastam-se de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir.
11 Porquanto Deus desatou a minha corda e me humilhou, eles sacudiram de si o freio perante o meu rosto.
12 À direita levanta-se gente vil; empurram os meus pés, e contra mim erigem os seus caminhos de destruição.
13 Estragam a minha vereda, promovem a minha calamidade; não há quem os detenha.
14 Vêm como por uma grande brecha, por entre as ruínas se precipitam.
15 Sobrevieram-me pavores; é perseguida a minha honra como pelo vento; e como nuvem passou a minha felicidade.
16 E agora dentro de mim se derrama a minha alma; os dias da aflição se apoderaram de mim.
17 De noite me são traspassados os ossos, e o mal que me corrói não descansa.
18 Pela violência do mal está desfigurada a minha veste; como a gola da minha túnica, me aperta.
19 Ele me lançou na lama, e fiquei semelhante ao pó e à cinza.
20 Clamo a ti, e não me respondes; ponho-me em pé, e não atentas para mim.
21 Tornas-te cruel para comigo; com a força da tua mão me persegues.
22 Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e dissolves-me na tempestade.
23 Pois eu sei que me levarás à morte, e à casa do ajuntamento destinada a todos os viventes.
24 Contudo não estende a mão quem está a cair? ou não clama por socorro na sua calamidade?
25 Não chorava eu sobre aquele que estava aflito? ou não se angustiava a minha alma pelo necessitado?
26 Todavia aguardando eu o bem, eis que me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridão.
27 As minhas entranhas fervem e não descansam; os dias da aflição me surpreenderam.
28 Denegrido ando, mas não do sol; levanto-me na congregação, e clamo por socorro.
29 Tornei-me irmão dos chacais, e companheiro dos avestruzes.
30 A minha pele enegrece e se me cai, e os meus ossos estão queimados do calor.
31 Pelo que se tornou em pranto a minha harpa, e a minha flauta em voz dos que choram.”  (Jó 30)


Jó 31

Jó Era um Gigante Espiritual

Que gigante espiritual era Jó!
E quão anões somos nós, na grande maioria, comparados com ele!
Sua justiça não era apenas de palavra.
Os cristãos dizem que são justos, mas em sua grande maioria aprenderam apenas a dizer isto, sem atinar com o verdadeiro significado de um viver justo.
Muitos falam com a boca e saem a praticar toda sorte de coisas abomináveis, e não procuram guardar seus corações em verdadeira pureza. Então que justiça está sendo implantada neles pelo Espírito Santo?
Quando lemos o testemunho que Jó nos dá neste capítulo 31º, pasmamos de quão longe estamos deste grau de santificação que ele havia alcançado.
Logo no primeiro versículo ele afirma que havia feito um pacto com os seus olhos para não fixá-los numa virgem.
E que o fizera pelo temor de Deus, para  que não perdesse qualquer galardão da parte dEle (v. 2).
Ele caminhava sabendo que Deus é onisciente e onipresente e que tudo sabe e vê, e que avalia todos os nossos atos (v. 4).
Jó ponderava portanto, todo o seu caminhar neste mundo, tudo passando sob o crivo dos olhos do Senhor, de modo que ao ser pesado por Deus em Sua balança, nunca fosse achado em falta.
Ele não somente se guardava da soberba dos olhos, como também de contaminar suas mãos com qualquer má ação.
E o fizera sob a pena de anátema que outro comesse o que ele viesse a semear, caso se desviasse do seu propósito de viver na prática da justiça.
Ele também se impôs o anátema de que sua esposa o traísse com outro, caso deixasse o seu coração ser seduzido por outra mulher, ou caso armasse qualquer tipo de traição ao seu próximo.
Ele sabia que tinha um Senhor no céu, e por isso procurava ser um patrão justo na terra em relação a seus servos.
Sabia que tanto ele quanto seus servos eram iguais perante Deus.
Ele também se impôs o anátema de que caísse o seu ombro e que o seu braço fosse desconjuntado, caso fosse omisso em atender ao pobre, ao órfão, à viúva e qualquer outro tipo de necessitado, que dependesse da sua ajuda.
Jó declarou expressamente que a sua confiança e esperança não se encontravam no ouro (v. 24), e que não era a sua grande riqueza a razão do seu regozijo (v.25), e nem era um adorador de ídolos, citando por exemplo a adoração que muitos faziam do sol e da lua, porque com isso teria negado a Deus que se encontra no céu.
Ele não se alegrava na ruína dos seus inimigos, e não exultava quando o mal lhes sobrevinha, e nunca pediu com sua boca a morte de nenhum deles.
Ele hospedava em sua casa os estrangeiros e peregrinos.
Ele bem conhecia o pecado de Adão, que procurou se esconder de Deus, para que não descobrisse as suas transgressões, e por isso nunca havia fugido do seu dever de ser justo mesmo quando era pressionado pela multidão.
Jó estava tão em paz com a sua consciência quanto ao modo da sua vida justa, que caso os seus inimigos escrevessem contra ele acusações mentirosas, ele as tomaria sobre si sem qualquer rancor, e as carregaria consigo à presença de Deus, porque aquilo somente serviria para aumentar a sua honra, porque certamente daria ocasião para que o Senhor fizesse a sua defesa.
De onde este homem aprendera tudo isto, senão da sabedoria divina.
Muitos séculos antes de Paulo ter declarado que não devemos nos importar com os juízos enganosos que fazem contra nós, porque é o Senhor quem nos julga, Jó tivera conhecimento deste princípio de sabedoria, por causa da sua comunhão com Deus, e o temor verdadeiro que tinha dEle, desviando-se do mal.



“1 Fiz pacto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?
2 Pois que porção teria eu de Deus lá de cima, e que herança do Todo-Poderoso lá do alto?
3 Não é a destruição para o perverso, e o desastre para os obradores da iniquidade?
4 Não vê ele os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?
5 Se eu tenho andado com falsidade, e se o meu pé se tem apressado após o engano
6 (pese-me Deus em balanças fiéis, e conheça a minha integridade);
7 se os meus passos se têm desviado do caminho, e se o meu coração tem seguido os meus olhos, e se qualquer mancha se tem pegado às minhas mãos;
8 então semeie eu e outro coma, e seja arrancado o produto do meu campo.
9 Se o meu coração se deixou seduzir por causa duma mulher, ou se eu tenho armado traição à porta do meu próximo,
10 então moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela.
11 Pois isso seria um crime infame; sim, isso seria uma iniquidade para ser punida pelos juízes;
12 porque seria fogo que consome até o abismo, e desarraigaria toda a minha renda.
13 Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles pleitearam comigo,
14 então que faria eu quando Deus se levantasse? E quando ele me viesse inquirir, que lhe responderia?
15 Aquele que me formou no ventre não o fez também a meu servo? E não foi um que nos plasmou na madre?
16 Se tenho negado aos pobres o que desejavam, ou feito desfalecer os olhos da viúva,
17 ou se tenho comido sozinho o meu bocado, e não tem comido dele o órfão também
18 (pois desde a minha mocidade o órfão cresceu comigo como com seu pai, e a viúva, tenho-a guiado desde o ventre de minha mãe);
19 se tenho visto alguém perecer por falta de roupa, ou o necessitado não ter com que se cobrir;
20 se os seus lombos não me abençoaram, se ele não se aquentava com os velos dos meus cordeiros;
21 se levantei a minha mão contra o órfão, porque na porta via a minha ajuda;
22 então caia do ombro a minha espádua, e separe-se o meu braço da sua juntura.
23 Pois a calamidade vinda de Deus seria para mim um horror, e eu não poderia suportar a sua majestade.
24 Se do ouro fiz a minha esperança, ou disse ao ouro fino: Tu és a minha confiança;
25 se me regozijei por ser grande a minha riqueza, e por ter a minha mão alcança o muito;
26 se olhei para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, quando ela caminhava em esplendor,
27 e o meu coração se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou a minha mão;
28 isso também seria uma iniquidade para ser punida pelos juízes; pois assim teria negado a Deus que está lá em cima.
29 Se me regozijei com a ruína do que me tem ódio, e se exultei quando o mal lhe sobreveio
30 (mas eu não deixei pecar a minha boca, pedindo com imprecação a sua morte);
31 se as pessoas da minha tenda não disseram: Quem há que não se tenha saciado com carne provida por ele?
32 O estrangeiro não passava a noite na rua; mas eu abria as minhas portas ao viandante;
33 se, como Adão, encobri as minhas transgressões, ocultando a minha iniquidade no meu seio,
34 porque tinha medo da grande multidão, e o desprezo das famílias me aterrorizava, de modo que me calei, e não saí da porta...
35 Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis a minha defesa, que me responda o Todo-Poderoso! Quem dera tivesse eu a acusação escrita pelo meu adversário!
36 Por certo eu a levaria sobre o ombro, sobre mim a ataria como coroa.
37 Eu lhe daria conta dos meus passos; como príncipe me chegaria a ele
38 Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem;
39 se comi os seus frutos sem dinheiro, ou se fiz que morressem os seus donos;
40 por trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jó.” (Jó 31)



