sábado, 17 de outubro de 2015

Mateus 1 a 7

Mateus 1

Comentário do Primeiro Capítulo de Mateus

Mateus conta a genealogia de Jesus a partir de Abraão, porque foi a Abraão que Deus fez a promessa de abençoar todas as nações da terra por meio dAquele que descenderia dele no futuro, a saber Jesus Cristo (Gál 3.14,19).
O evangelista dividiu as quarenta e duas gerações de Abraão até José, em três grupos de quatorze, como se vê no verso 17.
De Abraão até Davi, a quem foi feita também a promessa da Nova Aliança, pelas fiéis misericórdias prometidas por Deus à casa de Davi.
De Davi até a deportação dos judeus para Babilônia, onde foram purificados da idolatria para serem restaurados posteriormente em sua própria terra, para reedificarem o templo e para poderem recepcionar a Jesus.
E da deportação para Babilônia, até o nascimento de Jesus.
Estas 42 gerações da genealogia do Senhor somam cerca de 2.000 anos de antepassados.
Nenhum outro personagem da história teve um registro tão antigo e extenso de seus ancestrais, como Jesus Cristo, porque aprouve a Deus marcar, para nos deixar o testemunho da descendência do nosso Senhor e Salvador, pela certeza de que somente nEle e em nenhum outro, temos o cumprimento das fiéis promessas feitas a Abraão e a Davi, quanto Àquele que descenderia deles e que seria o Rei de um reino eterno, e o único por meio de quem somos livrados da maldição da lei, para recebermos uma salvação, herança e bênção eternas.
Como estava designado por Deus, desde antes da fundação do mundo, que Jesus deveria proceder, segundo a carne, da tribo de Judá, então são nomeados os filhos de Judá, Perez e Zerá, mas não foi em Zerá, mas em Perez, conforme o conselho do Senhor, que foi chamada a genealogia de Jesus.
Quatro mulheres são nomeadas na genealogia do Senhor. Duas eram estranhas à comunidade de Israel: Raabe, um cananita, e Rute, uma moabita, revelando em figura que o Senhor não viria somente para a nação de Israel, mas também para todos os povos gentios.
E as outras duas, apesar de serem de Israel, haviam adulterado, a saber: Tamar, nora de Judá, e Bete-Seba esposa de Urias, que concebeu a Salomão de Davi.
Nisto, se antecipou que Jesus viria para conduzir  pecadores ao arrependimento, para serem incluídos em Sua família celestial e divina.
Como a genealogia de Jesus foi contada na descendência de Davi, e particularmente em todos aqueles seus descendentes, que foram reis em Judá, até Zedequias, quando houve a deportação para Babilônia, então foram contados tanto reis ímpios quanto piedosos na descendência do Senhor. Isto não significa que estes reis ímpios também fazem parte da família de Deus, mas que Deus cumpre os Seus propósitos e tem Seus escolhidos até mesmo na descendência dos maus.
Mateus destacou nos versos 1, 16, 17 e 18 o título de Cristo, palavra grega para Ungido, correspondente à palavra hebraica Messias.
Jesus é portanto, o Messias, o Cristo, o Ungido, citado em Daniel 9.25; Salmo 2.2 e Isaías 61.1, para que ficasse registrado que Ele realizaria toda a Sua obra na terra, completamente debaixo da unção e poder do Espírito Santo.
A partir do verso 18, Mateus começou a registrar algumas das circunstâncias que envolveram a concepção e o nascimento do Senhor.
Foi anunciado pelo anjo Gabriel a José, que Maria não havia concebido de homem algum, quando se achou grávida do Senhor Jesus, mas que tal concepção fora obra direta do Espírito Santo no ventre de Maria, uma vez que a mesma permanecia virgem, e assim deveria permanecer até o nascimento do Senhor.
Esta revelação foi feita a José para que ele não deixasse Maria, secretamente, como havia intentado fazer, para não infamá-la pensando que ela tivesse cometido adultério.
Esta forma sobrenatural da formação do corpo de Jesus havia sido profetizada por Isaías cerca de 700 anos do seu nascimento.
E a José foi declarado pelo arcanjo Gabriel, que Aquele que Maria trazia em seu ventre era o Salvador do mundo, porque salvaria as pessoas do seu povo, dos seus pecados, a saber, não todas as pessoas do povo de José, mas as pessoas que fazem parte do povo de Jesus, ou seja, aqueles que são salvos por Ele, motivo porque deveria ser colocado nEle, ao nascer, o nome de Jesus, que significa no hebraico, o Salvador.

Mateus 1.1 Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão.
Mateus 1.2 A Abraão nasceu Isaque; a Isaque nasceu Jacó; a Jacó nasceram Judá e seus irmãos;
Mateus 1.3 a Judá nasceram, de Tamar, Farés e Zará; a Farés nasceu Esrom; a Esrom nasceu Arão;
Mateus 1.4 a Arão nasceu Aminadabe; a Aminadabe nasceu Nasom; a Nasom nasceu Salmom;
Mateus 1.5 a Salmom nasceu, de Raabe, Booz; a Booz nasceu, de Rute, Obede; a Obede nasceu Jessé;
Mateus 1.6 e a Jessé nasceu o rei Davi. A Davi nasceu Salomão da que fora mulher de Urias;
Mateus 1.7 a Salomão nasceu Roboão; a Roboão nasceu Abias; a Abias nasceu Asafe;
Mateus 1.8 a Asafe nasceu Josafá; a Josafá nasceu Jorão; a Jorão nasceu Ozias;
Mateus 1.9 a Ozias nasceu Joatão; a Joatão nasceu Acaz; a Acaz nasceu Ezequias;
Mateus 1.10 a Ezequias nasceu Manassés; a Manassés nasceu Amom; a Amom nasceu Josias;
Mateus 1.11 a Josias nasceram Jeconias e seus irmãos, no tempo da deportação para Babilônia.
Mateus 1.12 Depois da deportação para Babilônia nasceu a Jeconias, Salatiel; a Salatiel nasceu Zorobabel;
Mateus 1.13 a Zorobabel nasceu Abiúde; a Abiúde nasceu Eliaquim; a Eliaquim nasceu Azor;
Mateus 1.14 a Azor nasceu Sadoque; a Sadoque nasceu Aquim; a Aquim nasceu Eliúde;
Mateus 1.15 a Eliúde nasceu Eleazar; a Eleazar nasceu Matã; a Matã nasceu Jacó;
Mateus 1.16 e a Jacó nasceu José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama Cristo.
Mateus 1.17 De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze gerações; e desde Davi até a deportação para Babilônia, catorze gerações; e desde a deportação para Babilônia até o Cristo, catorze gerações.
Mateus 1.18 Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, ela se achou ter concebido do Espírito Santo.
Mateus 1.19 E como José, seu esposo, era justo, e não a queria infamar, intentou deixá-la secretamente.
Mateus 1.20 E, projetando ele isso, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela se gerou é do Espírito Santo;
Mateus 1.21 ela dará à luz um filho, a quem chamarás JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.
Mateus 1.22 Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta:
Mateus 1.23 Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, o qual será chamado EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco.
Mateus 1.24 E José, tendo despertado do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu sua mulher;
Mateus 1.25 e não a conheceu enquanto ela não deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de JESUS.





Mateus 2

Comentário do Segundo Capítulo de Mateus

O modo de Jesus manifestar a Sua majestade divina, continua sendo o mesmo, desde o Seu nascimento, a saber, numa manjedoura de Belém, porque não é com pompa e notoriedade que Ele se manifesta aos Seus súditos, mas sempre em humilde obscuridade.
Homens sábios do Oriente vieram dar-Lhe honra, quando ainda era um recém-nascido, porque lhes foi revelado por Deus onde encontrá-lO.
A genuína presença e majestade do Senhor Jesus continua se manifestando a muitos humildes de coração, em muitas manjedouras deste mundo, enquanto os grandes e entendidos não chegam a conhecê-Lo, porque aprouve ao Pai revelá-lo aos pequeninos e contritos de coração.
Deus é poderoso para esconder a revelação de Cristo de ímpios arrogantes que lhe resistem, como fizera em relação a Herodes, mas pode também fazer com que reis piedosos se dobrem aos pés do Senhor, e O adorem, em localidades pobres, que não costumam ser frequentadas por aqueles que são considerados grandes segundo o mundo.
Assim, a visita dos magos foi um prenúncio do modo e do método de Deus para revelar Cristo aos homens.
Se estes magos eram dados a artes mágicas condenadas por Deus, a visita deles a Jesus em Belém, revelou a vitória de Cristo sobre os poderes das trevas, convertendo para a Sua luz, aqueles que se encontravam debaixo do domínio do diabo.
Além disso, enquanto muitos em Israel se endureceriam, quanto à recepção do Messias, os gentios representados nestes magos, estavam se curvando para adorar o Senhor, mesmo quando era ainda um menino.
A visita dos magos para dar honra a Cristo precipitou a perseguição e matança realizadas pelo rei Herodes.
O diabo tentou impedir o surgimento do Libertador de Israel, tal como havia feito nos dias do nascimento de Moisés, pelo cruel estratagema de matar todos meninos do sexo masculino de dois anos para baixo, que habitavam na localidade e arredores, onde fora anunciado o nascimento tanto de Moisés, quanto de Jesus.
A história se repete, porque toda vez que Deus suscita um instrumento poderoso de libertação dos que se encontram escravizados pelo diabo, este se levanta com grande fúria, para tentar impedir tal obra de libertação.
Todavia, os propósitos de Deus não podem ser frustrados, e a libertação será operada em meio a todos os danos que possam ser causados pelo Inimigo.
Está determinado que Jesus reine para todo o sempre em glória na Nova Jerusalém, mas em sua encarnação, havia sido designado e predito que deveria nascer na humilde Belém de Judá.
Isto se deveu a muitas razões, mas especialmente à de que tudo o que se refere ao reino do Messias, começa pequeno como o grão de mostarda e termina em grandeza e em glória.
A fidelidade no pouco será exigida antes de que se veja a colocação em grandeza e glória.
Os que desejarem uma coroa terão que carregar voluntariamente uma cruz.
Os que aspirarem pelo consolo eterno terão que suportar sofrimentos com paciência perseverante.
O galardão será  tanto maior nem tanto pelas graças recebidas, mas pelas perseguições e tribulações sofridas por amor a Cristo.
A humilhação e a humildade da manjedoura, da cidade natal de Belém, das perseguições de Herodes, da fuga para o Egito, têm o propósito de nos ensinar e fazer recordar estas verdades anteriormente referidas.
A riqueza de Cristo representada pelo ouro; o bom perfume de Cristo representado pela mirra, e a oração intercessória poderosa de Cristo como nosso Sumo Sacerdote, representada pelo incenso, que foram oferecidos pelos magos, serão sempre achados onde houver verdadeira adoração na Sua santa presença.
Sempre haverá uma estrela para guiar a todos aqueles que pretendam honrar verdadeiramente ao Senhor Jesus, que será providenciada pelo Pai, que é quem atrai a todo a quem é dado ter a revelação da pessoa de Cristo.
Esta estrela é o Espírito Santo trabalhando em nossas mentes e corações, para que não erremos o caminho da verdadeira adoração, que é feita aos pés do Senhor.
Assim como Jesus teve que ser escondido de seus perseguidores, no Egito, por seus pais, de igual modo, deve continuar sendo escondido daqueles que O rejeitam voluntariamente, porque aqueles que rejeitam aqueles que são enviados por Ele, também são rejeitados, e o modo visível desta rejeição é por nos retirarmos do meio deles.
Jesus é tão precioso que não deve ser exposto voluntária e deliberadamente ao desprezo de homens ímpios.
Aqueles que não se julgam dignos de receberem a paz do Senhor, devem viver sem a referida paz, em sinal de juízo contra a impiedade deles, do mesmo modo como Herodes ficou privado da abençoadora e graciosa presença do Senhor, até o dia da sua morte, em grande ruína.
Os que não desejam ser promotores da paz, ou seja, pacificadores, excluem-se automaticamente da bem-aventurança, nesta vida e na do porvir, porque Jesus afirma que somente os pacificadores são bem-aventurados.
Deste modo, até hoje, os seguidores de Jesus, quando forem perseguidos numa cidade devem fugir para outra. Quando não são bem recebidos num determinado lugar, devem procurar outro.
Isto não é covardia e nem vergonha, mas simplesmente, não permitir que o grande nome do Senhor, que deve ser sempre santificado, venha a ser exposto à ignomínia e desonra.
Pelas perseguições e tribulações que sofremos podemos aprender o quanto somos dependentes de Deus para tudo, de maneira que esta lição nunca seja esquecida por toda a eternidade.
A fuga de José e Maria com Jesus para o Egito, já se encontrava nos desígnios de Deus, e por isso profetizou esta fuga muitos séculos antes pela boca do profeta Oséias (Os 11.1).
Isto nos ensina que a obra do evangelho deve ser feita em meio a perseguições, conforme o conselho predeterminado por Deus antes mesmo da fundação do mundo (At 4.27,28), para que o Seu grande Nome seja glorificado pelas sucessivas vitórias da fé, da graça e do evangelho, nas batalhas que são empreendidas contra os principados e potestades das trevas, para a libertação daqueles que eles têm trazido em cativeiro.

Mateus 2.1 Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos que perguntavam:
Mateus 2.2 Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? pois do oriente vimos a sua estrela e viemos adorá-lo.
Mateus 2.3 O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e com ele toda a Jerusalém;
Mateus 2.4 e, reunindo todos os principais sacerdotes e os escribas do povo, perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo.
Mateus 2.5 Responderam-lhe eles: Em Belém da Judeia; pois assim está escrito pelo profeta:
Mateus 2.6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.
Mateus 2.7 Então Herodes chamou secretamente os magos, e deles inquiriu com precisão acerca do tempo em que a estrela aparecera;
Mateus 2.8 e enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino; e, quando o achardes, participai-mo, para que também eu vá e o adore.
Mateus 2.9 Tendo eles, pois, ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto quando no oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino.
Mateus 2.10 Ao verem eles a estrela, regozijaram-se com grande alegria.
Mateus 2.11 E entrando na casa, viram o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro incenso e mirra.
Mateus 2.12 Ora, sendo por divina revelação avisados em sonhos para não voltarem a Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho.
Mateus 2.13 E, havendo eles se retirado, eis que um anjo do Senhor apareceu a José em sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e ali fica até que eu te fale; porque Herodes há de procurar o menino para o matar.
Mateus 2.14 Levantou-se, pois, tomou de noite o menino e sua mãe, e partiu para o Egito.
Mateus 2.15 e lá ficou até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta: Do Egito chamei o meu Filho.
Mateus 2.16 Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se grandemente e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo que havia em Belém, e em todos os seus arredores, segundo o tempo que com precisão inquirira dos magos.
Mateus 2.17 Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta Jeremias:
Mateus 2.18 Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada, porque eles já não existem.
Mateus 2.19 Mas tendo morrido Herodes, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonho a José no Egito,
Mateus 2.20 dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que procuravam a morte do menino.
Mateus 2.21 Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel.
Mateus 2.22 Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judeia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; mas avisado em sonho por divina revelação, retirou-se para as regiões da Galileia,
Mateus 2.23 e foi habitar numa cidade chamada Nazaré; para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado nazareno.






Mateus 3

Comentário do Terceiro Capítulo de Mateus

No final do capítulo precedente, Mateus registrou que Jesus foi habitar na Galileia, na cidade de Nazaré, depois de ter retornado com seus pais, José e Maria, do Egito.
É dito então no início deste terceiro capitulo, que “Naqueles dias...”, ou seja, quando Jesus habitava em Nazaré, já tendo decorrido cerca de 30 anos, que João, o Batista apareceu pregando no deserto da Judeia dizendo: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.”.
  João falou da necessidade de arrependimento para entrar no reino dos céus.
Falou do juízo vindouro sobre aqueles que rejeitassem a salvação que estava sendo oferecida gratuitamente pelo Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
João falou do batismo de fogo do Espírito Santo, e do corte de toda árvore (pessoa) que não desse bom fruto.
Em suma, João pregou o evangelho, antes mesmo do próprio Jesus começar a pregá-lo.
Isto foi designado por Deus para servir de sinal que a doutrina pregada por Jesus provinha da mesma fonte, a saber do céu, do Espírito Santo, conforme foi permitido a João pregá-la ainda na dispensação do Antigo Testamento, no apagar das luzes daquela antiga dispensação, próximo da inauguração da nova dispensação da graça, com a instituição de uma Nova Aliança, no sangue de Jesus.
Jesus começou o Seu ministério terreno somente depois de ter sido batizado no Espírito Santo, quando este veio sobre Ele na forma de uma pomba, quando era batizado nas águas por João.
Aquele era o marco inicial do Seu ministério.
Por isso os dados relativos tanto à infância de João, quanto à de Jesus, são omitidos por Mateus, porque o evangelho foi escrito para contar a história da nossa redenção pelo Senhor, e esta se encontra configurada especialmente no período do Seu ministério de três anos.
João é citado na história da redenção, porque fora vinculado ao ministério do Senhor, pelo desígnio de Deus, para demonstrar principalmente, o Seu poder e fiel cumprimento de todas as profecias relativas à vida e obra de Seu Filho Unigênito, em favor dos pecadores.
João não foi achado pregando nos castelos mas no deserto da Judeia.
Aqueles que quisessem indagar acerca das coisas relativas à salvação teriam que descer das alturas em que se encontravam, vindo ao deserto da humilhação, para ouvirem a pregação de João, e se arrependerem de seus pecados.
Este seria o mesmo caráter da pregação de Cristo, porque o evangelho chama, antes de tudo, ao arrependimento. À contrição de coração, à pobreza de espírito, para que se possa receber a coroa de glória e o óleo de alegria prometidos por Deus aos que viessem a se converter de seus pecados, pela fé no Messias.
A principal função de João havia sido profetizada por Isaías, cerca de setecentos anos antes:
“3 Eis a voz do que clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor; endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus.
4 Todo vale será levantado, e será abatido todo monte e todo outeiro; e o terreno acidentado será nivelado, e o que é escabroso, aplanado.” (Is 40.3,4)
A função de preparar o caminho do Senhor no deserto, e endireitar no ermo uma estrada para o nosso Deus, não poderia ser realizada tentando ser agradável a todas as pessoas, mas manifestando o genuíno amor de Deus, pela pregação da verdade.
Este é o único modo pelo qual Deus pode operar levantando os abatidos e oprimidos (vale levantado); trazer ao arrependimento e humildade os que andam na soberba  (outeiro e monte abatidos); e reparar os danos produzidos pelo pecado (terrenos acidentados e escabrosos, nivelados e aplanados).
Não foi de topografia, de geografia que Deus falou através do profeta Isaías, mas acerca da condição do coração humano.
Por isso importava que Jesus fosse batizado por João, para cumprimento de toda a justiça, porque estava determinado nos conselhos divinos que Ele deveria ser achado na forma de servo, identificado plenamente com a humanidade que veio salvar, exceto em relação ao pecado, porque não tinha pecado.
E aquele batismo nas águas foi o momento determinado para que Ele fosse também e principalmente batizado no Espírito Santo, que veio sobre Ele na forma de uma pomba, para que desse início ao Seu ministério terreno, até que completasse a obra que Lhe fora designada para ser feita em nosso favor.
Por causa dessa perfeita obediência e submissão à vontade do Pai, João ouviu a voz do Pai relativa a Jesus, dizendo: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.”

Mateus 3.1 Naqueles dias apareceu João, o Batista, pregando no deserto da Judeia,
Mateus 3.2 dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.
Mateus 3.3 Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías, que diz: Voz do que clama no deserto; Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.
Mateus 3.4 Ora, João usava uma veste de pelos de camelo, e um cinto de couro em torno de seus lombos; e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
Mateus 3.5 Então iam ter com ele os de Jerusalém, de toda a Judeia, e de toda a circunvizinhança do Jordão,
Mateus 3.6 e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados.
Mateus 3.7 Mas, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que vinham ao seu batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira vindoura?
Mateus 3.8 Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento,
Mateus 3.9 e não queirais dizer dentro de vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.
Mateus 3.10 E já está posto o machado á raiz das árvores; toda árvore, pois que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo.
Mateus 3.11 Eu, na verdade, vos batizo em água, na base do arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu, que nem sou digno de levar-lhe as alparcas; ele vos batizará no Espírito Santo, e em fogo.
Mateus 3.12 A sua pá ele tem na mão, e limpará bem a sua eira; recolherá o seu trigo ao celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.
Mateus 3.13 Então veio Jesus da Galileia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por ele.
Mateus 3.14 Mas João o impedia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?
Mateus 3.15 Jesus, porém, lhe respondeu: Consente agora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça. Então ele consentiu.
Mateus 3.16 Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele;

Mateus 3.17 e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.






Mateus 4

Comentário do Quarto Capítulo de Mateus

João foi decapitado a mando de Herodes quando contava apenas cerca de 30 anos de idade, porque foi morto logo no início do ministério de Jesus, quando contava com a mesma idade com a qual João havia sido morto.
Assim, se deu cumprimento à Palavra de João que importava que a sua luz brilhasse apenas por um pouco, porque convinha que ele diminuísse e que Jesus crescesse.
De igual modo, todos os ministérios que estão vinculados a Cristo, têm a mesma função que teve João, a saber, surgir, anunciar a Cristo e desaparecer de cena, de maneira que apenas o nome de Cristo seja perpetuado por todas as gerações.
No entanto, é importante destacar, que em relação ao tempo de permanência do Senhor, na carne, neste mundo, na realização do Seu próprio ministério, que Ele também deixou este mundo para ir para junto do Pai, quando contava apenas 33 anos de idade.
Nisto há um grande ensinamento para todos nós, que vivemos neste mundo, que não é a extensão do tempo de vida que temos aqui, que pode ser considerado como prova da bênção de Deus, porque nascido de mulher não havia maior que João, o Batista, e sem qualquer sombra de dúvida, Cristo é sobre todos e nem o somatório de todos os seres da terra e do céu, podem sequer serem comparados à Sua grandeza e glória.
Portanto, tudo que Jesus sofreu neste mundo em relação à humilhação a que foi submetido, inclusive a de ser tentado pelo diabo, foi em razão de ter carregado sobre Si o nosso próprio opróbrio, porque não havia nenhum motivo para carregar qualquer opróbrio, por sua própria causa, porque, afinal, não tinha qualquer pecado.
Tudo o que Ele sofreu foi por nós e por nossa causa.
Ele suportou aflições e triunfou sobre todas as coisas, inclusive sobre a própria morte, para servir de exemplo para nós, e para ser o autor e consumador da nossa salvação.
 Deste modo, não foi pela vontade e desígnio do próprio diabo que Ele foi conduzido ao deserto para ser tentado, mas pelo Espírito Santo.
E importava que fosse tentado estando em extrema fraqueza, decorrente do jejum completo que fizera de quarenta dias e noites, para nos mostrar quão suficiente é o poder da graça do Espírito Santo que estava nEle, porque havia sido batizado no Espírito quando foi batizado nas águas por João, o Batista, pouco tempo antes de ser conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado.
Ele venceu a tentação de suportar a fome, não atendendo à insinuação do diabo que mostrasse o Seu poder transformando pedras em pães.
Necessitamos aprender esta lição, para que não venhamos a tentar a Deus nos momentos em que estivermos passando por necessidades. Por sabermos que Deus é poderoso para nos sustentar com a palavra que procede da Sua boca, nestas horas difíceis.
De igual modo, não devemos tentar a Deus, por nos lançarmos ao encontro de dificuldades e perigos por sugestão do diabo, para demonstrarmos que temos o poder do Senhor sobre as nossas vidas.
Quanto a isto Jesus nos deixou o exemplo de não atender a Satanás, quando este lhe pediu para que se lançasse do pináculo do templo abaixo, porque segundo ele, Deus teria que cumprir o que está registrado nas Escrituras, que daria ordens a Seus anjos a respeito de Jesus, para que lhe sustentassem em suas mãos, para nunca tropeçar em alguma pedra.
Também, devemos rejeitar completamente o oferecimento por parte do diabo, da glória vã das coisas deste mundo que passa, desde que nos submetamos a ele.
Deus é digno de ser adorado, e somente Ele deve ser adorado e buscado. Nosso coração não deve estar preso a nenhuma coisa deste mundo.
Somente o Senhor é digno de ser servido, e todo nosso serviço aos homens, deve ser, na verdade, por amor a Ele, e para trazer honra e glória ao Seu santo nome.
Fomos criados por Deus para isto, e é portanto, deste modo, que devemos viver, a saber, conforme o propósito da nossa vocação.
Entretanto, é de pasmar, que haja tão grande desinteresse por parte da maior parte da humanidade, em ter um conhecimento pessoal e íntimo da pessoa de Jesus, que tão maravilhosamente se manifestou ao mundo por amor de nós.
Fora dEle, a vida não tem nenhum verdadeiro significado, propósito e sentido.
Por isso, mesmo antes de ter encarnado há cerca de dois mil anos atrás, Deus não nos deixou sem o testemunho da Sua pessoa e vontade, pela revelação que fez aos antigos, e especialmente nas Escrituras do Antigo Testamento através dos profetas.
Todavia, como dissemos anteriormente, não são poucos os que vivem como se nada tivesse sido profetizado acerca de Cristo, e que vivem como se Ele não tivesse se manifestado pessoalmente ao mundo.
Caminham sem Cristo, sem Deus, sem o mínimo interesse em investigar as coisas que foram reveladas de uma vez para sempre, para o conhecimento da glória de Deus na face de Cristo.
Vivem como se estivessem ainda nos dias do Antigo Testamento, quando a revelação da glória do Senhor era feita com por um espelho, como uma figura, das realidades que já se cumpriram conforme havia sido profetizado acerca dEle, como por exemplo, o fato de ter-se mudado de Nazaré para a cidade de Cafarnaum, da Galileia, dando-se cumprimento à profecia de Isaías.
“1 Mas para a que estava aflita não haverá escuridão. Nos primeiros tempos, ele envileceu a terra de Zebulom, e a terra de Naftali; mas nos últimos tempos fará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, a Galileia dos gentios.
2 O povo que andava em trevas viu uma grande luz; e sobre os que habitavam na terra de profunda escuridão resplandeceu a luz.” (Is 9.1,2)
Antes mesmo que houvesse Galileia, Deus profetizou acerca dela, porque para o povo desprezado que vivia naquela região resplandeceria a esperança da luz da glória do evangelho, por meio de Jesus Cristo.
Aquele era apenas um sinal da luz que seria derramada em todas as nações, para aqueles que desejassem sair das trevas do pecado, da ignorância e da obscuridade, pela união espiritual com Cristo.
A luz está disponível ainda em nossos dias, e estará disponível enquanto durar a dispensação da graça, mas é necessário vir para a luz de Jesus, se desejarmos de fato sair da condição de morte, para a condição de vida, a vida eterna e abundante que somente o Senhor pode nos dar.
E o ministério que Jesus começou nos dias em que viveu na carne neste mundo, Ele tem continuado através da Igreja, que é o Seu corpo, realizando obras ainda maiores do que as que Ele havia realizado em Seu ministério terreno, a saber:
“23 E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.
24 Assim a sua fama correu por toda a Síria; e trouxeram-lhe todos os que padeciam, acometidos de várias doenças e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos, e os paralíticos; e ele os curou.
25 De sorte que o seguiam grandes multidões da Galileia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judeia, e dalém do Jordão.”
Aqueles que Ele tem chamado, tal como os primeiros apóstolos e discípulos, e que tudo têm deixado para segui-lO, são aqueles que têm dado continuidade à Sua obra de salvação e libertação na terra.
E o modo de alcançar esta bênção continua sendo o mesmo desde o princípio, a saber, pelo atendimento da convocação ao arrependimento, ou seja, à transformação da vida, pelo retorno a Deus, por meio da fé em Jesus Cristo, para viver a vida celestial, espiritual e divina, conforme Deus planejou para o homem, desde antes da fundação do mundo.

Mateus 4.1 Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo.
Mateus 4.2 E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome.
Mateus 4.3 Chegando, então, o tentador, disse-lhe: Se tu és Filho de Deus manda que estas pedras se tornem em pães.
Mateus 4.4 Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.
Mateus 4.5 Então o Diabo o levou à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo,
Mateus 4.6 e disse-lhe: Se tu és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito; e: eles te susterão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra.
Mateus 4.7 Replicou-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus.
Mateus 4.8 Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles;
Mateus 4.9 e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.
Mateus 4.10 Então ordenou-lhe Jesus: Vai-te, Satanás; porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás.
Mateus 4.11 Então o Diabo o deixou; e eis que vieram os anjos e o serviram.
Mateus 4.12 Ora, ouvindo Jesus que João fora entregue, retirou-se para a Galileia;
Mateus 4.13 e, deixando Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, cidade marítima, nos confins de Zabulom e Naftali;
Mateus 4.14 para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías:
Mateus 4.15 A terra de Zabulom e a terra de Naftali, o caminho do mar, além do Jordão, a Galileia dos gentios,
Mateus 4.16 o povo que estava sentado em trevas viu uma grande luz; sim, aos que estavam sentados na região da sombra da morte, a estes a luz raiou.
Mateus 4.17 Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei- vos, porque é chegado o reino dos céus.
Mateus 4.18 E Jesus, andando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos - Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, os quais lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores.
Mateus 4.19 Disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.
Mateus 4.20 Eles, pois, deixando imediatamente as redes, o seguiram.
Mateus 4.21 E, passando mais adiante, viu outros dois irmãos - Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, no barco com seu pai Zebedeu, consertando as redes; e os chamou.
Mateus 4.22 Estes, deixando imediatamente o barco e seu pai, seguiram- no.
Mateus 4.23 E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.
Mateus 4.24 Assim a sua fama correu por toda a Síria; e trouxeram-lhe todos os que padeciam, acometidos de várias doenças e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos, e os paralíticos; e ele os curou.
Mateus 4.25 De sorte que o seguiam grandes multidões da Galileia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judeia, e dalém do Jordão.










Mateus 5

“1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos,
2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo:
3 Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.
8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.
11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.
12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós.
13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens.
14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte;
15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa.
16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.
17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo.
22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno.
23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão.
26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil.
27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás.
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno.
31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio.
32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, comete adultério.
33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos.
34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus;
35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei;
36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo branco ou preto.
37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno.
38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil.
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.
43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo.
44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem;
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos.
46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem os publicanos também o mesmo?
47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não fazem os gentios também o mesmo?
48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.”

 Para o comentário deste capítulo e dos dois seguintes (6 e 7) nós usaremos basicamente adaptações de textos escritos por Thomas Watson e por David Martin Lloyd Jones.
Como o sermão é introduzido pelas bem-aventuranças, apresentaremos primeiro o comentário de Thomas Watson relativo às mesmas.




AS BEM-AVENTURANÇAS

Por Thomas Watson (adaptado)

 “1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos,
2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo:
3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.
8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”. (Mt 5.1-10).

As palavras deste sermão pregado por nosso Senhor Jesus Cristo devem ser fixadas permanentemente pelos seus ministros nas memórias dos seus ouvintes, porque há muitos que têm uma memória ruim conforme se diz em Tiago 1.25, e as suas recordações  escoam facilmente tal como a água que sai de um recipiente.
Aqueles que têm o encargo de conduzirem os espíritos dos homens no caminho do céu devem lembrar que assim como não se pode ter um sangue enriquecido sem um intestino que funcione bem, de igual modo se uma verdade não ficar retida na memória, ela nunca poderá, como diz o apóstolo Paulo em I Tim 4.6, nos nutrir com as palavras da fé.
E com que freqüência o diabo, a ave do ar, apanha a boa semente que é semeada!
Quantos sermões o diabo tem roubado!
E é uma triste verdade que as pessoas não se permitam serem furtadas tão facilmente de seus bens materiais, mas dão pouca ou nenhuma atenção ao fato de o diabo lhes furtar continuamente o alimento espiritual, através do qual elas podem ser fortalecidas na fé.
Por isso os ministros de Cristo devem sempre brilhar não como velas ou lâmpadas, nem mesmo como planetas, mas como estrelas no firmamento de glória, porque eles são estas estrelas que devem brilhar nas mãos do Senhor, como se vê em Apo 1.20; para que possam iluminar o caminho que conduz os pecadores à salvação.
A honra de converter almas não foi dada por Deus aos anjos, mas aos ministros do evangelho.
Deus confiou aos Seus ministros a maioria das Suas jóias preciosas, as Suas verdades e as almas das pessoas que pertencem a Ele.
Por isso o púlpito é mais elevado do que o trono de qualquer rei terreno, porque o ministro verdadeiramente constituído representa ninguém menos do que o próprio Deus.
E agora, quanto ao rebanho do Senhor: se os ministros têm que aproveitar todas as oportunidades para pregarem, o rebanho por sua vez, tem que aproveitar todas as oportunidades para ouvir e colocar em prática as coisas que ouve.
Quando a Palavra de Deus é pregada, o pão da vida é repartido a todos, e este pão é mais precioso do que ouro e prata com se diz no Sl 119.72.
Na Palavra pregada, céu e salvação são oferecidos a você.
Jesus começou o Seu sermão no Monte com bem-aventuranças que contêm promessas e bênçãos.
O povo de Deus se encontra com muitas dificuldades e desânimos, e a marcha dos crentes não é somente perigosa e cansativa, como o próprio coração deles está sempre pronto a desfalecer.
Não é portanto de se estranhar que Jesus tenha colocado diante dos crentes a coroa da bem-aventurança para animar a sua coragem e inflamar o seu zelo.
A bem-aventurança é o alvo que deve ser atingido, é o centro do qual devem partir todas as linhas da vida; é a flor da alegria dos crentes.
É aquela condição abençoada na qual devem ser achados os servos de Jesus, conforme ele cita em Mt 24.46:
“Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar assim fazendo.”.
A bem-aventurança está portanto ligada a uma condição de alma, a um estado de espírito, a uma atitude de estrita obediência à Palavra de Deus, em todos os deveres ordenados nela.
Assim a bem-aventurança não consiste na aquisição de coisas mundanas, na aquisição de bens naturais e terrenos.
Cristo não diz: “Bem-aventurados são os ricos”, ou “Bem-aventurados são os nobres”, contudo muitos idolatram estas coisas.
Os filósofos pagãos ensinam que bem-aventurança é ter suficiência de subsistência e prosperar no mundo.
Mas não há muitos crentes que parecem ser desta mesma opinião filosófica?
Poucos chegam a entender que a árvore da bem-aventurança não cresce num paraíso terrestre.
Deus não amaldiçoou a terra por causa do pecado? Como vemos em Gên 3.17?
 Contudo, muitos estão cavando para acharem a sua felicidade aqui, como se eles pudessem achar uma bênção numa maldição.
Nestas profundidades terrenas Salomão cavou mais do que qualquer outro homem e chegou à conclusão que tudo deste mundo é vaidade, enfado e canseira, dando um firme testemunho de que é somente em Deus que se pode satisfazer verdadeiramente o espírito, e alcançar a condição da bem-aventurança.
As coisas terrenas não podem satisfazer aos anelos do espírito e assim nunca tornarem uma pessoa bem-aventurada, porque estas coisas são transitórias, passageiras, e por isso Paulo diz que elas não são uma realidade permanente, senão uma aparência passageira, como lemos suas palavras em I  Cor 7.31:
“e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto, porque a aparência deste mundo passa.”.
O dom da vida que reside no espírito é muito mais do que o sustento do corpo físico.
É por isso que Jesus diz o que lemos em seu ensino sobre esta verdade em Mt 6.25:
“Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?”.
A bem-aventurança não se encontra de fato nas coisas terrenas porque elas não podem aquietar o coração atribulado. Elas não podem trazer alívio e livramento ao coração que está sendo batido pelas batalhas espirituais.
 A bem-aventurança não se encontra nas coisas terrenas porque é exatamente nelas que encontramos a maior fonte de tentação para nos afastar da comunhão com Deus, conforme vemos no dizer do apóstolo João em I Jo 2.15 a 17:
“15 Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.
16 Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do mundo.
17 Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus, permanece para sempre.”.
A bem-aventurança que Deus tem para os seus filhos não é fugaz como todas as riquezas deste mundo; e não fere os nossos corações como tais riquezas, porque não há o temor de perdê-las.
Se nós não tivermos estas coisas terrenas, não seremos amaldiçoados, nem sequer podemos ser mais santificados por causa delas.
E devemos saber que é grande a tentação para entesourar riquezas para o próprio dano daquele que o fizer, como se diz em Eclesiastes 5.13: “Há um grave mal que vi debaixo do sol: riquezas foram guardadas por seu dono para o seu próprio dano;”.
Definitivamente não é no acúmulo de bens terrenos que devemos colocar todo o nosso empenho e esperança de encontrar a bem-aventurança.
É com todas estas coisas em vista que Paulo afirma o que lemos em I Tim 6.9,10:
“9 Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição.
10 Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.”.

Muito bem. Tendo mostrado em que a bem-aventurança não consiste, eu mostrarei agora em que ela consiste:
Em primeiro lugar, consiste em alegria, em regozijo e gozo pela certeza das coisas que o espírito possui.
Um homem pode possuir uma propriedade e contudo não desfrutá-la. Ele pode ter o domínio da coisa mas não o seu conforto. Mas a verdadeira bem-aventurança sempre produz prazer na alma.
Em segundo lugar, a bem-aventurança melhora a alma, e a enobrece, tornando-a mais preciosa para Deus e para o seu próprio possuidor.
A bem-aventurança traz deleite verdadeiro e duradouro.
Na verdadeira bem-aventurança há variedade. E somente em Jesus há a plenitude de todas as coisas das quais necessita o nosso espírito, como se vê em Col 1.19.
A verdadeira bem-aventurança tem a eternidade estampada nela, e deve ser inabalável, algo que não admita nenhuma mudança ou alteração.
O crente já se encontra abençoado em certo sentido. Somente o fato de ter escapado da condenação eterna por estar em Cristo já é uma grande bênção. Mas há muitas bênçãos ocultas em Cristo que o crente é convocado a buscar através de uma vida devotada a Deus.
Simei amaldiçoou Davi mas ele não se importou, ainda que em grande angústia e tribulação, porque tinha a convicção que ele era um abençoado de Deus.
Os santos são co-participantes da natureza divina como se afirma em II Pe 1.4. Eles foram abençoados por Deus com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo como se vê em Ef 1.3.
Os crentes têm a semente de Deus neles (I Jo 3.9), e esta semente é a semente da bem-aventurança.
A flor da glória nasce da semente da graça.
A graça e a glória não diferem em tipo mas em grau.
A graça é a raiz e a glória o fruto.
A graça é a gloria no amanhecer, e a glória é a graça no entardecer.
A graça é o primeiro elo da corrente da bem-aventurança.
Mas todo aquele que tem o primeiro elo da corrente na sua mão, tem a posse da corrente inteira com todos os seus demais elos.
Os santos já são bem-aventurados porque os seus pecados não lhes serão mais imputados para juízo condenatório. Toda a dívida dos seus pecados foi paga por Cristo na cruz.
Os santos já são bem-aventurados porque têm o selo do Espírito Santo. Eles têm todas as coisas desta vida cooperando para o seu bem. Tanto a prosperidade quanto a adversidade pode torná-los melhores, quer em gratidão, quer em devoção, santificação e adoração.
Os santos já são bem-aventurados porque eles podem ser achados debaixo da cruz, mas não mais da maldição.

Falemos agora sobre a primeira bem-aventurança.

O Senhor Jesus diz em Mateus 5.3: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”.

Nós podemos observar o toque e aroma da divindade neste sermão do Senhor, o qual vai além de toda a filosofia humana.
Na verdade ele vai no sentido contrário da filosofia humana, porque aqui se diz que a pobreza produz riquezas, e não somente isto, que aquele que é enriquecido pela pobreza aqui referida, possui um reino.
De igual modo, nós veremos na bem-aventurança que se segue a esta primeira, que o choro, a tristeza, produz conforto.
Diz-se que a água das lágrimas acenderá a chama da verdadeira alegria.
E mais ainda, que a perseguição trará felicidade, pois se diz que felizes são os perseguidos por causa da justiça.
Observe como diferem a doutrina de Cristo e a opinião dos homens carnais. Eles pensam que bem-aventurados são os ricos, mas Cristo diz que bem-aventurado é o pobre de espírito.
O mundo pensa que bem-aventurados são aqueles que se encontram no pináculo da glória mundana, mas Cristo diz que bem-aventurados são os que estão no vale.
Aqueles que usariam as jóias de Cristo, mas que recusam a Sua cruz, são estranhos ao verdadeiro cristianismo.
Observe a conexão entre a graça e a sua recompensa.
Aqueles que são pobres de espírito terão o  reino de Deus.
Nosso Salvador encoraja os homens à santidade associando mandamentos com promessas.
Ele amarra dever e recompensa juntamente.
Uma parte destes versículos das bem-aventuranças consiste no dever e a outra parte consiste na recompensa.
Nós observamos também nas bem-aventuranças que elas estão encadeadas e uma conduz a outra.
Aquele que tem pobreza de espírito é  quebrantado.
Aquele que é quebrantado é submisso.
Aquele que é submisso é misericordioso e assim por diante.
Nisto consiste a diferença entre um verdadeiro filho de Deus, e um hipócrita.
O hipócrita se gaba de possuir alguma graça pretensiosa, no entanto ele não possui todas as graças, como verdadeiramente as possui aquele que é nascido do Espírito.
O hipócrita não tem pobreza de espírito, nem pureza de coração.
Mas um filho de Deus tem todas as graças no seu coração, ainda que seja em semente, e necessite ainda crescer em graus.
Ser pobre de espírito não é o mesmo que ser pobre de bens terrenos, porque é possível ser pobre de bens e não ser pobre de espírito.
E há também distinção em ser espiritualmente pobre, e ser pobre de espírito, porque aquele que não tem a graça de Jesus, é espiritualmente pobre, e não é pobre de espírito, e não conhece até mesmo a sua pobreza espiritual, como se vê em Apo 3.1.
Bem, então, o que devemos entender por pobre de espírito?
A palavra grega para pobre é ptocoi, e esta significa estar reduzido à mendicância, ser destituído de riqueza, influência, posição, honra, e estar destituído de virtudes cristãs e riquezas eternas, ser desamparado, e impotente para realizar um objetivo, enfim, ser necessitado em todos os sentidos.
Pobre de espírito significa então aqueles que são trazidos ao senso da sua própria miséria, em razão dos seus pecados, e que não vêem nenhuma bondade em si mesmos, e em seu desespero se entregam completamente à misericórdia de Deus em Cristo.
Pobreza de espírito é um tipo de auto negação.
A pessoa se vê como o publicano da parábola de Lc 18.13, e fala juntamente com Paulo que não há nenhuma justiça nela própria que lhe possa recomendar a Deus, como se vê em Fp 3.9.
Por que Jesus teria começado o sermão do Monte com pobreza de espírito?
Certamente o Senhor a colocou na frente das demais bem-aventuranças, citando-a antes das demais, porque a pobreza de espírito é o fundamento no qual todas as outras graças são colocadas.
Tal como o fruto não pode ser produzido numa árvore sem raiz, de igual modo as demais graças não podem existir sem pobreza de espírito.
Quando uma pessoa vê os seus  próprios defeitos e se vê imperfeita por causa dos seus pecados, então chorará na presença de Cristo.
E esta pobreza de espírito fará com que tenha fome e sede de justiça, porque desejará estar conformado àquilo que Deus é em Sua própria natureza, a saber: santo.
Assim, a pobreza de espírito é a causa da humildade, porque quando um homem vê a sua necessidade de Cristo, e como depende das suas graças, isto o leva a se humilhar.
E até que sejamos pobres de espírito, não somos habilitados a receber a graça.
Aquele que está inchado com uma opinião de auto-excelência e auto-suficiência, não está ajustado para receber a Cristo.
Ele já está cheio de si mesmo.
Se a mão está cheia de pedras, ela não pode receber ouro.
O copo deve ser esvaziado primeiro, antes que possa ser enchido com a água viva do Espírito.
Assim, Deus esvazia primeiro o homem de si mesmo, antes de enchê-lo com a Sua preciosa graça.
Somente o pobre de espírito pode ser alcançado pela missão de Cristo, porque se diz que ele veio para os que estão quebrados quanto ao senso da sua indignidade:
Nós lemos no texto de Isaías 61.1:
“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos;”.
Até que sejamos pobres de espírito, Cristo não é precioso para nós.
Antes de vermos nossas próprias necessidades, nunca veremos o valor que Cristo tem para nós.
Os que são ricos em pobreza de espírito são aqueles que são verdadeiramente ricos da graça de Deus, porque Ele a derrama abundantemente sobre os humildes.
Deste modo, as riquezas de um crente consistem na sua pobreza de espírito.
Esta pobreza o habilita a um reino celestial.
Logo, quão pobres são aqueles que pensam serem ricos, e quão ricos são aqueles que se vêem pobres e necessitados da graça de Deus!
Se bem-aventurado é o pobre de espírito, então pelo sentido oposto podemos entender que o amaldiçoado é o orgulhoso de espírito, como vemos em Pv 16.5, que diz:
“Todo homem arrogante é abominação ao Senhor; certamente não ficará impune.”
Aqueles que se julgam muito bons para irem para o céu jamais o alcançarão.
Tal como o fariseu de Lc 18.11 não serão justificados por Deus porque o orgulho deles não lhes permite enxergarem o quanto necessitam de arrependimento.
Não admira que Cristo chame tais homens de cegos porque eles estão nus, mas se recusam a receber o vestido branco de justiça de Jesus para cobrirem a sua nudez, porque pensam que são ricos e que não necessitam de nada da parte do Senhor.
Eles estão cegos e não poderão ver que estão nus caso não apliquem o colírio de Cristo aos seus olhos espirituais para que possam ver.
O pobre de espírito é verdadeiramente rico para com Deus porque entre os muitos benefícios que lhe advêm de tal pobreza podemos destacar os seguintes:
O pobre de espírito é desmamado de sua própria alma. O seu ego deixa de ser o centro de seus objetivos e atenções, e Cristo passa a ocupar este lugar central em sua vida.
Ele não confia em si mesmo e não busca apoio na sua própria alma para estar firme, mas nAquele que o fortalece em tudo.
Assim, o pobre de espírito é um adorador e admirador de Cristo.
Ele tem os pensamentos mais elevados acerca de Jesus.
Ele se vê nu e corre para Cristo para se cobrir com a Sua veste de justiça, de modo a poder obter a Sua bênção.
O pobre de espírito nunca está satisfeito com a pobreza da sua alma quanto aos dons e graças de Deus, e se empenha diligentemente em buscá-los nEle, para enriquecer o seu espírito.
Ele lamenta sempre por não ter mais graça para poder glorificar ainda mais o nome do Seu Deus.
E esta é a diferença principal entre o hipócrita e um verdadeiro filho de Deus.
O hipócrita se gaba daquilo que pensa possuir, e o filho de Deus lamenta o que lhe falta e reconhece que sem a graça do Senhor nada é e nada tem.
Assim, aquele que é pobre de espírito é também humilde de coração.
Homens ricos costumam ser orgulhosos e arrogantes, mas o pobre de espírito é manso e submisso.
E quanto mais graça ele tem, mais humilde ele se torna, pois entende o quanto é devedor a Deus.
Quando executa bem qualquer dever reconhece que o fez muito mais pela força de Cristo do que pela sua própria força; porque ele reconhece que o seu trabalho na obra de Deus foi realizado pela graça do Senhor, sendo portanto imitador do apóstolo Paulo, conforme podemos ver em I Cor 15.10.
O pobre de espírito ora muito porque reconhece o quanto depende da oração porque vê o quão longe está do padrão da santidade divina, então implora mais graça e mais fé ao Senhor, para poder estar em conformidade com Ele.
O pobre de espírito é muito grato porque sabe o quanto tem sido alvo da misericórdia de Deus.
A pobreza de espírito é o fundamento no qual Deus constrói o edifício da glória.
Deste modo, é possível que alguém tenha as riquezas do mundo e ainda ser pobre, porque a verdadeira riqueza de alguém não consiste na quantidade de bens mundanos que ele possui, mas na grandeza da sua pobreza de espírito.
Quanto mais pobre de espírito uma pessoa for, mais rica ela será da graça de Jesus, porque terá sempre mãos vazias para serem enchidas por Deus com as bênçãos espirituais que destinou aos crentes em Cristo Jesus.
E assim se cumpre a verdade citada em Ef 1.3:
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo;”.
Esta pobreza é a nobreza do crente.
Deus olha para o pobre de espírito como uma pessoa honrada.
Aquele que é vil aos seus próprios olhos é precioso aos olhos de Deus, porque se apresenta verdadeiro diante dEle por se reconhecer ser um vil pecador.
A pobreza de espírito aquieta a alma, pois leva a pessoa a descansar em Cristo.
Ele se vê pobre, mas pode dizer juntamente com Paulo em Fp 4.19: “o meu Deus proverá todas as minhas necessidades”.            
Os que desejam ser ricos segundo o mundo buscam construir um reino temporal aqui, mas o pobre de espírito almeja por um reino celestial.
E os santos reinarão com Cristo numa maneira gloriosa, porque lhes é prometido não um reino  terreno, mas o reino dos céus.
Depois da morte os santos são coroados como vemos em Apo 2.10.
Eles não são apenas perdoados por Cristo, mas são também coroados.
A coroa é um símbolo de honra e autoridade.
A coroa que os santos receberão é mais excelente do que todas as demais. E não haverá o risco de se perder esta coroa, conforme o temor que sentem os reis terrenos quanto à possibilidade de perderem as suas.
Esta coroa não instigará inveja porque um santo não invejará outro, porque todos serão coroados.
Esta coroa é imarcescível, porque não pode murchar, tal como murchavam as coroas de louro que os atletas vitoriosos recebiam no passado. E esta coroa dos crentes é também eterna, e jamais perderá o seu brilho, conforme se vê em I Pe 5.4.
No terceiro céu, a saber, no paraíso, que é citado em II Cor 12.2, neste lugar sublime e glorioso será erguido o trono dos santos, e este trono é seguro e inabalável, conforme a promessa que Jesus fez aos crentes vencedores em Apo 3.21:.
“Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono.”.
 Um preço foi pago para isto. Jesus derramou o seu sangue na cruz para que o santos conquistassem o reino através do Seu sangue.
Jesus foi pregado na cruz para nos trazer à coroa.
Ele diz que bem-aventurados são os pobres de espírito porque eles têm um reino, a saber, o reino do céus.
E aqueles que têm um reino têm também uma coroa.
A recompensa da pobreza de espírito é portanto muito alta e não pode ser comparada a nenhum bem terreno passageiro.
Nós entendemos então porque são tão fortes as exigências de Deus para que os Seus filhos se santifiquem em tudo, empenhando-se em todo o esforço para mortificarem o pecado e a carne, pois afinal, a recompensa que lhes é feita é a de um reino eterno celestial glorioso.
Nós podemos pensar que é um grande sacrifício nos empenharmos para mortificar definitivamente o pecado em nossas vidas, mas Deus não acha nenhum sacrifício em nos dar graciosamente um reino tão maravilhoso;  ao contrário, foi do Seu inteiro agrado concedê-lo a nós, conforme se vê em   Lc 12.32.
Os crentes são herdeiros do reino, e qual destes herdeiros não deseja ser coroado?
Tiago nos diz em Tg 2.5: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?”.
Enquanto neste mundo, parece que os santos fiéis e piedosos são massacrados pelas suas próprias fraquezas, e pelas investidas furiosas dos principados das trevas sobre eles, mas eles são chamados pelo Senhor a exultarem em tudo isto porque a fidelidade deles será recompensada com um reino onde serão consolados definitivamente de todos os seus sofrimentos.
Para que tivéssemos a firme certeza desta esperança Deus colocou o reino dentro de nós.
O reino de Deus está dentro do crente como se vê em Lc 17.21.
Este reino significa o reino da graça no coração.
E a graça pode ser comparada a um reino porque ordena a lei de Deus no espírito e executa tudo o que é necessário para a nossa transformação de glória em glória à própria imagem e semelhança do Senhor.
A graça rege sobre os nossos pecados destruindo-os e colocando-os com sua autoridade, em cadeias. E governa assim sobre o orgulho, sobre a paixão e a incredulidade.
Se há evidências seguras deste reino da graça trabalhando no nosso coração, então podemos estar certos de que entraremos no reino dos céus depois da nossa morte, e de que seguramente seremos coroados por Cristo para reinarmos juntamente com Ele.
Lembremos que assim como há graus de tormento para aqueles que forem para o inferno, de igual modo há graus de glória para os herdeiros do reino de Deus, e assim quanto mais serviço alguém fizer  para o Senhor, maior será a sua glória no reino futuro que lhe está prometido e garantido por Deus.
Deus recompensará os homens segundo as suas obras, e assim, quanto for maior o serviço, maior será a recompensa.
Deus tem planejado isto para nos incentivar a buscarmos uma santidade, devoção e serviço cada vez maiores.
Quanto for maior a glória que Deus receber através de nossas obras, maior será a nossa própria glória quando estivermos reinando juntamente com Cristo.
Isto será uma grande honra para nós pelo modo como o Senhor nos distinguirá como forma do Seu agrado pela nossa fidelidade a Ele.
Basílio disse que a esperança de um reino deveria levar o crente  a ter coragem e alegria em todas as suas aflições.

Nós encerraremos nosso comentário sobre a primeira bem-aventurança, com esta citação de Basílio, e estaremos comentando em seguida a segunda bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.4, a de que os que choram são bem-aventurados porque serão consolados.

Há oito degraus na escada da bem-aventurança. Eles podem ser comparados à escada de Jacó que alcançava o topo do céu. Nós já analisamos o primeiro e agora falaremos sobre o segundo degrau, que é o da consolação que nos vem pelo fato de chorarmos.
Nós temos que passar pelo vale das lágrimas para podermos chegar ao paraíso.
Choro é um assunto triste e desagradável para se tratar, mas não é nisto em que consiste a bem-aventurança, senão no consolo que vem depois do choro.
O choro é colocado aqui no lugar do arrependimento. E o que o texto quer afirmar é que os quebrantados são bem-aventurados, porque embora as lágrimas dos santos sejam lágrimas amargas, contudo elas são lágrimas abençoadas.
Há uma tristeza mundana que consiste geralmente no lamento pela perda de coisas terrenas, e há uma tristeza diabólica que é o lamento por não se poder satisfazer aos desejos pecaminosos, e à soberba da vida.
Há dois objetos da tristeza espiritual referida por Jesus nesta bem-aventurança: primeiro, tristeza pelo nosso próprio pecado, e segundo, tristeza pelo pecado de outros.
Enquanto nós tivermos o fogo do pecado queimando em nossas vidas, nós, temos que ter a água das lágrimas para extingui-lo (Ez 7.16).
João Crisóstomo dizia que bem-aventurados não eram necessariamente aqueles que choram pelos mortos, mas os que choram por causa do pecado.
 A Caim aborreceu mais o castigo que Deus proferiu sobre ele, do que o seu próprio pecado. Ele disse que o seu castigo era mais do que o que ele poderia suportar. Em vez de chorar e se arrepender ele se endureceu no seu pecado.
Assim, a declaração de Caim é uma rebelião e não uma demonstração de arrependimento.
Tal como ele há muitos que rasgam as suas vestes diante de Deus, mas não os seus corações.
Um arrependimento sincero é espontâneo e voluntário.
Um arrependimento verdadeiro é espiritual, pois nos faz lamentar muito mais pelo pecado do que pelo sofrimento ao qual o nosso pecado deu causa.
Faraó estava triste pela pestilência que o Egito estava sofrendo, mas não pela pestilência que havia em seu próprio coração endurecido, que estava dando causa a todos aqueles juízos que Deus despejou sobre o Egito nos dias de Moisés.
Um pecador pode assim lamentar os juízos que acompanham os seus pecados, e não lamentar propriamente pelo pecado.
A palavra hebraica para pecado é hatat, e significa rebelião.
Esta palavra define bem o que é o pecado, porque um pecador luta contra Deus.
Então bem-aventurados são todos os que conhecem o que significa o pecado e que se entristecem pela sua condição de pecadores, com o desejo de serem santificados por Deus, e serem libertos dos seus pecados.  
Nós temos que chorar pelo pecado como sendo a forma de ingratidão mais alta.
Nós pecamos contra o sangue de Cristo e contra a graça do Espírito Santo e não choraremos?
Nós reclamamos da descortesia que sofremos da parte de outras pessoas e não choraremos pela nossa própria descortesia para com Deus?
Mas não são apenas estes os motivos pelos quais devemos chorar por causa do pecado. Nós devemos chorar também o fato de o pecado nos impor uma privação, pois nos impede de ter comunhão com Deus.
Por isso, as lágrimas do evangelho devem cair do olho da fé. Se estas lágrimas espirituais de tristeza pelo pecado não fluírem de nós, de maneira alguma poderemos receber as consolações do Espírito Santo, traduzidas no derramar das suas graças em nossos corações.
As águas de um verdadeiro arrependimento são águas que limpam. Elas levam para longe, como numa inundação, toda a sujeira dos nossos pecados.
Tal como o apóstolo Paulo diz em II Cor 7.10:
“Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte.” .
Este tipo de tristeza pelo pecado que é segundo Deus, traz indignação contra o pecado, luta contra o pecado, defesa da justiça de Deus:
Diz-se que bem-aventurados são os que choram, porque lágrimas procedem dos olhos, e a palavra hebraica para olho, é ain, que  é a mesma palavra usada para fonte, manancial.
Isto indica que nossas lágrimas por causa do pecado têm que jorrar continuamente de nossos olhos espirituais, assim como a água que jorra de uma fonte.
As águas do arrependimento não devem transbordar somente pela manhã, mas durante todos os períodos do dia.
Como Paulo disse: eu morro diariamente'”” (I Cor 15:31), assim um crente também deveria dizer: “eu lamento diariamente”.
Esta tristeza pelo pecado é o melhor antídoto contra a apostasia, a saber, para não se voltar as costas para Deus e abandonar a comunhão dos santos na Igreja.
Até mesmo os próprios filhos de Deus têm que chorar pelo pecado, pedindo perdão a Deus, para perdoar pecados passados, presentes e futuros, porque assim como o arrependimento é renovado, o perdão também é renovado.
Caso os pecados pudessem ser perdoados antes de serem cometidos, isto tornaria nulo o ofício de Cristo de nosso Mediador e Sumo-Sacerdote, porque não haveria necessidade da Sua intercessão em nosso favor junto do Pai.
É importante saber que embora o pecado seja perdoado, ele ainda tentará se rebelar, embora seja coberto, no entanto não está curado (Rom 7.23).
Assim como a água penetra no casco de um barco furado, e deve ser escoada continuamente para que o barco não afunde, de igual modo navegamos nas águas do pecado, que devem ser continuamente escoadas de nossas vidas através do arrependimento.
Assim como nós choramos pelos nossos próprios pecados, devemos também chorar pelos pecados de outros. Chore pelos erros e blasfêmias da nação. Chore pelo quanto a vontade de Deus é transgredida no mundo, pelo quanto a Sua Palavra é desonrada e quanto o Seu santo nome é blasfemado.
Nossas lágrimas podem ajudar a extinguir a ira de Deus, que está pronta a ser despejada sobre o mundo pecador.
Por isso a Palavra nos ordena a interceder em favor de todos os homens, e a maior parte desta intercessão consiste no pedido de misericórdia a Deus pelos seus pecados, como podemos ver em I Tim 2.1,2.
Quando há sinais de que a ira de Deus está pronta para irromper sobre a nação, sobre os nossos lares, igrejas, não há momento mais oportuno para intensificarmos a nossa tristeza em arrependimento pelo pecado, porque quando Deus tira a Sua espada da bainha para pelejar contra o mundo de pecado, quando parece que Ele está de pé no limiar do templo, pronto para levar de nós o Seu evangelho e nos abandonar, nossas lágrimas possivelmente podem fazer com que cesse a Sua ira e Ele volte a ser favorável a nós. E este procedimento é ordenado na própria Bíblia, como podemos ver os profetas Isaías, Oséias, Joel, Sofonias, entre outros.
A Ceia do Senhor é também outro momento oportuno para nos entristecermos pelos nossos pecados e confessá-los a Deus.
Se ela foi instituída por Jesus para ser um memorial da Sua morte, então certamente Ele deseja que façamos uma justa avaliação dos nossos pecados, pois foi exatamente por causa deles que Ele morreu na cruz.
E se é pela morte do Senhor que alcançamos misericórdia da parte de Deus, não podemos esquecer que sem uma tristeza amarga pelo pecado não podemos receber tal misericórdia, porque a ausência de tristeza pelo pecado indica o nosso desprezo pelo Seu sacrifício, e a falta de reconhecimento da necessidade que temos da Sua misericórdia para sermos perdoados.
Quando há ausência de sensibilidade pelo pecado, o coração permanece endurecido como pedra. E uma pedra não é sensível a qualquer coisa. Um coração de pedra é conhecido por sua inflexibilidade. Uma pedra não se dobra e não se rende ao toque. Por isso um coração endurecido não se inclinará diante do cetro de Cristo.
Há muitos murmuradores, mas poucos quebrantados de coração. A maioria está como o chão rochoso no qual há falta de umidade, como se vê na parábola do semeador.
Nós ouvimos muitos lamentos em tempos difíceis, mas os que lamentam não estão conscientes de terem um coração endurecido.
Quando Deus chama os homens ao arrependimento em vez de lamentarem por seus pecados, eles endurecem seus corações e se alegram em suas luxúrias em vez de se entristecerem, eles se colocam na situação de juízo extremamente perigosa, citada em Is 22.12-14.
É exatamente para evitar este terrível endurecimento de coração que o apóstolo Tiago nos ordena a transformar o nosso riso em pranto, quando há pecados em nós ou em outros para serem lamentados, em vez de vivermos nos alegrando desconsiderando tais pecados numa clara demonstração de desprezo aos juízos de Deus.
“Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza.” (Tg 4.9).
É melhor chorar pelo pecado e ser alegrado por Deus, do que se alegrar agora no pecado, e depois chorar eternamente num juízo eterno.
É neste sentido que entendemos as palavras proferidas por Cristo em Lc 6.24,25.
“24 Mas ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação.
25 Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides! porque vos lamentareis e chorareis.” (Lc 6.24,25).
É somente quando o pecado cessar que as lágrimas também cessarão (Apo 7.17).
Por isso, enquanto estivermos neste mundo, devemos evitar a todo custo a maldição de um engano terrível que é muito comum de se ver, pois não são poucos  os que afirmam a misericórdia de Deus como pretexto para continuarem em seus pecados.
Assim, alguém afirma que Deus é misericordioso e então se entrega à prática deliberada do pecado.
Mas afinal para quem é a misericórdia?
Para o pecador que não se arrepende, ou para o pecador entristecido?
Não há misericórdia para aquele que não pretende abandonar o pecado.
Deus faz uma proclamação de misericórdia ao quebrantado, e como pode então aquele que vive abertamente em rebelião contra Ele reivindicar o benefício do Seu perdão?
Outro grande perigo para o endurecimento do coração é o fato de se pensar que há pecados pequenos que não são considerados por Deus.
“Não é um pequeno pecado?”.
Eles dizem.
E assim ficam endurecidos e insensíveis e incapazes de lamentar por suas misérias.
E quem buscaria a Deus com um coração penitente em busca de misericórdia, enquanto continuar pensando  que o pecado é apenas uma coisa leve?
Nenhum pecado pode ser pequeno porque é contra a Majestade do céu.
Não há nenhuma traição pequena, porque todas elas são contra a pessoa do Rei Jesus.
Não permita portanto, que Satanás lance uma nuvem diante de seus olhos para que você não veja a real dimensão do pecado.
E ninguém se iluda com a infinita paciência e longanimidade de Deus que faz com que Ele não execute imediatamente a Sua sentença sobre o pecado.
Deus não é um credor precipitado que requer o pagamento imediato da dívida e que não dá nenhum tempo para o seu pagamento.
A longanimidade de Deus não deve ser portanto um motivo para abusarmos da Sua bondade e graça, e assim nenhum crente verdadeiro deveria permitir que o canal da tristeza que conduz ao arrependimento seja obstruído pela corrupção do pecado.
O juízo do Senhor é como uma pedra que cai, cujo peso de impacto é maior quanto maior for o tempo da sua queda.
Pecados contra a paciência de Deus são pecados terríveis porque nem mesmo os anjos caídos cometeram este tipo de pecado que é contra a misericórdia e longanimidade de Deus.
 Então é preciso que o Espírito Santo produza em nós quebrantamento de coração e inspire nossas tristezas pelo pecado para que  possamos expressá-las diante de Deus.
O consolo prometido no texto da bem-aventurança é produzido pelo  Espírito.
Observe que Deus reserva a melhor safra do seu vinho para o final. Primeiro ele prescreve tristeza pelo pecado e então serve por último o vinho da consolação.
O diabo faz exatamente o contrário. Ele serve o melhor primeiro e reserva a pior safra para o final.
Satanás oferece os seus pratos delicados diante dos homens. Ele lhes apresenta o pecado de uma forma colorida, atraente, com beleza, adocicado com prazer, com lucro, e então, no fim, a triste conta é apresentada para ser paga.
Esta é a razão por que o pecado tem tantos seguidores, porque mostra o melhor primeiro.
Mas Deus mostra o pior primeiro. Primeiro ele prescreve um remédio amargo, o do arrependimento, e é isto o que nos leva a chorar, mas então Deus nos dá uma recompensa, a de sermos consolados conforme a promessa da bem-aventurança.
Por isso as lágrimas do evangelho não são perdidas porque são sementes de consolo divino.
Depois da corrente de lágrimas o Espírito Santo faz fluir no nosso interior uma corrente de alegria.
Daí, se dizer que aqueles que semeiam em meio a lágrimas ceifarão com alegria, conforme se lê no Sl 126.5.
O coração quebrantado é esvaziado do orgulho e então Deus o enche com a Sua bênção.
O vale de lágrimas traz ao espírito um paraíso de alegria.
A alegria de um pecador impenitente produzirá tristeza, porque é sempre este o salário que é pago pelo pecado.
Mas a tristeza do quebrantado produz alegria. “Sua tristeza será transformada em alegria” (João 16:20).
As consolações que Deus dá aos quebrantados excedem todos os demais consolos e a raiz na qual estes confortos crescem é o Espírito Santo.
Ele é chamado ”o Consolador” em João 14.26.
E o Espírito consola aplicando as promessas a nós mesmos e nos ajudando a tirar águas desses mananciais da salvação.
O Espírito derrama o amor de Deus no coração do crente e sussurra secretamente a ele o perdão que recebeu para os seus pecados, e esta visão do perdão dilata o coração com alegria.
Estes confortos são reais e verdadeiros, porque o Espírito de Deus não pode testemunhar aquilo que é falso.
Há muitos nesta época que fingem confortar, mas os confortos deles são meras imposturas.
Mas os confortos dos santos são verdadeiros porque eles têm o selo do Espírito Santo fixado neles.
Quando um homem é trazido aos mandamentos de Cristo, para crer e obedecer, então ele fica preparado para receber a misericórdia.
É por isso que antes de consolar o Espírito primeiro convence do pecado.
E quando o coração é arado pelo convencimento do pecado, Deus semeia nele a semente do conforto.
Assim, aqueles que se vangloriam de conforto, mas que nunca foram convencidos ainda de seus pecados, nem quebrantados por causa dos seus pecados, devem ter motivo para suspeitar que o conforto deles não passa de uma ilusão de Satanás.
O Espírito de Deus é um Espírito santificante, antes de ser um Espírito consolador.
Alguns falam do Espírito confortante mas nunca tiveram o Espírito santificante.
Assim, suas alegrias são falsas, e estes falsos confortos deixarão os homens na morte.
Eles terminarão em horror e desespero.
Então os efeitos da verdadeira consolação do Espírito Santo são completamente diferentes dos confortos de Satanás, que muitos alegam ser de Deus.
O diabo é capaz, não somente de se transfigurar em anjo de luz, como se lê em II Cor 11.14, como também em se disfarçar em consolador.
Mas os consolos de Deus nos conduzem à humilhação  porque não permitem que sejamos inchados com orgulho, apesar destes consolos do Espírito Santo elevarem o nosso coração em gratidão.
E os confortos que Deus dá aos quebrantados não são misturados. Eles não trazem pesar conforme se afirma em II Cor 7.10.
Mas os confortos mundanos são como água misturada com sujeira, porque em meio aos sorrisos o coração está triste.
O pecador pode ter um rosto sorridente enquanto tem uma consciência que o acusa.
Mas os confortos espirituais são puros. Eles não são misturados com culpa porque lançam fora o medo e trazem o perdão de Deus. De modo que o consolo que vem depois da tristeza pelo pecado é a alegria do Espírito Santo, e nada mais do que alegria.
Tão doces são estes confortos do Espírito que eles enfraquecem muito e moderam nossa alegria em coisas mundanas.
Aquele que tem bebido da água do Espírito, não terá depois sede de água; e aquele homem que tem uma vez provado quão bondoso é o Senhor e bebido do Espírito, não terá sede imoderada por delícias terrenas.
O Espírito Santo não pode produzir no espírito alegrias impuras tal como o sol não pode produzir trevas.
Assim, aquele que tem os confortos do Espírito Santo se manifestando nele, nunca desejará negociar com o pecado, porque ele mataria tais confortos.
Os confortos que Deus dá para os seus quebrantados nesta vida são confortos gloriosos: “Alegria cheia de glória” como se lê em I Pe 1.8.
Eles são gloriosos porque eles são um antegosto daquela alegria que nós teremos no céu.
São tão gloriosos os confortos do Espírito que um crente nunca está tão triste que não possa se alegrar.
Observe então que é verdadeiramente bem-aventurado o que chora, porque o quebrantado é um privilegiado, pois será confortado por Deus.
Os olhos do quebrantado não devem portanto estar tão cheios de lágrimas a ponto de lhe impedir de enxergar as promessas de perdão no sangue de Jesus Cristo.
A virtude e conforto de um remédio está em usá-lo. De igual modo quando as promessas forem aplicadas com fé, elas trarão conforto.
Mas lembremos que uma mente mundana pode nos privar do conforto divino.
Deus esconde o seu rosto daqueles que amam o mundo e que se conformam ao modo do mundo.
Um coração, enquanto mundano, não deve contar com as consolações do Espírito Santo. Aquele que busca confortos terrenos apagará com estes falsos confortos o verdadeiro conforto do Espírito.
Devemos evitar também a tentação de fazer dos confortos divinos o fim mesmo da vida cristã, porque até mesmo ao Senhor faltaram tais confortos em determinados momentos de seu ministério terreno, e é de se esperar que o mesmo suceda conosco.
Mas embora um filho de Deus nem sempre tenha conforto expressado em flor, ele sempre o tem em semente.
Embora ele não sinta conforto de Deus contudo ele está debaixo do Seu conforto.
Um crente pode ser elevado em graça e ser rebaixado em conforto.
As montanhas altas estão sem flores.
As minas de ouro têm pouco ou nenhum trigo crescendo nelas.
O coração de um crente pode ser uma mina de ricos filões de graça, entretanto ser estéril de conforto.
Entretanto, o quebrantado é o herdeiro do conforto, porque somente por um breve momento Deus poderá abandonar as pessoas do Seu povo como vemos em Isaías 54.7, contudo há um tempo que vem brevemente quando os quebrantados terão todas as lágrimas enxugadas de seus olhos, e serão plenamente cheios de conforto.
Esta alegria está reservada para o céu. Porque se diz que são bem aventurados os que choram porque deles é o reino dos céus. Aleluia. Amém!