Jó 32

O Segredo para se Vencer o Mal

Nós lemos no primeiro versículo deste capítulo 32º que os três amigos de Jó cessaram de lhe responder porque Jó era justo aos seus próprios olhos.
Ou seja, era este o entendimento deles quanto ao que haviam entendido das palavras de Jó, apesar dele ter deixado muito claro que não era no que possuía e nem no que ele era, que estavam a sua esperança e confiança, senão no Senhor.
Então não poderia ser acusado de ser justo por sua própria capacidade e poder.
O que ele estava fazendo indevidamente, em sua ignorância, era o fato de confiar simplesmente no fato de ser justo para ser livrado da sua aflição, e também, pensar que Deus estava deixando que ele fosse afligido injustamente, no que indiretamente, condenava o próprio Deus enquanto se justificava.
Entre eles, havia uma quinta pessoa que até então estava acompanhando em silêncio todos os debates dos três amigos de Jó com ele.
Ele se chamava Eliú, e declara que havia permanecido calado por julgar que por serem mais idosos do que ele, a sabedoria estaria com os três amigos de Jó, mas como vira que eles haviam se dado por vencidos no debate que vinham mantendo com ele, animara-se então a também falar o que pensava.
A Eliú, tal como aos três amigos de Jó, também foi muito desconfortável e penoso, ter que suportar ouvir Jó declarar o seu testemunho de homem justo e santo.
Só que no caso deste Eliú, ele seria muito útil a Jó, para a virada do seu cativeiro, tanto que o Senhor não se declarou irado em relação ao que ele havia falado, diferentemente do que declarara em relação aos três amigos de Jó.
Eliú queria ajudar sinceramente a Jó, como veremos adiante de suas próprias palavras, e nisto havia algo bom e diferente nele em relação aos demais.
Também, o motivo de estar desagrado com o fato de Jó se declarar justo, não era propriamente pela declaração em si mesma, que era verdadeira, mas porque enquanto mantivesse aquela posição, em nada poderia ser ajudado por Deus.
Jó queria ser livrado confiando apenas na sua justiça, e na justiça divina, que o livraria por ser justo e santo.
No entanto, Eliú conhecia algo a mais do que Jó, quanto a isto, porque sabia que enquanto Jó não se humilhasse perante o Senhor, e lutasse contra o mal (o diabo) que estava lhe afligindo, as coisas não poderiam mudar de rumo.
É muito comum que cristãos piedosos julguem erroneamente que Deus está obrigado a livrá-los de todas as investidas do diabo, baseando-se apenas no fato de serem filhos de Deus.
Caso eles não vistam a armadura de Deus, e repreendam o Inimigo que os ataca, é bem possível que o Senhor não se levantará para livrá-los.
Deus não nos tem chamado à passividade, ou seja, cruzarmos os braços enquanto somos afligidos pelo inferno, esperando que o Senhor venha nos livrar porque somos pessoas piedosas.
Este era o problema com Jó, não porque fosse justo, porque isto não é problema, mas solução, mas por estar confiando apenas na sua própria justiça para ser livrado do mal que lhe havia atingido.
É preciso clamar, orar, buscar por socorro em Deus, pedir-Lhe livramento, que repreenda o diabo que nos oprime, para que Ele possa operar com base na nossa fé, e não propriamente na nossa justiça.
Eliú estivera calado, e Jó não pôde ser ajudado em nada com os discursos condenatórios de seus três amigos.
Mas incontido com a visão que traria solução para Jó em seu peito, Eliú teve coragem o bastante para silenciar ainda mais os três amigos de Jó e para se fazer ouvido por ele.
Ele não teria que abandonar a sua justiça, mas teria que confiar em algo mais elevado para ser livrado da sua aflição, a saber, na justiça e poder do próprio Deus.  



“1 E aqueles três homens cessaram de responder a Jó; porque era justo aos seus próprios olhos.
2 Então se acendeu a ira de Eliú, filho de Baraquel, o buzita, da família de Rão; acendeu-se a sua ira contra Jó, porque este se justificava a si mesmo, e não a Deus.
3 Também contra os seus três amigos se acendeu a sua ira, porque não tinham achado o que responder, e contudo tinham condenado a Jó.
4 Ora, Eliú havia esperado para falar a Jó, porque eles eram mais idosos do que ele.
5 Quando, pois, Eliú viu que não havia resposta na boca daqueles três homens, acendeu-se-lhe a ira.
6 Então respondeu Eliú, filho de Baraquel, o buzita, dizendo: Eu sou de pouca idade, e vós sois, idosos; arreceei-me e temi de vos declarar a minha opinião.
7 Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos ensine a sabedoria.
8 Há, porém, um espírito no homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz entendido.
9 Não são os velhos que são os sábios, nem os anciãos que entendem o que é reto.
10 Pelo que digo: Ouvi-me, e também eu declararei a minha opinião.
11 Eis que aguardei as vossas palavras, escutei as vossas considerações, enquanto buscáveis o que dizer.
12 Eu, pois, vos prestava toda a minha atenção, e eis que não houve entre vós quem convencesse a Jó, nem quem respondesse às suas palavras;
13 pelo que não digais: Achamos a sabedoria; Deus é que pode derrubá-lo, e não o homem.
14 Ora ele não dirigiu contra mim palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras.
15 Estão pasmados, não respondem mais; faltam-lhes as palavras.
16 Hei de eu esperar, porque eles não falam, porque já pararam, e não respondem mais?
17 Eu também darei a minha resposta; eu também declararei a minha opinião.
18 Pois estou cheio de palavras; o espírito dentro de mim me constrange.
19 Eis que o meu peito é como o mosto, sem respiradouro, como odres novos que estão para arrebentar.
20 Falarei, para que ache alívio; abrirei os meus lábios e responderei:
21 Que não faça eu acepção de pessoas, nem use de lisonjas para com o homem.
22 Porque não sei usar de lisonjas; do contrário, em breve me levaria o meu Criador.” (Jó 32)




Jó 33

Clamar a Deus na Hora da Aflição

Nós estaremos comentando agora o 33º capítulo do livro de Jó.
Jó estava equivocado ao pensar que sua contenda era com o próprio Deus. Assim, ao se justificar a si mesmo, condenava indiretamente ao Senhor.
Eliú ajudou a Jó a ver que ele não tinha razão em estar pensando daquele modo, porque Deus não vê como vê o homem, e seus caminhos e pensamentos são mais elevados do que os nossos.
Então, como poderia Jó dar conta dos seus atos contendendo com Deus?  (v. 13).
Eliú disse a Jó que o propósito de Deus em afligir o homem é para desviar a sua alma da soberba, e nisto ele estava completamente certo, por mais justo que fosse Jó, porque a soberba está ligada de modo sutil à nossa natureza terrena, e a aflição faz com que ela seja exposta.  
Então ele deu a Jó a pista do livramento dos aflitos no verso 26:
“Deveras orará a Deus, que lhe será propício, e o fará ver a sua face com júbilo, e restituirá ao homem a sua justiça.” (v. 26)
Orar a Deus pedindo por socorro este é o único caminho a ser seguido na hora da angústia ou aflição.
“e invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás.” (Sl 50.15)
Este é o caminho indicado por Deus para os justos, e não para os ímpios, porque deles se declara logo no verso seguinte ao do Salmo citado:
“16 Mas ao ímpio diz Deus: Que fazes tu em recitares os meus estatutos, e em tomares o meu pacto na tua boca,
17 visto que aborreces a correção, e lanças as minhas palavras para trás de ti?
18 Quando vês um ladrão, tu te comprazes nele; e tens parte com os adúlteros.
19 Soltas a tua boca para o mal, e a tua língua trama enganos.
20 Tu te sentas a falar contra teu irmão; difamas o filho de tua mãe.
21 Estas coisas tens feito, e eu me calei; pensavas que na verdade eu era como tu; mas eu te arguirei, e tudo te porei à vista.” (Sl 50.16-21)



“1 Ouve, pois, as minhas palavras, ó Jó, e dá ouvidos a todas as minhas declarações.
2 Eis que já abri a minha boca; já falou a minha língua debaixo do meu paladar.
3 As minhas palavras declaram a integridade do meu coração, e os meus lábios falam com sinceridade o que sabem.
4 O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida.
5 Se podes, responde-me; põe as tuas palavras em ordem diante de mim; apresenta-te.
6 Eis que diante de Deus sou o que tu és; eu também fui formado do barro.
7 Eis que não te perturbará nenhum medo de mim, nem será pesada sobre ti a minha mão.
8 Na verdade tu falaste aos meus ouvidos, e eu ouvi a voz das tuas palavras. Dizias:
9 Limpo estou, sem transgressão; puro sou, e não há em mim iniquidade.
10 Eis que Deus procura motivos de inimizade contra mim, e me considera como o seu inimigo.
11 Põe no tronco os meus pés, e observa todas as minhas veredas.
12 Eis que nisso não tens razão; eu te responderei; porque Deus é maior do que o homem.
13 Por que razão contendes com ele por não dar conta dos seus atos?
14 Pois Deus fala de um modo, e ainda de outro se o homem não lhe atende.
15 Em sonho ou em visão de noite, quando cai sono profundo sobre os homens, quando adormecem na cama;
16 então abre os ouvidos dos homens, e os atemoriza com avisos,
17 para apartar o homem do seu desígnio, e esconder do homem a soberba;
18 para reter a sua alma da cova, e a sua vida de passar pela espada.
19 Também é castigado na sua cama com dores, e com incessante contenda nos seus ossos;
20 de modo que a sua vida abomina o pão, e a sua alma a comida apetecível.
21 Consome-se a sua carne, de maneira que desaparece, e os seus ossos, que não se viam, agora aparecem.
22 A sua alma se vai chegando à cova, e a sua vida aos que trazem a morte.
23 Se com ele, pois, houver um anjo, um intérprete, um entre mil, para declarar ao homem o que lhe é justo,
24 então terá compaixão dele, e lhe dirá: Livra-o, para que não desça à cova; já achei resgate.
25 Sua carne se reverdecerá mais do que na sua infância; e ele tornará aos dias da sua juventude.
26 Deveras orará a Deus, que lhe será propício, e o fará ver a sua face com júbilo, e restituirá ao homem a sua justiça.
27 Cantará diante dos homens, e dirá: Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou.
28 Mas Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a minha vida verá a luz.
29 Eis que tudo isto Deus faz duas e três vezes para com o homem,
30 para reconduzir a sua alma da cova, a fim de que seja iluminado com a luz dos viventes.
31 Escuta, pois, ó Jó, ouve-me; cala-te, e eu falarei.
32 Se tens alguma coisa que dizer, responde-me; fala, porque desejo justificar-te.
33 Se não, escuta-me tu; cala-te, e ensinar-te-ei a sabedoria.” (Jó 33)



Jó 34

Não é Justo Ter Orgulho de Ser Justo

Eliú falou duramente com Jó neste capítulo 34º, e até mesmo o acusou de sentimentos que não existiam nele.
No entanto, Jó tudo suportou com paciência sem replicar porque notara, que diferentemente de seus três amigos, o desejo de Eliú ajudá-lo a sair da aflição era sincero.
Não era propósito seu acusá-lo como os demais, mas levá-lo a refletir em sua consciência até que ponto não estaria colocando a sua própria justiça até mesmo sobre a própria vontade de Deus, naquela obstinação de que o Senhor lhe justificaria por causa do seu bom testemunho, e não propriamente, por causa da Sua própria justiça e misericórdia divina?
Nisto se cumpriram as palavras do salmista:
“ Fira-me o justo, será isso uma benignidade; e repreenda-me, isso será como óleo sobre a minha cabeça; não o recuse a minha cabeça; mas continuarei a orar contra os feitos dos ímpios.” (Sl 141.5)
E o que também lemos em Provérbios:
“Fiéis são as feridas dum amigo; mas os beijos dum inimigo são enganosos.” (Pv 27.6)
Eliú fez Jó lembrar de algumas palavras injustas que ele havia proferido contra Deus. Apesar de terem sido palavras proferidas em amargura de espírito debaixo daquela grande aflição, eram no entanto palavras injustas.
Então Jó deveria desconfiar um pouco da excepcionalidade da sua própria justiça, porque como qualquer outro homem, era pó e sujeito às mesmas paixões que eles, e se era justo, isto era tributado totalmente à graça divina que lhe capacitava a isto.
Assim Eliú lembra Jó que nunca se ouviu na terra qualquer homem que defendesse de modo tão elevado a sua própria honra e justiça tal como ele fizera no desespero da sua aflição.
E possivelmente isto demonstrava que ele se orgulhava de ser justo, e isto não deixa de ser uma forma de orgulho que deve também ser crucificado pela cruz.
Este orgulho de ser justo era o que estava dando ocasião a outros a zombarem dele, como fizeram os seus próprios três amigos.




“1 Prosseguiu Eliú, dizendo:
2 Ouvi, vós, sábios, as minhas palavras; e vós, entendidos, inclinai os ouvidos para mim.
3 Pois o ouvido prova as palavras, como o paladar experimenta a comida.
4 O que é direito escolhamos para nós; e conheçamos entre nós o que é bom.
5 Pois Jó disse: Sou justo, e Deus tirou-me o direito.
6 Apesar do meu direito, sou considerado mentiroso; a minha ferida é incurável, embora eu esteja sem transgressão.
7 Que homem há como Jó, que bebe o escárnio como água,
8 que anda na companhia dos malfeitores, e caminha com homens ímpios?
9 Porque disse: De nada aproveita ao homem o comprazer-se em Deus.
10 Pelo que ouvi-me, vós homens de entendimento: longe de Deus o praticar a maldade, e do Todo-Poderoso o cometer a iniquidade!
11 Pois, segundo a obra do homem, ele lhe retribui, e faz a cada um segundo o seu caminho.
12 Na verdade, Deus não procederá impiamente, nem o Todo-Poderoso perverterá o juízo.
13 Quem lhe entregou o governo da terra? E quem lhe deu autoridade sobre o mundo todo?
14 Se ele retirasse para si o seu espírito, e recolhesse para si o seu fôlego,
15 toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó.
16 Se, pois, há em ti entendimento, ouve isto, inclina os ouvidos às palavras que profiro.
17 Acaso quem odeia o direito governará? Quererás tu condenar aquele que é justo e poderoso?
18 aquele que diz a um rei: Ó vil? e aos príncipes: Ó ímpios?
19 que não faz acepção das pessoas de príncipes, nem estima o rico mais do que o pobre; porque todos são obra de suas mãos?
20 Eles num momento morrem; e à meia-noite os povos são perturbados, e passam, e os poderosos são levados não por mão humana.
21 Porque os seus olhos estão sobre os caminhos de cada um, e ele vê todos os seus passos.
22 Não há escuridão nem densas trevas, onde se escondam os obradores da iniquidade.
23 Porque Deus não precisa observar por muito tempo o homem para que este compareça perante ele em juízo.
24 Ele quebranta os fortes, sem inquirição, e põe outros em lugar deles.
25 Pois conhecendo ele as suas obras, de noite os transtorna, e ficam esmagados.
26 Ele os fere como ímpios, à vista dos circunstantes;
27 porquanto se desviaram dele, e não quiseram compreender nenhum de seus caminhos,
28 de sorte que o clamor do pobre subisse até ele, e que ouvisse o clamor dos aflitos.
29 Se ele dá tranquilidade, quem então o condenará? Se ele encobrir o rosto, quem então o poderá contemplar, quer seja uma nação, quer seja um homem só?
30 para que o ímpio não reine, e não haja quem iluda o povo.
31 Pois, quem jamais disse a Deus: Sofri, ainda que não pequei;
32 o que não vejo, ensina-me tu; se fiz alguma maldade, nunca mais a hei de fazer?
33 Será a sua recompensa como queres, para que a recuses? Pois tu tens que fazer a escolha, e não eu; portanto fala o que sabes.
34 Os homens de entendimento dir-me-ão, e o varão sábio, que me ouvir:
35 Jó fala sem conhecimento, e às suas palavras falta sabedoria.
36 Quem dera que Jó fosse provado até o fim; porque responde como os iníquos.
37 Porque ao seu pecado acrescenta a rebelião; entre nós bate as palmas, e multiplica contra Deus as suas palavras.” (Jó 34)


Jó 35

Deus Nada Deve a Qualquer Pessoa

Nós vemos no 35º capítulo de Jó, que ao indagar a Jó se ele tinha direito de dizer que a sua justiça era maior do que a de Deus (v. 2) Eliú não estava insinuando que Jó havia declarado isto diretamente em palavras, mas que era isto o que se deduzia do modo como ele estava falando.
Ao dizer que Jó havia afirmado:
“Porque dizes: Que me aproveita? Que proveito tenho mais do que se eu tivera pecado?” (v. 3)
Na verdade, Eliú queria expressar os pensamentos e sentimentos de Jó em relação a Deus, por julgar que estava sendo recompensado menos do que merecia por seus serviços prestados ao Senhor, e que estava sendo castigado mais do que merecia.
Tais sentimentos e pensamentos são perigosos porque podem fazer com que sintamos que Deus é mais devedor a nós, do que nós a Deus.
Eliú fez ver a Jó que por maiores que sejam nossas obras para Deus, não podemos enriquecer a Deus em nada com elas. Ele é auto suficiente em si mesmo. Diferentemente de nós não pode ser prejudicado pelos pecados que praticamos, como não pode ser melhorado ou aperfeiçoado com a prática das nossas boas obras.
De modo que Deus não é devedor ao homem em coisa alguma.
Ao contrário, o homem que é devedor e dependente dEle em tudo.
Então não seria o argumento persistente  de Jó em defesa da sua própria justiça, que poderia lhe valer diante de Deus, uma vez que Deus não é dependente dela.
Ser justo é o dever de todo homem, porque foi criado para ser justo. Se o homem não é justo, ele se desvia do propósito de Deus em sua criação e por isso se torna sujeito ao Seu juízo de condenação.
Todavia, o homem não pode ser justo se isto não lhe for concedido pela graça de Deus.
Portanto, como Deus não é dependente de nenhum benefício dos homens, então não lhes é devedor de coisa alguma.
Se lhes faz o bem é por pura bondade e misericórdia, e não por qualquer pagamento que lhes seja devido.
É por desconhecer isto que muitos pensam erroneamente que se fazem dignos e merecedores, eles próprios, da salvação eterna.
Por isso creem que é possível perder a salvação, porque julgam que esta se trata de um pagamento de Deus por nossas boas obras.
Quão enganados estão os que pensam desta forma, tal como Jó estava enganado que Deus era obrigado a livrá-lo por causa de toda a justiça que havia praticado.    
Eliú disse que havia muitos clamores por socorro por causa da multidão das opressões do braço dos poderosos.
No entanto, ele pondera em seu argumento, que nenhum destes indaga por Deus que inspira canções e que ensina aos homens mais do que aos animais da terra, e que pode torná-los mais sábios do que as aves do céu.
Eles clamam mas não são ouvidos pelo Senhor, porque Ele não ouve o grito da vaidade, e não lhes responde porque são maus e arrogantes.
Deste modo, como Jó poderia ser ouvido enquanto dizia que Deus não se importava com ele? Então Eliú lhe exortou a esperar no Senhor porque a sua causa estava perante Ele.
Todavia, como Deus não manifestava a Sua ira prontamente por causa da Sua longanimidade, e também por não considerar grandemente a arrogância de Jó, por isso ele, segundo Eliú, se sentia encorajado a abrir a sua boca e multiplicar palavras sem conhecimento.
Mais uma vez voltamos a dizer que as palavras proferidas por Jó foram movidas pela amargura da sua alma grandemente sofrida. E não se pode fazer um julgamento final em cima de tais palavras pronunciadas em tais condições, conforme Eliú estava fazendo. Mas, como suas palavras eram condizentes com a sã doutrina, ou seja, com a verdade, Jó as suportou, e o Senhor não as tomou em conta para juízo.
Podemos dizer que o diagnóstico estava correto, mas a aplicação do remédio foi exagerada.  