Vamos da continuidade ao nosso comentário sobre as bem-aventuranças, falando agora sobre a terceira bem-aventurança, citada  por Jesus  no texto de Mateus 5.5, no qual lemos o seguinte:

“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.”.

Esta mansidão tem um aspecto duplo,  mansidão para com Deus e mansidão para com o homem.
Na mansidão para com Deus duas coisas são insinuadas: a primeira é a submissão à Sua vontade; e a segunda, o dobrar-se à Sua Palavra.
Ser manso então em relação a Deus significa seguir o exemplo de mansidão que Jesus nos deixou sendo submisso à vontade do Pai, e por ter se dobrado inteiramente à Sua palavra, vivendo debaixo do exclusivo poder e direção do Espírito Santo.  
Assim, é espiritualmente submisso aquele que se conforma à mente de Deus, e não luta contra as instruções da Sua santa Palavra, mas com as corrupções do seu coração. E quão feliz é isto, quando a Palavra vem com majestade e é recebida com mansidão no coração, como se diz em Tiago 1.21.
Este ato de receber a Palavra com mansidão referido por Tiago, significa acatar com submissão tudo que nos é ordenado nela pelo Senhor.
A mansidão consiste basicamente em três coisas: a primeira, suportar danos; a segunda, perdoar danos, e a terceira, recompensar o mal com o bem.
Vamos repetir para você poder memorizar em que consiste basicamente a mansidão:
Primeiro, suportar danos.
Segundo, perdoar danos.
E terceiro, recompensar o mal com o bem.
Quanto a suportar danos, podemos dizer desta graça da mansidão, que ela não é conseguida facilmente.
Mas lembremos que um espírito submisso, tal como pano molhado, não pegará fogo facilmente.
A mansidão é a rédea da raiva.
As paixões são inflamáveis, mas a mansidão é a água divina que as apaga.
A mansidão é a rédea da boca, porque amarra a língua e lhe dá um bom comportamento.
A precipitação de espírito é oposta à mansidão.
Quando o coração ferve em paixão e ira, ele se encontra longe da mansidão.
A raiva pode ser encontrada num homem sábio, mas ele não se permitirá ser dominado por ela, no entanto a raiva permanece no coração dos tolos, e tem ali a sua moradia.
O homem iracundo é como pólvora, sempre pronto a entrar em chamas ao menor atrito.
A ira altera o estado de consciência tanto como o álcool o faz no que está embriagado. Assim o uso da razão é suspenso naquele que se deixa dominar pela ira.
Somente em alguns casos é justificado ficarmos irados. Há uma ira santa. Aquela ira sem pecado que é contra o pecado. Na qual mansidão e zelo podem estar juntos.
Em assuntos da defesa da verdade do evangelho, um crente deve ser vestido com o espírito de Elias, e estar “cheio da ira do Senhor” como se vê em Jer 6.11.
Cristo era manso conforme se diz em Mt 11:29, contudo era zeloso, como se vê em João 2.14,15. E este Seu zelo pela casa de Deus o consumiu.
A malícia também é oposta à mansidão. A malícia é o retrato do diabo.
Um espírito malicioso não é um espírito manso.
A disposição para se vingar também é oposta à mansidão. A vingança é um ofício para Deus e não para os homens. Por isso a Bíblia proíbe a vingança, como se vê em  Rm 12.19.
Lutas espirituais são legítimas, quando consistem na luta contra o diabo, e com a parte carnal do homem, e abençoado é todo aquele que busca se vingar das suas luxúrias.
Mas outros tipos de lutas são ilegais.
Passar por um dano sem vingança não traz qualquer descrédito à honra de um homem.
Um espírito nobre esquece um dano que tenha sofrido, ainda que injustamente.
No entanto, a auto-defesa, ou legítima defesa, como é mais conhecida, é consistente com a mansidão cristã.
Neste sentido os magistrados são ministros de Deus para vingarem o mal, como citado em I Pe 2.14 e Rm 12.17, e assim, o exercício do ofício deles não é oposto à mansidão.
A maledicência também é oposta à mansidão. A maledicência sempre carrega a intenção de desprezar, ofender e difamar outros.
Quando Paulo chamou os Gálatas de insensatos, a sua intenção não era a de ofendê-los e difamá-los, senão apenas de reformá-los pela repreensão que lhes dirigiu.
Não é mansidão mas fraqueza separar-nos da nossa integridade.
Deve haver mansidão cristã, como também prudência cristã. Ambas devem caminhar lado a lado.
É legítimo sermos nossos próprios defensores em face de acusações injustas que possamos sofrer. Somente haverá falta quando replicarmos os danos procurando pagá-los na mesma moeda com que os sofremos.
Tendo considerado acerca da mansidão quanto ao seu aspecto de suportar danos, vejamos agora o relativo ao de se perdoar danos.
Um espírito manso é um espírito perdoador.
Por natureza os homens são dados a esquecerem a bondade que recebem de outros, mas lembram-se com facilidade dos danos que sofreram.
Mas Deus exige que sejamos como Ele, perdoando de coração e esquecendo os danos que sofremos, conforme se exige em  Mt 18.27.
Deus perdoa completamente todos os nossos pecados. E um crente verdadeiramente manso também perdoa todos os danos dos seus ofensores, em face do arrependimento deles.
Deus perdoa freqüentemente porque nós pecamos freqüentemente. Como Ele perdoa setenta vezes sete nos ordena também que façamos o mesmo.
É nosso dever estar sempre prontos para perdoar conforme se ordena em Col 3.13; ainda que tenhamos que suportar aqueles que parecem mais monstros do que homens, porque não deixam de nos fazer o mal a par de todo o bem que possamos lhes fazer.
Mas nós cessaríamos de fazer o bem porque outros não cessaram de serem maus?
Lembremos que quanto mais danos perdoarmos mais brilhará a nossa graça.
Se faltar a algum crente esta virtude do perdão então lhe faltarão também as demais graças. Porque onde há uma graça, há todas as demais.
Se a mansidão estiver faltando, o que haverá é apenas uma falsa corrente de graça. A fé será uma fábula, o arrependimento uma mentira, e a humildade, uma hipocrisia.
E considerando que você diz que não pode perdoar, pense em seu pecado. Seu próximo não é tão ruim lhe ofendendo quanto você é por não lhe perdoar.
Seu próximo, lhe ofendendo, transgride contra um homem, mas você, enquanto se recusa a lhe perdoar, peca contra Deus.
Também considere o perigo que você está correndo negando-se a perdoar, porque Deus tem disposto o dever de perdoar de tal maneira que as suas ofensas não serão perdoadas por Ele, se você não perdoar as ofensas do seu próximo conforme vemos em   Mc 11.26.
O terceiro aspecto relacionado à mansidão é recompensar o mal com o bem; e este é um grau mais elevado do que o anterior.
Jesus diz em Mt 5.43,44: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;”.
E o apóstolo Paulo acrescenta em Rom 12.20,21:
“Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.”.
E também o apóstolo Pedro nos diz em I Pe 3.9:
“Não tornando mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo; sabendo que para isto fostes chamados, para que por herança alcanceis a bênção.”.
A mansidão nos mostra a marca de um verdadeiro santo. Ele é de um espírito submisso, sincero. Ele não é provocado facilmente.
Quando o crente se dispõe a vencer o mal com a mansidão, Deus honra a sua obediência à sua Palavra, fazendo com que triunfe a causa do bem.
Deixe-me pedir a todos os vocês que se esforcem  para buscarem esta graça superior da mansidão; conforme se ordena no texto de Sofonias 2.3:
“Buscai ao Senhor, vós todos os mansos da terra, que tendes posto por obra o seu juízo; buscai a justiça, buscai a mansidão; pode ser que sejais escondidos no dia da ira do Senhor.”.
Buscar insinua que nós podemos perder esta graça da mansidão, não a alcançando. Então, nós temos que fazer uma exibição pública depois de achá-la. E isto faremos mostrando que  somos de fato mansos tanto para aprender de Deus, quanto para suportar danos e perdoar ofensas sofridas.
A mansidão é necessária em tudo o que fizermos, especialmente quando estivermos instruindo outros no caminho da verdade conforme se ordena em II Tim 2.25.
A mansidão conquista os oponentes da verdade.
A mansidão é necessária quando ouvimos a Palavra, como se afirma em Tg 1.21.
Aquele que ouve o sermão ou o ensino da verdade com preconceito e sem mansidão, não adquire nenhum bem, mas feridas. Ele transformará o azeite da graça de Deus em veneno e se ferirá com a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, em vez de vencer o Inimigo com ela.
Paulo diz em Gál 6.1: “se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado.”.
No original grego, o verbo para corrigir neste texto de Gálatas 6.1 é katartizo, que significa emendar, tal como um cirurgião faz a união de um osso fraturado com o cuidado de não causar outras lesões ao ferido.
Somos indesculpáveis se não buscarmos a graça da mansidão porque temos este exemplo fixado na Bíblia, na vida dos servos de Deus e na do próprio Cristo.
“Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre uma jumenta.”(Mt 23.5).
Jesus foi  insultado, mas não insultou os seus agressores como se lê em I Pe 2.23.
Jesus nos ordena em Mt 11.29  a aprendermos do Seu próprio exemplo de mansidão.
Moisés era o homem mais manso da terra, conforme se afirma em Nm 12.3. Quando os israelitas murmuravam contra ele em vez de se irar, ele intercedia em favor deles (Êx 15.24, 25).
A mansidão é um grande ornamento de um crente como afirmado em I Pe 3.4. E quão agradável se torna aos olhos de Deus o crente que usa esta jóia preciosa.
Deus poderia facilmente esmagar os pecadores e enviá-los logo ao inferno mas Ele modera a Sua ira porque embora esteja cheio de majestade, contudo está cheio de mansidão.
A mansidão forja um espírito nobre e excelente. Um homem manso é um homem valoroso. Ele adquire uma vitória sobre si mesmo. A paixão surge de fraqueza, mas o homem manso pode conquistar a sua fúria.
Aquele que é tardio para se irar, ou seja,  que é longânimo, é melhor do que o poderoso, e do que aquele que conquista uma cidade, como lemos em Pv 16.32.
Ser manso é nadar contra a natureza, é contrariá-la, e portanto é algo difícil de ser conquistado, e por isso este esforço merece se recompensado, e daí se dizer que os mansos herdarão a terra.
A paixão pode fazer um inimigo de um amigo, mas a mansidão, ao contrário, pode fazer um amigo de um inimigo.
Quando é dito que os mansos herdarão a terra, não significa que eles não herdarão mais do que a terra. Eles herdarão o céu também.

Nós procederemos agora ao comentário da quarta bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.6:

 “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.”

Nós chegamos agora ao quarto passo da bem-aventurança.
A fome e a sede espiritual são abençoadas porque é prometido que serão saciadas por Deus.
Toda fome e sede relativas à justiça do reino de Deus serão saciadas.
A fome e a sede natural são desejos por alimento e água necessários para crescimento ou para a manutenção da vida. O pão e a água naturais provêm o sustento do corpo natural; e o pão e a água espirituais provêm o sustento do corpo espiritual.
E qual é o significado da justiça referida por Jesus?
Esta justiça é evangélica, a saber, que alcançamos por causa da nossa fé no evangelho. Ela é uma justiça dupla: uma que nos atribuída e outra que é implantada em nós.
A justiça evangélica que nos é atribuída por Deus no dia da nossa conversão, quando cremos pela primeira vez em Cristo, recebendo-O em nossos corações,  é a relativa à nossa justificação. Esta justiça que nos é atribuída é a justiça do próprio Cristo.
 Ela nos é atribuída pela nossa fé nEle. Em virtude desta justiça, quanto à condenação eterna, Deus olha para o crente que foi justificado por tal justiça de Jesus, como se ele nunca tivesse pecado. Esta é uma justiça perfeita. É por causa desta justiça com a qual fomos justificados na conversão, que se diz em Col 2.10 que os crentes se encontram perfeitos em Cristo diante de Deus: “E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade;”.
É por causa desta justiça que lhe foi atribuída na conversão,  que o crente terá fome daquela outra justiça que é implantada.
Uma justiça implantada se refere à retidão inerente à pessoa do crente, ou seja, às graças do Espírito; à santidade do coração.
Esta fome por esta justiça que é implantada comprova a existência da verdadeira vida espiritual.
Daí Cristo afirmar que estes que têm fome e sede de justiça serão saciados, porque foram vivificados pelo Espírito Santo na conversão, e agora podem ter esta fome e sede, porque enquanto estavam mortos em delitos e pecados, sem a vida do Espírito Santo habitando neles, não poderiam ter tal fome e sede.
O crente pode, no entanto, perder o seu apetite por esta justiça evangélica que deve alimentar o seu espírito, caso venha a entristecer e a apagar o Espírito Santo, porque, neste caso, apesar de ter sido vivificado por Cristo, estará como morto perante Deus, porque as graças do Espírito estão prontas a morrer naqueles que se afastam da comunhão com Jesus.
Um homem morto não pode ter fome. A fome procede da vida. A fome espiritual se seguirá ao novo nascimento (I Pe 2.2). Assim, sem esta fome espiritual não pode haver crescimento espiritual, porque somente os que têm fome se disporão a se alimentar do verdadeiro alimento espiritual.
Tudo o que Deus requer de Seus filhos, para participarem do Seu banquete espiritual é que eles tragam apenas o seu apetite, porque Ele tem estabelecido um preço que é acessível a todos para obtenção das coisas divinas, como se lê em Is 55.1,2:
“1 Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. 2 Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura.”.
Assim não nos é ordenado que compremos a justiça com dinheiro.
Se alguém convidar amigos à sua mesa, ele não espera que eles deveriam trazer dinheiro para pagar pelo jantar deles, mas que venham somente com apetite. Assim, o Senhor diz que não é penitência, peregrinação, farisaísmo que Ele requer. Traga somente seu estômago se você tem fome e sede de justiça.
O pecado tem um gosto doce para os ímpios porque eles não têm nenhuma fome espiritual de justiça. Eles estão cheios da sua própria justiça como se vê em Rm 10.3. E um estômago cheio recusa o favo de mel. Esta é a doença de Laodicéia. Ela estava cheia e não tinha nenhum estômago para valorizar o colírio e o ouro de Cristo, conforme se lê em Apo 3.17.
Não há ninguém que esteja tão vazio da graça como aquele que julga estar cheio.
A Palavra reprova aqueles que em vez de terem fome e sede de justiça, têm fome e sede de riquezas. Esta é a fome e a sede dos homens cobiçosos. A avareza é idolatria como se afirma em Col 3.5. Muitos crentes erigiram o ídolo de ouro no templo dos seus corações. O pecado mais difícil de se desarraigar é o da cobiça. Geralmente quando outros pecados deixarem os homens, este permanece.
E a cobiça, o amor ao dinheiro, é a raiz na qual nascem todos os males. E a cobiça não produzirá fome e sede de justiça, senão fome e sede de  toda sorte de injustiças.
Deste modo, o problema não está em ser a fome e sede fracas, mas haver a ausência total delas. Uma fome e sede fracas são como um pulso que bate fraco, mas mostra que há vida. E estes desejos fracos não devem ser desencorajados porque há uma promessa feita a eles de que a cana quebrada não será esmagada pelo Senhor como Ele afirma em Mt 12.20.
Uma cana é algo fraco em si mesma, e quanto mais se a cana estiver quebrada, entretanto não será esmagada e florescerá como a vara seca de Arão. Olhando em sua fraqueza para Cristo, Seu Sumo-Sacerdote será ajudado por Ele porque é paciente, poderoso e misericordioso.
Se você não tem aquele apetite como antigamente pelas coisas divinas, contudo não seja desencorajado, porque com o uso adequado dos meios da graça você pode recuperar seu apetite.
Chamamos de meios de graça a oração, o louvor, o jejum, a adoração, a meditação e prática da Palavra de Deus, a comunhão dos crentes, e o compromisso com a obra do evangelho.
As riquezas não duram para sempre, mas a justiça dura para sempre e é por isso que os homens são exortados a trabalharem por este alimento que não perece, e não para ajuntar riquezas terrenas.
A menos que nós tenhamos fome desta justiça evangélica nós não podemos obtê-la, porque Deus nunca jogará fora as Suas bênçãos naqueles que não as desejam.
Assim como os exercícios físicos estimulam o apetite natural, de igual modo o exercício na piedade estimula o apetite espiritual, conforme se afirma em I Tim 4.7.
Aos que têm fome e sede de justiça Deus promete dar-lhes plenitude de fartura e daí se dizer que os tais são bem-aventurados porque serão aperfeiçoados na justiça que eles desejam como algo vital para a sua subsistência espiritual.
Deus saciará o espírito faminto porque Ele mesmo incitou esta fome. Ele plantou desejos santos em nós, e Ele não satisfaria esses desejos?
Deus satisfará o faminto porque o espírito faminto é muito grato pela misericórdia. Deus ama dar a misericórdia dele onde ele pode ter um maior louvor.
Nós nos encantamos em dar àqueles que são gratos.
Deus enche o espírito faminto com plenitude de graça, paz e alegria.
Assim é de fato uma grande bem-aventurança ter fome e sede de justiça.
Considere por que Cristo recebeu o Espírito sem medida (João 3.34). Não foi para Si mesmo. Ele estava infinitamente cheio antes. Mas ele estava cheio com a unção santa para este fim, a saber, para  que ele pudesse derramar a Sua maravilhosa graça no espírito faminto.
 Você é ignorante? Cristo estava cheio com sabedoria para poder lhe ensinar.
Você está sujo? Cristo estava cheio com graça para poder limpá-lo.
A alma não virá então a Cristo que tem toda a plenitude para saciar o faminto?
Peçamos portanto a Deus que jamais nos falte o apetite espiritual pelo qual Ele nos dará crescimento e força, para podermos fazer a Sua vontade.



Nós procederemos agora ao comentário da quinta bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.7:

 “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.”

Haveria necessidade de pregar sobre  misericórdia mais do que nestes tempos desapiedados em que nós vivemos?
Mas como muitos não sabem exatamente o que é misericórdia, falaremos primeiro sobre os vários tipos de misericórdia.
A misericórdia é uma disposição por meio da qual nós carregamos no coração as misérias de outros e estamos prontos em todas as ocasiões a sermos instrumentos para o bem deles.
Muitos confundem misericórdia com amor, mas há algumas diferenças marcantes entre ambos.
Em algumas coisas o amor e a misericórdia são iguais, mas em outras eles diferem, como as águas de um rio que podem ter duas nascentes, mas se encontram no fluxo.
O amor e misericórdia diferem nisto: o amor é mais extenso. O amor é um amigo constante que nos visita até mesmo quando estamos bem.
Já a misericórdia é como um médico que só nos visita quando estamos doentes.
O amor age mais por afeto.
Mas a misericórdia age mais por um princípio de consciência.
A misericórdia empresta sua ajuda a outros, mas O amor dá seu coração a outros.
Deste modo, eles diferem, mas o amor e a misericórdia concordam em que ambos estão sempre prontos a prestarem bons serviços.
A misericórdia procede de um trabalho da graça no coração.
Por natureza, nós estamos bem longe da misericórdia.
O pecador é por natureza uma oliveira brava e não uma oliveira que dá bom azeite.
O caráter e vocação do homem natural é ser desapiedado como se lê em Rm 1.31; e a misericórdia que ele possui é um instinto natural e não a misericórdia santificada que é um fruto do Espírito Santo.
Por natureza nós não produzimos azeite, mas veneno; não o óleo da misericórdia, mas o veneno do pecado.
Além desta falta da misericórdia divina que não pode ser achada na nossa natureza terrena, há algo que é também implantado por Satanás, porque o príncipe das trevas trabalha no coração dos homens como se vê em Ef 2.2.
E se ele domina os homens não é de se estranhar que eles sejam inclinados a serem implacáveis e sem misericórdia.
Afinal, que misericórdia pode ser esperada do inferno?
De forma que, se o coração é afinado com a misericórdia, é por causa da mudança que a graça produziu nele, conforme se vê em Col 3.12.
Assim, antes de um homem ser misericordioso, é necessário que seja uma nova criatura; e a misericórdia é algo para ser aprendido com Deus, que nos ensinará isto de modo prático, na experiência da vida.
Nós devemos ser misericordiosos às almas de outros, especialmente aquelas que não foram salvas.
Realmente este é o principal tipo de misericórdia, porque o espírito é a coisa mais preciosa que existe.
Mais do que nós sentimos pela morte física de alguém, nós deveríamos sentir pela sua morte espiritual, porque este é o estado permanente de toda pessoa que não conhece a Cristo, e também devemos sentir pela sua morte eterna, que se seguirá à sua morte física.
Assim uma alma misericordiosa reprovará os pecadores impenitentes na expectativa de que eles se convertam de seus pecados.
Nós estaremos sendo misericordiosos quando lutarmos com eles pela salvação de seus espíritos e não permitirmos que eles desçam quietamente para o inferno.
Se a casa de uma pessoa estivesse pegando fogo nós deixaríamos de lhe dar o devido aviso para não assustá-la quanto ao prejuízo que estava sofrendo?
E nós ficaremos calados vendo alguém dormir o sono da morte e vendo o fogo da ira de Deus pronto para queimá-lo?
Veja então como é um trabalho abençoado o trabalho do ministério! A pregação da Palavra nada mais é do que mostrar misericórdia às almas.
Ministros que toleram o pecado por temor de não ofenderem as pessoas são maus ministros.
É um erro pensar que ser agradável a todos, ainda que estejam perdidos em pecados é uma forma de mostrar estima e amizade por eles.
Na verdade, ainda que muitas pessoas se sintam ofendidas e ressentidas com os pastores, quando eles pregam de maneira veemente contra o pecado, não importa, porque aquele que faz isto está sendo verdadeiramente misericordioso para com elas, uma vez que é disto que depende o destino eterno feliz delas, caso venham a se arrepender dos seus pecados.
Olhe como Jesus e João Batista pregavam em seus ministérios. Eles diziam “arrependei-vos e crede no evangelho” fazendo duras repreensões contra aqueles que viviam no pecado.
Quando Jesus e João diziam aos fariseus que eles eram uma raça de víboras, que seriam cortados pela raiz pelo machado do juízo de Deus, eles estavam demonstrando verdadeiro amor e verdadeira misericórdia para com eles, porque estavam dando a eles o aviso solene do que lhes sucederia caso não se arrependessem dos seus pecados.
Então fiel, misericordioso, e verdadeiramente amigo é o pastor que repreende aqueles que estão vivendo na prática deliberada do pecado. Ainda que aqueles que estão na carne façam um juízo errado pensando que isto é falta de misericórdia.
Então estes pastores que não pregam contra o pecado são maus pastores.    
São ministros que não têm uma misericórdia verdadeira pelas almas perdidas.
O cuidado deles é maior por dízimos do que por almas.
Por realizações materiais do que por almas.
Os tais são mercenários e não ministros de Cristo, e caso tenham tido uma chamada para o ministério, acabaram se desviando dela.
Como podem ser chamados de pastores aqueles que não possuem intestinos de misericórdia?
Tais homens não alimentam os espíritos das pessoas com verdades sólidas.
Quando Cristo enviou os seus apóstolos, ele lhes deu o texto que eles deveriam pregar e ensinar.
Os ministros de Cristo devem pregar as coisas que pertencem ao reino de Deus.
Eles são desapiedados  se em vez de repartir o pão da vida, encherem as cabeças das pessoas com especulações e noções vazias, que fazem apenas cócegas na consciência.
Há ministros que pregam como se eles estivessem falando uma língua desconhecida.
Alguns ministros gostam de planar nas alturas como a águia e voam acima da capacidade das pessoas, e se esforçam bastante para serem mais admirados do que compreendidos.
É falta de misericórdia para com as almas pregar para não ser entendido.
Ministros deveriam ser estrelas para dar luz, não nuvens para esconder a verdade.
É crueldade para com as almas quando nós andarmos para tornar as coisas fáceis em coisas difíceis.
E muitos são culpados de subirem ao púlpito somente para exibirem a própria glória deles e divertirem as pessoas.
Isto cheira mais a orgulho do que a misericórdia.
Nós devemos também ser misericordiosos com os nomes de outros.
Um bom nome é uma das maiores bênçãos na terra.
Assim, é grande falta de misericórdia, uma grande crueldade, infamar o renome dos homens, conforme se vê em Rom 3.13.
O homem orgulhoso e invejoso atacará a reputação de outros.
E pensando em apagar os nomes que ataca, julga que o seu poderá brilhar mais do que os deles.
O invejoso difama a dignidade dos outros, mas a Bíblia nos ensina a nos alegramos com a estima e fama de outros como se vê em Rm 1.8 e Hb 11.2.
A calúnia é portanto uma grande demonstração de falta de misericórdia.
E a defesa do bom nome dos que são caluniados é uma grande demonstração de misericórdia.
Lembremos que Deus requererá em juízo cada palavra ociosa que foi proferida pelos homens, especialmente aquelas que foram usadas para infamar outros.
Em vez de infamarmos as pessoas, nós devemos ser misericordiosos em relação às ofensas que eles nos fazem.
Estejamos prontos para mostrar misericórdia àqueles que nos prejudicaram.
Nós lemos em Pv 19.11 que “A discrição do homem fá-lo tardio em irar-se; e sua glória está em esquecer ofensas.”.
Nós devemos ser misericordiosos às necessidades de outros. Considere os pobres; veja as lágrimas deles, e os seus suspiros e gemidos.
Deus demonstra a Sua misericórdia e cuidado com os pobres nos muitos mandamentos da Lei de Moisés que prescreveu para o benefício deles como se pode ver por exemplo em textos como Ex 23.11; Lev 19.9; 25.35 e Dt 14.28,29.
Na verdade Deus agrava o Seu juízo nos ricos mais do que nos pobres, porque se aos primeiros deu confortos e facilidades neste mundo, no entanto pesou muito sobre eles a responsabilidade de assistirem aos necessitados com suas riquezas, e na medida que não o fazem agravando a pobreza no mundo, sofrerão um maior juízo de condenação.
No entanto, o pobre não foi cumulado com este peso de responsabilidade da parte de Deus, e nisto tem uma grande vantagem em relação aos ricos, e assim não houve nenhuma injustiça da parte de Deus em ter disposto a criação de tal sorte que houvesse pobres e ricos no mundo.
Então a riqueza deve ser usada para a exibição de generosidade para com o próximo, conforme é da vontade de Deus.
Por isso Deus requer as boas obras depois que somos justificados, mesmo que sejamos pobres, porque se somos pobres de bens materiais, nada nos impede de sermos ricos da graça de Jesus para usá-la em benefício de outros.
Assim, apesar de sermos justificados somente pela fé, devemos lembrar que a fé justificadora nunca está só, porque deve ser acompanhada pelas boas obras.
Embora as boas obras não sejam a causa da salvação, contudo elas são evidências da salvação.
Embora elas não sejam o fundamento da nossa casa espiritual, contudo elas são a sua estrutura.
Deste modo, não deve ser edificada uma fé em obras, mas devem ser edificadas obras em fé.
As boas obras são a pedra de toque da fé como se vê em Tg 2.18.
Estes frutos das boas obras adornam a árvore da justiça. Assim deixe a liberalidade da sua mão ser o ornamento da sua fé.
Pelo menos em dois aspectos as boas obras são em algum senso, mais excelentes do que a fé.
Porque  as boas obras são de uma natureza diferente e mais nobre.
Embora a fé seja mais necessária para nós mesmos, contudo as boas obras são mais benéficas a outros.
A fé é uma graça que nós recebemos, mas as boas obras são para o bem de outros, e é uma coisa mais abençoada dar do que receber.
A fé é uma graça mais oculta. As boas obras são mais visíveis.
A fé pode  permanecer escondida no coração e pode não aparecer, mas quando são unidas as boas obras com a fé, a fé brilhará diante dos homens, por causa das nossas boas obras e trará glória ao Senhor.
Lembremos sempre que fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras como se afirma em Ef 2.10.
Foi para este fim que fomos tornados filhos de Deus, em Cristo Jesus.
E é nosso dever vivermos para atender ao propósito para o qual fomos criados.
Através da misericórdia nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de misericórdia. DEle é dito em Miquéias 7.18 que se deleita na misericórdia.
Ele requer que o mal seja vencido com o bem.
E exige que pratiquemos o bem como vemos em Hb 13.16: “Mas não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com outros, porque com tais sacrifícios Deus se agrada.”
Antes de fechar este assunto eu devo dizer que tudo o que fizermos deve ser de modo livre e voluntário e devemos fazê-lo em Cristo e para Cristo, porque estão perdidas, as melhores obras que não são originadas da fé.
Todo fruto aceitável a Deus deve ser produzido na Videira Verdadeira.
As obras de misericórdia devem ser feitas em humildade e sem ostentação.
E se a nossa ação em atender à necessidade do pobre for feita de tal forma que venha a humilhá-lo, isto será em si mesmo um mal maior do que a própria necessidade dele.
Sejamos então criteriosos no exercício da misericórdia.

Nós procederemos ao comentário da sexta bem-aventurança citada por Jesus  em Mateus 5.8:

“Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus.”