“1 Disse mais Eliú:
2 Tens por direito dizeres: Maior é a minha justiça do que a de Deus?
3 Porque dizes: Que me aproveita? Que proveito tenho mais do que se eu tivera pecado?
4 Eu te darei respostas, a ti e aos teus amigos contigo.
5 Atenta para os céus, e vê; e contempla o firmamento que é mais alto do que tu.
6 Se pecares, que efetuarás contra ele? Se as tuas transgressões se multiplicarem, que lhe farás com isso?
7 Se fores justo, que lhe darás, ou que receberá ele da tua mão?
8 A tua impiedade poderia fazer mal a outro tal como tu; e a tua justiça poderia aproveitar a um filho do homem.
9 Por causa da multidão das opressões os homens clamam; clamam por socorro por causa do braço dos poderosos.
10 Mas ninguém diz: Onde está Deus meu Criador, que inspira canções durante a noite;
11 que nos ensina mais do que aos animais da terra, e nos faz mais sábios do que as aves do céu?
12 Ali clamam, porém ele não responde, por causa da arrogância dos maus.
13 Certo é que Deus não ouve o grito da vaidade, nem para ela atentará o Todo-Poderoso.
14 Quanto menos quando tu dizes que não o vês. A causa está perante ele; por isso espera nele.
15 Mas agora, porque a sua ira ainda não se exerce, nem grandemente considera ele a arrogância,
16 por isso abre Jó em vão a sua boca, e sem conhecimento multiplica palavras.”  (Jó 35)



Jó 36

Não se Desviar da Grandeza do Resgate Disponível

Eliú cessou de repreender Jó neste capítulo 36º, para exaltar somente a Deus.
Ele ressalta que Deus é justo, de modo que não preservará a vida do ímpio, mas aos aflitos fará justiça, assim como certamente faria a Jó, porque apesar de estar em grande aflição, era justo, e por isso poderia contar com o livramento de Deus (v. 6).
E caso um justo fosse achado preso em grilhões, amarrado com as cordas de aflição, então seria por motivo de o Senhor pretender manifestar as transgressões deste justo que estivesse se portando com soberba.
Mas o Senhor não manteria o justo soberbo apenas debaixo da aflição para lhe curar do seu orgulho, como também lhe abriria o ouvido para a instrução, ordenando-lhe que se converta da iniquidade.
Se houvesse arrependimento, e servissem ao Senhor, os seus dias seriam prósperos, e os seus anos terminariam em delícias.
Mas caso se endurecessem, então seriam apanhados pela espada do juízo do Senhor, e expirariam sem o conhecimento que Ele pretendia lhes dar, e eles deixaram de recebê-lo por causa do endurecimento deles.
Isto está muito de acordo com a disciplina que é exercida pelo Senhor na Igreja. Cristãos rebeldes que não se deixam admoestar e que não se arrependem de seus pecados são tratados como gentios e publicanos, e por fim podem até mesmo serem submetidos a um juízo de morte física, como foi o caso de Ananias e Safira, e muitos cristãos de Corinto, que se recusaram a se arrependerem e a receberem instrução do Senhor para andarem de modo digno na Sua presença.
Muitos podem estar portanto equivocados quanto a serem verdadeiros cristãos, quando se gabam da prática permanente da iniquidade, sem que lhes venha qualquer correção da parte do Senhor. Estes deveriam desconfiar da sua conversão, porque os que são deixados sem correção é porque são bastardos, mas não verdadeiros filhos de Deus, porque a estes Ele sempre os corrige, porque os ama.
O ímpio não clama por socorro a Deus quando está em aflição (v. 13). Mas os ouvidos do Senhor estão atentos para o clamor do aflito que se volta para Ele em busca de socorro (v. 15).
Por isso Eliú disse a Jó que Deus queria levá-lo da sua angústia para um lugar espaçoso, sem aperto, e no qual as iguarias da sua mesa seriam cheias de gordura (v. 16).
Mas como Jó poderia participar disto enquanto estivesse cheio do padrão de julgamento que é próprio dos ímpios, porque julgam que Deus não se importa com a aflição dos que sofrem, e com isso deixam de ser socorridos.
Eliú alerta então a Jó para que tomasse cuidado para que a ira de Deus que pesava sobre Ele não lhe induzisse a escarnecer como os ímpios, e nem a se desviar da grandeza do resgate que estava disponível para ele no Senhor.
Jó deveria decidir sobre o que deveria prevalecer, se o seu clamor pedindo por socorro a Deus, ou o seu endurecimento produzido pela força do seu sofrimento.
Jó deveria se guardar para não declinar para o lado daqueles que se deixam vencer pela iniquidade.
Ele deveria se lembrar de engrandecer ao Senhor e às Suas obras.
O Deus que manifesta a Sua grandeza e glória nas obras da criação.



“ Prosseguiu ainda Eliú e disse:
2 Espera-me um pouco, e mostrar-te-ei que ainda há razões a favor de Deus.
3 De longe trarei o meu conhecimento, e ao meu criador atribuirei a justiça.
4 Pois, na verdade, as minhas palavras não serão falsas; contigo está um que tem perfeito conhecimento.
5 Eis que Deus é mui poderoso, contudo a ninguém despreza; grande é no poder de entendimento.
6 Ele não preserva a vida do ímpio, mas faz justiça aos aflitos.
7 Do justo não aparta os seus olhos; antes com os reis no trono os faz sentar para sempre, e assim são exaltados.
8 E se estão presos em grilhões, e amarrados com cordas de aflição,
9 então lhes faz saber a obra deles, e as suas transgressões, porquanto se têm portado com soberba.
10 E abre-lhes o ouvido para a instrução, e ordena que se convertam da iniquidade.
11 Se o ouvirem, e o servirem, acabarão seus dias em prosperidade, e os seus anos em delícias.
12 Mas se não o ouvirem, à espada serão passados, e expirarão sem conhecimento.
13 Assim os ímpios de coração amontoam, a sua ira; e quando Deus os põe em grilhões, não clamam por socorro.
14 Eles morrem na mocidade, e a sua vida perece entre as prostitutas.
15 Ao aflito livra por meio da sua aflição, e por meio da opressão lhe abre os ouvidos.
16 Assim também quer induzir-te da angústia para um lugar espaçoso, em que não há aperto; e as iguarias da tua mesa serão cheias de gordura.
17 Mas tu estás cheio do juízo do ímpio; o juízo e a justiça tomam conta de ti.
18 Cuida, pois, para que a ira não te induza a escarnecer, nem te desvie a grandeza do resgate.
19 Prevalecerá o teu clamor, ou todas as forças da tua fortaleza, para que não estejas em aperto?
20 Não suspires pela noite, em que os povos sejam tomados do seu lugar.
21 Guarda-te, e não declines para a iniquidade; porquanto isso escolheste antes que a aflição.
22 Eis que Deus é excelso em seu poder; quem é ensinador como ele?
23 Quem lhe prescreveu o seu caminho? Ou quem poderá dizer: Tu praticaste a injustiça?
24 Lembra-te de engrandecer a sua obra, de que têm cantado os homens.
25 Todos os homens a veem; de longe a contempla o homem.
26 Eis que Deus é grande, e nós não o conhecemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar.
27 Pois atrai a si as gotas de água, e do seu vapor as destila em chuva,
28 que as nuvens derramam e gotejam abundantemente sobre o homem.
29 Poderá alguém entender as dilatações das nuvens, e os trovões do seu pavilhão?
30 Eis que ao redor de si estende a sua luz, e cobre o fundo do mar.
31 Pois por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância.
32 Cobre as mãos com o relâmpago, e dá-lhe ordem para que fira o alvo.