Deus é tão puro de olhos que não pode ver o mal, e não pode contemplar a perversidade, como se afirma em Hc 1.13.
Isto significa que os olhos de Deus são perfeita e puramente bons e não páram para se deleitarem na observação da maldade.
Os olhos de Deus não se detêm na contemplação do mal, antes têm repugnância a toda forma de maldade.
Isto sucede com Deus porque a  pureza é uma coisa sagrada perfeitamente refinada e que se levanta em oposição a tudo o que é sujo.
Nós devemos distinguir os vários tipos de pureza. Primeiro, há uma pureza primitiva que está originalmente e essencialmente em Deus.
A santidade é a glória da divindade. Deus é o padrão e protótipo de toda a santidade.
Segundo, há uma pureza criada.
Assim, a santidade está nos anjos eleitos e esteve no começo da criação em Adão, antes dele cair no pecado.
O coração de Adão não tinha a menor mancha ou impureza.
Nós chamamos isto de ouro puro que não tem qualquer escória misturada nele.
Tal era a santidade de Adão.
Mas tal pureza absoluta como estava em Adão antes da sua queda no pecado, não será mais achada na terra.
Nós temos que buscar tal pureza no céu para poder encontrá-la, e se a encontrarmos, ela será aqui na terra, uma pureza evangélica.
Nesta pureza evangélica a graça se encontra misturada com algum pecado, como a escória no ouro.
Deus chama esta mistura de pureza, em sentido evangélico.
Onde houver uma presença de pureza com uma repugnância por nós mesmos por causa da nossa impureza, então podemos dizer que somos puros de  coração.
Esta pureza evangélica é a pureza que é citada nesta bem-aventurança de que os puros de coração são aqueles que verão a Deus.
Porque é somente por meio da fé no sangue de Jesus, e pela obra de regeneração e santificação do Espírito Santo, mediante a Palavra de Deus, que nós somos de fato purificados dos nossos pecados e achados dignos de estarmos em comunhão com Deus.
Por isso, desde o princípio é ensinado por Deus ao Seu povo que não é por nenhuma pureza pessoal própria, segundo o modo de pensar do homem e do mundo, que alguém pode estar de fato purificado aos Seus santos olhos divinos.
Toda a pureza que tivermos será operada em nós pelo Espírito Santo, com base no sangue purificador de Cristo, conforme se vê tipificado desde os dias mais remotos, mesmo de Adão, nos sacrifícios de animais exigidos por Deus para que os pecadores pudessem se aproximar dEle.
E esta aproximação é feita pela fé. É pela fé no valor do sangue, na expiação de Jesus, e fé na Palavra de Deus, que somos de fato purificados.
Assim, a simples educação não é nenhuma pureza.
Um homem pode estar cheio de virtudes morais, de prudência, e temperança e contudo, ir para o inferno.
A simples profissão de fé não é também nenhuma pureza.
Um homem pode ter um nome de que vive, ou seja, ser considerado um crente, e ainda estar morto, como se vê em Ap 3.1.
Ele pode ter como o joio, toda a aparência com o trigo, e no entanto, o diabo ainda reside na casa.
Pureza de coração não exclui pureza de vida.
Mas é chamado pureza de coração, porque esta é a coisa principal da santidade, pois não pode haver nenhuma pureza de vida sem isto.
O grande cuidado de um crente deveria ser portanto o de manter o seu coração puro.
Deve sobretudo ter atenção para que o amor ao pecado não entre no seu coração, porque é o pecado quem mata a pureza de coração.
E uma das melhores formas de se prevenir do pecado é praticar a Palavra de Deus, guardando-a no coração.
Porque se a Palavra habitar no coração, este não perderá a sua pureza, por ser penetrado pelo pecado.
 Daí dizer o salmista, no Salmo 119.11:
“Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti.”.
A pureza é uma coisa ordenada pelo próprio Deus na Bíblia, como se vê em I Pe 1.16: “Ser-me-eis santos porque eu sou santo.”.
Afinal, o que um Deus Santo pode fazer com servos profanos?
Nada. Porque o pecado é uma enfermidade terrível, uma sujeira, uma imundície, uma pestilência dolorosa, é um vômito.
O corpo de Cristo seria monstruoso se somente a cabeça fosse pura e não os membros também.
Importa pois, na condição de membros do corpo de Cristo que sejamos achados em pureza de coração e vida, tal como o nosso Senhor, como se afirma em I Jo 3.2,3:
“2 Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é, o veremos.
3 E todo o que nele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro.”.
A pureza deve ser principalmente do coração porque se o coração não é puro, nossa pureza não será diferente em nada de uma pureza farisaica.
A santidade do fariseu consistia principalmente em exterioridades. A pureza deles era apenas externa. Eles nunca deram atenção ao interior do coração.
O coração deve ser especialmente puro, porque é o coração que santifica tudo o que nós fazemos.
Se o coração for santo, tudo será, porque o  coração é o altar que santifica a oferta.
Se nós devemos ser então puros de coração, nós não devemos nos contentar apenas com o nosso exterior.
Educação não é suficiente, porque um porco pode ser lavado, contudo é ainda um porco.
A educação nada faz além de ensinar boas maneiras a um homem, mas a graça o transforma no seu interior.
A santidade de coração, a sua purificação está tipificada na Lei porque se exigia de Arão que ele lavasse as entranhas dos animais que eram oferecidos em sacrifício no Velho Testamento, como se vê em Lev 9.14.
Esta pureza de coração não é sentimental mas real, operada pelo lavar do Espírito Santo mediante aplicação da Palavra de Deus.
Satanás pode segurar um homem através de um só pecado específico.
Almas impuras brincam com o pecado. Eles sentem prazer pela injustiça, e por isso Deus permite que sejam aprisionados pelo erro, como se afirma em II Tes 2.12.
Este prazer pela injustiça mostra que a vontade está presa ao pecado.
As Escrituras trovejam contra o pecado mas estes pecadores não temem este trovão. Ministros que são como Boanerges, vestidos do espírito de Elias, ainda que denunciem todas as maldições de Deus contra os pecados dos homens, contudo ainda assim eles não lhes dão a devida consideração.
 O pecado os engana e os justifica, dizendo que Deus não pode afinal exigir uma tal pureza de coração a pecadores. No entanto é o que Ele requer de fato e o revelou de capa a capa na Bíblia.
E esta resistência a crer no padrão de santidade e pureza que são exigidos por Deus em Sua Palavra é chamado pela Bíblia de coração mau de incredulidade, conforme se afirma em Hb 3.12.
E este tipo de incredulidade é um tipo terrível porque chama Deus de mentiroso quando Ele afirma que devemos ser santos porque Ele é santo.
Aqueles que não crêem nos mandamentos de Deus e que não se dispõem a honrá-los e praticá-los, nunca O amarão verdadeiramente, porque somente os que têm os mandamentos de Cristo e que os guardam são verdadeiramente aqueles que O estão amando.
Não admira portanto que haja mesmo entre os filhos de Deus não poucos que não Lhe estejam amando de fato.
A incredulidade endurece o coração e o torna hipócrita. E a falta de pureza do coração produzida pela incredulidade o expõe a se tornar um apóstata. Esta é a razão porque muitos que pareciam uma vez zelosos se encontram agora menosprezando os santos e justos caminhos do Senhor.
Há uma antipatia entre um coração carnal e a santidade.
E todo aquele que deprecia a pureza tem um coração impuro.
Os carnais zombam daqueles que se esforçam para serem espirituais.
Mas não é ordenado por Jesus em Mateus 5.48 que sejamos perfeitos como Deus é perfeito?
Muitos tentam obter esta pureza de coração independentemente de serem batizados e andarem no Espírito Santo. No entanto, é absolutamente impossível vencer o pecado sem ser santificado pelo Espírito Santo, porque é Ele quem retira de nós não somente as impurezas como o nosso apego às coisas do mundo.
Daí que se a pessoa não se consagrar inteiramente a Deus, ela nunca poderá experimentar esta pureza de coração que faz parte da santificação.
Deus ama um coração quebrado, mas não um coração dividido.
Porque somente um coração sincero seguirá a Deus completamente.
Um homem de coração sincero nunca agirá contra a sua consciência.
Um coração puro é um coração que se conduz pela verdade e sabe que é possível haver iluminação sem santificação, como bem o exemplificam Saul e Judas.
Um homem pode reprimir e abandonar certos pecados, contudo não ter um coração puro, porque o coração puro detesta todos os pecados.
Um homem pode reprimir o pecado pelo temor da penalidade, mas o de coração puro reprimirá o pecado por amor a Deus.
Aqueles que protestam amar a Deus mas que têm ainda suas mentes aprisionadas ao prazer das impurezas que Deus condena, não têm ainda um coração puro.
Quando alguém chega a dizer com o salmista que odeia toda vereda de falsidade, isto é realmente excelente, porque agora o amor ao pecado foi de fato crucificado, e isto é indicativo de que se alcançou um coração puro.
O salmista diz no Sl 119.104:  “Pelos teus preceitos alcanço entendimento, pelo que aborreço toda vereda de falsidade.”
Um coração puro evita a aparência do mal como se vê em I Tes 5.22.
Um coração puro evita aquilo que pode ser interpretado como mal.
Um coração puro executa deveres santos de uma maneira santa.
Um coração puro terá uma vida pura, como se ordena em II Cor 7.1:
“Ora, amados, visto que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus.”.
Onde há uma consciência boa haverá uma conversação boa.
Alguns bendizem a Deus e eles têm bons corações, mas as vidas deles são más.
Há uma geração que é pura aos seus próprios olhos e ainda não foi lavada da sua imundícia, como se afirma em Pv 30.12.
Um coração puro está tão apaixonado por pureza que nada pode desviá-lo  disto.
Deixe outros reprovarem a pureza, ele continuará amando a pureza.
Ele sabe que se os cegos ridicularizarem um diamante, nem por isto o diamante terá menos valor pelo fato de estar sendo desprezado pelos que são cegos.
Portanto, o puro de coração amará a santidade ainda que os cegos espirituais a desprezem.
Lembremos que é a pureza de coração que nos torna parecidos com Deus.
A infelicidade de Adão consistiu em que ele aspirou ser como Deus em onisciência; mas nós devemos nos esforçar para sermos como Deus em santidade.
Sermos à imagem de Deus consiste em termos santidade.
E para aqueles que não têm esta imagem em santidade, Jesus dirá que não os conhece.
O Salmo 73.1 afirma que Deus é bom para com os puros de coração.
Isto significa que Ele terá prazer em manifestar a Sua bondade aos tais, como recompensa do esforço deles para agradá-lo buscando viverem em sincera santidade.
Tudo cooperará para o bem destes que amam verdadeiramente a Deus; porque são de coração puro, e buscam guardar os Seus mandamentos.
Por isso o puro de coração verá a Deus.
Mas como nós atingiremos a pureza de coração?
Isto é obtido pelo exercício das graças espirituais, mas especialmente pela prática da Palavra de Deus.
Por se meditar freqüentemente na Palavra de Deus.
Jesus disse aos seus discípulos em Jo 15.3: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado.”.
E rogou ao Pai que os santificasse na verdade, como vemos em João 17.17: “Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.”.
A pureza de coração é obtida também por se orar para se ter tal pureza.
Vejamos agora de que maneira os puros de coração verão a Deus.
O puro de coração verá o puro Deus, e há uma visão dupla que os santos têm de Deus.
Primeiro, nesta vida; quer dizer, espiritualmente pelo olho da fé. A fé vê os atributos gloriosos de Deus na Sua Palavra. A fé vê Deus através das Suas ordenações. Assim Moisés viu aquele que é invisível como se afirma em Hb 11.27.
Em segundo lugar os santos verão a Deus, na vida por vir.
Nós veremos Deus como Ele é, conforme prometido em I Jo 3.2, na plenitude da Sua glória, porque teremos corpos glorificados, não de carne e sangue, mas corpos celestiais apropriados para terem tal visão de Deus, que é espírito.
Será portanto uma visão perfeita.
Nós veremos o rei na Sua formosura como se diz em Is 33.17.
Ali entenderemos o por que é devida total pureza e santidade a um Deus tão puro e glorioso.
Não se trata portanto, apenas de uma promessa de que os puros de coração verão a Deus, mas nesta promessa estão embutidas todas as conseqüências sagradas e espirituais que acompanharão este privilégio de poder ver a Deus, como recompensa de ter se empenhado na purificação do coração contra todos os tipos de pecados.
Aqueles que honraram a Deus deste modo neste mundo, serão honrados e recompensados por Ele na glória.
Porque se diz que bem-aventurados são estes que são puros de coração, porque verão a Deus.
Como pode então uma pessoa estar confiante e segura de que verá a Deus se não tem tido tal pureza de coração aqui neste mundo?
Jesus não disse que bem-aventurados são os que forem purificados dos seus corações no céu para poderem ver a Deus; mas que bem-aventurados são os que são puros de coração neste mudo, porque estes, e somente estes podem ter a certeza de que verão a Deus no céu.



Nós vamos proceder ao comentário da sétima bem-aventurança citada por Jesus  em Mateus 5.9, de que bem-aventurados são os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.

Este é o sétimo degrau da escada de ouro que conduz à bem-aventurança.
O trabalho da paz é um trabalho abençoado, e por isso se diz que são bem-aventurados os pacificadores.
A Bíblia une a pureza de coração à paz de espírito:
“Mas a sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois pacífica...” como se lê em Tg 3.17.
E em Hb 12.14 nós lemos: “Segui a paz com todos, e a santificação...”.
E aqui Jesus une puros de coração com pacificadores, como se não pudesse haver nenhuma pureza onde não há uma sincera busca de paz. Os que amam a paz do Senhor e que se empenham por serem achados em paz nEle são praticantes da verdadeira religião, porque é suspeita a religião que está cheia de facção e discórdia.
Não se pode dizer que são bem-aventurados aqueles que estão divididos em seus corações por disputas, invejas, iras, discórdias. Mas bem-aventurados são todos aqueles que são promotores da paz, primeiro em si mesmos, vencendo a fúria pecaminosa de seus corações, e depois no trato com os seus semelhantes.
Assim, antes que um homem possa ser um promotor da paz, ele deve ser um amante da paz.
A paz de espírito é a beleza visível de um santo, que expressa a pureza escondida no interior do seu coração.
O ornamento de um espírito pacifico e quieto é uma jóia de grande valor à vista de Deus, como se lê em I Pe 3.4.
Os crentes são ovelhas de Cristo, e a ovelha é uma criatura pacífica.
Embora os crentes devam ser leões em relação à coragem para enfrentar o pecado, contudo eles devem ser cordeiros em relação à paz.
Deus não estava no terremoto e nem no fogo, mas no cicio suave, quando falou com Elias na caverna.
Assim Deus não está no espírito do iracundo, mas no espírito do pacífico.
Nós temos que ter paz em família, quer nos lares, quer na igreja.
Isto é chamado de laço de paz em Ef 4.3. Sem este laço o que teremos serão partes isoladas e não uma unidade.
A paz é o cinto que amarra os membros unidos numa família.
Não pode haver nenhum verdadeiro conforto sendo cultivado em nossos lares, caso a paz não seja entretida como um ocupante permanente em nossas casas.
Há uma paz paroquial, quando há uma doce harmonia, uma afinação de afetos, quando há um só sentir e querer, como diz o apóstolo Paulo em I Cor 1.10:
“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e num mesmo parecer.”.
Uma só corda arruinada na harpa desafinará a música e impedirá a unidade harmoniosa da melodia.
Um só membro ruim quer na família, quer na igreja, pode vir a prejudicar o todo.
Por isso é ordenado na Palavra: “Tende paz entre vós.”, como se lê em I Tes 5.13.
Há paz na igreja quando há unidade e verdade entre os seus membros.
Nós devemos ser pacificadores porque nós fomos chamados à paz, conforme se afirma em I Cor 7.15.
Deus nunca chamou qualquer homem à divisão. Isso é uma razão por que nós não deveríamos ser dados à discussão, porque nós não temos nenhuma chamada para isto. Mas Deus nos chamou à paz, para nos edificarmos mutuamente no corpo de Cristo.
Por isso a natureza da graça no trabalho de mudar o coração é no sentido de torná-lo pacífico.
Por natureza nós somos de uma disposição violenta.
Quando Deus amaldiçoou a terra por causa do homem, a maldição foi a de que ela deveria produzir espinhos e cardos (Gên 3.18). O coração do homem natural está debaixo desta maldição. Produz nada mais do que os espinhos e cardos da discussão e da contenda. Mas quando a graça entra no coração ela o torna pacífico. Implantando no coração uma doçura e disposição amorosa.
Assim a paz nos mostra o caráter de um verdadeiro santo. Ele é dado à paz. Ele é o guardião da paz. Ele é um filho da paz.
A paz que um crente busca não deve ter ligações de amizade com os que vivem no pecado. Embora nós devamos estar em paz com as pessoas deles, contudo nós devemos estar em guerra com os seus pecados. Nós devemos ter paz com as pessoas deles como sendo feitos à imagem de Deus, mas ter guerra com os pecados deles como sendo feitos à imagem do diabo.
Nós devemos ter uma paz civilizada com o pior dos pecadores, mas não um laço de amizade, porque isto significa comunicar-se com as obras infrutíferas das trevas, como se afirma em Ef 5.11.
O rei Josafá, embora fosse um crente devotado, foi culpado disto, em sua aliança com a casa de Acabe. Sua falta consistiu em não ter tido apenas uma paz civil com Acabe, mas ele formou laços de amizade com ele, e foi isto que despertou a ira de Deus em relação a Josafá.
Assim, nós devemos ser úteis a todos os homens, aconselhá-los, aliviá-los, mas não devemos permitir ter muita familiaridade com eles, porque nós nunca devemos comprar a paz com a perda da santidade.
Não devemos ter paz com outros sobre bases erradas. A verdade deve ser comprada e nunca vendida, como se afirma em Pv 23.23.
A paz não deve ser comprada com a venda da verdade. A verdade é a base da fé. A verdade é a maior pedra preciosa das igrejas. A verdade é um depósito, um tesouro, que contém o que Deus nos confiou.
Nós não devemos deixar nenhuma das verdades de Deus cair ao chão.
Nós não devemos buscar a flor da paz quando isto implicar a perda da pérola da verdade.
Alguns dizem que devemos estar unidos a todos, mas nós não devemos nos unir com o erro.
Que comunhão tem a luz com a escuridão? Com se diz em II Cor 6.14?.
Há muitos que têm paz com hereges que negam a Palavra, mas isto é uma paz diabólica. Amaldiçoada seja aquela paz que faz guerra contra o Príncipe da paz. Embora nós devamos ser pacíficos, contudo nós somos ordenados a defender a fé, como se ordena em Jd 3.
Nós não devemos estar tão apaixonados pela coroa dourada da paz ao ponto de arrancar dela as jóias da verdade. Se preciso for deixe que a paz se vá em vez da verdade. Os mártires prefeririam perder suas vidas a negarem a  verdade.
E é somente por este amor à verdade e sua prática que os servos de Cristo podem viver em verdadeira harmonia e paz, amando-se uns aos outros. E isto é o que Cristo espera daqueles que são seus, como se vê em Jo 13.35.
As tábuas do tabernáculo eram unidas pelos travessões de ouro que simbolizam o amor e a paz de Deus. De igual modo as suas cortinas eram unidas por laçadas que representavam os laços de amor e paz.
Assim os corações dos crentes devem estar unidos pelos laços de unidade em amor e paz.
Uma disposição pacífica é uma disposição divina.
Deus Pai é chamado  “o Deus de paz” em Hb 13.20.
Deus Filho é chamado “o Príncipe da paz” em Is 9.6. E ele saiu do mundo deixando-nos um legado de paz, como se  lê em Jo 14.27.
Deus Espírito Santo é um Espírito de paz. Ele tomou a forma de uma pomba. Ele é o Consolador.
Cristo orou em favor da paz entre as pessoas do Seu povo, como vemos em Jo 17.11, 21, 23. Ele orou para que os crentes fossem um, de modo que tivessem a mesma mente e coração.
Cristo não somente orou pela paz, mas sangrou para isto.
Ele não morreu somente para fazer paz entre Deus e os homens, mas também entre homens e homens.
Discussão e contenda impedem o crescimento da graça. Quem se disporia a semear num campo repleto de espinheiros? Os espinhos sufocam a semente da graça e impedem a sua germinação e crescimento.
Como a fé pode crescer num coração sem paz? Porque a fé opera pelo amor.
Por isso Cristo exorta os crentes a terem paz uns com os outros, como se vê em Mc 9.50.
Somente quando os corações dos crentes são uma casa espiritual adornada com a mobília da paz, então eles estão preparados para hospedarem o Príncipe da paz.
Para mantermos esta mobília abençoada da paz em ordem é preciso não dar ouvidos aos fofoqueiros (Lev 16.16), que de alguma forma sempre procurarão nos exasperar e nos derrubar com os seus relatórios.  E Satanás sempre procurará enviar suas correspondências a nós através destes seus mensageiros. O fofoqueiro é um incendiário. Ele ativa o carvão da contenção para nos indispor com os homens.
O orgulho deve ser mortificado porque é a humildade a solda que une os crentes em paz.
A inveja deve ser também mortificada porque a paz não pode habitar juntamente com este ocupante.
Nós não devemos somente abandonar estes pecados que são contrários à paz, como devemos nos esforçar para obter aquelas coisas que conduzem à paz, e dentre estas podemos destacar:
A fé, porque ela realiza aquilo que a Palavra nos ordena.
A Palavra diz em II Cor 13.11: ”vivei em paz”, e pela fé nós somos habilitados a crer e a obedecer tal ordenança.
Podemos destacar também a prática da comunhão cristã que nos ajuda a vivermos em paz uns com os outros.
Não devemos também nos concentrar nas falhas dos outros, mas nas graças deles.
Não há nenhuma perfeição aqui neste mundo. Em vez de ressaltarmos as fraquezas deles devemos voltar nossa atenção para as suas virtudes.
Devemos também orar para que Deus envie o Espírito da paz aos nossos corações. Oremos para que o Senhor extinga o fogo da contenda e acenda o fogo da compaixão em nossos corações.
Os cristãos não devem ser apenas pacíficos, mas pacificadores, ou seja, eles devem levar outros a estarem em paz. Eles devem ser instrumentos da consolação do Espírito para trazer alívio aos corações atribulados. Eles devem ser o instrumento da reconciliação entre os pecadores e Deus, e da reconciliação entre irmãos. Esta é uma tarefa difícil mas que sempre contará com a bênção de Deus.
Deus abomina os semeadores de discórdias entre irmãos, como se vê em Pv 6.19.
As divisões obstruem o progresso do evangelho. Mas a obra de Deus avançará onde houver unidade e paz.
Aquele que semeia paz colherá paz.
 O pacificador morrerá em paz porque levará uma boa consciência com ele e deixará um bom nome atrás de si.
Os pacificadores serão chamados filhos de Deus e nisto está o privilégio glorioso dos santos. Aqueles que fizeram a paz deles com Deus e labutaram para fazer a paz entre seus irmãos terão esta grande honra conferida a eles, a de serem chamados filhos de Deus.
Eles serão reconhecidos como sendo da mesma disposição e natureza de Deus, semelhantes a Ele, seus imitadores amados que alcançaram o testemunho de Lhe terem agradado. Pelo seu procedimento pacífico e pacificador serão reconhecidos como sendo verdadeiramente filhos de Deus. Esta é então a marca essencial de um filho de Deus, a saber, aqueles que têm paz com Ele e com seus irmãos.
E devemos destacar a honra do nome dos filhos de Deus, porque eles são preciosos para o Pai deles.
Deus os olha como pessoas honradas.
O nome deles é precioso.
As orações deles são preciosas.
As lágrimas deles são preciosas.
Os filhos de Deus têm títulos de honra. Eles são chamados de reis em Apo 1.6. A excelência da terra no Sl 16.3. Vasos de honra em II Tim 2.21.
O estado dos filhos de Deus é mais excelente e honrado do que o estado de Adão quando estava vestido de inocência no Éden, porque apesar de glorioso era mutável, e foi logo perdido, mas os filhos de Deus por adoção estão num estado inalterável, pela impossibilidade de caírem da posição de sua filiação.
É prometido a eles que serão seguramente como os anjos eleitos do céu. Tal como os anjos eleitos, jamais serão lançados fora da presença de Deus por causa da eleição dos crentes, que foi conhecida por Deus antes mesmo da fundação do mundo.
As correções divinas às quais eles estão submetidos não são para a confirmação da adoção deles como filhos, senão a prova do amor de Deus para com eles, que os está aperfeiçoando para poderem experimentar da Sua própria santidade, este fruto maravilhoso da árvore da vida celestial.
 Um dos grandes privilégios da adoção é que se nós somos filhos, então Deus será paciente com muitas fraquezas. Um pai é muito paciente com um filho que ele ama. Ele os poupará ainda que não encubra o mal que eles venham a praticar. Ele não tomará vingança contra eles, mas terá piedade.
Um pai se esforça para livrar os seus filhos do mal. E Deus move o céu e os anjos para a proteção dos seus filhos, quer dos males externos, quer do mal em seus corações.
 E sendo filhos somos herdeiros de Deus e de todas as Suas boas promessas, como se vê em Hb 6.17.
E se somos filhos, teremos sempre a bênção do nosso Pai celestial.
 E os filhos de Deus não podem perecer eternamente porque a justiça de Deus está satisfeita quanto aos pecados deles.
O sangue de Cristo é o preço que foi pago para que a justiça ficasse completamente satisfeita.
Assim, esta bênção da salvação eterna é segura para os crentes verdadeiros, por causa da eleição deles, mas um viver abençoado neste mundo é sempre condicional à obediência do crente à verdade, porque Deus mesmo dispôs esta verdade para incentivar os Seus filhos à santificação das suas vidas.
De maneira, que ninguém espere um viver abençoado neste mundo, caso não esteja vivendo em conformidade com a vontade de Deus.

Nós vamos proceder ao comentário relativo à oitava e última  bem-aventurança citada por Jesus  em Mateus 5.10, de que bem-aventurados são os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”.

Nesta última bem-aventurança Jesus nos leva a considerar o custo da vida cristã.
Nós teremos lágrimas de arrependimento e o sangue da perseguição, mas nós vemos aqui um grande encorajamento para nos impedir de desfalecer no dia da adversidade, porque nos é prometida a coroação no Seu reino celestial.
A verdadeira piedade será perseguida. E é por isso que entramos no reino de Deus através de muitas tribulações como se afirma em At 14.22.
Lutero disse apropriadamente que Cristo morreu para tirar a maldição de nós, mas não a cruz.
Os santos não têm nenhuma promessa nas Escrituras que seriam livrados das provações.
Embora sejam mansos,  misericordiosos, puros de coração e pacificadores, a devoção deles não os protegerá de sofrimentos.
A palavra grega para perseguir significa “vexar, molestar, fazer fugir, procurar a morte”.
Há vários tipos de perseguição. Ela pode ser física e espiritual. Mas a sua causa e base geralmente serão ocasionadas pela perseguição do erro à verdade.
Deus tem propósitos santos e sábios nas perseguições que permite que venham sobre os seus filhos.
As provações refinam a fé dos crentes e distingue os verdadeiros santos dos hipócritas, porque somente uma fé genuína não é destruída pelas tribulações.
Deus permite que seus filhos passem pelo forno das provações para que os seus corações sejam purificados. Ele remove as escórias do orgulho, impaciência, amor ao mundo e tudo aquilo que é contrário à santidade.
Estas perseguições decorrem sobretudo do fato de que há uma inimizade entre a semente da mulher e a semente da serpente.
As tempestades de perseguições caem principalmente sobre os ministros do evangelho porque eles precisam ser mais refinados do que os demais crentes por conta do ofício sagrado que lhes foi confiado de apascentarem o rebanho do Senhor.
Especialmente os ministros devem destruir o reino de Satanás e ele cuspirá todo o seu veneno neles.
Se nós pisamos na cabeça do diabo ele nos ferirá o calcanhar. E o trabalho dos ministros é o de tirar as pessoas de Deus das garras do diabo.
Assim, um pastor fiel sempre sofrerá provações e oposições.
Agora, esta perseguição e sofrimento é o que torna um homem bem-aventurado.  Não a perseguição pelo fato de ser um malfeitor, mas por ser um amante da justiça divina.
 É quando sofremos por causa do nosso amor à justiça, na defesa e pregação da verdade, no bom combate da fé, que somos bem-aventurados.
Estes guerreiros santos que defendem a causa da justiça de Cristo conquistarão o reino dos céus.
Quando há fins bons em nosso sofrimento, pelos quais nós possamos glorificar a Deus, nós poderemos e daremos com isto, testemunho da verdade e mostraremos nosso amor a Cristo.
Não há, neste tipo de sofrimento, no dizer do apóstolo, em I Pe 4.16, do que se envergonhar.
Um amor verdadeiro não esfria e não recua por causa das aflições quanto ao ser amado. Ao contrário ele se mostra verdadeiro e fiel na sua perseverança muito mais nestas horas difíceis. O nosso relacionamento com o Senhor é da qualidade e nível de um matrimônio. E nossa união a Ele está sendo provada em todas as circunstâncias.
Jesus nos deixou o legado da paz, mas também o das aflições, para que esta paz seja gloriosa, porque é dada sobrenaturalmente por Ele a nós em meio às aflições.
Assim a Sua vitória triunfa sobre todas as circunstâncias difíceis que possamos experimentar.
A justiça de Cristo com a qual os crentes estão vestidos, e a justiça que a graça tem implantado neles e que se manifesta nas suas boas obras darão ocasião a que sejam perseguidos por aqueles que são contrários à verdade e que não amam a luz, senão as trevas.
Há portanto um combate estabelecido, não propriamente contra a carne e o sangue, mas contra os poderes das trevas.
E o medroso não está habilitado a lutar as guerras de Cristo. Um homem possuído de temor não consulta o que é melhor, mas o que é mais seguro.
Para poder salvar a sua pele e propriedade ele agirá contra a sua própria consciência.
O temor fará o pecado parecer pequeno e o sofrimento grande.
 O medo enfraquece e lança fora a coragem.
O temor é a raiz da apostasia.
Então Cristo exorta os crentes a lançarem fora o medo e estarem prontos a sofrerem por amor à justiça.
A causa do evangelho deve triunfar ainda que seja necessário ser escrita a vitória com o derramamento do sangue dos crentes pelos seus perseguidores.
O bom soldado de Cristo suporta o sofrimento como se afirma em II Tim 2.3;  sofrimento este que lhe sobrevem no bom combate da fé.
 Jesus nos exorta à fidelidade mesmo em face da morte porque nos tem prometido a coroa da vida em Apo 2.10.
Mas é preciso que um crente aprenda primeiro a negar-se a si mesmo, ou seja, a negar o seu ego, antes que ele possa carregar a cruz.
O eu se levantará contra a cruz, mas um ego negado não poderá nos impedir de carregá-la e o eu será definitivamente crucificado por ela.
O velho homem detesta a cruz, mas a nova criatura a ama e não se opõe a ela, e a carrega voluntariamente, assim como Jesus carregou a Sua cruz.
Pela fé nós podemos resistir até o sangue como se vê em Hb 11.34.
A fé é uma graça vitoriosa.
A fé une o espírito a Cristo e é esta Cabeça santificada que dá força aos Seus membros, de modo que tudo podemos em Jesus que nos fortalece.
Deus prometeu estar com os santos nos seus sofrimentos.
Ele fez promessas de libertação de todas as tribulações dos justos.
Ele está no controle de todas as perseguições que eles possam sofrer e nada lhes sucederá em sua fidelidade a Deus, sem que Ele o permita.
Assim, em tudo o que têm que sofrer, devem aprender a ver a mão do Senhor em tudo, e a esperar nEle, enquanto devem prosseguir adiante fazendo a Sua santa vontade.
Aquele que recusa sofrer perseguição nunca será livre de sofrer, pois terá sofrimentos internos de consciência, e em se tratando de incrédulos, terão que padecer um sofrimento no fogo eterno.
Estes sofrimentos presentes não podem impedir um homem de ser abençoado.
Muitos julgam que bem-aventurados são os ricos e os que não sofrem, mas Jesus diz que bem-aventurado são os que sofrem por causa da justiça, pois isto comprova que de fato estão do Seu lado, que eles se converteram das trevas para a luz, e figuram agora entre aqueles que serão coroados no céu.
Por isso Tiago diz que é bem-aventurado aquele que suporta a tentação em Tg 1.11,12. E Pedro diz em I Pe 3.14 que se alguém sofre por causa da justiça, é feliz.
Não receberemos nossas coroas por causa dos nossos sofrimentos, senão por causa de Cristo e da Sua graça, mas nossos sofrimentos estabelecerão os diferentes graus de glória de nossas coroas e tronos.
Os tronos mais elevados do Seu reino, Cristo tem reservado para os Seus mártires.
Há pois grande recompensa em sofrer por amor ao evangelho e por Cristo.

Os versos 11 e 12 são uma explicação da bem-aventurança do verso 10:

“11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.
12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós.” (Mt 5.11,12).