33 O fragor da tempestade dá notícia dele; até o gado pressente a sua aproximação.” (Jó 36)


Jó 36

Não Sabemos Como Mas Deus Livra

Eliú continuou exaltando a majestade e o poder de Deus revelado nas obras da criação, neste 37º capítulo de Jó.
E como que antecipando e introduzindo os questionamentos que Deus faria a Jó sobre os segredos da criação, para lhe convencer da Sua grande ignorância, Eliú fez também alguns questionamentos a Jó quanto a algumas obras da criação, para que lhe dissesse, se pudesse, como foi que Deus fizera tais coisas.  
O propósito não era o de obter uma resposta, porque esta era uma tarefa impossível, mas preparar Jó para recorrer a Deus admitindo a sua completa insuficiência e incompetência para entender as coisas que lhe haviam sucedido.
Assim como as coisas criadas são uma realidade que não pode ser negada, apesar de não podermos defini-las quanto ao modo como Deus as criou, de igual modo devemos entender que tudo que nos sucede está debaixo do perfeito controle de Deus, ainda que não saibamos explicar como é que Ele o faz.
A fé não é portanto questionadora e investigadora dos atos de Deus, mas os recebe como fatos indiscutíveis e concretos, ainda que não sejam vistos, ou que ainda sejam esperados.
O livramento da aflição do justo que clama ao Senhor, é algo líquido e certo, ainda que não saibamos como Deus operará tal livramento, a Seu tempo e modo.
Era este o alvo de Eliú com Jó. Ele pretendia ajudá-lo conduzindo-o à fé que descansa na providência de Deus, enquanto não é passiva, mas ativa, por lhe clamar insistentemente até que obtenha o socorro da graça, tal como nosso Senhor havia feito quando orou insistentemente no Getsêmani, para achar alívio para sua alma angustiada.  


“1 Sobre isso também treme o meu coração, e salta do seu lugar.
2 Dai atentamente ouvidos ao estrondo da voz de Deus e ao sonido que sai da sua boca.
3 Ele o envia por debaixo de todo o céu, e o seu relâmpago até os confins da terra.
4 Depois do relâmpago ruge uma grande voz; ele troveja com a sua voz majestosa; e não retarda os raios, quando é ouvida a sua voz.
5 Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nós não compreendemos.
6 Pois à neve diz: Cai sobre a terra; como também às chuvas e aos aguaceiros: Sede copiosos.
7 Ele sela as mãos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez.
8 E as feras entram nos esconderijos e ficam nos seus covis.
9 Da recâmara do sul sai o tufão, e do norte o frio.
10 Ao sopro de Deus forma-se o gelo, e as largas águas são congeladas.
11 Também de umidade carrega as grossas nuvens; as nuvens espalham relâmpagos.
12 Fazem evoluções sob a sua direção, para efetuar tudo quanto lhes ordena sobre a superfície do mundo habitável:
13 seja para disciplina, ou para a sua terra, ou para beneficência, que as faça vir.
14 A isto, Jó, inclina os teus ouvidos; pára e considera as obras maravilhosas de Deus.
15 Sabes tu como Deus lhes dá as suas ordens, e faz resplandecer o relâmpago da sua nuvem?
16 Compreendes o equilíbrio das nuvens, e as maravilhas daquele que é perfeito nos conhecimentos;
17 tu cujas vestes são quentes, quando há calma sobre a terra por causa do vento sul?
18 Acaso podes, como ele, estender o firmamento, que é sólido como um espelho fundido?
19 Ensina-nos o que lhe diremos; pois nós nada poderemos pôr em boa ordem, por causa das trevas.
20 Contar-lhe-ia alguém que eu quero falar. Ou desejaria um homem ser devorado?
21 E agora o homem não pode olhar para o sol, que resplandece no céu quando o vento, tendo passado, o deixa limpo.
22 Do norte vem o áureo esplendor; em Deus há tremenda majestade.
23 Quanto ao Todo-Poderoso, não o podemos compreender; grande é em poder e justiça e pleno de retidão; a ninguém, pois, oprimirá.


24 Por isso o temem os homens; ele não respeita os que se julgam sábios.” (Jó 37)


Jó 37

Não Sabemos Como Mas Deus Livra

Eliú continuou exaltando a majestade e o poder de Deus revelado nas obras da criação, neste 37º capítulo de Jó.
E como que antecipando e introduzindo os questionamentos que Deus faria a Jó sobre os segredos da criação, para lhe convencer da Sua grande ignorância, Eliú fez também alguns questionamentos a Jó quanto a algumas obras da criação, para que lhe dissesse, se pudesse, como foi que Deus fizera tais coisas.  
O propósito não era o de obter uma resposta, porque esta era uma tarefa impossível, mas preparar Jó para recorrer a Deus admitindo a sua completa insuficiência e incompetência para entender as coisas que lhe haviam sucedido.
Assim como as coisas criadas são uma realidade que não pode ser negada, apesar de não podermos defini-las quanto ao modo como Deus as criou, de igual modo devemos entender que tudo que nos sucede está debaixo do perfeito controle de Deus, ainda que não saibamos explicar como é que Ele o faz.
A fé não é portanto questionadora e investigadora dos atos de Deus, mas os recebe como fatos indiscutíveis e concretos, ainda que não sejam vistos, ou que ainda sejam esperados.
O livramento da aflição do justo que clama ao Senhor, é algo líquido e certo, ainda que não saibamos como Deus operará tal livramento, a Seu tempo e modo.
Era este o alvo de Eliú com Jó. Ele pretendia ajudá-lo conduzindo-o à fé que descansa na providência de Deus, enquanto não é passiva, mas ativa, por lhe clamar insistentemente até que obtenha o socorro da graça, tal como nosso Senhor havia feito quando orou insistentemente no Getsêmani, para achar alívio para sua alma angustiada.  



“1 Sobre isso também treme o meu coração, e salta do seu lugar.
2 Dai atentamente ouvidos ao estrondo da voz de Deus e ao sonido que sai da sua boca.
3 Ele o envia por debaixo de todo o céu, e o seu relâmpago até os confins da terra.
4 Depois do relâmpago ruge uma grande voz; ele troveja com a sua voz majestosa; e não retarda os raios, quando é ouvida a sua voz.
5 Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nós não compreendemos.
6 Pois à neve diz: Cai sobre a terra; como também às chuvas e aos aguaceiros: Sede copiosos.
7 Ele sela as mãos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez.
8 E as feras entram nos esconderijos e ficam nos seus covis.
9 Da recâmara do sul sai o tufão, e do norte o frio.
10 Ao sopro de Deus forma-se o gelo, e as largas águas são congeladas.
11 Também de umidade carrega as grossas nuvens; as nuvens espalham relâmpagos.
12 Fazem evoluções sob a sua direção, para efetuar tudo quanto lhes ordena sobre a superfície do mundo habitável:
13 seja para disciplina, ou para a sua terra, ou para beneficência, que as faça vir.
14 A isto, Jó, inclina os teus ouvidos; pára e considera as obras maravilhosas de Deus.
15 Sabes tu como Deus lhes dá as suas ordens, e faz resplandecer o relâmpago da sua nuvem?
16 Compreendes o equilíbrio das nuvens, e as maravilhas daquele que é perfeito nos conhecimentos;
17 tu cujas vestes são quentes, quando há calma sobre a terra por causa do vento sul?
18 Acaso podes, como ele, estender o firmamento, que é sólido como um espelho fundido?
19 Ensina-nos o que lhe diremos; pois nós nada poderemos pôr em boa ordem, por causa das trevas.
20 Contar-lhe-ia alguém que eu quero falar. Ou desejaria um homem ser devorado?
21 E agora o homem não pode olhar para o sol, que resplandece no céu quando o vento, tendo passado, o deixa limpo.
22 Do norte vem o áureo esplendor; em Deus há tremenda majestade.
23 Quanto ao Todo-Poderoso, não o podemos compreender; grande é em poder e justiça e pleno de retidão; a ninguém, pois, oprimirá.


24 Por isso o temem os homens; ele não respeita os que se julgam sábios.” (Jó 37)



Jó 38

Deus é a Fonte de Todo Conhecimento e Sabedoria

Eliú havia preparado o caminho no coração de Jó, para que ele fosse aberto para poder ouvir a voz de Deus.
Este é o mesmo papel de bons ministros do evangelho, que preparam os corações das pessoas para receberem a graça de Jesus Cristo, pregando-lhes a verdadeira palavra do evangelho.
No caso de Jó, que se encontrava em grande angústia, seria de se esperar, que Deus lhe falasse através de um cicio suave. Mas foi de um redemoinho, de uma tempestade de vendaval que o Senhor lhe falou, conforme vemos neste capítulo 38º.
Jó, apesar de afligido fizera-se digno de uma repreensão, então não foi com doçura que o Senhor lhe falou, e o vendaval revelaria, de certo modo a Ele, o desagrado de Deus.
Este desagrado foi-lhe demonstrado também em palavras quando o Senhor introduziu a sua fala lhe perguntando quem era ele para obscurecer o Seu propósito com palavras sem conhecimento, que não revelavam a verdadeira sabedoria divina?
Ele tentara falar a seus amigos como um arauto de Deus. Como alguém que tivesse sido enviado desde o céu com uma mensagem para eles. No entanto, Deus ordena agora a Jó, que se colocasse na posição de mero homem, para que pudesse falar com ele, não lhe dando satisfações dos Seus atos, mas fazendo-lhe perguntas para que Jó as respondesse, já que ele se mostrara anteriormente tão ousado em tentar explicar a seus amigos o Seu conhecimento sobre Deus e o Seus atos divinos.
Certamente, Jó não poderia responder a nenhuma das perguntas que Deus lhe faria, ainda que todas elas se referissem aos atos da criação das coisas visíveis e naturais.
O propósito era o de convencê-lo que uma vez que não podia sequer explicar as coisas que seus olhos viam, e que seus ouvidos ouviam, como poderia explicar as coisas espirituais invisíveis?
Deus nos impôs um conhecimento limitado em quase todas as coisas, e devemos aceitar esta limitação, e avançar em conhecimento no que nos for permitido por Sua graça, e não nos estribarmos em explicar coisas que não entendemos com palavras falsas.
Quando pretendemos passar por sábios, falando de coisas na nossa ignorância, não somente nos tornamos mentirosos, como também tomados de um orgulho que nos incha em nossa loucura em tentar mostrar a outros um conhecimento superior ao deles.
Se Deus nos limitou o acesso ao conhecimento de tal forma, é para que aprendamos humildade, colocando-nos dentro dos limites que nos foram estipulados por Ele.
Isto também nos ensina que ninguém deve se gloriar no seu conhecimento, porque este conhecimento sempre será em parte, ou seja, limitado, porque somente o Senhor conhece perfeitamente todas as coisas, quer as naturais, quer as espirituais, que Ele criou.
“Ora, no tocante às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que todos temos conhecimento. O conhecimento incha, mas o amor edifica.” (I Cor 8.1)
“8 O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9 porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos;
10 mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.” (I Cor 13.8-10)
“Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.” (I Cor 13.12)
Virá o dia que nosso conhecimento aumentará e muito, sobre a pessoa de Deus, e sobre as coisas espirituais, mas isto está associado à volta de nosso Senhor Jesus Cristo, porque está determinado que a plenitude de conhecimento seja concedida por Ele em nossa união em perfeição com Ele no céu, porque é nEle que reside toda a plenitude do conhecimento. Não se encontra em nós, mas nEle. Esta é a grande lição que teremos. Este será um fato que nunca mais esqueceremos: que toda a glória deve ser dada a Ele, e a nenhum de nós, porque tudo o que tivermos, terá sido recebido dEle.
Então Deus não queria repreender Jó porque fosse ignorante, ou por ter um conhecimento parcial das coisas naturais e espirituais, porque esta é a condição de todo homem, que foi determinada por Ele próprio.
Portanto, a causa da repreensão era a de que Jó estava se gloriando em seu conhecimento, quando ninguém tem que se gloriar em nada em si mesmo, senão somente no Senhor.
“23 Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas;
24 mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em entender, e em me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor.” (Jer 9.23, 24)
Note que o texto de Jeremias é bastante claro quanto à declaração que o Senhor fez através do profeta quanto ao motivo em que devemos nos gloriar.
Ele não está dizendo sequer que devemos nos gloriar em nosso conhecimento teológico, mas no conhecimento íntimo, pessoal de Deus, e ter a certeza de fé que Ele faz misericórdia, juízo e justiça na terra.
É em Deus mesmo que nós temos que devemos nos gloriar, e não nas coisas que saibamos acerca dEle, porque isto tem a ver conosco, e não com a Sua própria pessoa divina.  
Se houvesse tal espírito em Jó e em seus três amigos, eles não teriam debatido por um só minuto, porque estariam calados diante do Senhor, clamando em seus corações para que tivesse misericórdia de Jó e o livrasse.
Toda aquela discussão somente servira para distorcer a justiça e enfraquecer a fé. Para apagar qualquer atmosfera favorável à manifestação da presença de Deus.
É principalmente por isso que somos exortados a não nos envolvermos em debates e discussões teológicas que não são úteis para a edificação, senão para perverter a fé.
“23 E rejeita as questões tolas e absurdas, sabendo que geram contendas;
24 e ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente;” (II Tim 2.23,24)
“Lembra-lhes estas coisas, conjurando-os diante de Deus que não tenham contendas de palavras, que para nada aproveitam, senão para subverter os ouvintes.” (II Tim 2.14)
A razão destas ordenanças é que não fomos chamados para obscurecer o conselho, o propósito de Deus em relação aos homens, senão tornar claro tal propósito, que Ele tem revelado de modo direto e claro na própria pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem devemos estar  unidos pela fé, para podermos viver de modo agradável a Deus, conforme a concessão e assistência da Sua graça.
Assim como o Senhor não necessitou do conselho ou da ajuda de qualquer homem quando fundou a terra, e tudo o mais no universo visível, de igual modo, não necessita da intervenção do homem na criação espiritual que está formando em Jesus Cristo.
O homem é mero instrumento no Seu plano de salvação, mas é o próprio Cristo que tudo faz e consuma em relação à obra da salvação.
É Deus quem justifica, regenera, santifica, liberta. O homem nada mais é do que o agente receptivo das Suas graças, ou o canal pelo qual elas fluem para outros. Mas isto não é produzido pelo homem e nem está presente em sua natureza terrena, mas é algo que lhe vem diretamente do céu.
A própria palavra do evangelho não é uma palavra da terra, criada pela imaginação dos homens, mas a revelação da verdade que nos veio a partir do céu. Não é da terra, mas do céu. Está operando na terra, mas sua origem é celestial.
Assim, aos sabichões que andam inchados em seu conhecimento, na Igreja, gerando contendas e divisões, convinha uma leitura constante destes últimos capítulos de Jó, para que voltassem à sensatez de taparem suas bocas diante do Grande Criador e Senhor, em quem somente eles deveriam se gloriar, e não na pouca sabedoria e conhecimento que possuem, pensando que seja muita coisa, ou que seja por meio disto que Deus opera os Seus livramentos e bênçãos.



“1 Depois disso o Senhor respondeu a Jó dum redemoinho, dizendo:
2 Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?
3 Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderás.
4 Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento.
5 Quem lhe fixou as medidas, se é que o sabes? ou quem a mediu com o cordel?
6 Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina,
7 quando juntas cantavam as estrelas da manhã, e todos os filhos de Deus bradavam de júbilo?
8 Ou quem encerrou com portas o mar, quando este rompeu e saiu da madre;
9 quando eu lhe pus nuvens por vestidura, e escuridão por faixas,
10 e lhe tracei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos,
11 e lhe disse: Até aqui virás, porém não mais adiante; e aqui se quebrarão as tuas ondas orgulhosas?
12 Desde que começaram os teus dias, acaso deste tu ordem à madrugada, ou mostraste à alva o seu lugar,
13 para que agarrasse nas extremidades da terra, e os ímpios fossem sacudidos dela?
14 A terra se transforma como o barro sob o selo; e todas as coisas se assinalam como as cores dum vestido.
15 E dos ímpios é retirada a sua luz, e o braço altivo se quebranta.
16 Acaso tu entraste até os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo?
17 Ou foram-te descobertas as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte?
18 Compreendeste a largura da terra? Faze-mo saber, se sabes tudo isso.
19 Onde está o caminho para a morada da luz? E, quanto às trevas, onde está o seu lugar,
20 para que as tragas aos seus limites, e para que saibas as veredas para a sua casa?
21 De certo tu o sabes, porque já então eras nascido, e porque é grande o número dos teus dias!
22 Acaso entraste nos tesouros da neve, e viste os tesouros da saraiva,
23 que eu tenho reservado para o tempo da angústia, para o dia da peleja e da guerra?
24 Onde está o caminho para o lugar em que se reparte a luz, e se espalha o vento oriental sobre a terra?
25 Quem abriu canais para o aguaceiro, e um caminho para o relâmpago do trovão;
26 para fazer cair chuva numa terra, onde não há ninguém, e no deserto, em que não há gente;
27 para fartar a terra deserta e assolada, e para fazer crescer a tenra relva?
28 A chuva porventura tem pai? Ou quem gerou as gotas do orvalho?
29 Do ventre de quem saiu o gelo? E quem gerou a geada do céu?
30 Como pedra as águas se endurecem, e a superfície do abismo se congela.
31 Podes atar as cadeias das Plêiades, ou soltar os atilhos do Oriom?
32 Ou fazer sair as constelações a seu tempo, e guiar a ursa com seus filhos?
33 Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o seu domínio sobre a terra?
34 Ou podes levantar a tua voz até as nuvens, para que a abundância das águas te cubra?
35 Ou ordenarás aos raios de modo que saiam? Eles te dirão: Eis-nos aqui?
36 Quem pôs sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro?
37 Quem numerará as nuvens pela sabedoria? Ou os odres do céu, quem os esvaziará,
38 quando se funde o pó em massa, e se pegam os torrões uns aos outros?
39 Podes caçar presa para a leoa, ou satisfazer a fome dos filhos dos leões,
40 quando se agacham nos covis, e estão à espreita nas covas?


41 Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintainhos clamam a Deus e andam vagueando, por não terem o que comer?” (Jó 38)


Jó 39

Perguntas Que o Homem não Pode Responder

Neste capítulo 39º de Jó, Deus recorre à criação dos animais. Ele tenta convencer a Jó da sua completa ignorância de como foi que Ele deu uma inteligência, capacidade, instinto, formas e tantas outras coisas específicas a cada espécie de animal.
Nisto Ele exibe a Sua grande sabedoria de Criador e de governador de todos os seres em que há fôlego de vida.
O homem, apesar de ser distinto, de ter um espírito, também foi programado, planejado, e está restrito às características que Deus lhe deu. Ele não pode existir rejeitando o aparato físico, intelectual, emocional, espiritual, que fora criado pelo Senhor.
Como pode então o homem contender com Deus, tal como Jó fizera, apesar de tê-lo feito em grande aflição?
Se é de Deus que temos recebido tudo o que somos, como nos debateremos ou rejeitaremos as ações da Sua providência em relação a nós, seja para alívio, seja para aflição?
Por isso, compreendemos que não nos é lícito questionarmos qualquer um dos Seus atos, porque somos propriedade Sua, e Ele tem o direito de fazer o que quiser com o que Lhe pertence.
“20 Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?
21 Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para uso honroso e outro para uso desonroso?” (Rom 9.20, 21)
Ele é o oleiro e nós somos apenas o barro em Suas mãos.
“Não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt 20.15)
O homem deve viver para o propósito para o qual fora criado, assim como os animais da terra vivem para o propósito respectivo, para o qual cada um deles foi criado, cumprindo fielmente suas funções.
O homem não foi criado para contender com Deus, mas para louvá-lo, adorá-lo, servi-lo, em amor e voluntariamente, em toda e qualquer situação.
Então, ainda que em grande aflição, Jó estava se desviando deste propósito e por isso estava sendo submetido a esta repreensão.