O Cristão e a Perseguição

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

O  texto de Mateus 5.11,12 é uma espécie de explicação da bem-aventurança do verso 10 de que bem-aventurados são os perseguidos por causa da justiça.
O crente é perseguido porque é uma certa classe de pessoa e atua de uma certa forma.
Esta bem-aventurança segue imediatamente à dos pacificadores. O crente é perseguido porque é pacificador.
Ser justo, praticar a justiça, significa na realidade ser como o Senhor Jesus Cristo.
Portanto, são bem-aventurados os que são perseguidos por serem como Ele. Os que são como Ele sempre sofrem perseguição.
O Senhor mesmo nos disse que deveríamos saber que o mundo Lhe havia aborrecido, antes de aborrecer a nós, seus discípulos. E se caso fôssemos do mundo, o mundo amaria o que era seu, porém não somos do mundo, porque Ele nos escolheu do mundo, e é por isso que o mundo nos aborrece. E que por não serem os servos maiores do que o seu senhor, por isso assim como Lhe haviam perseguido, também nos perseguiriam (João 15.18-20).
Paulo disse que todos os que quiserem viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguição (II Tim 3.12).
Este é o ensino. Vejamos como se coloca em prática em toda a Bíblia. Por exemplo, Abel foi perseguido por seu irmão Caim. Moisés foi sujeito a cruel perseguição. Vejamos a forma com que Davi foi perseguido por Saul, e a terrível perseguição que tiveram que sofrer Elias e Jeremias. Recordam a história de Daniel, e como foi perseguido? Cada um destes homens mais notáveis do Antigo Testamento referenda o ensino bíblico. Foram perseguidos, não porque foram de caráter difícil, nem por serem demasiado zelosos, senão simplesmente por serem justos. No Novo Testamento encontramos exatamente o mesmo. Pensem nos apóstolos, e na perseguição que tiveram que suportar.
Me pergunto se alguém tem sofrido mais do que o apóstolo Paulo, apesar de sua amabilidade, gentileza e justiça. Leiam as descrições que faz de seus sofrimentos. Não surpreende que tenha dito que todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguição. Ele a conheceu e sofreu. Porém, não cabe dúvida que o exemplo supremo é o próprio Senhor. Ah! Nós o temos em toda sua perfeição absoluta, total, com toda sua amabilidade e mansidão, de quem se pôde dizer que não esmagaria a cana quebrada, e que não apagaria o pavio fumegante. Nunca ninguém foi tão amável e gentil. Porém, vejam o que lhe sucedeu e o que lhe fez o mundo. Leiam também a ampla história da Igreja Cristã e encontrarão que essa afirmação se tem cumprido sem cessar. Leiam as vidas dos mártires, de John Huss, dos pais protestantes. Leiam também a história moderna e, observem a perseguição que sofreram os líderes do avivamento evangélico do século dezoito. Não muitos têm conhecido o que é sofrer como Hudson Taylor, missionário à China, que viveu neste século. Soube o que é viver submetido a violenta perseguição. É uma comprovação do que diz esta bem-aventurança.    
Quem persegue os justos? Quando alguém lê as Escrituras e a história da Igreja, descobre que a perseguição não somente é levada a cabo pelo mundo. Algumas perseguições mais violentas que os justos têm sofrido são das mãos da própria Igreja, das mãos de gente religiosa. Freqüentemente tem sido realizada por crentes nominais. Tomemos o exemplo do próprio Senhor. Quem foram seus principais perseguidores? Os fariseus e os escribas, e os doutores da lei. Aos primeiros cristãos também, os que mais lhes perseguiram foram os judeus. Depois, leiam a história da Igreja, e verão a perseguição por parte da Igreja Católica a alguns daqueles homens da Idade Média que haviam visto a verdade e que trataram de vivê-la pacificamente. Como os perseguiram as pessoas religiosas nominais! Assim foi também com a história dos primeiros puritanos. Este é o ensino da Bíblia, e a história da Igreja a tem corroborado, que a perseguição pode chegar, não somente de fora como também de dentro.
O cristianismo formal é freqüentemente o maior inimigo da fé genuína.
Porém vou fazer outra pergunta. Por que são perseguidos assim os justos? E sobretudo, por que são perseguidos os justos e não os bons e os nobres? A resposta, me parece, é muito simples. Aos bons e aos nobres se persegue muito poucas vezes porque a todos nos parece que são como nós mesmos em nossos melhores momentos. Pensamos: “eu também posso ser assim caso me proponha a sê-lo”, e os admiramos porque é uma maneira de acharmos a nós mesmos. Porém, os justos são perseguidos porque são diferentes. (levemos também principalmente em conta que há poderes espirituais malignos operando contra os filhos de Deus, e os demônios sabem reconhecer perfeitamente qual é a diferença essencial entre uma pessoa justificada pela fé, agora herdeira do céu, e aqueles que parecem justos aos olhos dos homens e a seus próprios olhos, e que na verdade estão ainda condenados ao inferno de fogo – nota do tradutor).
Por isso os fariseus e os escribas odiaram a nosso Senhor. Não foi porque era bom, foi porque era diferente. Havia algo nEle que os condenava. Sentiam que Sua justiça lhes fazia parecer muito pouca coisa. E isto lhes desagradava. Os justos talvez, não digam nada; não condenam os ímpios por palavras, porém, ser o que são, de fato lhes condena, faz com que se sintam infelizes. Por isso os ímpios odeiam os justos e procuram encontrar faltas neles. O povo diz: “eu creio que se seja cristão, porém isso é demasiado, é ir muito longe”. Esta foi a explicação para a perseguição de Daniel. Sofreu tanto porque era justo. Porém diziam: “Este homem nos condena com o que faz; temos que apanhá-lo em alguma falta”.
Este é sempre o problema, e foi a explicação também no caso de nosso Senhor. Os fariseus o odiavam por sua santidade, justiça e verdade total e absoluta.
É óbvio, pois, que de tudo isso se pode sacar certas conclusões. Em primeiro lugar, nos fala muito acerca de nossas idéias a respeito da Pessoa de Jesus Cristo. Se nosso conceito dEle é tal que o vejamos como alguém a quem os não cristãos têm que admirar e aplaudir, estamos equivocados. O efeito de Jesus sobre seus contemporâneos foi que muito lhe apedrejaram, lhe odiaram, e por fim decidiram matá-lo, preferindo a um assassino em vez dEle. Este é o efeito que Jesus sempre produz no mundo. Porém há outras idéias acerca dEle. Há pessoas mundanas que nos dizem que admiram a Jesus, porém é porque não o têm visto jamais. Se o tivessem visto, o odiariam como o odiaram Seus contemporâneos. Ele não muda; o homem sim, muda. Tenhamos pois, cuidado de que nossas idéias acerca de Cristo sejam tais que o homem natural não Lhe possa admirar ou aplaudir facilmente.
Isto conduz à segunda conclusão. Esta bem-aventurança põe à prova nossas idéias acerca do que é o crente. O crente é como seu Senhor, e por isso o Senhor disse dele: “Ai de vós quando os homens falarem bem de vós! Porque assim fizeram seus pais com os falsos profetas” (Lc 6.26). E contudo, não é nossa idéia de que um crente perfeito é quem seja uma pessoa amável, popular, que nunca ofende aos demais, com quem é fácil de entender-se? Porém se esta bem-aventurança é verdade, esse não é o verdadeiro crente, porque o cristão de verdade é alguém ao qual nem todo mundo louva. Não louvaram a nosso Senhor, e nunca louvarão a quem é como Ele.
A seguinte conclusão se refere ao homem natural, não regenerado, e é esta. A mente natural, como diz Paulo, é inimizade contra Deus. Ainda que fale de Deus, na realidade o odeia. E quando o Filho de Deus veio à terra o odiaram e crucificaram, e assim segue sendo a atitude do mundo em relação a Ele.
Isto nos leva à última conclusão. O novo nascimento é uma necessidade absoluta se alguém quer chegar a ser um crente. Ser crente em última instância, é ser como Cristo, e ninguém nunca pode ser como Cristo sem mudar completamente. Devemos libertar-nos da velha natureza que odeia a Cristo e à justiça; necessitamos de uma nova natureza que amará estas coisas e que O amará, e com isto, chegará a ser como Ele.
Finalmente, façamos a nós esta pergunta: Sabemos o que é ser perseguido por causa da justiça? Para chegar a ser como Cristo temos que chegar a ser luz; a luz sempre dissipa as trevas, e por isso as trevas odeiam a luz. Não temos de ofen¬der; não temos de ser néscios; não temos de ser teme-rários; nem sequer temos de exibir nossa fé. Não temos de fazer nada que atraia perseguição. Porém, por ser simplemente como Cristo a perseguição será inevitável. Todavia, isto é o glorioso. Alegre¬mo-nos disso, dizem Pedro e Tiago. E nosso Senhor mesmo diz que somos bem-aventurados, felizes, se somos assim. Porque se alguém é perseguido por causa de Cristo, por causa da justiça, em certo sentido, tem conseguido uma prova final do fato de que é um cristão, cidadão do reino dos céus. Porque a vós, escreve Paulo, não somente é concedido que creiais em Cristo, mas que padeçais por Ele (Fp 1.29). E contemplo a esses primeiros cristãos aos quais as autoridades perseguiram e lhes ouço darem graças a Deus porque por fim lhes havia considerado dignos de sofrer por seu nome.
Queira Deus, por meio de seu Santo Espírito, dar-nos uma grande sabedoria, discrição, conhecimento e compreensão em tudo isto, a fim de que se tivermos que chegar a sofrer, possamos estar seguros de que é por causa da justiça, e possamos ter o consolo pleno desta gloriosa bem-aventurança.


Alegria na Tribulação

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

Não há dúvida que Jesus sublinhou que o crente é diferente.
Ele mesmo disse, como recordam que: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz à terra, mas espada” (Mt 10.34). Em outras palavras: “O efeito de meu ministério será divisão, inclusive entre pai e filho, e mãe e filha, e os inimigos do homem serão os da sua própria casa”. O evangelho de Jesus Cristo cria uma divisão bem marcada entre o que é crente e o que não é.
O próprio não crente o demonstra perseguindo o crente.
A forma como o persegue não importa; o fato é que seja na forma que for, vai fazê-lo.
O não crente tem antagonismo ao crente. Por isso, como vimos, a última bem-aventurança é uma pedra de toque muito sutil e profunda do crente.
Há algo no caráter do crente, por ser semelhante a nosso Senhor, que sempre atrai perseguição. Ninguém tem sido perseguido neste mundo como foi o próprio Filho de Deus, e o servo não é maior do que o seu senhor. Por isso tem o mesmo destino.
O não crente tende a perseguir e a dizer toda classe de mentiras contra o crente. Por que? Porque é basicamente diferente, e o não crente o vê. O crente não é como os demais somente com alguma mínima diferença, mas é essencialmente diferente. Tem uma natureza diferente e é um homem diferente.
(Esta diferença entre o crente e o não crente não é causada por Deus, porque Ele não faz acepção de pessoas, e é Seu desejo que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Não é portanto Deus, quem impede qualquer pessoa de vir a Cristo para ser transformada por Ele num crente. É a própria pessoa que se endurece e que resiste a se submeter ao Senhor. Não reconhecendo portanto, que o propósito da sua criação por Deus foi para que O servisse e adorasse, em plena comunhão com Ele, baseada no amor. No entanto, como Deus é luz e santo, não é possível ter tal comunhão com Ele caso não permitamos o trabalho da graça no nosso coração, lavando-nos de nossos pecados e transformando-nos à semelhança de Jesus, para que possamos ser reconciliados em amizade e amor com o nosso Criador –nota do tradutor)
O segundo princípio é que a vida do crente é dominada por Jesus Cristo, pela lealdade a Jesus, pela preocupação de tudo fazer por Cristo.
Por que os perseguem?
Porque vivem por Cristo.
O objetivo de todo crente deveria ser viver por Cristo e já não por si mesmo.
As pessoas andam em desacordo e se perseguem mutuamente, inclusive quando não são crentes, porém, não é por causa de Cristo.
Todavia, os crentes não devem se sentir ofendidos pelo que lhes fazem. E devemos acrescentar algo a isto, porque estas coisas são muito sutis.
Se conhecemos algo da psicologia de nossa alma e da vida cristã – empregando o termo “psicologia” em seu sentido verdadeiro e não no seu sentido moderno, pervertido – devemos dar-nos conta de que há de se dar um passo além.
Nunca devemos deixar que a perseguição nos deprima. Não que se sinta desprezo por quem nos persiga, mas podemos dizer: “Por que deve ser assim? Por que me trata deste modo?” Em conseqüência, um sentimento de depressão parece se apoderar da vida espiritual e se tende a perder o rumo da vida cristã. Isto é algo que nosso Senhor também censura. Ele diz em forma positiva e clara: “Regozijai-vos. Alegrai-vos”.
Temos visto no estudo das bem-aventuranças que ninguém pode fazer-se cristão com seus próprios esforços.
Alegrar-se pelas perseguições sofridas é completamente impossível para o homem natural. Nem sequer pode dominar o espírito de vingança.
Somente o crente pode fazê-lo, não por causa do seu próprio poder, mas pela vida de Cristo que se manifesta nele.
O crente não se alegra pela perseguição propriamente dita. Ao contrário, ela é algo pelo qual lamentar. A perseguição é algo que o crente sempre deve lamentar, porque causa dores, em razão de que homens e mulheres debaixo do domínio do pecado e de Satanás, se conduzem de forma muito inumana e maligna.
Por que então é ordenado pelo Senhor que o crente se alegre na perseguição? A primeira razão, como já temos dito, é porque a perseguição que é por causa de Cristo, prova de quem é e para o que é. “Alegrai-vos porque grande é o vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós”.
Por isso, se vêm que são perseguidos e que são ditas coisas más de vocês, por causa de Cristo, saibam que são como os profetas, que foram servos de Deus, e que agora estão se regozijando na glória de Deus.
Este é o motivo porque temos que nos alegrar. Esta é uma das formas em que nosso Senhor converte tudo em vitória. Em certo sentido, faz inclusive com que o próprio diabo seja causa de bênção. O diabo, por meio de seus agentes persegue ao crente e o faz infeliz. Porém se considerarmos isto numa perspectiva adequada, encontramos razão para nos alegrarmos. Então podemos dizer ao diabo: “graças a você, está sendo demonstrado que sou filho de Deus, porque se não fosse, nunca me perseguirias assim por causa de Cristo, e não haveria em mim poder para me alegrar em meio a tais perseguições.”    

Logo após as bem-aventuranças Jesus disse que os crentes são o sal da terra e a luz do mundo (v. 13 a 16). Para comentar este tema, constinuaremos transcrevendo adaptações de sermões de autoria de Lloyd Jones.


O SAL DA TERRA

Texto traduzido e adaptado de D. M. Lloyd Jones.

“13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens.
14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte;
15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa.
16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mt 5.13-16)

Chegamos agora a uma nova seção do Sermão do Monte. Nos versículos 3 a 12 de Mateus 5, nosso Senhor e Salvador tem esboçado o caráter do cristão. Aqui no versículo 13 dá um passo mais além e aplica sua descrição. Uma vez visto o que é o crente, agora passamos a considerar como o crente deveria manifestar o que é. Ou, se preferem, havendo dado conta do que somos, agora devemos passar a considerar o que devemos ser.
O crente não é alguém que viva isolado. Está no mundo, embora não pertença a ele, e tem relação com o mundo.
Na Bíblia sempre se encontram as duas coisas juntas. É dito ao crente que não deve ser do mundo nem em idéias, nem em perspectiva, porém, isto nunca significa que se separe do mundo. Esse foi o erro do monasticismo, o qual ensinava que viver a vida cristã significava, necessariamente, separar-se da sociedade e viver uma vida de contemplação.
Isto é negado constantemente na Escritura, sobretudo neste versículo que temos começado a estudar, onde nosso Senhor chega às conclusões do que havia dito anteriormente.
Notem que em I Pe 2, Pedro faz exatamente o mesmo. Diz: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (I Pe 2.9).
Em nossa passagem diz-se exatamente o mesmo. Somos pobres de espírito, misericordiosos, mansos, temos fome e sede de justiça, a fim de que, num sentido, possamos ser o sal da terra. Passamos, pois, da contemplação do caráter do crente à consideração da função e propósito do crente neste mundo, segundo a mente e propósito de Deus.
Em outras palavras, nestes versículos que seguem imediatamente, nos é explicado de forma muito clara a relação do crente com o mundo em geral.
Em certo sentido podemos dizer que esta questão da função do crente no mundo é hoje em dia um dos assuntos mais prementes com o qual se enfrenta tanto a igreja como cada um dos crentes dos nossos dias.
É claro que trata de um tema muito vasto, e em muitos aspectos aparentemente difícil, porém a Escritura trata do mesmo com muita clareza.
No versículo que estamos estudando temos uma exposição muito característica do ensino bíblico típico relativo ao mesmo. Parece-me que é importante devido à situação do mundo. Como vamos estudar os versículos 11 e 12, a muitos de nós pode muito bem parecer que seja um problema mais difícil.
Vemos aí que é provável que soframos perseguição, à medida que o pecado que há no mundo, se estenda mais, e é provável que a perseguição à igreja seja incrementada.
De fato, como sabem, há muitos crentes no mundo de hoje que já estão passando por isso. Sejam quais forem, pois, as circunstâncias nas que nos achemos, nos convém pensar nisto com muito cuidado, a fim de que saibamos orar adequadamente por nossos irmãos e ajudá-los com conselhos e instruções.
À parte do fato da perseguição, contudo este problema é premente, porque se nos apresenta no país nesta hora. Qual deve ser a relação do crente com a sociedade e com o mundo?
Estamos no mundo, não podemos sair dele, porém o problema vital é: que podemos fazer como crentes numa situação como essa? Sem dúvida estamos diante de um problema essencial, que devemos analisar.
Neste versículo temos a resposta ao mesmo. Antes de tudo, consideremos o que diz o texto sobre o mundo, e logo o que diz acerca do crente no mundo.
“Vós sois o sal da terra”. Isto não somente descreve o crente, descreve indiretamente o mundo no qual se acha o crente. Equivale neste lugar à humanidade em geral, aos que não são crentes. Qual, pois, é a atitude bíblica diante do mundo? Não há imprecisão nenhuma quanto ao ensino bíblico a este respeito.
Chegamos, de muitas maneiras, ao problema crucial do século vinte, que é indubitavelmente um dos períodos mais interessantes que o mundo tem conhecido. Não duvido em afirmar que nunca houve um século que tenha demonstrado tão bem como é atual a verdade do ensino bíblico. É um século trágico, e o é sobretudo porque a vida do mesmo tem destruído completamente a filosofia preferida que havia idealizado.  
Como sabem, nunca houve um período do qual se houvesse esperado tanto. É realmente patético ler os prognósticos dos pensadores (assim chamados), filósofos, poetas e líderes até finais do século dezenove. Quão triste é ver este otimismo, fácil e confiante que tiveram, tudo o que esperavam do século vinte, a época dourada que iria chegar. Tudo se baseava na teoria da evolução, não somente no sentido biológico, como também no filosófico. A idéia principal era que toda a vida progrediria, se desenvolveria, avançaria. Isto nos era dito num sentido biológico; o homem havia procedido do animal e havia chegado a uma certa fase de desenvolvimento.
Porém, este progresso era enfatizado mais em função da ideologia, do modo de pensar e perspectivas do homem. Não iria mais fazer guerras, muitas enfermidades seriam vencidas, o sofrimento iria não somente diminuir, senão desaparecer. Iria ser um século surpreendente. A maior parte dos problemas seria resolvida, porque o homem havia finalmente começado a pensar.
As massas, por meio da educação, não iriam mais se entregar à embriaguez e ao vício. E como as nações iriam aprender a pensar e a se reunir para conversar em vez de começar a guerrear, todo o mundo iria se converter rapidamente num paraíso.
Não estou caricaturizando a situação, porque se cria em tudo isto com muita confiança. Por meio de leis parlamentares e reuniões internacionais iriam resolver todos os problemas, agora que o homem havia começado por fim a usar a cabeça.
Não muitos dos que vivem no mundo de hoje, porém, crêem nisto. Alguma vez ou outra, contudo, aparece algum elemento deste ensino, mas já não é algo sobre o que haja o que se discutir.
Recordo que faz muitos anos quando comecei a pregar, que dizia isto mesmo em público, e freqüentemente me tinham por uma pessoa rara, por ser pessimista, por ser alguém que seguia uma teologia que havia saído de moda. Porque o otimismo liberal prevalecia naquela ocasião, apesar da primeira guerra mundial, todavia já não é assim. Se tem reconhecido a falácia desse modo de pensar e aparecem livros que atacam toda essa idéia confiante do progresso inevitável.
A Bíblia sempre tem ensinado isto, e nosso Senhor o diz com perfeição quando afirma: “vós sois o sal da terra”. Que implica isto? Implica com clareza a corrupção da terra, implica uma tendência à contaminação a se converter em algo fétido e podre. É isto o que a Bíblia diz acerca do mundo. É um mundo caído, pecaminoso e mal. Tende ao mal e às guerras. É como a carne que tem tendência a se decompor. É algo que somente se pode conservar em bom estado com a ajuda de algum preservativo ou antiséptico.
Como conseqüência do pecado e da queda, a vida no mundo em geral tende a se decompor. Essa, segundo a Bíblia, é a única idéia adequada que se pode ter da humanidade. Longe de haver  na vida e no mundo uma tendência a ascender, o que se dá é o oposto. O mundo, por si mesmo, tende a se infectar. Há nele germes do mal, micróbios, agentes infecciosos no próprio corpo dos homens que a não ser que sejam controlados, causam enfermidades. Isto é algo obviamente básico e primordial. Nossa idéia do futuro depende disso. Se alguém tem isto diante de si, então entenderá muito bem o que tem sucedido neste século. Num sentido, portanto, nenhum crente deveria se sentir surpreendido o mínimo que seja pelo que vem ocorrendo. Se essa posição bíblica é acertada, então o surpreendente é que o mundo seja todavia bom, porque em sua vida e natureza mesmas há tendência à putrefação.
A Bíblia contém muitas ilustrações disso. Sua manifestação aparece já no primeiro livro. Deus havia feito o mundo perfeito, porém devido ao pecado, este elemento pecaminoso e contaminador começou a se fazer ver. Leiam o capítulo sexto de Gênesis e verão o que Deus diz: “Não contenderá o meu Espírito com o homem para sempre”. A contaminação havia chegado a ser tão grande, que Deus teve que enviar o dilúvio. Depois dele pôde começar de novo, porém este princípio mau seguiu se manifestando até chegar a Sodoma e Gomorra com seus incríveis pecados. Isto é o que a Bíblia nos apresenta sem cessar. Esta tendência persistente à putrefação sempre se manifesta.
É evidente, pois, que este fato deve dirigir nosso pensamento e nossas previsões relativas à vida neste mundo, e relativas ao futuro. O que muitos se perguntam hoje é: Que nos espera? Se não colocamos este ensino bíblico no centro do nosso pensamento, nossas profecias serão necessariamente falsas. O mundo é mau, pecador e mostrar-nos otimistas em relação ao mesmo não é somente totalmente antibíblico senão que vai contra a tudo o que a própria história nos ensina.
Passamos contudo, ao segundo aspecto desta afirmação porque ela é mais importante. Que se diz ao crente que está no mundo, ao tipo de mundo a que temos nos referido? Se diz que tem que ser como sal “vós, somente vós” – porque isto exige o texto – “sois o sal da terra”. Que nos diz isto? Primeiro é o que temos recordado ao estudar as bem-aventuranças. Somos distintos do mundo. Não faz falta insistir nisto, porque é perfeitamente óbvio. O sal é essencialmente diferente daquilo em que é colocado, e num sentido exercita todas suas qualidades sendo diferente. Como diz nosso Senhor – “se o sal perder o seu sabor, com que se salgará? Não serve mais para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens”.
A característica mesma da condição do sal indica uma diferença, porque um pouquinho de sal é percebido imediatamente, mesmo numa grande massa. A não ser que tenhamos uma idéia clara acerca disto, nem sequer podemos começar a pensar acertadamente sobre o que seja a vida cristã. O crente é diferente dos demais. É tão diferente como o é o sal da carne na qual ele é colocado. Esta diferença externa todavia tem que ser enfatizada e sublinhada.
O crente não somente tem que ser diferente, tem que se gloriar nesta diferença. Tem de ser tão diferente dos demais como o Senhor Jesus Cristo foi no mundo em que viveu em seu ministério terreno. O crente é uma classe distinta, única, notável de pessoas, tem de haver nele algo que o distinga, e que se reconheça óbvia e claramente. Que cada um, pois, se examine.
Porém, continuemos a considerar mais diretamente a função do crente. Nisto o problema se apresenta um pouco mais difícil e freqüentemente discutível. Parece-me que a primeira coisa que o Senhor sublinha é que uma das funções principais do crente em relação à sociedade é negativa. Qual é a função do sal? Alguns dirão que é dar saúde, que dá vida e saúde, porém me parece que isto é uma idéia muito equivocada da função do sal. Sua missão não é dar saúde, é impedir a putrefação.
A função principal do sal é preservar e atuar como antiséptico. Tomemos, por exemplo um pedaço de carne. Há certos germes em sua superfície que talvez tenham penetrado na mesma, vindos do próprio animal ou da atmosfera, e corre o perigo de apodrecer. A função do sal com o qual se cobre a carne é preservá-la contra estes agentes que tende a apodrecê-la. A função principal do sal, portanto, é negativa e não positiva. Este postulado é fundamental. Não é a única função do crente no mundo, porque, como veremos adiante, também temos de ser a luz do mundo, porém, em primeiro lugar isto tem de ser nosso efeito como crentes.
Pergunto-me: Quantas vezes pensamos sobre nós desta forma, como agentes do mundo com a função de prevenir este processo concreto de putrefação e decomposição?    
Outra função subsidiária do sal é dar sabor, ou impedir que os alimentos sejam insípidos. Esta é sem dúvida outra função do sal (se adequada ou não, não me compete discuti-la) e é muito interessante observá-la. Segundo esta afirmação, portanto, a vida sem o cristianismo é insípida. Não prova isto o mundo de hoje? Observemos a obsessão com prazeres. É evidente que a pessoa acha a vida monótona e aborrecida, de maneira que deve ir passando de um prazer a outro, porém o crente não necessita destes passatempos porque tem um sabor na vida – sua fé cristã. Se isto lhe falta, é porque o seu sal está perdendo o sabor, por sua negligência quanto à sua santificação e devoção ao Senhor, que é Aquele que salga a nós mesmos.
Tiremos o cristianismo da vida e do mundo, e no que a vida tão insípida se converte, sobretudo quando alguém envelhece ou se encontra no leito de morte? Carece completamente de gosto, por isso os homens têm de se drogar de diferentes maneiras, ou com narcóticos, ou com música, ou com qualquer outra coisa deste mundo.  
O crente, pois, primeiramente e sobretudo, deveria ter essa função, porém como consegui-la? Aqui encontramos a resposta. Vou apresentá-la primeiro no que considero como ensino positivo do Novo Testamento. Depois poderemos examinar certas críticas. Neste caso, creio que a distinção vital é entre a igreja como tal e o crente individual. Alguns dizem que os crentes deveriam atuar como sal da terra, por meio de pronunciamentos da Igreja quanto à situação geral do mundo relativamente a problemas políticos, econômicos e internacionais ou outros semelhantes. Dizem que o crente funciona como sal da terra nesta forma geral, por meio destes comentários acerca da situação do mundo.
Agora, a meu juízo, esta é uma interpretação errônea do ensino bíblico. Desafiaria a qualquer um que me mostre este ensino no Novo Testamento. “Ah, dizem, encontra-se nos profetas do Antigo Testamento”. Sim, porém a resposta é que no Antigo Testamento a Igreja era a nação de Israel e não havia distinção entre Igreja e Estado. Os profetas teriam portanto que se dirigir à nação toda e falar acerca de toda a sua vida, porém a Igreja no Novo Testamento não está identificada com nenhuma nação nem nações. A conseqüência é que nunca se encontra o apóstolo Paulo ou nenhum outro apóstolo que faça comentários acerca do governo do Império Romano; nunca os encontramos enviando resoluções à Corte imperial para que se fizesse isso ou aquilo. Não, nunca se encontra isto na Igreja, tal com aparece no Novo Testamento.
Sugiro, portanto, que o crente tenha de funcionar como o sal da terra num sentido muito mais individual. Ele o faz com sua vida e conduta individual, sendo o que é em todos os âmbitos nos quais se encontre. Por exemplo, um grupo de pessoas talvez esteja falando de uma forma indigna. De repente um crente entra a formar parte do grupo e imediatamente sua presença produz efeito. Não diz uma palavra, porém os demais começam a mudar a forma de falar. Está atuando como sal e está controlando a tendência da putrefação e decomposição. Somente por ser crente, devido à sua vida e conduta geral já está controlando esse mal que estava se manifestando, como faz em todos os âmbitos e situações. Pode fazê-lo, não somente em sua condição privada em sua casa, no trabalho, na oficina, ou em qualquer lugar em que se encontre, senão também como cidadão no país em que vive. Aí se torna importante a diferença, porque nesta matéria tendemos a ir de um erro a outro. Alguns dizem: “Sim, tem toda a razão, não compete à Igreja como tal intervir em assuntos políticos, econômicos ou sociais. O crente não tenderia a se ocupar para nenhum destes assuntos, o crente não deve votar, não tem por que intervir no controle dos negócios e da sociedade”. Isto, segundo creio, é igualmente falacioso, porque o crente como indivíduo, como cidadão de  um estado, tem de se preocupar com estas coisas. Pensem em grandes homens, como o Lord Shaftesbury e outros, os quais como cristãos e cidadãos, trabalharam tanto em relação à melhoria das leis e das condições do trabalho nas fábricas. Pensem em William Wilberforce e em todos os que se empenharam na abolição da escravatura. Como cristãos, somos cidadãos de um país e temos responsabilidade como tal, e por isso devemos atuar como sal indiretamente em muitos aspectos, porém isto é muito diferente de que a Igreja o faça.
Alguém poderia perguntar: “Por que faz esta distinção?”. Quero responder esta pergunta. A missão principal da igreja é evangelizar e pregar o evangelho. Pensemos nisto. Se a Igreja cristã de hoje passasse a maior parte do tempo acusando o comunismo, parece-me que a conseqüência principal seria que os comunistas não escutariam a pregação do evangelho. Se a Igreja sempre acusa uma parte da sociedade, estará fechando a porta da evangelização a esta parte. Se pegarmos a idéia que tem o Novo Testamento destes assuntos devemos crer que o comunista tem alma que deve ser salva igual a todo mundo. É minha missão, como pregador do evangelho e representante da Igreja, evangelizar aos homens de todas as classes e condições.
Quando a Igreja começa a intervir em assuntos políticos, econômicos e sociais, se põem obstáculos à tarefa evangelística que Deus lhe tem designado. Já não poderia dizer que não conheço a ninguém segundo à carne, e por isso pecaria. Que cada indivíduo desempenhe seu papel como cidadão e permaneça no partido político que escolher. Isto terá que decidir como indivíduo. A Igreja como tal não tem de se preocupar com essas coisas. Nossa missão é pregar o evangelho e levar a mensagem de salvação a todos, e, graças a Deus, os comunistas podem se converter e serem salvos. A Igreja tem que se preocupar com o pecado em todas as suas manifestações, e o pecado pode ser tão terrível num capitalista como num comunista, num rico como num pobre, pode se manifestar em todas as classes sociais, em todos os tipos e grupos.
Outra forma em que funciona este princípio pode ser vista no fato que, depois de cada avivamento e reforma na Igreja, toda a sociedade tem recolhido os benefícios. Leiam o relato dos grandes avivamentos e o verão. Por exemplo, no avivamento que ocorreu sob Richard Baxter em Kiderminster, na Inglaterra, no século XVII, não somente os crentes se avivaram, senão muitos que não eram crentes se converteram e entraram na Igreja. Além disso, toda a vida da cidade sentiu os efeitos; e o mal, o pecado e o vício se reduziram. Isto ocorreu porque a Igreja censurou estas coisas, não porque a Igreja persuadiu o Governo para que promulgasse leis, senão pela simples influência dos crentes. Assim tem sido sempre. Sucedeu o mesmo nos séculos XVII e XVIII e no começo deste século no avivamento que ocorreu em 1904-5. Os crentes, sendo o que devem ser, influenciam a sociedade de forma quase automática.
Prova disto se encontra na Bíblia e também na história da Igreja. No Antigo Testamento, depois de cada reforma e avivamento houve benefícios gerais para a sociedade. Recordemos também a Reforma Protestante e veremos imediatamente que afetou a vida em geral. O mesmo é verdade quanto à Reforma Puritana. Não me refiro às leis do Parlamento que os Puritanos conseguiram promulgar, senão a sua forma geral de vida. Historiadores competentes estão de acordo em dizer que o que salvou este país de uma revolução como a que sofreu a França em fins do século XVIII não foi senão o avivamento evangélico. E isto ocorreu não porque fizera algo diretamente, senão porque massas de indivíduos haviam se tornado cristãos e viveram esta vida melhor com uma perspectiva mais elevada. Toda a situação política percebeu os efeitos, e as grandes leis que se promulgaram no século passado se deveram sobretudo ao fato de que havia muitos cristãos no país.
Finalmente, não é por acaso o presente estado da sociedade e do mundo uma prova perfeita deste princípio? Creio que é certo que nos últimos cinqüenta anos a Igreja Cristã tem prestado mais atenção direta a assuntos políticos, econômicos e sociais que nos cem anos anteriores. Todos temos ouvido falar do significado social do cristianismo. As Assembléias Gerais de Igrejas e de distintas denominações têm enviado aos governos pronunciamentos e resoluções. Todos nos temos interessado muito pela aplicação prática, porém qual é o resultado? Ninguém pode discuti-lo. O resultado é que estamos vivendo numa sociedade que é muito mais imoral que há cinqüenta anos, em que cada dia vão aumentando o vício e a violação da lei. Não está claro que ninguém pode fazer estas coisas senão na forma bíblica? Embora tentemos consegui-las diretamente através da aplicação de princípios, descobrimos que não podemos alcançá-lo. O problema principal é que há poucos crentes, e os que são crentes não são suficientemente salgados. Com isto não quero dizer “agressivos”, quero dizer crentes no sentido genuíno. Devo admitir também que não se pode dizer de nós que quando entramos numa casa, os ali presentes mudam logo em seguida na forma de falar e conversar, precisamente porque temos chegado. Aí é onde fracassamos lamentavelmente. Um só homem verdadeiramente santo irradia esta influência, o grupo em que se encontra sentirá sua influência e presença. O problema é que o sal se tem tornado insípido em tantos casos; e não influímos os demais sendo santos na forma que deveríamos. Embora a Igreja faça grandes pronunciamentos acerca da guerra, da política e de outros temas importantes, o homem comum não se sente afetado; porém se temos num tribunal a quem seja um cristão verdadeiro cuja vida tenha sido transformada pela ação do Espírito Santo, este alguém afetará aos que o rodeiam.
Assim, podemos atuar como sal da terra em tempos como os nossos. Não é algo que possa fazer a Igreja em geral, é algo que deve ser feito por cada crente individualmente. É o princípio de infiltração celular. Um pouco de sal produz efeito na grande massa devido à sua qualidade essencial que de uma forma ou outra penetra tudo. Parece-me que este é o grande chamamento que nos fazem tempos como estes. Contemplemos a vida e a sociedade neste mundo. Não é evidente que esteja corrompida? Contemplemos a decomposição que se tem apoderado de todas as classes de pessoas. Contemplemos tantos divórcios e separações, tantas chacotas que fazem com o que é mais santo na vida, esse aumento da embriaguez e desperdício. Estes são os problemas, e é evidente que não se pode solucionar por meio de leis. Os periódicos não parecem nem tocar nisso. De fato nada o resolverá, salvo a presença de um número cada vez maior de crentes que controlem a putrefação, a contaminação, a decomposição, o mal e o vício. Cada um de nós em nosso círculo, pode controlar este processo, e assim, toda a massa se preservará.
Que Deus nos dê graça para examinarmos à luz desta idéia tão sincera. A grande esperança da sociedade de hoje está no número cada vez maior de cristãos. Crentes genuínos e que vivam a genuína vida cristã.  Que a Igreja de Deus se dedique a isso e não a gastar energias e tempo em assuntos que não lhe competem. Que cada cristão se assegure de que possui esta qualidade essencial de ser sal, de que por ser o que é, constitui um controle ou antiséptico na sociedade, impedindo-lhe que se corrompa, e que volte, talvez, a uma época de trevas.
Antes do avivamento Metodista, a vida em Londres, como se pode ver nos livros que se escreveram desde então, era quase incrível como havia tanta embriaguez, vícios e imoralidades. Não corremos o perigo de retornar a isto? Acaso nossa geração não está em decadência de uma forma visível? Somos vocês e eu e outros como nós, crentes, os únicos que podemos impedi-lo. Que Deus nos dê a graça de fazê-lo.
Suscita em nós o dom, Senhor, e faça-nos tais que sejamos realmente como o Filho de Deus e influenciemos todos os que entrem em contato conosco.  


QUE VOSSA LUZ BRILHE

Traduzido e adaptado de D. M. Lloyd Jones

Logo após ter concluído o discurso sobre as bem-aventuranças em Mt 5.1-12, Jesus afirmou imediatamente em seguida que o crente é o sal da terra (v. 13) e a luz do mundo (v.14), e ao desdobrar o significado de ser o crente tal luz do mundo Ele disse o seguinte em Mt 5.14b-16: “não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.”.
Jesus queria que todos os crentes, de todas as épocas, vissem com clareza que nós somos o que Ele nos tem feito a fim de que façamos algo. Este é o tema que se encontra ao longo de toda a Bíblia.
Isto se vê muito bem na afirmação do apóstolo Pedro:
“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (I Pe 2.9).
Este é o tema, em certo sentido, de todas as cartas do Novo Testamento, o qual nos demonstra uma vez mais que é tolo considerar o Sermão do Monte como destinado tão somente a alguns crentes que viverão numa época ou dispensação futura. A Igreja não deve aceitar o ensino que a santidade é algo para ser vivido somente no porvir mas é essencialmente necessário que o crente cumpra o propósito de Deus de que viva como sal e luz neste mundo, porque o ensino dos apóstolos, como vimos em nosso estudo, na introdução geral ao Sermão do Monte, não é somente uma elaboração do que temos aqui.
Suas cartas nos dão muitos exemplos de como se põe em prática isto que estamos estudando.
Em Filipenses 2.15,16, o apóstolo Paulo descreve os crentes como luzeiros no mundo, e lhes exorta por isso a reterem a Palavra da vida.
Ele emprega constantemente a comparação da luz com as trevas para mostrar como o crente atua na sociedade, por ser cristão.
Nosso Senhor parece muito desejoso de deixar isto bem impresso em nós. Temos que ser o sal da terra. Muito bem, porém recordemos: se o sal perde o sabor, com que será salgada? Não serve mais para nada senão para ser lançado fora e pisado pelos homens.
Somos a luz do mundo. Contudo, recordemos que não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte. Nem se acende uma luz para ser colocada debaixo de um cesto, mas sim num candelabro, e assim ilumina todos os que estão na casa. Logo temos esta exortação final que sintetiza tudo: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mt 5.16).
Em razão da forma como Jesus põe isto em relevo torna-se óbvio que devemos examiná-lo. Não basta somente recordar que temos de atuar como sal na terra ou como luz no mundo. Devemos compreender também o fato de que isto deve se converter no mais importante da vida, pelas razões que vamos estudar. Talvez a melhor maneira de fazê-lo é apresentá-lo em forma de afirmações ou proposições sucessivas.
O que deve primeiro ser examinado é o por quê do nosso dever de sermos sal e luz como cristãos, e por que devemos desejar sê-lo.
Parece-me que nosso Senhor apresenta três razões básicas.
A primeira é que, por definição, temos que ser assim.
As comparações que emprega sugerem esse ensino.
O sal é para salgar, nada mais.
A luz tem como função e propósito iluminar.
Devemos começar por aí e darmo-nos conta de que estas coisas são evidentes por si mesmas e não necessitam de ilustração.
Porém, quando dizemos isto, não tende a agir como uma forma de reprovação para nós?
Somos muito propensos a esquecer estas funções essenciais do sal e da luz.
À medida que avançarmos na exposição, creio que concordarão que necessitamos que isto nos seja recordado constantemente.
A lâmpada, como diz nosso Senhor, é suspensa e fixada para que ilumine a casa.
O propósito é que a luz se difunda no ambiente.
Esta, portanto, é nossa primeira afirmação. Temos que dar-nos conta do que é o cristão, por definição, e esta é a definição que nosso Senhor nos deu acerca do que ele é.
Portanto, desde o começo, quando partimos para descrever o crente a nosso modo, esta definição nunca deve incluir menos que isso. O essencial nele é isto: “sal e luz”.
Porém passemos à segunda razão. Parece-me que é a de que nossa posição não é somente contraditória senão ridícula se não atuamos assim.
Temos que ser como uma cidade edificada sobre um monte. E uma cidade edificada sobre um monte não pode ser escondida. Noutras palavras, se somos verdadeiros crentes isto não pode ser escondido. Ou dito ainda de outra maneira, o contraste entre nós e os demais tem que ser totalmente evidente e perfeitamente óbvio.
Porém, nosso Senhor não se deteve aí, e foi mais além. Pede-nos, que imaginemos a alguém que acende uma luz e imediatamente a coloca debaixo de um cesto em vez de colocá-la num candelabro.
Certos comentaristas antigos têm dedicado muito tempo para definir o que seja alqueire, às vezes com resultados curiosos. Mas a mim, me parece que o importante é saber que se oculta a luz, e não importa muito o modo de se fazer isto.
O que nosso Senhor diz é, que isto é um procedimento ridículo e contraditório. O propósito de acender uma luz é para que ilumine. E todos estaremos de acordo que é totalmente ridículo que alguém a cubra com algo que lhe impede de alcançar este propósito.  
Sim, mas recordemos o que nosso Senhor está falando acerca de nós, como crentes. Existe o perigo, ou pelo menos a tentação, de que o crente se comporte dessa forma ridícula e vã, e por isso isto é sublinhado deste modo.
Parece dizer “não se escondam deliberadamente”, “não ocultem a luz que vocês são”, “porque devem ser como a cidade edificada num monte, que não pode ser ocultada. Como podem então ocultar esta luz deliberadamente?”
Passemos à última fase de sua argumentação. Fazer isto, segundo nosso Senhor, é nos tornarmos totalmente inúteis. Isto é chocante, e não cabe dúvida de que emprega estas duas comparações para ressaltar este ponto concreto. O sal sem sabor para nada serve, tanto como uma luz que foi acesa e acabou sendo ocultada. E isto se aplica a tudo o mais. Tomemos as flores, por exemplo, quando estão vivas são muito formosas e perfumadas, porém quando morrem não se tornam completamente inúteis? Por isso são jogadas fora ou podem ser usadas como esterco. Assim ocorre com muitas outras coisas. Elas se tornam inúteis quando sua função principal já não se realiza.
Todavia, servem para alguma outra função secundária. Porém o extraordinário no caso do sal é que enquanto deixa de salgar não serve para mais nada. Torna-se até difícil saber o que se possa fazer com ele nesta condição imprestável, porque não serve sequer para adubo. Deixa de ter qualquer função, e por isso é lançado fora.
O mesmo ocorre com a luz. Sua característica essencial é iluminar e não tem realmente nenhuma outra função. Sua qualidade essencial é sua única qualidade, e uma vez que a perde, torna-se completamente inútil.    
Segundo a argumentação de nosso Senhor, isto é o que há para se dizer do crente. E isto é de uma lógica inevitável, porque não há nada no universo de Deus que seja mais inútil do que um crente puramente de aparência.
O apóstolo Paulo descreve isto quando fala de certas pessoas que teriam aparência de piedade, porém negavam a eficácia dela. Parecem cristãos porém não são. Desejam apresentar-se como cristãos, porém não agem como tais. São sal sem sabor, luz sem lume, se é possível se imaginar algo assim. Talvez seja possível quando pensamos na ilustração da luz escondida debaixo do cesto. Quando pensamos na experiência de observação de alguém específico, vemos o quanto isto é uma pura verdade.
O crente nominal sabe bastante do cristianismo, para que o mundo lhe considere incômodo, porém não sabe o suficiente para ser útil para o mundo.
Não está de acordo com o mundo porque sabe o suficiente para temer certas coisas, e os que vivem como mundanos sabem que ele deseja ser diferente e que não pode ser como aqueles que são do mundo.
Por outro lado, não tem um verdadeira comunhão com os crentes. Possui um “cristianismo” suficiente para fazer com que os demais se percam, porque ninguém se converterá com o seu testemunho e ensino, porém não o suficiente para torná-los felizes, para dar-lhes paz, alegria e abundância de vida.
Parece-me que essas pessoas são as mais infelizes do mundo. Não atuam nem como mundanas, nem como cristãs. Não são nada, nem sal nem luz, nem uma coisa nem outra. E de fato, vivem como párias, párias, por assim dizer, do mundo e da Igreja. Não querem considerar-se como sendo do mundo, enquanto que por outro lado, não participam da plena vida da Igreja. Assim o sentem eles próprios e os demais. Sempre há essa barreira. São párias. Ou são mais do que isso, em certo sentido, porque o que é completamente mundano não pretende coisa alguma, porque pelo menos tem o seu grupo.  
Estas são pois, as pessoas mais trágicas e patéticas, e a advertência solene que temos neste versículo é a advertência de nosso Senhor contra os que vivem neste estado e condição.
As parábolas de Mateus 25 referendam isto, nelas se nos diz da exclusão definitiva de tais pessoas, como sal que se lança fora.
Para sua surpresa virão a achar-se do lado de fora da porta, pisoteados pelos homens. A história demonstra isto. Tem havido certas Igrejas que, havendo perdido o sabor, ou havendo deixado de irradiar a luz verdadeira, têm sido pisoteadas. Houve noutro tempo uma Igreja muito vigorosa na África do Norte, que produziu muitos crentes santos, inclusive o grande Santo Agostinho. Porém perdeu o sabor e a verdadeira luz, e por isso foi pisoteada e deixou de existir. O mesmo tem sucedido noutros países. Que Deus nos dê graça para ter em conta esta solene advertência. A profissão puramente superficial do cristianismo virá a acabar assim.
Talvez o possamos resumir assim. O crente verdadeiro não pode ser ocultado, não pode passar despercebido. O que vive e atua como verdadeiro crente se destacará. Será como o sal, será como uma cidade situada sobre um monte, como candeia posta num candeeiro.
Porém podemos acrescentar algo. O verdadeiro crente não deseja ocultar esta luz. Vê o ridículo que é pretender ser crente e apesar disso tentar ocultá-lo. O que entende o significado de ser cristão, o que entende o que a graça de Deus tem significado para ele, e compreende o que, em última instância, Deus tem feito a fim de que influencie outros, não pode ser ocultado. Não somente isto, não deseja ocultá-lo, porque pensa assim: “o último fim e objetivo de tudo isso é que aja dessa maneira”.
Estas comparações e ilustrações, têm, pois, como fim, segundo a intenção de nosso Senhor, mostrar-nos que qualquer desejo que achemos em nós de ocultar o fato de que somos crentes, não somente tem que ser considerado como ridículo e contraditório, e caso, o aceitemos e persistamos nisso, podemos ser conduzidos a uma exclusão final.
Assim, se vemos em nós uma tendência a esconder a nossa luz, devemos começar a nos examinar e a tratar de nos assegurar de que é realmente “luz”, porque a luz que o Senhor conduz ao cumprimento de sua função não pode ser ocultada, senão revelada.
É um fato que o sal e a luz querem manifestar a sua qualidade essencial, de modo que se há algo de incerteza quanto a isso, devemos nos examinar para descobrir a causa desta posição ilógica e contraditória. Ou para dizê-lo de uma forma mais simples. Da próxima vez que me encontrar com essa tendência de encobrir o fato de que sou crente, talvez com o fim de congraciar-me com alguém ou de evitar perseguições, tenho que pensar no que acende a luz e a oculta debaixo do cesto. Pois enquanto vejo o ridículo que há nisto, reconhecerei que a mão sutil que me oferecia este cesto para esconder a minha luz era a mão do diabo. Portanto a rechaçarei, e a luz brilhará com mais esplendor.
Esta é a primeira afirmação.
Passemos agora à segunda, a qual é muito prática.
Como podemos nos assegurar de que atuamos realmente como sal e luz?
Num sentido ambas ilustrações o indicam, porém a segunda é talvez mais simples que a primeira.
Os comentaristas têm se interessado muito por isto e dão o exemplo de um homem que uma vez, estando de viagem, encontrou um tipo de sal que havia perdido o sabor. Quão néscios nos tornamos ao começar a estudar a Bíblia em função de palavras e não de doutrina! E uma vez aprendida a doutrina não praticá-la, de modo que isto seja visto em testemunho pelas demais pessoas. Não faz nenhuma falta ir ao Oriente para encontrar sal sem sabor, o único propósito de nosso Senhor foi o de mostrar o ridículo de toda esta ação.
A segunda ilustração é mais concreta. A lâmpada necessita somente de duas coisas – azeite e pavio, as quais sempre estão juntas.
Claro que há pessoas que às vezes falam do azeite somente, enquanto outras somente mencionam o pavio.
Porém, sem azeite e pavio nunca teremos luz. Ambas são absolutamente essenciais, e por isso temos que prestar atenção a ambas.
A parábola das dez virgens nos ajuda a lembrar disso. O azeite é totalmente essencial e vital, nada podemos fazer sem ele, e as bem-aventuranças tratam precisamente de sublinhar este fato.
Temos que receber esta vida, esta vida divina. Não podemos atuar como luz sem ela. Somos somente a luz do mundo enquanto o que é a luz do mundo atua em nós e por meio de nós, a saber nosso Senhor mesmo.
A primeira coisa pois, que devemos nos perguntar é: Tenho recebido esta vida divina? Sei que Cristo mora em mim? Paulo intercedia em favor dos efésios para que Cristo morasse em seus corações com abundância, pela fé, a fim de que pudessem ser enchidos de toda a plenitude de Deus. Toda a doutrina referente à ação do Espírito Santo consiste essencialmente nisto. Não consiste em se outorgar dons particulares, tais como o de línguas ou alguma das outras coisas pelas quais o povo tanto se interessa. Seu propósito é dar vida e as graças do Espírito, o qual é o caminho mais excelente. Estou seguro de que tenho o azeite, a vida, que somente o Espírito de Deus pode me dar?
A primeira exortação, pois, deve ser que o busquemos sem cessar. Isto significa, desde já, oração, que é a ação para recebê-lo.
Freqüentemente costumamos pensar que estes convites benévolos de nosso Senhor são algo que se dá uma vez para sempre. Diz, “vinde a mim” se quereis a água da vida, “vinde a mim” se quereis o pão da vida. Porém tendemos a pensar que uma vez que temos ido a Jesus já temos para sempre esta provisão. Não é assim. É uma provisão que temos que renovar, que temos que ir buscar constantemente. Temos que viver em contato com Ele, porque somente quando recebemos sem cessar esta vida podemos atuar como sal e luz.
Porém, desde já, não somente significa oração constante, significa o que nosso Senhor mesmo descreve como “fome e sede de justiça”. Isto é interpretado no sentido de algo que nunca se interrompe. Somos saciados, sim, porém sempre desejamos mais. Nunca permanecemos parados, nunca descansamos nos galardões e dizemos: “recebemos de uma vez por todas”. Nunca. Seguimos tendo fome e sede, seguimos dando-nos conta da necessidade perene que temos dEle e desta provisão de vida e de tudo o que nos possa dar. Por isso seguimos lendo a Palavra de Deus para que possamos aprender muito acerca dEle e da vida que nos oferece.
A provisão de azeite é essencial. Leiam as biografias daqueles que obviamente têm sido como cidades situadas sobre um monte que não se podem ocultar. Verão que não dizem:  “Tenho ido a Cristo de uma vez por todas, e esta é a experiência culminante da vida que durará para sempre”. De modo nenhum, eles nos dizem que sentiram uma necessidade absoluta de passar horas em oração, de estudo da Bíblia e meditação. Nunca deixaram de ir buscar o azeite e de receber a provisão do mesmo.
O segundo elemento essencial é o pavio. Devemos nos ocupar também disso. Para manter a lâmpada ardendo o azeite não é suficiente, porque tem que avivar constantemente o pavio. Foi isto que disse nosso Senhor com o fato de ser o crente luz do mundo.
Muitos de nós não temos conhecido outra coisa além da eletricidade. Porém, alguns talvez recordem como se devia ter cuidado com o pavio. Quando começava a fumegar, não iluminava, de maneira que tinha que ser avivado, e isto era um processo delicado. Que significa isto na prática? Creio que significa que temos que recordar constantemente as bem-aventuranças. Deveríamos lê-las todos os dias. Temos que recordar diariamente o que é ser pobre de espírito, misericordioso, manso, pacificador, de coração limpo, e assim sucessivamente.
Não há nada que sirva melhor para manter o pavio em bom funcionamento que recordar o que sou pela graça de Deus, quanto à nova natureza recebida do Espírito, e o que tenho de ser na prática como um crente. Parece-me que deveria fazer isto todas as manhãs antes de começar o dia. Em tudo o que faço e digo, tenho que ser como esse homem que vejo nas bem-aventuranças. Comecemos com isso e nos concentremos nisso.
Porém não somente temos de recordar as bem-aventuranças, temos de viver de acordo com elas. Quê significa isto? Significa que temos de evitar tudo o que se opõe às mesmas, que temos que ser completamente diferentes do mundo. É algo trágico ver crentes que não querem ser diferentes nem sofrer perseguição, parecem viver o mais próximo que podem do mundo. Porém isto é uma contradição de termos. Não há meio termo entre luz e trevas, é uma coisa ou outra. E não há acordo possível entre elas. Ou se é luz, ou se é trevas. E o crente tem que ser assim na terra. Não somente não devemos ser como o mundo, senão que temos que esforçar-nos em ser o mais diferentes dele que possamos.
Num sentido positivo, contudo, significa que deveríamos demonstrar esta diferença em nossa vida, e isto, desde logo, pode ser feito de mil maneiras. Não posso dar uma lista completa quanto ao que significa, mas, no mínimo significa viver uma vida separada.
O mundo se está tornando cada vez mais grosseiro, rude, feio, estrepitoso, sujo.
Creio que estamos de acordo nisso.
À medida que a influência cristã vai diminuindo no país, todo o tom da sociedade se torna mais baixo, inclusive as pequenas gentilezas são cada vez mais escassas. O crente não deve viver assim. Tendemos muito a nos limitarmos a dizer: “sou crente”, ou “não é maravilhoso ser crente?”, para logo depois, sermos bruscos e desatenciosos. Recordemos que estas são as coisas que proclamam aquilo que somos. Temos que ser humildes, pacíficos em nosso falar e atuar, e sobretudo em nossas reações diante dos demais. Creio que o crente tem maiores oportunidades hoje que há um século, devido ao estado atual do mundo e da sociedade. Creio que as pessoas nos observam muito de perto por nos dizermos cristãos, e observam as reações que teremos diante dos demais, e diante do que dizem e fazem em relação a nós.
Nós nos iramos? O não crente o faz, o crente não deveria fazê-lo. Deve ser como o homem das bem-aventuranças, e por isso reage de forma diferente. E quando se acha diante de acontecimentos mundiais, diante de guerras e rumores de guerras, diante de calamidades, enfermidades, e tudo o mais, não se angustia, nem fica perturbado ou se irrita. O mundo reage assim, o crente não. É essencialmente diferente.
O último princípio é a importância suprema de fazer tudo isto de forma adequada. Temos considerado o que é ser como sal, temos examinado porque temos de ser como luz. Temos visto como é ser assim, como nos assegurar de que o somos de fato. Porém deve ser feito da forma adequada. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens” – a palavra importante aqui é “assim” – “para que vejam vossas boas obras, e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Tem que haver uma ausência de ostentação e exibicionismo. É difícil na prática, não é verdade? Situar a linha divisória entre funcionar verdadeiramente como sal e luz, e contudo não se fazer culpado de ostentação? Porém é isto que se nos diz que façamos. Temos que viver de tal modo que os demais vejam nossas boas obras, porém que elas glorifiquem não a nós, mas a nosso Pai que está nos céus.
É difícil atuar como verdadeiro crente, e contudo não cair no exibicionismo.
Nisto está incluída a pregação do evangelho. Ao revelá-lo em nossa vida diária devemos recordar que o crente não atrai a atenção sobre si. Ele não pode se esquecer da pobreza de espírito, da mansidão e de todas as outras coisas. Noutras palavras, temos de fazer tudo por Deus, para Sua glória. O eu tem que estar ausente, e deve ser completamente afastado com todas as suas sutilezas, por amor a Ele e por Sua glória.
Segue-se que temos que fazer todas estas coisas de tal forma que conduzamos a outros homens a glorificarem a Deus, a entregarem-se a Ele. “Assim brilhe vossa luz diante dos homens, para que vendo vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Sim, e vê-las de tal modo que eles por sua vez glorifiquem a seu Pai que está nos céus. Não somente temos de glorificar nosso Pai, temos de levar outras pessoas a glorificarem-nO também.
Isto, por sua vez conduz ao fato de que, por sermos verdadeiramente crentes, temos de ter grande tristeza no coração por essas pessoas. Temos de nos dar conta de que estão em trevas, e em estado de contaminação. Noutras palavras, quanto mais aproximarmos nossas vidas do Senhor, tanto mais nos tornaremos semelhantes a Ele, e Ele teve uma grande compaixão pelas pessoas. Viu as pessoas como ovelhas que não têm pastor. Teve grande compaixão por elas, e isto determinou Seu procedimento. Não se preocupou consigo mesmo; teve compaixão da multidão. Assim temos de viver vocês e eu, assim temos de considerar estas coisas. Noutras palavras, em todas nossas ações e viver cristão estas três coisas devem ocupar sempre um ponto proeminente. Fazer tudo por Ele e por Sua glória. Conduzir os homens a Ele para que o glorifiquem. Que tudo se baseie no amor e compaixão por eles em sua condição perdida.  
Esta é a forma em que nosso Senhor nos exorta a demonstrarmos o que tem feito por nós. Devemos viver como pessoas que têm recebido dEle vida divina. Ele coloca diante de nós este quadro maravilhoso de sermos como Ele neste mundo. Os homens começavam a pensar em Deus ao vê-lo. Temos lido nos evangelhos como era freqüente que os homens dessem glória a Deus depois de tê-lo visto realizar um milagre? Diziam: “nunca vimos coisas como estas dantes” e glorificavam ao Pai. Vocês e eu temos que viver assim. Noutras palavras, temos de viver de tal modo que, quando os demais nos vejam, passemos a ser uma interrogação para eles, no sentido de que se perguntarão: “Que é isto?”. Por que esses são tão diferentes em seu comportamento e reações? E há algo neles que não podemos explicar.”. E chegarão à única explicação verdadeira, que é a de que somos o povo de Deus, filhos de Deus, herdeiros de Deus, e co-herdeiros com Cristo. Temos chegado a ser o reflexo de Jesus, aqueles nos quais a vida do Senhor tem sido reproduzida. E assim como Ele é a luz do mundo, então nós temos que ser também a luz do mundo.