“1 Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando é que parem as corças?
2 Podes contar os meses que cumprem, ou sabes o tempo do seu parto?
3 Encurvam-se, dão à luz as suas crias, lançam de si a sua prole.
4 Seus filhos enrijam, crescem no campo livre; saem, e não tornam para elas:
5 Quem despediu livre o jumento montês, e quem soltou as prisões ao asno veloz,
6 ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada?
7 Ele despreza o tumulto da cidade; não obedece os gritos do condutor.
8 O circuito das montanhas é o seu pasto, e anda buscando tudo o que está verde.
9 Quererá o boi selvagem servir-te? ou ficará junto à tua manjedoura?
10 Podes amarrar o boi selvagem ao arado com uma corda, ou esterroará ele após ti os vales?
11 Ou confiarás nele, por ser grande a sua força, ou deixarás a seu cargo o teu trabalho?
12 Fiarás dele que te torne o que semeaste e o recolha à tua eira?
13 Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas é benigno o adorno da sua plumagem?
14 Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no pó,
15 e se esquece de que algum pé os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar.
16 Endurece-se para com seus filhos, como se não fossem seus; embora se perca o seu trabalho, ela está sem temor;
17 porque Deus a privou de sabedoria, e não lhe repartiu entendimento.
18 Quando ela se levanta para correr, zomba do cavalo, e do cavaleiro.
19 Acaso deste força ao cavalo, ou revestiste de força o seu pescoço?
20 Fizeste-o pular como o gafanhoto? Terrível é o fogoso respirar das suas ventas.
21 Escarva no vale, e folga na sua força, e sai ao encontro dos armados.
22 Ri-se do temor, e não se espanta; e não torna atrás por causa da espada.
23 Sobre ele rangem a aljava, a lança cintilante e o dardo.
24 Tremendo e enfurecido devora a terra, e não se contém ao som da trombeta.
25 Toda vez que soa a trombeta, diz: Eia! E de longe cheira a guerra, e o trovão dos capitães e os gritos.
26 É pelo teu entendimento que se eleva o gavião, e estende as suas asas para o sul?
27 Ou se remonta a águia ao teu mandado, e põe no alto o seu ninho?
28 Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro.
29 Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe.
30 Seus filhos chupam o sangue; e onde há mortos, ela aí está.” (Jó 39)


Jó 40

Deus Trabalha no Mais Profundo do Ser

O Senhor exigiu de Jó uma resposta para as perguntas que lhe fizera nos capítulos 40 e 41, que estaremos comentando, uma vez que Jó lhe havia censurado, ainda que indiretamente.
Ao ter afirmado insistentemente que era justo, fazia com que consequentemente, Deus fosse considerado injusto por permitir que ele estivesse sofrendo todas aquelas coisas.
Deus permitiu que o diabo afligisse a Jó, mas não poderia ser considerado injusto por ter-lhe dado tal permissão.
Afinal, é o processo que Ele costuma usar para purificar os santos e lhes aumentar a fé.
Assim, por mais consagrado a Deus que um cristão possa ser, ele não tem o direito, de ficar afirmando, quando é  provado: “sou santo, sou justo, sou do Senhor, tenho sido fiel, e não deveria estar passando por esta provação”, porque, se o fizer, se tornará digno da mesma repreensão de Deus relativa a Jó.
Diante da confrontação direta que o Senhor lhe fizera, finalmente se humilhou e se calou perante Ele, dizendo-Lhe as seguintes palavras:
“4 Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mão sobre a boca.
5 Uma vez tenho falado, e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei.” (Jó 40.4,5)
Deus continuava falando do meio do redemoinho, porque Jó ainda se fazia digno de repreensão apesar de ter se humilhado, porque o Senhor que tudo sabe, pode ter descortinado em seu coração ainda alguma resistência à Sua vontade, apesar das palavras de humilhação que Jó havia proferido.
Isto é muito comum de acontecer como o legume que foi mal cozido, e que apesar de estar amolecido por fora, ainda continua endurecido por dentro.
Tal é o que ocorre com muitos cristãos quando são repreendidos por Deus. Eles o admitem externamente, mas continuam se justificando em seu interior.
Assim, não se submeteram de fato à repreensão, porque esta gera arrependimento sincero no coração e plena aceitação da admoestação recebida.
Deus continuaria portanto fazendo perguntas a Jó, porque ele estava tornando vão o Seu juízo, ou seja, não estava permitindo que a repreensão do Senhor produzisse o efeito esperado e eficaz em seu coração, porque ainda permanecia na posição de procurar se justificar perante Ele, baseado na sua própria justiça, e isto, como comentamos anteriormente, era uma forma de condenar a Deus indiretamente (Jó 40.8).
Então os argumentos do Senhor para Ele, naquele momento não seriam mais para levá-lo a refletir sobre a sabedoria de Deus na criação, mas a considerar a força do Seu potente braço e da Sua voz, com os quais pode abater todas as coisas criadas, inclusive o próprio homem.
Jó não estava dando a consideração que é devida ao Senhor, de que todo homem deve temê-lo porque pode tirar a vida do corpo e lançar a alma no inferno.
O poder de lançar no inferno não é do diabo, mas de Deus.
Portanto, qual soberbo ou poderoso poderá prevalecer no juízo com o Todo-Poderoso?
Deus fará com que aqueles que com Ele não ajuntam sejam espalhados como o pó miúdo, ou seja, como a moinha.
Para mostrar aos homens qual é a grandeza da Sua força, o Senhor lhes deu uma pequena amostra desta força ao ter criado alguns seres de força e coragem extraordinárias, como o hipopótamo.
De quão maior força e poder não está dotado Aquele que o criou?
Todavia, falar da força do hipopótamo seria pouco para levar Jó a refletir no poder de Deus, por isso, Ele continuou a citar outros seres dotados de força extraordinária, que havia criado, como citou por exemplo o crocodilo (Jó 40.1), que é um animal que a ninguém e a nada teme.
Deus o fizera assim para revelar que em Seu caráter nada e ninguém pode perturbá-lo, intimidá-lo, vencê-lo, porque é soberano sobre tudo e todos.
Se o homem teme o crocodilo, quem há então que seja tão ousado para se erguer diante de Deus para enfrentá-lO? (v. 10)
Tudo Lhe pertence, e Ele não é devedor a ninguém (v. 11).
Deus criou o crocodilo lhe dotando não somente de uma boca com dentes mortais, mas também de uma couraça protetora impenetrável.
Jó deveria portanto, considerar o grande poder do Senhor para submeter os Seus inimigos e a todos os que resistem à Sua vontade.
Ele era um homem justo, mas deveria vigiar para não ser encontrado na mesma condição dos ímpios, cujas vontades resistem a Deus.
Ele não seria justificado perante o Senhor por conta dos grandes sofrimentos a que havia sido submetido, porque esteja na condição em que estiver, é dever de todo homem se submeter à vontade de Deus.



“1 Disse mais o Senhor a Jó:
2 Contenderá contra o Todo-Poderoso o censurador? Quem assim argui a Deus, responda a estas coisas.
3 Então Jó respondeu ao Senhor, e disse:
4 Eis que sou vil; que te responderia eu? Antes ponho a minha mão sobre a boca.
5 Uma vez tenho falado, e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei.
6 Então, do meio do redemoinho, o Senhor respondeu a Jó:
7 Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei a ti, e tu me responderás.
8 Farás tu vão também o meu juízo, ou me condenarás para te justificares a ti?
9 Ou tens braço como Deus; ou podes trovejar com uma voz como a dele?
10 Orna-te, pois, de excelência e dignidade, e veste-te de glória e de esplendor.
11 Derrama as inundações da tua ira, e atenta para todo soberbo, e abate-o.
12 Olha para todo soberbo, e humilha-o, e calca aos pés os ímpios onde estão.
13 Esconde-os juntamente no pó; ata-lhes os rostos no lugar escondido.
14 Então também eu de ti confessarei que a tua mão direita te poderá salvar.
15 Contempla agora o hipopótamo, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi.
16 Eis que a sua força está nos seus lombos, e o seu poder nos músculos do seu ventre.
17 Ele enrija a sua cauda como o cedro; os nervos das suas coxas são entretecidos.
18 Os seus ossos são como tubos de bronze, as suas costelas como barras de ferro.
19 Ele é obra prima dos caminhos de Deus; aquele que o fez o proveu da sua espada.
20 Em verdade os montes lhe produzem pasto, onde todos os animais do campo folgam.
21 Deita-se debaixo dos lotos, no esconderijo dos canaviais e no pântano.
22 Os lotos cobrem-no com sua sombra; os salgueiros do ribeiro o cercam.
23 Eis que se um rio trasborda, ele não treme; sente-se seguro ainda que o Jordão se levante até a sua boca.
24 Poderá alguém apanhá-lo quando ele estiver de vigia, ou com laços lhe furar o nariz?” (Jó 40)




Jó 41

Deus Trabalha no Mais Profundo do Ser

Vide Comentário no capitulo 40.