A  LUZ  DO MUNDO

Traduzido e adaptado de D. M. Lloyd Jones

Em Mateus 5.14 temos uma das afirmações mais surpreendentes e extraordinárias acerca do cristão que jamais se tem feito. Se alguém tem em conta o quadro, e recorda as pessoas às quais Jesus dirigiu estas palavras, aprenderá verdades notáveis. É uma afirmação cheia de significado e de implicações profundas quanto ao entendimento da natureza da vida cristã.
É uma grande característica da verdade bíblica que pode sintetizar, por assim dizer, o conteúdo de toda nossa posição num versículo sério como este. “Vocês”, disse nosso Senhor, olhando essas pessoas simples, essas pessoas completamente sem importância do ponto de vista do mundo, “vocês são a luz do mundo”.
É uma dessas afirmações que sempre deveriam produzir em nós o efeito de erguer a cabeça, de fazer-nos dar conta do quão magnífico e notável é ser um cristão.
Isto se converte inevitavelmente numa prova boa e completa da nossa posição e experiência. Todas estas afirmações que se fazem do crente sempre conduzem a isto, e devemos ter sempre o cuidado que assim se dê de fato conosco.
O “vocês” a quem se refere esta afirmação significa simplesmente nós mesmos. O perigo é sempre que leiamos uma afirmação como esta e pensemos em alguém diferente, a saber, os primeiros crentes, ou os crentes em geral. Porém se refere a nós, individualmente, se pretendemos ser crentes de verdade.
É lógico, pois, que uma afirmação assim requer uma análise detalhada. Antes de intentá-lo, contudo, devemos estudá-lo em geral e tratar de retirar disso as implicações mais óbvias.
Antes de tudo vejamos qual é seu significado negativo. Porque a força verdadeira da afirmação é esta: “vocês, e somente vocês, são a luz do mundo”. O “vocês” é enfático e comporta esta idéia. Imediatamente compreendemos que implicam certas coisas. A primeira é que o mundo está em trevas.
Isto, de fato, é um dos pontos básicos que o evangelho cristão sempre realça.
Talvez em nenhuma outra passagem da Bíblia se veja este contraste marcado entra a  idéia cristã da vida e todas as outras idéias, com mais clareza, que num versículo como este.
O mundo sempre fala de sua civilização. Esta é uma de suas frases favoritas, sobretudo desde o Renascimento dos séculos XV e XVI quando os homens voltaram a se interessar pelo conhecimento.
Todos os pensadores consideram que esse foi o ponto decisivo na história, uma grande linha divisória, que separa a história das civilizações, e todos estão de acordo em que essa civilização moderna, tal como vocês e eu a conhecemos, começou realmente a partir de então. Houve uma espécie de novo nascimento da razão e da cultura.
Voltaram a descobrir os clássicos gregos; e seu ensino e conhecimentos, num sentido puramente filosófico, e todavia mais num sentido científico, realmente começaram a dirigir e controlar a perspectiva e vidas de muitos.
Logo, houve, como sabem, uma restauração parecida no século XVIII, que se chamou a si mesma “Iluminismo”.
Os que se interessam pela história da Igreja Cristã e da fé cristã devem ter em conta este movimento. Foi o começo, num sentido, do ataque contra a autoridade da Bíblia, porque pôs a filosofia e pensamento humanos no lugar da revelação divina e da revelação da verdade ao homem, por parte de Deus.
Isso continuou até o tempo presente, e o que quero sublinhar é que sempre se apresenta como luz, e os que se interessam por este movimento sempre se referem a ele como “Iluminismo”. O conhecimento, dizem, é o que traz luz, o que brilha, e é evidente que em muitos aspectos é assim. Seria néscio negá-lo. O aumento do saber sobre os processos naturais e acerca das enfermidades físicas e de muitas outras coisas tem sido realmente fenomenal.
O novo saber também tem lançado luz sobre o funcionamento do cosmos, e tem aumentado a compreensão de muitos aspectos diferentes da vida.
Porém, isto, muitos costumam chamar freqüentemente de “iluminação” como conseqüência do saber e da cultura. E contudo, apesar de tudo isto, segue de pé a afirmação bíblica. “vocês, e somente vocês, são a luz do mundo”.
E esta luz conduz ao que é eterno e verdadeiro.
O conhecimento médico por exemplo na prevenção de enfermidades, pode prolongar, quando é possível, o curso da vida física por apenas uns poucos anos, e depois, será inevitável ter que enfrentar a realidade da morte. Mas a luz do evangelho nos crentes revela um caminho que conduz à verdadeira vida e à eternidade. E quão frágeis e passageiros são todos os benefícios alcançados pelo mero conhecimento humano.
A Escritura segue proclamando que o mundo, tal como é, está em trevas e enquanto alguém começa a contemplar as coisas seriamente pode-se demonstrar facilmente que é a pura verdade.
A tragédia de nosso século tem sido que nos temos concentrado somente num aspecto do saber.
Nosso conhecimento tem sido conhecimento das coisas, de coisas mecânicas, de coisas científicas, conhecimento da vida num sentido mais ou menos biológico e mecânico.
Porém, nosso conhecimento dos verdadeiros fatores que fazem a vida, não tem aumentado em nada.
Por isso, o mundo está em tal estado hoje em dia.
Porque, como se tem indicado constantemente, apesar de haver descoberto todo esse novo saber, temos fracassado no descobrimento do mais importante de tudo, a saber, como aplicar nosso saber.
Esta é a essência do problema relativo à força atômica. A tragédia é que não temos conhecimentos suficientes de nós mesmos que nos permitam saber como podemos aplicar esta força, agora que a temos descoberto.
E se soubéssemos, não poderíamos ultrapassar sequer os limites da existência física, que têm sido fixados pelo Senhor desde a criação, e que foram reduzidos drasticamente, porque sabemos que no princípio os homens viviam até 900 anos, sendo esta marca reduzida para o limite de 600, depois 500, 400, 200, chegando ao de 100 que tem perdurado até nossos dias, e que poucos atingem, em condições de pleno  vigor físico.
Se não se pode, por decreto de Deus acrescentar-se um palmo ao curso da existência, quanto mais resolver definitivamente o problema do pecado que reside em todas as pessoas.
Aí reside a dificuldade.
Nosso saber é mecânico e científico.
Porém, quando passamos aos problemas fundamentais da vida, do ser e existir, não é óbvio que a afirmação de nosso Senhor permanece sendo verdade, que o mundo está num estado de trevas horrendas?  Se Ele diz que o crente é a luz do mundo, então por conseguinte Ele diz também que o mundo está todo em trevas.
Pensemos nisso no campo da vida e conduta pessoais. Muitos homens de grande saber em muitos terrenos fracassam completamente em sua vida pessoal. Vejamos-lhes no campo das relações de uns com outros. Precisamente quando nos encontramos nos gloriando do quanto iluminados somos, do muito que sabemos, há essa ruptura trágica nas relações pessoais. É um dos maiores problemas morais e sociais da sociedade.
Vejam como temos multiplicado nossas instituições e organizações. Temos que instruir acerca de coisas nas quais as pessoas nunca foram instruídas dantes. Por exemplo, temos que ter agora cursos de instrução matrimonial. Até este século as pessoas se casavam sem estes conselheiros que agora parecem essenciais. Todos eles dizem bem às claras que quanto aos problemas mais importantes da vida, como evitar o mal, o pecado, tudo que é baixo e indigno, com ser puros, retos, castos e íntegros, que há muitas trevas.
Logo, à medida que se passa a outras esferas e se contempla as relações entre grupos, encontramos a mesma situação, e por isso temos esses grandes problemas industriais e econômicos.
Num nível todavia mais elevado, vejamos as relações entre nações. Este século, no qual tanto falamos do saber e da cultura, prova que o mundo está num estado de trevas completas em relação a estes problemas vitais e fundamentais.
Porém devemos ir mais além. Nosso Senhor não somente afirma que o mundo está num estado de trevas; chega a dizer que ninguém senão o cristão pode dar conselho e instrução relativamente a isto.
Disso nos gloriamos como cristãos. Os maiores pensadores e filósofos se sentem desconcertados diante dos tempos atuais e me seria muito fácil apresentar-lhes muitas citações de seus escritos para demonstrá-lo.
Não importa que se considere no campo da pura ciência ou da filosofia quanto a estes problemas definitivos; os escritores não acertam ao tentarem explicar ou entender seu próprio século. A razão está em que sua teoria básica é que o que o homem necessita é aumentar o saber. Crêem que se o homem tiver esses conhecimentos os aplicaria à solução dos seus problemas. Porém  é evidente que o homem não o está fazendo. Tem os conhecimentos, porém não os aplica, e isto é o que deixa os “pensadores” perplexos. Não entendem o problema verdadeiro do homem; não são capazes de dizer-nos onde está a raiz do estado atual do mundo, e muito  menos são capazes de dizer-nos o que se pode fazer para resolvê-lo.
Recordo, faz uns anos, que li a crítica de um livro que tratava destes problemas, a crítica foi escrita por um conhecido professor de filosofia deste país. Expressou-se assim: “Este livro enquanto análise é muito bom, porém não vai além da análise e por isso não ajuda grande coisa. Todos sabemos analisar, porém a pergunta vital que queremos que se responda é: qual é a raiz última do problema? Que se pode fazer?”. E quanto a isto nada disse, porém deu ao livro o impressionante título de A Condição Humana. Assim é. Pode alguém procurar uma ou outra vez nos maiores filósofos e pensadores e nunca o levam a nada além da análise. São excelentes na apresentação do problema e em apresentar os diferentes fatores que atuam. Porém, quando se lhes pergunta onde está a última raiz disso, e o que pensam fazer, deixam-nos sem resposta. É evidente que não têm nada para dizer. É óbvio que neste mundo não há luz nenhuma aparte do que oferece o povo cristão e a fé cristã. E não exagero. Quero dizer que somos realistas e damo-nos conta disso, e de quanto nosso Senhor falou, faz mais de dois mil anos, não somente disse a verdade quanto ao seu próprio tempo, senão que também a disse relativamente a todas as épocas subseqüentes. Não esqueçamos que Platão, Sócrates, Aristóteles e todos os demais, haviam ensinado vários séculos antes de terem sido pronunciadas essas palavras de Jesus. Foi depois desse florescer surpreendente da mente e do intelecto que nosso Senhor fez esta afirmação.  
Contemplou esse grupo de pessoas comuns e insignificantes e disse “vocês e somente vocês são a luz do mundo”. E não fez nenhuma alusão aos filósofos que haviam vivido dantes, como Platão, Sócrates e Aristóteles porque não havia neles nenhuma luz que conduzisse à verdade. Então quando disse que somente os crentes são a luz do mundo, isto é uma afirmação tremenda e estremecedora, e eu diria que por muitas razões dou graças a Deus de estar pregando este evangelho hoje e não há cem anos atrás. Se houvesse afirmado isto cem anos antes as pessoas teriam zombado, porém hoje já não zombam porque a história mesma demonstra cada vez mais a verdade do evangelho. As trevas do mundo nunca têm sido mais evidentes que hoje, e diante delas temos esta afirmação surpreendente e profunda. Esta é a implicação negativa do texto.
Consideremos agora suas implicações positivas. Diz: “vocês”. Em outras palavras afirma que o crente comum, embora talvez nunca tenha estudado filosofia, sabe mais da vida e a entende melhor que alguém grande e experiente que não seja crente. Este é um dos temas básicos do Novo Testamento.
O apóstolo Paulo, ao escrever aos coríntios disse bem claramente quando afirmou “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (I Cor 1.21). Isto que parece ridículo para o mundo é sabedoria de Deus. Este é o paradoxo extraordinário que se nos apresenta. A implicação do mesmo deve ser óbvia, mostra que somos chamados a fazer algo positivo. Esta é a segunda afirmação que faz nosso Senhor relativamente à função do crente neste mundo. Uma vez descrito o crente em geral nas bem-aventuranças, a primeira coisa que diz é: “vocês são o sal da terra”. Agora diz, “vocês são a luz do mundo”, e somente vocês. Porém recordemos sempre que isto se diz dos crentes comuns, não de certos crentes somente. Aplica-se a todos os que têm o direito de receber este nome.
Imediatamente surge a pergunta. Como pois, se cumprirá isto em nós? Uma vez mais se nos conduz ao ensino referente à natureza do crente. A melhor maneira de entendê-lo, me parece, é esta. O Senhor que disse: “vocês são a luz do mundo”, também disse, “eu sou a luz do mundo”. Estas duas afirmações devem ser tomadas sempre juntas, já que o crente é  luz do mundo, somente por sua relação com Ele que é a luz do mundo.
Nosso Senhor afirmou que havia vindo trazer luz. Sua promessa é que “o que me segue não andará em trevas, senão que terá a luz da vida”. Agora, contudo, diz também: “vocês são a luz do mundo”.
Conseqüentemente, Ele, e somente Ele nos dá esta luz vital relativa à vida. Porém não se detém aí, também nos faz luz. Recordem como o apóstolo Paulo o disse em Efésios 5, onde afirma: “porque noutro tempo éreis trevas, porém agora sois luz no Senhor”.
Por isso não somente temos recebido luz, temos sido feitos luz, nos convertemos em transmissores de luz. Noutras palavras, é este extraordinário ensino da união mística entre o crente e seu Senhor. Sua natureza entra em nós a fim de que sejamos, num sentido, o que Ele é. É básico que tenhamos presentes ambos aspectos deste assunto. Como crentes no evangelho temos recebido luz, conhecimento e instrução. Porém, além disso, tem passado a fazer parte de nós, de maneira que somos também luz no Senhor. Tem-se convertido na nossa vida, a fim de que assim possamos refleti-la. O notável, portanto, é que nos é lembrado nesta passagem a nossa íntima relação com Ele. O crente tem recebido e se tem convertido em partícipe da natureza divina. A luz que é Cristo mesmo, a luz que é em último termo Deus, é a luz que tem o crente.
“Deus é luz e não há nele treva nenhuma”. “Eu sou a luz do mundo”. “Vocês são a luz do mundo”. A forma de entender isto é mediante a compreensão do ensino de nosso Senhor referente ao Espírito Santo em João 14.23, onde diz:  “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.” De fato a conseqüência da sua vinda será esta. Meu Pai e Eu moraremos em vocês, estaremos em vocês e vocês estarão em nós. Deus que é o pai das luzes, é a luz que está em nós. Ele está em nós e nós estamos nEle, e por isso se pode dizer do crente: “vocês são a luz do mundo”.  
É interessante observar que, segundo nosso Senhor, este é o segundo grande resultado de ser a classe de crente que Ele tem descrito nas bem-aventuranças. Deveríamos também considerar a ordem em que se fazem estas afirmações. A primeira que o Senhor nos diz é: “vocês são o sal da terra”, e somente depois disto diz:  “vocês são a luz do mundo”. Por que não disse isto na ordem contrária?  É um ponto prático muito interessante e importante. O primeiro efeito do crente no mundo é geral, em outras palavras, é mais ou menos negativo. Temos aqui um homem que se tem feito cristão, vive em sociedade, e no trabalho. Como é crente, imediatamente produz um certo efeito, um efeito de controle, que estudamos antes no comentário sobre ser sal da terra. Somente depois disto tem esta função específica e concreta de atuar como luz. Em outras palavras, a Bíblia, ao tratar do crente, sempre sublinha primeiro o que ele é, antes de começar a falar do que ele faz. Como crente, deveria sempre produzir este efeito geral nos demais, antes de produzir este efeito específico.
Onde quer que me encontre, imediatamente esse algo diferente que há em mim deveria produzir efeito, e isto por sua vez deveria levar aos demais a contemplar-me e dizer: “Há algo especial neste homem”.
 Logo, ao observarem minha conduta, começam a me fazer perguntas. Neste ponto entra em jogo o elemento de “luz”, posso falar-lhes e ensinar-lhes. Muito freqüentemente tendemos a mudar a ordem. Falamos numa forma muito iluminada, porém nem sempre vivemos como sal da terra. Tanto que se nos agrada ou não, nossa vida deveria ser sempre a primeira a falar, e se os lábios falarem mais do que a vida, pouco servirá. Com freqüência a tragédia tem sido que as pessoas proclamam o evangelho de palavra, porém sua vida e comportamento é negação do mesmo. O mundo não lhes dá grande atenção. Não esqueçamos nunca esta ordem que o Senhor escolheu deliberadamente: “sal da terra” antes de “luz do mundo”.
Somos algo, antes de começarmos a atuar como algo. Ambas coisas deveriam sempre caminhar juntas, porém a ordem e a seqüência deveria ser a que Ele estabelece nesta passagem.    
Tendo isto presente, consideremos agora de modo prático como o crente deve mostrar que é realmente a luz do mundo? Isto se transforma numa pergunta simples: Qual é o efeito da luz? Que faz na realidade? Não cabe duvida de que a primeira coisa que a luz faz é manifestar as trevas e tudo o que pertence às trevas.
Imaginemos uma casa escura, e quando se acende uma luz. Ou pensemos nas luzes dianteiras de um automóvel que transita numa estrada escura. Como diz a Bíblia: “Tudo o que se manifesta é luz”.
Num sentido estamos conscientes das trevas até que a luz não apareça, e isto é fundamental. Falando da vinda do Senhor a este mundo, Mateus disse: “O povo que andava nas trevas viu grande luz”.
A vinda de Cristo e do evangelho são tão fundamentais que se pode expressar assim; e o primeiro efeito de sua vinda ao mundo é que tem manifestado as trevas da vida do mundo.
Isto é algo que sempre, e inevitavelmente, faz qualquer pessoa boa ou santa.
Sempre necessitamos de algo que nos mostre a diferença, e a melhor maneira de revelar uma coisa é por contraste.
Isto faz o evangelho, e todo cristão o faz. Como disse o apóstolo Paulo, a luz clareia o oculto das trevas, e por isso diz: “os que se embriagam, é de noite que se embriagam”.
O mundo todo se divide em “filhos da luz” e “filhos das trevas”. Grande parte da vida do mundo está debaixo de uma espécie de capa de trevas. As coisas piores sempre ocorrem sob o manto das trevas, inclusive o homem natural, degenerado e em estado de pecado, se envergonha de tais coisas à luz do dia. Por que? Porque a luz o manifesta.
O crente é a luz do mundo dessa forma. É inevitável. Por ser crente mostra um estilo diferente de vida, e isto de imediato manifesta a verdadeira índole e natureza da outra forma de viver.
No mundo, portanto, é como uma luz que se acende, e imediatamente as pessoas começam a pensar, a maravilhar-se e a sentir-se envergonhadas.
Quanto mais santa uma pessoa, mais cedo e tanto mais claramente isto ocorrerá.
Não lhe fará falta dizer uma só palavra, somente por ser o que é faz que os demais se sintam envergonhados do que fazem, e deste modo atua verdadeiramente como luz.
Proporciona um modelo, mostra que há outra maneira de viver que é possível para o gênero humano.
Manifesta portanto, o erro e o fracasso da forma de pensar e de viver do homem. Como vimos, ao tratar do crente como sal da terra, o mesmo se pode dizer dele como luz do mundo.
Todo verdadeiro avivamento espiritual tem produzido este efeito. Uns tantos cristãos numa região ou grupo afetarão a vida de todos. E isto se dará ainda que os demais estejam ou não de acordo com seus princípios, lhes fazem sentir que depois de tudo o sistema cristão é adequado e o outro é indigno. O mundo tem descoberto que a honestidade é a melhor política. Como alguém tem dito, esta é a classe de tributo que a hipocrisia sempre rende à verdade, tem de admitir no fundo do coração que a verdade tem razão.
A influência que o crente tem como luz no mundo é demonstrar que estas outras cousas pertencem às trevas. Prosperam nas trevas, e seja pelo que for não podem resistir à luz.
Isto se afirma em forma explícita em João 3, onde o apóstolo diz: “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.” (João 3.19). Nosso Senhor acrescenta que tais homens não vêm para a luz, porque, se o fizerem, receberão reprovação por suas obras, e eles não querem isto.    
Essa foi, desde o princípio a causa principal do antagonismo dos escribas e fariseus contra nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Esses homens, mestres da lei, experientes, num sentido, da vida religiosa, odiaram e perseguiram ao Senhor. Por que? A única resposta adequada se encontra em sua pureza absoluta, em sua santidade total. Sem dizer nem uma só palavra contra eles no começo - porque não lhes acusou até o final – sua pureza fez que se vissem como realmente eram, e por isso o odiaram. Perseguiram-no e por fim o crucificaram, somente porque era a luz do mundo. Revelou e manifestou o oculto das trevas que havia neles.
Vocês e eu temos que ser assim neste mundo, por somente viver a vida cristã temos de produzir este efeito.
Demos um passo mais além e digamos que a luz não somente revela o oculto das trevas, senão que também explica a causa das trevas. Por isso é algo tão prático e importante nestes tempos. Já lhes tenho recordado que os melhores pensadores do mundo acadêmico de hoje se acham desorientados quanto à raiz do mal no mundo. Faz uns anos foram radiodifundidas duas conferências a cargo dos chamados humanistas, Dr. John Huxley e Professor Gilbert Murray. Ambos admitiram com toda franqueza que não poderiam explicar a vida como é. O dr Huxley disse que não podia encontrar um fim nem um significado para a vida. Para ele tudo era fortuito. O professor Gilbert Murray tampouco sabia explicar a segunda guerra mundial e o fracasso da Liga das Nações. Como corretivo, não teria nada que oferecer mais que a cultura que tem estado à nossa disposição durante séculos, e que tem fracassado.  
Aqui é onde os crentes têm a luz que explica a situação. A única causa dos problemas do mundo atual, desde o nível pessoal ao internacional, não é nada mais do que a separação do homem em relação a Deus. Esta é a luz que somente os crentes possuem, e que podem dar ao mundo. Deus tem feito de tal modo o homem que este não pode viver a verdade a não ser que tenha uma relação adequada com Deus. Assim foi feito. Deus o fez, e o fez para si. E Deus tem estabelecido certas normas em sua natureza e em seu ser e existência, e a não ser que se conforme a elas irá se equivocar.
Esta é a causa do problema. Todas as dificuldades que o mundo de hoje experimenta podem ser atribuídas, em última instância, ao pecado, egoísmo, e busca de proveito próprio. Todas as disputas, conflitos e mal entendidos, todas as dívidas e malícia, todas estas coisas se devem a isso e a nada mais. Assim pois, somos a luz do mundo num sentido muito real nestes tempos, porque somente nós possuímos a explicação adequada da causa do estado do mundo. Tudo se deve à queda, todos os problemas começaram ali. Quero voltar a citar João 3.19: “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.”. Esta é a condenação e nada mais. Esta é a causa do problema. Que sucede pois? Se a luz tem vindo a este mundo na pessoa de Jesus Cristo, por que anda mal o mundo em pleno século vinte? O versículo que acabamos de citar dá a resposta. Apesar de todo o saber que se tem acumulado nos últimos duzentos anos, desde começos do Iluminismo até meados do século dezoito, o homem caído por natureza todavia ama mais as trevas do que a luz. A conseqüência é que, apesar de  saber o que é justo, prefere o mal e o pratica.    
Tem uma consciência que lhe adverte antes de praticar o mal. Contudo o faz. Talvez o lamente, porém o pratica. Por que? Porque lhe agrada. O problema do homem não está no intelecto, está na sua natureza – as paixões e os prazeres. Este é o fator dominante. E embora se eduque nada conseguirá porque sua natureza seguirá sendo pecaminosa e caída.
Esta pois é a condenação, e ninguém pode advertir ao mundo moderno exceto o cristão. O filósofo não somente não fala sobre isto, também não lhe agrada tal ensino. Não lhe agrada que lhe digam que apesar de seus vastos conhecimentos, não é mais do que um montão de argila humana comum como qualquer outro, e que é criatura de paixões, prazeres e desejos. Porém esta é a verdade. Como no caso, dos dias de nosso Senhor, muitos destes filósofos do mundo antigo, que saíram da vida pela porta do suicídio, assim sucede hoje em dia.
Desconcertados, perplexos, sentindo-se frustrados, havendo intentado todos os tratamentos sociológicos, psicológicos e de outras classes, e contudo indo de mal a pior, os homens se rendem desesperados.
O evangelho lhes molesta quando aponta que terão que confrontar a si mesmos, e sempre lhes diz o mesmo: “os homens amaram mais as trevas do que a luz”. Este é o problema, e o evangelho é o único que o diz. Constitui uma luz no firmamento, e deveria revelar-se por nosso meio em meio aos problemas deste mundo tenebroso, miserável e infeliz dos homens.  
Porém, graças a Deus que não nos detemos aí. A luz não somente manifesta as trevas, mas apresenta e oferece a única saída das trevas. Aqui é onde todo crente deveria por mãos à obra. O problema do homem é o problema da natureza caída, pecaminosa, contaminada. Não se pode fazer nada? Temos provado que o conhecimento, a educação, os pactos políticos, as assembléias internacionais, não têm conseguido nada. Não resta esperança? Sim, há uma esperança abundante e perene: “tem que nascer de novo”. O que o homem necessita não é de mais luz, necessita de nova natureza que ame a luz e que odeie as trevas. O homem necessita se voltar para Deus. Não basta dizê-lo, porque, se fosse assim, o deixaríamos num estado de maior desesperança. Nunca encontrará o caminho até Deus, por mais que o tente. Porém o crente está aí para dizer-lhe que há um caminho até Deus, um caminho muito simples. É conhecer a Jesus de Nazaré. Ele é o Filho de Deus e veio do céu à terra para buscar e salvar o que se havia perdido. Veio para trazer luz às trevas, para manifestar a causa das trevas, para mostrar o novo caminho para sair delas e ir a Deus no céu. Jesus, não somente tem carregado sobre Si a culpa desta terrível condição de pecado que nos tem causado tantos problemas, senão que nos oferece uma vida e natureza novas. Não somente nos dá um ensino novo ou uma compreensão nova do problema, não somente procura perdoar os pecados passados, faz-nos homens novos com desejos novos, aspirações novas, perspectiva nova e orientação nova. Porém sobretudo nos dá essa vida nova, a vida que ama a luz e odeia as trevas, no lugar de amar as trevas e odiar a luz.  
Os crentes, vocês e eu, vivemos em meio de pessoas que vivem em densas trevas. Nunca encontraram luz alguma neste mundo a não ser no evangelho que nós cremos e ensinamos. Eles nos observam. Vêm algo diferente em nós?
Nossas vidas são uma reprovação silenciosa das vidas de tais pessoas? Vivemos de tal modo que as induzimos a vir a nós para nos perguntarem: Por que parecem sempre tão felizes? Como se mostram sempre tão equilibrados? Como podem aceitar as coisas como o fazem? Por que não dependem como nós de ajudas e prazeres artificiais? Que têm que não temos?
Se o fazem assim então podemos comunicar-lhes essas novas tão maravilhosas, surpreendentes, embora tragicamente omitidas, de que Cristo Jesus veio ao mundo salvar aos pecadores, e para dar aos homens uma nova natureza e uma nova vida, e para fazê-los filhos de Deus. Somente os crentes são a luz do mundo de hoje. Vivamos e atuemos como filhos da luz.

Depois de ter-se referido aos crentes como sal da terra e luz do mundo, Jesus disse o seguinte em relação à lei:

“17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.”


Cristo e o Antigo Testamento

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.17-20)

Nos versos anteriores a estes (13 a 16) Jesus havia dito que o crente é o sal da terra e a luz do mundo e que as suas obras devem resplandecer para que Deus seja glorificado por meio delas.
O Senhor disse que somos cidadãos do reino dos céus, e devido a isso, temos que manifestar as características de tal cidadania. E devemos fazê-lo para o fim de Deus ser glorificado.
Suscita-se então a pergunta, como temos que fazê-lo.
Este é o tema que se nos apresenta. A resposta pode ser formulada assim: temos que viver uma vida justa. Esta é a palavra que sintetiza a vida cristã: “justiça”, ou retidão. E o tema do resto do Sermão do Monte é, em muitos aspectos, este, de que o tipo de vida reta que o crente deve viver. Até Mt 7.14 é este o tema dominante.
O que é esta justiça ou retidão que temos que manifestar? Qual  é a índole da mesma? Os versículos 17 a 20 deste quinto capítulo são uma espécie de introdução geral ao tema.
Nosso Senhor apresenta este problema global da justiça e da vida justa que tem que caracterizar o crente. Antes de entrar em detalhes, propõe certos princípios gerais.
Assim, logo nos versículos 17 e 18 afirma que tudo o que vai ensinar está de acordo com o ensino da Escritura do Velho Testamento.
 A segunda proposição que apresenta nos versos 19 e 20 é que o seu ensino está em desacordo absoluto com o ensino dos fariseus e escribas.
Jesus não se contentou em apresentar somente a Sua doutrina, como também criticou outras doutrinas. Ele criticou o ensino dos fariseus e escribas, e o desmascarou e atacou com freqüência.
Hoje há uma tendência em se ensinar somente aquilo que se julga positivo, e muito desagrada a muitos evangélicos terem que criticar outras posições.
No entanto, é indispensável que façamos o mesmo que fizera o nosso Senhor.
(Certamente não se trata de se abrir uma guerra chamada santa, ou se deixar dominar por amargura de espírito contra aqueles que andam errados doutrinariamente, mas é nosso dever desmascarar o erro onde quer que ele se encontre, quer no nosso próprio meio ou não, com vistas a manter a verdade divina entre as pessoas, para que possam achar a vida abundante que Jesus veio nos trazer – nota do tradutor).
Os judeus consideravam os escribas e os fariseus como sendo os expoentes das Sagradas Escrituras.
(No entanto Jesus sublinhou que eles erravam tanto na exposição das Escrituras quanto na sua prática, mas Ele não somente faria a exposição correta do ensino da verdade das Escrituras, como também cumpriria perfeitamente todas as suas santas exigências. Assim, não veio destruir a revelação do Antigo Testamento, mas confirmá-la, inclusive naqueles aspectos relativos à transposição profetizada no Velho Testamento, da Antiga para a Nova Aliança. Era nEle, Jesus, que tal teria cumprimento. Jesus comprovou a validade das Escrituras do Velho Testamento na Antiga Aliança, vivendo sob os costumes dos judeus determinados pela Lei para o referido período do Antigo Testamento, como também, inaugurou uma Nova Aliança, revogando a obrigatoriedade de cumprimento das disposições cerimoniais da Lei, especialmente para que o evangelho alcançasse também as nações gentias – nota do tradutor).
Com seu ensino Jesus destacou que a lei de Deus é absoluta e que não pode ser mudada, nem modificada no mínimo. É absoluta e eterna. Suas exigências são permanentes, e nunca podem ser revogadas, nem reduzidas “até que passem o céu e a terra”. Esta última expressão significa o fim dos tempos. O céu e a terra são sinal de continuidade. Enquanto permanecerem, diz nosso Senhor, nada desaparecerá, nem um jota ou til da lei. Não há nada menor que isto no alfabeto hebraico.
Isto indica que a lei que Deus promulgou, e que pode ser encontrada no Antigo Testamento e em tudo o que os profetas disseram, se cumprirá até o mínimo detalhe, e permanecerá até que se tenha cumprido até a perfeição.
Logo, a vinda do Senhor teve o propósito de conduzir até a perfeição tudo o que está contido na lei e nos profetas.
(De fato, muito do que está profetizado no Velho Testamento teve cumprimento quando Jesus se manifestou em carne, e muito ainda do que está profetizado ainda aguarda pelo respectivo cumprimento, e as palavras de Jesus asseguram que tudo será cumprido a seu tempo, sem falhar – nota do tradutor).


Cristo Cumpre a Lei e os Profetas

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

Nunca devemos separar o Antigo Testamen¬to do Novo. Me parece cada vez mais que é muito lamentável que se publique somente o Novo Testamento, porque tendemos a cair no erro grave de pen¬sar que, porque somos cristãos, não necessitamos do Antigo Testamento. Foi o Espírito Santo quem guiou a Igreja Cristã, que era em grande  parte gentia, a incorporar as Escrituras do Antigo Testamento com as Escrituras do Novo e a conside¬rá-las como uma só coisa. Estão indissoluvelmente vinculadas entre sí, e há muitos sentidos em que se pode dizer que não se pode entender o Novo Testamento sem a verdade e a luz que nos dá o Antigo Testamento. Por exemplo, é quase impos¬sível sacar qualquer proveito na epístola aos Hebreus, a não ser que conheçamos as Escrituras do Antigo Testamento.
Deus nunca mostrou com maior clareza a natureza inviolável e absoluta de Sua própria Lei, quando colocou seu próprio Filho debaixo da mesma. Observem quão cuidadoso foi nosso Senhor em observar a lei; Ele a obedeceu até em seus mínimos detalhes. Não somente isto, ensinou a outros a amarem a lei e a explicou confirmando-a constantemente e afirmando a necessidade absoluta de obedecê-la.
Jesus cumpriu perfeitamente as exigências da Lei, até mesmo quando morreu em nosso lugar, fazendo-se pecado por nós. Ao morrer na cruz, cumpriu de forma passiva a exigência da Lei, determinando a condenação e a morte daquele que a violasse. Assim, ao morrer carregando sobre si os nossos pecados, Jesus estava cumprindo completamente a Lei, em suas santas exigências.
O castigo não poderia ser anulado. Deus não poderia considerar pecadores culpados como sendo inocentes. Então a Lei teve que ser cumprida para que pudéssemos ser perdoados, por sermos considerados por Deus como tendo morrido juntamente com Cristo.
Ao morrer na cruz, oferecendo-se como oferta pelos nossos pecados, Jesus deu cumprimento a todos os símbolos existentes na Lei de Moisés, quanto às ofertas e abluções pelos pecados.
(Nos versos 19 e 20 do quinto capítulo Jesus afirmou:
“19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.19,20).
Jesus sublinha a importância dos crentes não violarem os mandamentos da Lei, e de darem a devida honra e cumprimento à Lei (v. 19). No entanto, destacou que se espera dos crentes uma justiça superior à dos escribas e fariseus, que era meramente baseada no esforço de cumprir a lei. E destacou que é por esta justiça que se entra no reino dos céus (v. 20), a saber, a justiça que é pela fé nEle, e pela qual somos justificados para sermos reconciliados eternamente com Deus. Justificação esta, que nos sendo imputada, atribuída, nos capacitará a receber em nossa própria natureza a justiça evangélica que nos é implantada progressivamente pelo trabalho do Espírito Santo, com base na graça, na fé e no arrependimento, que consiste no trabalho da regeneração e da santificação do Espírito – nota do tradutor).
Qual é a relação do crente com a lei? Pode-se responder assim. O crente já não está sob a lei no sentido de que a lei é um pacto de obras. Este é todo o argumento de Gálatas 3. O crente não está sob a lei nesse sentido; sua salvação não depende que  cumpra a lei, porque tem sido libertado da maldição da lei; e já não está sob ela como uma relação contratual entre ele e Deus. Todavia, isto não o dispensa da lei como norma de vida. O problema se suscita porque nos confundimos quanto à relação entre a lei e a graça. Tendemos a ter uma idéia equivocada da lei e a pensar nela como se fosse algo que se opõe à graça. Porém, não é assim. A lei somente se opõe à graça, quando, em outro tempo havia um pacto de lei, e agora estamos debaixo de um pacto de graça. Tampouco, há de se pensar que a lei é idêntica à graça. Nunca foi assim. A lei nunca foi dada para salvar o homem, porque não pode salvá-lo, senão unicamente a graça.  
Muitos têm uma idéia equivocada em relação à graça, porque pensam que a graça é algo separado da lei. A isto se chama antinomianismo, a atitude dos que abusam da doutrina da graça para levar uma vida de pecado e indolência. Dizem: “não estou sob a lei, senão sob a graça, e portanto, não importa o que faça”. Foi por isso que Paulo escreveu o sexto capitulo de Romanos, para demonstrar como tal idéia é errônea e falsa quanto à graça.
Um dos propósitos da graça, é o de capacitar-nos a cumprir a lei. Nosso problema é que temos às vezes uma idéia equivocada quanto à santidade. Não temos que considerar a santificação como uma experiência que temos que receber. Não. Santidade significa ser justo, e ser justo significa cumprir a lei.
Nunca devemos separar estas duas coisas. A graça não é sentimento. A santidade não é uma experiência. Devemos ter esta mente e disposição novas que nos conduzem a amar a lei e a desejar guardá-la, e Cristo, com seu poder nos capacita para cumpri-la.


Justiça Maior do que a dos Escribas e Fariseus

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.20).

Os escribas e fariseus pareciam ao povo judeu serem pessoas muito santas. Porém, nosso Senhor demonstrou com clareza que careciam tanto de justiça quanto de santidade. Eles não amavam a Deus e ao próximo como convinha. Não tinham misericórdia pelos pecadores e não estavam em nada interessados em alcançá-los para uma vida de justiça e de santidade. Eles não interpretavam nem entendiam corretamente a lei.
Os escribas e fariseus eram em muitos sentidos as pessoas mais notáveis da nação judaica. Os escribas eram homens que se dedicavam exclusivamente a explicar e a ensinar a lei, eram as grandes autoridades na lei de Deus. Dedicavam toda a sua vida ao estudo e à ilustração da mesma. Mais que qualquer outro grupo de pessoas, podiam, portanto, pretender estar preocupados com a lei. Copiavam-na com cuidado, e passavam a vida ocupados com a lei, e todos tinham grande consideração por eles por esta mesma razão.
Os fariseus eram homens notáveis e famosos por sua “santidade”. A própria palavra “fariseu” significa “separado”. Eram pessoas que se consideravam aparte, porque haviam composto um código cerimonial relacionado com a lei que era mais rigoroso que a própria lei de Moisés. Haviam estabelecido regras e normas de vida e conduta que em seu rigor excediam tudo quanto se continha nas Escrituras do Antigo Testamento. (Quanto deste comportamento farisaico há no meio da própria Igreja, apesar de Jesus ter advertido quando a este fermento de hipocrisia farisaica, que acrescenta costumes rigorosos à vontade revelada de Deus, para colocar fardos pesados sobre os ombros das pessoas, para passar a imagem de uma pretensa santidade ? – nota do tradutor).
Por isso Jesus apresentou o exemplo do publicano e do fariseu que subiram ao templo para orarem. O fariseu disse que jejuava duas vezes por semana. Porém no Antigo Testamento não há nenhuma passagem que requeira isto. De fato pede que se jejue uma vez por ano. Porém pouco a pouco esses homens haviam elaborado o seu próprio sistema e haviam conseguido impô-lo ao povo, ao qual exortavam e mandavam que jejuassem duas vezes por semana em vez de uma vez por ano. Desse modo haviam chegado a formar seu próprio código rigoroso de moral e conduta, e em conseqüência disso, todos teriam aos fariseus como modelos de virtude.
O homem comum dizia de si mesmo: “Ah, não tenho qualquer esperança de chegar a ser tão religioso como os escribas e os fariseus. São excelentes; vivem como santos. Esta é a sua profissão; este é o seu único objetivo no sentido religioso, moral e espiritual”. Porém, aí interveio nosso Senhor, anunciando a esta gente que a não ser que sua justiça fosse maior do que a dos escribas e fariseus não poderiam jamais entrar no reino dos céus.  
Jesus estabelece aqui, como postulado, que a justiça do crente, do menor deles, deve exceder a dos escribas e fariseus. Devemos portanto, analisar a profissão da fé cristã, à luz desta análise de Jesus Cristo.
A religião dos escribas e fariseus era completamente externa e formal em vez de ser uma religião do coração.
O reino de Deus se ocupa do coração; não são minhas ações externas, senão o que há dentro de mim, o que importa.
Jesus acusou os fariseus e escribas por se preocuparem mais com o cerimonial do que com o moral. Eles eram muito cuidadosos externamente; eram sumamente meticulosos em lavar as mãos quanto aos aspectos cerimoniais da lei. Porém não se preocupavam tanto dos aspectos morais da lei. E isto não continua sendo um perigo terrível? Há um tipo de religião – e, por desgraça, me parece que vai se fazendo cada vez mais comum – que vacila em ensinar, que devemos apenas ir à igreja aos domingos pela manhã, e não importa muito o que façamos no restante do dia.
Muitos pensam que estão corretos diante de Deus por apenas participarem da santa ceia, e pensam que estão livres depois para fazerem o que quiserem.
Então há esta tendência para se pensar, tal como os fariseus, que desde que se tenha comparecido ao culto, isto nos basta.
O objetivo final dos fariseus não era o de glorificar a Deus senão a si mesmos. Quando cumpriam seus deveres religiosos pensavam em si mesmos e no seu próprio bem estar.
Este é um perigo sempre presente na Igreja de fazermos somente aquilo que consideramos ser nossa obrigação religiosa.
(Quantos têm sido impulsionados pelo Espírito Santo, para serem instrumentos de Deus para abençoarem as vidas de muitos? Quando falta isto, nossa religião é vã, porque quando estamos realmente em comunhão com Deus, Ele desperta em nós um grande interesse em nos esforçarmos para abençoar as pessoas, e Ele nos capacita efetivamente a isto, criando as condições para que sejamos instrumentos úteis para promover a aproximação de outros ao Seu trono de graça, para serem abençoados e guiados na verdade, tanto quanto nós. Então a nossa religiosidade será sempre medida pelo grau da nossa misericórdia e amor ao próximo – nota do tradutor).


É de Vital Importância Conhecer o Espírito da Lei
Além da Letra da Lei

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

Ao usar a fórmula “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém vos digo” no Sermão do Monte, nosso Senhor Jesus Cristo não estava fazendo alterações na Lei de Moisés, porque havia afirmado antes que não veio revogar a Lei, mas cumpri-la. Afinal, como Deus que é, Ele próprio havia dado a Lei a Moisés, e portanto, estava não modificando mas revelando o espírito da Lei, por uns poucos exemplos que havia tomado para apresentar em seu ensino relativo à forma de um crente se relacionar com a Lei. Ele tinha em vista combater especialmente o ensino errôneo dos escribas e fariseus quanto ao modo de se aplicar a Lei, pois eles não atentavam para o espírito da Lei, senão para a letra, e ainda assim, não faziam uma exposição adequada da letra da Lei sem alterar o modo como se encontra registrada nas Escrituras. Eles se valiam da ignorância do povo de um modo geral da língua hebraica, na qual a Lei encontrava-se escrita, porque desde que haviam sido deportados para Babilônia os judeus começaram a falar o aramaico no lugar do hebraico, e praticamente somente os escribas e fariseus detinham o conhecimento do hebraico, de maneira que tinham facilidade para ocultar o verdadeiro significado da Lei para o povo. Entretanto faltava a eles próprios, a sabedoria para entenderem o verdadeiro significado e forma de aplicação dos preceitos de Deus constantes da Sua Palavra. Então Jesus tratou de expor a verdadeira maneira de se tratar com a Lei, que como veremos adiante, era bastante diferente do modo como a mesma era apresentada ao povo pelos escribas e fariseus.
A situação dos judeus nos dias de Jesus era muito semelhante à das nações nos dias da Reforma Protestante, quando as Escrituras eram lidas apenas em Latim pela Igreja Romana. E para terem acesso às Escrituras as pessoas tinham que recorrer aos padres supondo que eles poderiam dar-lhes as explicações que buscavam de maneira conveniente e verdadeira. O que a Reforma Protestante fez foi colocar a Bíblia nas mãos do povo, permitindo que fosse lida na própria língua deles, e comprovarem o falso ensino e as explicações errôneas do evangelho que lhes haviam sido dadas.
Assim, como os judeus dependiam nos dias de Jesus dos escribas e fariseus para ter acesso às Escrituras, o que lhes foi ensinado como sendo a lei, não o era em absoluto. Consistia sobretudo em interpretações e tradições que eles haviam acrescentado à lei ao longo dos séculos. De tal maneira haviam acrescentado suas próprias interpretações que era quase impossível naquele tempo dizer o que era de fato a Lei e qual era a sua interpretação.
Então quando Jesus disse “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém vos digo” Ele certamente estava pretendendo afirmar senão que tudo o que eles vinham ouvindo desde há muito da parte dos escribas e fariseus deveria ser entendido à luz da interpretação correta que Ele apresentaria agora quanto à forma de se honrar e aplicar a Lei de Deus à vida, pelos exemplos que seriam destacados por Ele (homicídio, adultério, amor ao próximo  etc – Mt 5.27-43)  para ilustrar o quanto erroneamente eles haviam sido ensinados quanto ao modo de se considerar a Lei.
Ele não estava portanto dizendo: “a lei de Moisés dizia, eu porém vos digo”. Lembremos que Ele havia confirmado e não revogado a Lei. Senão que estava afirmando: “vocês têm sido ensinados assim quanto à Lei, eu porém vos digo...”, afirmando a Sua própria autoridade como quem tinha a interpretação autêntica da Lei, por ter sido Ele próprio o Seu autor.
Como Jesus queria ensinar-nos o espírito da lei, os princípios da Lei, se tomarmos estas ilustrações do Sermão do Monte, particularmente as de Mateus 5.27-43, e as convertermos em lei, estaremos negando o que Ele quis fazer.  Jesus fez isto porque conhece bem a natureza humana e sabe que é dada a se apegar mais a dogmas do que a princípios. Esta é a causa do sucesso de várias seitas em obterem adeptos. O homem natural gosta de uma lista concreta de ordenanças. Porém isto não é possível no caso do evangelho, não é possível de modo algum no reino de Deus. Se na dispensação da Antiga Aliança havia espaço para uma postura legalista, ainda que não fosse este o objetivo de Deus com a doação da Lei, entretanto não há nenhum espaço para tal legalismo na dispensação da Nova Aliança.
Mas mesmo na Nova Aliança, como é também ao homem que se destina o mandamento, este sempre achará mais fácil ser legalista do que viver em função de princípios, que apontem para uma santidade de toda a vida, quer do corpo, quer da alma, quer do espírito. Em vez de se buscar o espírito da lei, será comum ver a busca da letra da lei. No entanto a lei não é tanto um código ético, mas um esboço de um estilo de vida, que aponta o modo pelo qual devemos viver neste mundo.
Se tomarmos as seis afirmações que Jesus fez em Mt 5.27-43 em função da fórmula “ouvistes o que foi dito, eu porém vos digo”, veremos que o princípio que Ele utiliza é o mesmo em cada caso. Num trata da moralidade sexual, no seguinte do homicídio, e noutro do divórcio. Porém o princípio é sempre o mesmo. Nosso Senhor, como Mestre sabia que é importante ilustrar um princípio, e por isso deu seis exemplos de uma verdade. Vejamos agora este princípio comum que se encontra nos seis exemplos, de modo que quando passemos a estudar cada um dos exemplos, possamos ter bem presente que o desejo básico do Senhor era mostrar o significado e intenção verdadeiros da lei. E corrigir as conclusões errôneas que os escribas e fariseus haviam tirado dela e todas as noções falsas que haviam baseado nela.
Estes são portanto os princípios a que nos referimos: primeiro, o que sobretudo conta é o espírito da lei, e não somente a letra. A lei teria que ser algo vivo, aplicável à vida e não mecânico. O problema dos fariseus e dos escribas era que não somente se concentravam na letra, como também excluíam o espírito. O homem sempre se fixa mais na forma do que no conteúdo, mais na letra do que no espírito. Por isso Paulo disse que a letra mata, mas o espírito vivifica (II Cor 3.6), e o pensamento principal de Paulo neste capítulo de Coríntios é que Israel tinha se concentrado tanto na letra da lei, que havia perdido o espírito da lei. O propósito específico da letra é dar corpo ao espírito, e o espírito é o que realmente importa, não a simples letra. Tomemos por exemplo, a questão do homicídio. Os escribas e fariseus criam que haviam cumprido a lei com perfeição se não matassem de fato a ninguém. Porém, com isso não entendiam nada do espírito da lei, e que este não diz respeito que não tenho somente que não matar literalmente a ninguém, mas que minha atitude em relação aos outros tem que ser justa e amorosa. Pode-se dizer o mesmo das demais ilustrações que Jesus fez, de maneira que Ele e os apóstolos resumem toda a Lei no amor ao próximo, afirmando que aquele que ama tem cumprido a Lei.
É evidente pois, que se confiamos somente na letra entenderemos mal a lei.
Tomemos agora o segundo princípio, que não é senão uma outra maneira de expressar o primeiro. A conformidade à lei não tem que ser considerada somente em função de atos. Os pensamentos, motivos e desejos são igualmente importantes. A lei de Deus se ocupa tanto do que conduz aos atos como dos atos propriamente ditos. Isto não quer dizer que os atos não importam, quer dizer que não importam somente os atos, porque Deus leva em consideração o que os motiva. Assim não é somente o ato consumado do homicídio ou do adultério que contam para Deus mas os desejos da mente e do coração do homem que o conduz a praticar tais atos ou a pensar em praticá-los,.
Como os maus pensamentos e as más ações procedem do coração o que importa é o coração do homem. Por isso não se deve pensar na lei de Deus, em agradar a Deus somente em função do que fazemos ou deixemos de fazer, porque é a atitude interna que Deus sempre leva em conta. O estado de nossa alma e coração.
Um outro princípio é que se deve pensar na lei não somente de forma negativa, mas também de forma positiva. O propósito último da lei não é somente impedir que façamos certas coisas que são más, seu verdadeiro objetivo é nos guiar de forma positiva, não somente para que façamos o que é bom, como também para amá-lo.
Há quem pense na santidade e na santificação de maneira puramente mecânica. Pensam que desde que não se embriaguem, que deixem de ir ao teatro, etc, tudo vai bem. Sua atitude é puramente negativa. Não parece importar que alguém seja invejoso, ciumento, rancoroso. O fato de que esteja cheio de orgulho parece não importar contanto que não se faça certas coisas.
O quarto princípio é que o propósito da lei tal como Cristo o propõe, não é manter-nos num estado de obediência a normas opressoras, senão fomentar o livre desenvolvimento de nossa vida espiritual. Isto é de importância vital. Não devemos pensar na vida santa, no caminho da santificação, como algo áspero e penoso que nos coloca num estado de escravidão. De maneira alguma, porque há a possibilidade gloriosa que nos é oferecida no evangelho de Cristo para que nos desenvolvamos como filhos de Deus, crescendo à medida da estatura da plenitude de Cristo. O apóstolo João nos diz em sua primeira carta que os mandamentos do Senhor não são penosos, de maneira que se você e eu consideramos o ensino ético do Novo Testamento como algo que nos paralisa, se pensamos nele como algo que nos restringe totalmente, significa que não temos entendido o propósito do evangelho de nos conduzir à liberdade gloriosa dos filhos de Deus, e estes preceitos específicos não são mais do que exemplos concretos de como podemos chegar a isso e a desfrutá-lo.
Isto, por seu turno, nos conduz ao quinto princípio que é a lei de Deus, e todas estas instruções éticas da Bíblia, nunca devem ser consideradas como um fim em si mesmas. Nunca devemos pensar nelas como algo que temos que colocar na parede e dizer, como faziam os escribas e fariseus: “Bem, não sou réu de nada disso, e portanto tudo vai bem. Sou justo e tudo vai bem entre Deus e eu.”. Isto porque consideravam a lei como algo em si mesma. A codificaram deste modo, e contanto que cumprissem este código diziam que tudo estava bem. Segundo nosso Senhor, esta é uma idéia falsa sobre a lei. Porque não é à lei que temos que dirigir nossas perguntas, mas a uma pessoa, ao próprio Deus. Como está minha relação com Deus? Tenho lhe agradado? Noutras palavras, a pergunta que tenho que fazer não é somente se tenho cometido homicídio ou adultério, se sou culpado desta ou daquela coisa, e caso contrário dar graças a Deus porque tudo vai bem. Não. Uma abordagem correta seria perguntar se tenho colocado Deus como o primeiro em minha vida, se tenho vivido para Sua honra e glória, se o tenho conhecido melhor a cada dia, se tenho zelo por Sua honra e glória, e se há algo em mim que não se assemelha a Cristo, em pensamentos, imaginações, desejos e impulsos. Esta é a forma correta de se perguntar em relação aos princípios revelados na Lei. Ela nos foi dada para os conduzir a isto. Assim o legalista se examina à luz de um código mecânico de normas e regras, mas o que vive em santidade verdadeira pelo poder do Espírito se examina à luz de uma Pessoa viva. E assim como não temos que considerar a lei como um fim em si mesma, de igual modo não temos que considerar assim o Sermão do Monte.
São instrumentos que têm como finalidade nos conduzir a uma relação autêntica e viva com Deus. Devemos ter sempre cuidado portanto para não fazer do Sermão do Monte o que os escribas e fariseus fizeram com a Lei de Moisés.
Não podemos viver a vida cristã aparte de uma relação direta, viva e genuína com Deus.