“1 Poderás tirar com anzol o leviatã, ou apertar-lhe a língua com uma corda?
2 Poderás meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada?
3 Porventura te fará muitas súplicas, ou brandamente te falará?
4 Fará ele aliança contigo, ou o tomarás tu por servo para sempre?
5 Brincarás com ele, como se fora um pássaro, ou o prenderás para tuas meninas?
6 Farão os sócios de pesca tráfico dele, ou o dividirão entre os negociantes?
7 Poderás encher-lhe a pele de arpões, ou a cabeça de fisgas?
8 Põe a tua mão sobre ele; lembra-te da peleja; nunca mais o farás!
9 Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será um homem derrubado só ao vê-lo?
10 Ninguém há tão ousado, que se atreva a despertá-lo; quem, pois, é aquele que pode erguer-se diante de mim?
11 Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo céu é meu.
12 Não me calarei a respeito dos seus membros, nem da sua grande força, nem da graça da sua estrutura.
13 Quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrará a couraça dupla?
14 Quem jamais abriu as portas do seu rosto? Pois em roda dos seus dentes está o terror.
15 As suas fortes escamas são o seu orgulho, cada uma fechada como por um selo apertado.
16 Uma à outra se chega tão perto, que nem o ar passa por entre elas.
17 Umas às outras se ligam; tanto aderem entre si, que não se podem separar.
18 Os seus espirros fazem resplandecer a luz, e os seus olhos são como as pestanas da alva.
19 Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.
20 Dos seus narizes procede fumaça, como de uma panela que ferve, e de juncos que ardem.
21 O seu hálito faz incender os carvões, e da sua boca sai uma chama.
22 No seu pescoço reside a força; e diante dele anda saltando o terror.
23 Os tecidos da sua carne estão pegados entre si; ela é firme sobre ele, não se pode mover.
24 O seu coração é firme como uma pedra; sim, firme como a pedra inferior duma mó.
25 Quando ele se levanta, os valentes são atemorizados, e por causa da consternação ficam fora de si.
26 Se alguém o atacar com a espada, essa não poderá penetrar; nem tampouco a lança, nem o dardo, nem o arpão.
27 Ele considera o ferro como palha, e o bronze como pau podre.
28 A seta não o poderá fazer fugir; para ele as pedras das fundas se tornam em restolho.
29 Os bastões são reputados como juncos, e ele se ri do brandir da lança.
30 Debaixo do seu ventre há pontas agudas; ele se estende como um trilho sobre o lodo.
31 As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de unguento.
32 Após si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cãs.
33 Na terra não há coisa que se lhe possa comparar; pois foi feito para estar sem pavor.
34 Ele vê tudo o que é alto; é rei sobre todos os filhos da soberba.” (Jó 41)



Jó 42

Nenhum Propósito de Deus Será Frustrado

 A apresentação do argumento do Senhor relativo à Sua Onipotência, nos capítulos anteriores, a este último de Jó (42º) ou seja, ao Seu grande e infinito poder, por fim convenceu a Jó sobre qual deveria ser a sua atitude perante Ele, e então ele se dobrou diante de Deus pronunciando as seguintes palavras:
“2 Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
3 Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia.
4 Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás.
5 Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem.
6 Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza.”
Ele declara expressamente a sua humildade e arrependimento (V. 6).
Ele por fim reconhece que Deus pode tudo e que nada do que pretender fazer poderá ser frustrado, porque tem todo o poder para levar a efeito a Sua vontade.
Aquele que não reconhece isto é insensato, tal como Jó estava sendo, ao pensar que podia definir Deus com seu conhecimento limitado.
Por isso ele reconheceu que de fato estava encobrindo o propósito de Deus com a sua falta de conhecimento.
Ele confessou a sua ignorância, e que o seu conhecimento anterior do Senhor, era bem menor do que aquele que lhe foi permitido ter agora por tudo que aprendera na sua aflição, de modo que disse que antes conhecia somente de ouvir, mas que agora também pelo que via com os olhos, ou seja, havia adquirido um conhecimento maior e melhor.
E neste conhecimento superior aprendeu que é bom para o homem estar calado diante de Deus, sem tentar ser Seu conselheiro, ou apresentar argumentos para justificá-lo, porque Deus não precisa, leão que é, de defensores, de advogados.
 A nenhum homem tem constituído Seu advogado na terra, senão somente a Seu Filho Jesus Cristo, como nosso Advogado perante Ele, no céu.
Tapar a boca é necessário, quando o desejo de falar e exarar pareceres sobre os propósitos de Deus que nos são ocultos, torna-se algo quase que incontido.
É preciso refrear tal paixão da carne e agir somente debaixo do mover do Espírito.
Jó aprendera a sua lição e devemos também aprender a nossa.
Quando isto acontece, então podemos ser obreiros aprovados, vasos úteis, idôneos, para o uso de Deus, tal como Jó fora como intercessor e sacerdote para os seus três amigos.
Os sacrifícios oferecidos pelos três amigos de Jó, para que não fossem castigados por Deus, em sua ira contra eles, e as orações de Jó em favor deles, não fez com que se tornassem aceitáveis ao Senhor, mas que a Sua ira fosse desviada deles, porque não foi a eles que aceitou, mas a Jó em sua oração e ofício sacerdotal, como afirmado no verso 9.
Temos um grande Sumo Sacerdote no céu que intercede por nós à direita do Pai, e que ofereceu o grande e único sacrifício por nós, o Seu próprio corpo na cruz, de modo que Ele se tornou aceitável a Deus, para que a Sua ira fosse desviada de nós, de modo que fomos resgatados da maldição da Lei porque nosso Senhor Jesus Cristo foi aceito pelo Pai como oferta no nosso lugar.
Tudo o que o Senhor deu a Jó em dobro, relativamente ao que possuía antes, depois de tê-lo livrado da prisão de aflição em que se encontrava, não foi uma recompensa pelos seus sofrimentos, mas a expressão da Sua grande bondade para com os Seus filhos.
Isto serve de ilustração para nós, quanto às coisas que herdaremos juntamente com Cristo, depois de termos suportado com paciência todas as aflições que devemos enfrentar com bom ânimo neste mundo, por amor a Cristo.
Se estivemos em desonra neste mundo, nos será concedido na glória, estar em dupla honra, tal como Deus fizera com Jó, quando lhe restaurou, para que servisse de exemplo quanto ao que fará com todo cristão fiel na glória do porvir.  
Também nos será dado estarmos em comunhão com os nossos demais irmãos em Cristo, alegrando-nos com eles na presença do Senhor, no grande banquete em que Ele mesmo nos servirá para celebrar o nosso amor com Ele e uns com os outros.
Jó que não tinha mais esperança de permanecer em vida, quando no auge da sua aflição, ainda veio a ter filhos e filhas no mesmo número dos que haviam morrido (dez), e destes teve descendentes, aos quais viu até à quarta geração, quando ele morreu aos cento e quarenta anos, velho e cheio de dias, conforme a bondade do Senhor lhe concedera, para servir de sinal, de que aqueles que Ele ama, ainda que afligidos neste mundo, hão por fim de serem levantados por Ele para estarem em Sua presença para sempre.

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“1 Então respondeu Jó ao Senhor:
2 Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
3 Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia.
4 Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás.
5 Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem.
6 Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza.
7 Sucedeu pois que, acabando o Senhor de dizer a Jó aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos, porque não tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jó.
8 Tomai, pois, sete novilhos e sete carneiros, e ide ao meu servo Jó, e oferecei um holocausto por vós; e o meu servo Jó orará por vós; porque deveras a ele aceitarei, para que eu não vos trate conforme a vossa estultícia; porque vós não tendes falado de mim o que era reto, como o meu servo Jó.
9 Então foram Elifaz o temanita, e Bildade o suíta, e Zofar o naamatita, e fizeram como o Senhor lhes ordenara; e o Senhor aceitou a Jó.
10 O Senhor, pois, virou o cativeiro de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu a Jó o dobro do que antes possuía.
11 Então vieram ter com ele todos os seus irmãos, e todas as suas irmãs, e todos quantos dantes o conheceram, e comeram com ele pão em sua casa; condoeram-se dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado; e cada um deles lhe deu uma peça de dinheiro e um pendente de ouro.
12 E assim abençoou o Senhor o último estado de Jó, mais do que o primeiro; pois Jó chegou a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.
13 Também teve sete filhos e três filhas.
14 E chamou o nome da primeira Jemima, e o nome da segunda Quezia, e o nome da terceira Quéren-Hapuque.
15 E em toda a terra não se acharam mulheres tão formosas como as filhas de Jó; e seu pai lhes deu herança entre seus irmãos.
16 Depois disto viveu Jó cento e quarenta anos, e viu seus filhos, e os filhos de seus filhos: até a quarta geração.


17 Então morreu Jó, velho e cheio de dias.” (Jó 42)






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