Não Matarás

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, quem matar será réu de juízo.
22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno.
23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão.
26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil.” (Mt 5.21-26)

Para detalhar em que consistia a justiça que deveria exceder em muito a dos escribas e fariseus, conforme havia citado no verso precedente a estes (v. 20), Jesus começou a ilustrá-la com o ensino destes versos 21 a 26.
Este é o primeiro dos seis exemplos que Jesus apresentou para sua interpretação da lei de Deus em contraposição à dos escribas e fariseus.
Os escribas e fariseus eram culpados de terem restringido o sentido e aplicação da lei.
Ao terem agregado ao mandamento não matarás das tábuas da lei de Moisés, o de que o assassino se faria réu de juízo, os escribas e fariseus reduziram e confinaram as sanções divinas que acompanhavam o mandamento “não matarás” a um simples castigo da parte das mãos dos magistrados civis.
A conseqüência é que ensinavam simplesmente: “Não deves matar porque se o fizeres correrás o perigo de que o magistrado civil te condene”. Esta era a interpretação total e completa deles, do grande mandamento que diz: “Não matarás”. Em outras palavras, haviam esvaziado o mandamento de seu grande conteúdo e o haviam reduzido a uma simples questão de homicídio.
Além disso, não mencionavam nada relativamente ao juízo de Deus. Parece que importava-lhes somente o juízo da corte local. Haviam convertido o mandamento em algo puramente legal, e somente da letra da lei que dizia: “se cometeres homicídio, se seguirão certas conseqüências”.
Assim, para os escribas e fariseus, desde que não se cometessem homicídios, tudo estava bem diante de Deus, porque davam o mandamento não matarás por cumprido.
Mas Jesus disse: Não. Não. Nisto se vê precisamente como o conceito geral de justiça e de lei, do ensino dos escribas e fariseus se converteu numa farsa completa. Tem restringido de tal modo a lei, a têm limitado tanto que de fato já não é a lei de Deus. Não transmite a exigência que Deus tinha em mente quando a promulgou.
Vejamos como nosso Senhor colocou a descoberto essa falácia dos escribas e fariseus e como nos mostra que se a consideramos assim, entendemos mal o significado da santa lei de Deus. Apresenta sua idéia e exposição em três princípios que passamos a analisar.
O primeiro princípio é que o que importa não é a letra senão o espírito. A lei diz: “Não matarás”, porém isto não significa tão somente “Não cometerás homicídio”. Interpretá-la assim é definir a lei com uma forma que nos permita pensar que podemos cumpri-la. (Por exemplo, se não matamos alguém, podemos pensar que temos cumprido a lei, apesar de odiar a muitos e de ofendê-los e prejudicá-los, quando sabemos que isto não é verdadeiro – nota do tradutor).
Assim, podemos muito bem ser culpados de violar esta mesma lei numa forma sumamente grave. Nosso Senhor passa a explicá-lo. Este mandamento diz, inclui não somente o ato físico de matar, senão também a ira contra um irmão. A verdadeira forma de entender o “Não matarás” é esta: ”Qualquer que se enfureça contra seu irmão, será culpado de juízo”.
Agora começamos a ver algo do verdadeiro conteúdo espiritual da lei.
Nessa antiga lei dada por meio de Moisés estava todo esse conteúdo espiritual.
Não imaginemos, portanto, que já não temos nada a ver como cristãos, com a lei de Moisés.
Segundo nosso Senhor Jesus Cristo, abrigar inimizade no coração, é ser culpado de algo que, diante de Deus, é homicídio.
Odiar, enfurecer-se, abrigar esse sentimento desagradável e odioso de ressentimento contra uma pessoa é homicídio.
Porém isto não é tudo. Não somente não devemos nos irar; nunca devemos sequer mostrar desprezo. Porque qualquer que chamar seu irmão de raka será culpado ante o concílio. Desprezar a um irmão chamando-o de raka, é, segundo nosso Senhor, algo que, diante de Deus, é terrível.
Desprezo, sentimentos de burla e mofa, nascem do espírito que em última instância, conduz ao homicídio.
Por várias razões, talvez não deixemos que se expresse em verdadeiro homicídio. Porém, por desgraça, freqüentemente nos temos matado uns aos outros no pensamento e no coração, não é certo? Temos fomentado pensamentos contra pessoas, e esses pensamentos são tão maus como o homicídio. Podemos destruir a reputação de alguém, podemos quebrar a confiança de alguém em si mesmo por meio de críticas.
Isto indica nosso Senhor nesta passagem, e o propósito que o guia é mostrar que tudo isto está incluído no mandamento, “Não matarás”. Matar não significa somente destruir a vida fisicamente, significa também tratar de destruir o espírito e a alma, destruir a pessoa na forma que seja.
Nosso Senhor logo passa ao terceiro ponto: ”qualquer que lhe diga: Tolo, será exposto ao inferno de fogo”. Isto significa expressão ofensiva, difamação. Significa o ódio e inimizade de coração que se manifestam por meio de palavras.
Estamos sem dúvida, diante de uma afirmação muito importante. “Quer dizer”, pergunta alguém, “que a ira é sempre má? Que sempre é proibida?” “Acaso não há exemplos”, pergunta outro, “no próprio Novo Testamento em que nosso Senhor falou desses fariseus em termos fortes; quando por exemplo se referiu a eles como sendo cegos e hipócritas, ou quando se voltou ao povo para dizer-lhes: “Oh insensatos e tardos de coração para crer”, e “insensatos e cegos”? Como pode proibir então que empreguemos os mesmos termos? Como reconciliar este ensino com Mateus 23 onde maldiz aos fariseus? Estas perguntas não são difíceis de responder.
Quando nosso Senhor lançou as maldições, o fez com caráter judicial. O fez como quem tem recebido autoridade de Deus. Nosso Senhor pronuncia sentença final sobre os fariseus e escribas. Como Messias, tem autoridade para fazê-lo. Lhes havia oferecido o evangelho, lhes havia brindado com todas as oportunidades. Porém eles as haviam rechaçado. Não somente  isto, devemos recordar que nosso Senhor sempre diz tais coisas contra a religião falsa e a hipocrisia. O que na realidade censura é a justiça própria que repudia a graça de Deus e inclusive se justificaria a si mesma diante de Deus e o rechaçaria. É judicial, e se vocês e eu podemos dizer que empregamos tais expressões nesse sentido, então não caímos nesse pecado.  
O mesmo ocorre com os Salmos imprecatórios, que turbam a tanta gente. O salmista, sob inspiração do Espírito Santo, pronuncia sentença não somente contra seus próprios inimigos, senão contra os inimigos de Deus e contra aqueles que ultrajam a Igreja e o Reino de Deus, tal como aparecem nele e na nação. Em outras palavras, nossa ira deve se dirigir somente contra o pecado; nunca devemos nos irar com o pecador, senão somente sentir pesar e compaixão.
Diante do pecado, da hipocrisia, da injustiça e de todo tipo de mal, deveríamos sentir ira. Assim, se cumpre a exortação de Paulo aos efésios: “Irai-vos e não pequeis”.
As duas coisas não são incompatíveis. A ira de nosso Senhor sempre foi uma indignação justa, ira santa, expressão da ira de Deus mesmo. Recordemos que “a ira de Deus se revela desde o céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que detêm com injustiça a verdade” (Rom 1.18). Nosso Deus, contra o pecado, é fogo consumidor. Não cabe dúvida disso. Deus odeia o mal. A ira de Deus se desencadeia contra ele e se derrama sobre ele. Isto é parte essencial do ensino bíblico.
Quanto mais nos santificamos, maior ira sentimos contra o pecado. Porém, nunca devemos, repito, irar-nos contra o pecador. Nunca devemos irar-nos com uma pessoa como tal; devemos distinguir entre a pessoa e o que ela faz. Nunca devemos ser culpados de sentir desprezo e nem de ofender.
Passemos agora à segunda afirmação: “Nossa atitude não deve ser negativa, senão positiva.”. Nosso Senhor o disse assim. Depois de haver sublinhado o aspecto negativo passa a formulá-lo de forma positiva, assim: ” 23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.”
Estamos diante de algo muito importante e significativo. Não somente não há que se abrigar pensamentos maus e homicidas no coração contra alguém; o mandamento de não matar significa realmente que deveríamos tomar medidas para reconciliar-nos com nosso irmão. O perigo é que não detenhamos o negativo, e creiamos que, como não temos cometido homicídio, então tudo vai bem. Porém, há um segundo passo que temos esquecido, a saber: devemos chegar ao ponto que não haja nenhum mal entendido sequer, em espírito, entre nosso irmão e nós.
Tentamos expiar os fracassos morais tratando de compensar o mal com o bem. Trata-se do perigo de oferecer certos sacrifícios rituais para cobrir os fracassos morais. Os fariseus eram experientes nisso. Iam ao templo com regularidade, eram sempre meticulosos nestas matérias de detalhes e minúcias da lei. Porém julgavam e condenavam constantemente aos demais com desprezo. Evitavam que a consciência lhes acusasse dizendo: “Depois de tudo dou culto a Deus; levo minha oferta ao altar”.
Compensamos uma coisa com outra, pensando que este bem compensa aquele mal. Não, não, diz nosso Senhor. Deus não é assim. Isto é tão importante, que, inclusive se me encontrar diante do altar com uma oferta para Deus, e de repente recordar algo que tenho dito ou feito, algo que faz que outra pessoa tropece ou erre; se descobrisse que em meu coração há pensamentos ofensivos e indignos contra ele ou que criem obstáculos, então nosso Senhor nos diz que deveríamos, em certo sentido, inclusive deixar Deus esperando em lugar de seguir adiante com a oferta. Devemos nos reconciliar primeiro com o irmão e somente depois votar para fazer a oferta. Diante de Deus de nada vale o ato de culto se aceitamos um pecado conhecido.    
Finalmente, Jesus ensinou acerca deste princípio:” 25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão. 26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil.”
Jesus diz que não devemos demorar para acertar a situação. Não somente devemos pensar em função de nosso irmão que temos agravado, ou pelo qual sentimos inimizade, devemos sempre pensar em nós mesmos diante de Deus. Deus é o Juiz. Deus é o Justificador. Sempre nos exige estas coisas, e tem poder sobre todos os tribunais do céu e da terra. É o Juiz, e suas leis são absolutas. Tem direito a exigir até o último centavo. Que vamos fazer, pois?  Você e eu estamos em viagem neste mundo, e aí está a lei com suas exigências. É a lei de Deus. Diz: “Que ocorre com tua relação com o irmão, que ocorre com isso que há em teu coração? Não tens lhe dado a devida atenção? Aja rápido, diz Cristo. Talvez não estejas aqui amanhã e irás para a eternidade como estás. Ponha-te logo em acordo com o teu adversário enquanto estás caminhando neste mundo.


A Pecaminosidade Extraordinária do Pecado

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás.
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno.” (Mt 5.27-30)

Os escribas e fariseus ha¬viam reduzido o mandamento que proíbe o adul¬tério ao simples ato físico de adulterar; e pensavam que desde que não cometessem o ato propriamente dito, o mandamento estaria perfeitamente cumprido.
Eles haviam esquecido todo o espírito da lei. Como temos visto, isto é algo muito vital para uma verdadeira compreensão do evangelho do Novo Testamento: “a letra mata, porém o espírito vivifica.”
Os dez mandamentos não podem ser tomados separadamente. Por exemplo, o décimo diz que não se deve desejar a mulher do próximo, e isto, obviamente, deveria ser tomado com relação a este mandamento de não cometer adultério. O apóstolo Paulo, nesta afirmação vigorosa de Romanos 7, confessa que ele próprio havia caído nesse erro. Diz que foi quando se deu conta de que a lei dizia: “Não cobiçarás”, que começou a entender o significado da concupiscência. Antes disso havia pensado na lei em função de atos somente. Porém, a lei de Deus não se limita às ações, diz: “Não cobiçarás”. A lei sempre havia insistido na importância do coração, e essa parte, com suas idéias ritualísticas do culto a Deus e seu conceito puramente mecânico da obediência, ele havia esquecido completamente.
Nosso Senhor, portanto, quer sublinhar essa importante verdade para deixá-la bem gravada em seus seguidores. Os que pensam que podem adorar a Deus e conseguir a salvação com suas próprias ações são réus de tal erro. Por isso nunca entendem o caminho cristão da salvação. Nunca têm chegado a ver que em última instância é uma questão do coração; senão que pensam que, enquanto não façam certas coisas e façam certas boas obras, estão justificados diante de Deus.
Assim, às pessoas que diziam, “contanto que alguém não cometa adultério já têm cumprido esta lei”, Jesus Cristo diz: “todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.”
Tornamos a encontrar pois, o ensino de nosso Senhor relativo à natureza do pecado. Todo o propósito da lei, como Paulo nos recorda, era mostrar a malícia extraordinária do pecado. Porém, ao interpretá-lo mal desta forma, os fariseus o haviam debilitado. Talvez em nenhuma outra parte tenhamos uma acusação tão terrível do pecado tal como realmente é, do que nas palavras de nosso Senhor neste caso.
Claro que sei que a doutrina do pecado não goza de boa reputação hoje em dia. O povo não gosta da idéia, e trata de explicá-la de forma sociológica, em função de processo e temperamento. O homem procede por evolução de seres inferiores, dizem, e pouco a pouco vão sacudindo estas relíquias de seu passado e natureza inferiores. Deste modo negam por completo a doutrina do pecado.
Porém está claro que se pensamos assim, as Escrituras tornam-se sem significado, porque no Novo Testamento e também no Antigo, essas idéias são básicas. Por isso devemos analisá-las, porque nos tempos atuais nada há tão premente e necessário como entender bem a doutrina bíblica relativa ao pecado.
Todos estamos debaixo da influência do idealismo, que tem predominado nos últimos cem anos, essa idéia de que o homem vai se aperfeiçoando, e de que a educação e a cultura vão melhorar a humanidade. Assim, a maior parte dos nossos problemas procedem daí.
Não há evangelismo verdadeiro sem a doutrina do pecado, e sem entender o que é o pecado.
Portanto, o evangelismo deve começar pela santidade de Deus, a condição pecadora do homem, as exigências da lei, o castigo a que a lei condena e as conseqüências eternas do mal e de praticar o mal. Somente o homem que chega a ver a sua maldade e culpa desta forma, recorre a Jesus Cristo para achar libertação e redenção. A fé no Senhor que não se baseia nisto, não é fé genuína. Pode-se ter inclusive fé sociológica no Senhor Jesus Cristo; porém a fé genuína O vê como quem nos liberta da maldição da lei. O verdadeiro evangelismo começa assim, e obviamente é um chamamento ao arrependimento, arrependimento diante de Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo.
Jesus ensina claramente nesta passagem do Sermão do Monte, que o pecado não é somente uma questão de ações e de obras; é algo dentro do coração que conduz à ação. Em outras palavras, o que aqui se ensina é o que aparece ao largo da Bíblia acerca deste tema, a saber, que não quer se ocupar tanto dos pecados como do pecado. Os pecados não são senão sintomas de uma enfermidade chamada pecado e não são os sintomas que importam senão a enfermidade, porque o que mata é a enfermidade e não os sintomas.
Finalmente o pecado é destruidor: “29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. 30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno.”
O pecado destrói o homem; introduziu a morte na vida do homem e no mundo.
Sempre conduz à morte, e finalmente ao inferno, ao sofrimento e castigo.
Assim, se neste momento não nos sentimos manchados, que Deus tenha misericórdia de nós. Se nos sentimos satisfeitos com nossa vida porque não temos cometido a ação do adultério, ou do homicídio, afirmo que não nos conhecemos, que não conhecemos a negrura e sujidade de nosso coração. Devemos escutar o ensino do bendito Filho de Deus e examinarmos nossos pensamentos, desejos, imaginação. E a não ser que sintamos que somos vis e sujos, e que necessitamos que Jesus nos purifique e limpe, a não ser que nos sintamos impotentes com uma total pobreza de espírito, e a não ser que sintamos fome e sede de justiça, lhes digo que oxalá Deus tenha misericórdia de nós.
Dou graças a Deus, por ter o evangelho que me diz que Outro que é imaculado, puro e completamente santo tem tomado sobre Si meu pecado e minha culpa. Tenho sido lavado em Seu precioso sangue, e me tem dado Sua própria natureza. Quando me dei conta de que necessitava de um coração novo, achei que, graças a Deus, Ele havia vindo para dá-lo a mim.


Mortificação do Pecado

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“27Ouvistes que foi dito: Não adulterarás.
28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.
30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno.” (Mt 5.27-30).

Nosso Senhor quis ensinar ao mesmo tempo a natureza verdadeira e horrível do pecado, o perigo terrível que o pecado significa para nós, e a importância de fazer frente ao mesmo e de repudiá-lo. Por isso o expressa deliberadamente desta maneira. Fala de membros valiosíssimos, o olho e a mão, e especifica o olho direito e a mão direita. Por que? Nós cremos que o olho e a mão, e especialmente o olho direito e a mão direitos são mais importantes que os esquerdos. Nosso Senhor quis dizer portanto que se aquilo mais precioso que temos, for a causa de pecarmos, devemos nos livrar disso. Tal é a importância do pecado para nos privar da verdadeira vida que Jesus expressou esta importância de tal maneira.
Como enfrentaremos pois este problema do pecado?
Gostaria de frisar que não se trata simplesmente de não cometer certos atos. Inclui isto mas é muito mais do que isso. A contaminação do pecado deve ser enfrentada no coração porque Jesus diz que aquele que olhar para uma mulher para cobiçá-la, cometeu adultério com ela em seu coração.
Não cabe a menor dúvida que um conceito inadequado do pecado é a causa principal da falta de santidade e de santificação, e isto é resultante em grande parte de um ensino errôneo sobre a natureza da santificação.
Devemos captar a idéia de pecado, como algo distinto dos pecados. Temos que saber que o Filho de Deus teve que vir dos céus para passar por tudo o que passou, inclusive morrer na cruz. Em nenhuma outra parte se manifesta a natureza do pecado com cores mais terríveis do que na morte do Filho de Deus.
A segunda coisa que devemos ter em conta é a importância da alma e o seu destino eterno. “Melhor é que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado no inferno”. Adverte-nos nosso Senhor, e o repete duas vezes para colocá-lo em relevo. A alma é tão importante que se o olho direito é causa de queda no pecado, é melhor arrancá-lo, livrar-se dele, não num sentido físico. Há muitas coisas na vida e no mundo que, em si mesmas, são muito boas e proveitosas. Porém nosso Senhor nos diz aqui que se inclusive estas coisas nos fazem tropeçar devemos repudiá-las, ainda que sejam tão importantes como um dos membros valiosos do nosso próprio corpo.
Se minhas faculdades, tendências, sentimentos, emoções, habilidades, me conduzem ao pecado, então devo repudiá-las. Devo levar estas coisas à morte da cruz, inclusive o afeto natural pelos meus familiares (Lc 14.26), caso eles venham a se tornar causa de tropeço para a minha santificação.
Tal é a importância do destino eterno da alma que tudo o mais deve estar-lhe subordinado. Tudo o mais é secundário quando ela está em jogo.
Não devemos permitir que nada se interponha entre nós e o destino eterno da nossa alma.
Temos que nos dar conta de que tudo o que temos de fazer neste mundo é preparar-nos para a eternidade.
O terceiro ponto é que devemos odiar o pecado e fazer tudo o que possamos para destruí-lo seja ao custo do que for. Devemos nos esforçar em odiar o pecado. Os puritanos sabiam analisar o pecado e denunciá-lo, e muitos se riam deles e os chamavam de especialistas em pecados. Que se ria o mundo que quiser, porém está a maneira de se santificar. Estudemos os puritanos, leiamos o que a Bíblia diz do pecado, e quanto mais o fizermos nós mais o odiaremos e faremos todo o possível para livrar-nos dele.
O quarto ponto é que devemos ter um coração puro e limpo, um coração livre de cobiças e desejos. A idéia não é que estejamos livres de certas ações, senão que nosso coração seja purificado. “Bem aventurados os de coração puro porque eles verão a Deus.”. Nunca devemos pensar na santidade somente como não fazer algo errado, mas principalmente em cultivarmos um coração puro. Quando temos um conceito puramente negativo relativo à santidade, podemos ficar auto-satisfeitos. Mas se examinarmos o nosso coração, e chegarmos a conhecer o que os puritanos sempre chamavam de “a corrupção de nosso coração” nos ajudaria na santificação. Porém não agrada a muitos examinarem seus corações. Geralmente nos orgulhamos do nome de evangélicos e nos sentimos muito felizes porque somos ortodoxos e porque não somos como os liberais ou modernistas e outros grupos da igreja que estão obviamente equivocados. Ficamos satisfeitos com a posição em que estamos e pensamos erradamente que devemos apenas manter esta posição. Porém isto significa que não conhecemos nosso coração, e nosso Senhor exige um coração limpo.  Pode-se cometer pecado no coração, Ele diz, sem que ninguém o veja. Porém Deus o vê, e diante de Deus é horrível, repugnante, feio, sujo. Pecado do coração!
O último ponto é a importância da mortificação do pecado. O puritano John Owen escreveu um grande tratado sobre este assunto.
O conceito genuíno da mortificação do pecado se encontra em muitas passagens do Novo Testamento como Rom 8.13; 13.14 e I Cor 9.27, por exemplo.
Nestas passagens nós vemos que a natureza terrena, o velho homem, a carne, o homem exterior devem ser crucificados para que sejam mortos.
Nunca devemos fazer provisão para os desejos da carne (Rom 13.14) diz-nos o apóstolo.
Isto demonstra que há um sentido prático nesta mortificação na qual está incluído portanto o ato de repudiarmos tudo aquilo que possamos tocar, ou ver, ou fazer e que nos leve a contaminar o nosso coração. Todo tipo de imagem virtual ou real que sejam sugestivas para o pecado devem ser repudiadas. Tudo o que se ler, tudo que se ouvir, tudo o que se ver. Devemos evitar a todo custo. Ainda que isto nos traga o sentimento de estar cortando algum órgão nobre do nosso corpo.
A carne gosta destas coisas, portanto tenhamos cuidado e privemo-nos delas, contrariando a nossa vontade.
Estas coisas são fontes de tentação, e quando lhes dedicamos o nosso tempo nós estamos fazendo provisão para os desejos da carne. Nós estamos colocando combustível na chama do pecado que opera no nosso corpo.
Mas argumentam conosco que muitas destas coisas são de autores brilhantes, que elas são educativas, que elas servem para nos manter atualizados com o mundo; mas nosso Senhor diz que devemos arrancar o olho e a mão. Ainda que me tenham na conta de ignorante por evitar estas coisas é melhor ser ignorante para o bem da minha alma, do que prejudicá-la por manter contato com estas coisas.
Isto também significa evitar as conversações néscias e as estórias que são insinuantes e sujas.  Digamos que não queremos ouvi-lo, que não nos interessa.
Devemos ter cuidado com quem nos reunimos. Em outras palavras, devemos ter cuidado de evitar tudo aquilo que tende a manchar ou impedir a nossa santificação. Devemos também nos abster de toda aparência de mal, isto é, de qualquer forma de pecado. Não importa que forma assuma. Tudo o que sei que me prejudica, e tudo o que me perturba, transtorna e excita, seja o que for, devo evitá-lo. Devo colocar como o apóstolo, o meu corpo em servidão ao Espírito de Deus. Devo fazer morrer a natureza terrena.
Alguém poderá dizer que isto é um escrúpulo mórbido que me deixará atormentado e triste. Bem, há pessoas que se tornam mórbidas. Mas se há morbidez é porque a pessoa está relacionando a santidade consigo mesma, porque os escrúpulos mórbidos se concentram nas pessoas. Mas a verdadeira santidade se preocupa sempre em agradar a Deus. Em glorificá-lo e honrá-lo. Se isto estiver presente nunca há o risco de se tornar mórbido,e a santificação traz o fruto da paz e da alegria do Espírito Santo que é contrário a toda forma de morbidez.
Devemos por fim vigiar e orar para fazer frente a todas as insinuações do mal.
Para o verdadeiro crente não há maior estímulo e incentivo na luta para fazer morrer as obras da carne do que isto. O objetivo de nosso Senhor ao vir a este mundo e suportar toda sorte de sofrimentos até a morte na cruz foi para livrar-nos do presente século mau, para redimir-nos de toda iniqüidade, e para escolher um povo exclusivo Seu, zeloso de boas obras. O propósito de tudo é que fôssemos santos e sem mancha diante dEle. Se seu amor e sofrimentos significam algo para nós, nos conduziriam inevitavelmente a estar de acordo com esse amor que exige em troca toda minha vida, toda minha alma, tudo o que tenho.
Finalmente, estas reflexões devem nos conduzir a ver a necessidade absoluta que temos do Espírito Santo. Vocês e eu temos que fazer estas coisas. Porém, necessitamos de poder e da ajuda que somente o Espírito Santo pode nos dar. É pelo Espírito que fazemos morrer as obras da carne. Se nos entregarmos a este trabalho de mortificação do pecado, o Espírito nos dará do Seu poder.
Portanto não devemos fazer o que sabemos que é mau. Vivamos no poder do Espírito.
Desenvolvamos nossa salvação com temor e tremor.
Conhecendo a natureza terrível do pecado nós não tentaremos mortificá-los com nossas próprias forças mas com o poder do Espírito, sabendo que é Deus quem realiza em nós o querer e o efetuar.


Sobre o Divórcio
“31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio.
32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, comete adultério.” (Mt 5.31,32).
Nós analisaremos esta passagem do Sermão do Monte em conjunto com o texto de Mt 19.3-12:
“3 Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?
4 Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez,
5 E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne?
6 Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
7 Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
8 Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.
9 Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.
10 Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar.
11 Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido.
12 Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o.” (Mt 19.3-12).

Nós temos aqui a lei de Cristo para o caso de divórcio, oriunda de uma discussão com os fariseus. Tão pacientemente Ele suportou as contradições dos pecadores, que as transformou  em instruções para os seus próprios discípulos.
Nós vemos nestes versículos:
O caso proposto pelos fariseus (v.3). Eles lhes perguntaram se era lícito um homem se divorciar da sua mulher, sem que estivessem desejando realmente serem ensinados por Ele. Algum tempo atrás na Galiléia Ele havia também se pronunciado contra o divórcio no Sermão do Monte (Mt 5.31,32).  Eles pensavam que ele se prenderia aos afetos das pessoas em vez de aos Seus preceitos. Ou pensavam que ele diria que os divórcios não eram legais, e assim teriam ocasião para dizer que ele estava negando a Lei de Moisés, que os permitia.
Apesar de a Lei de Moisés prever que os divórcios somente poderiam ser admitidos por causas justas, eles estavam tentando ao Senhor com a insinuação de divórcios por quaisquer motivos.
Qualquer motivo, especialmente o desgosto no matrimônio em relação ao cônjuge foi descartado por Jesus, porque o matrimônio é uma instituição universal para crentes e descrentes, para temperamentos brandos ou fortes, enfim, para quaisquer condições pessoais, então, nada há que justifique a dissolução do laço senão a única razão apresentada por Jesus de fornicação. Evidentemente, não era a ocasião para Ele declarar, como o apóstolo Paulo viria a fazer depois, que há a parte inocente, e livre para contrair novas núpcias, quando a outra parte decide desfazer o laço por qualquer outro motivo.
As Escrituras do Velho Testamento estão repletas de princípios que revelam o quanto Deus detesta o divórcio, o repúdio, o adultério, mas como os fariseus não faziam um uso correto das Escrituras, eles desconsideravam completamente o que nelas estava contido a tal respeito, e seguiam a tradição que eles próprios inventaram para justificarem o divórcio, com base no único preceito de que Deus havia permitido através de Moisés que fosse dada carta de divórcio caso alguém pretendesse desfazer o laço matrimonial. No entanto, eles desconsideravam também o contexto em que tal permissão havia sido concedida, e conforme se encontra registrado no Pentateuco (Dt 24.1).
Citamos apenas a título de exemplo que Deus realmente não aprova o divórcio, a afirmação que consta em Malaquias 2.16: “Porque o Senhor, o Deus de Israel diz que odeia o repúdio...”.
Os fariseus sempre consideravam tudo pelo ângulo simplesmente jurídico-legal, e as Escrituras, e Cristo, o autor delas, sempre enfatizam o ângulo espiritual, e os princípios espirituais que se encontram por detrás do preceito legal. A letra da Lei é apenas um corpo do espírito que há na Lei. Mas os fariseus não conseguiam ver o espírito, senão apenas a letra, e assim erravam duplamente tanto por desconhecerem o poder de Deus quanto o verdadeiro significado das Escrituras.
Então Jesus os levou a considerar o propósito de Deus na criação do homem e da mulher, e quanto à instituição do matrimônio. Ele remontou até ao primeiro casal no Éden, que se encontrava em perfeição antes da queda no pecado, formando uma perfeita unidade diante de Deus e com Ele. Como poderia então Deus aprovar a separação daquilo que Ele havia unido para durar perpetuamente?
Não seria por um simples ato legal, isto é, baseado no comprimento da Lei, sem levar em conta as condições previstas na própria Lei, e ainda que estas fossem consideradas, que aos olhos de Deus seria aprovada qualquer separação baseada em motivos injustificados. Na verdade, aos olhos do Senhor não há nada que justifique a separação, e até mesmo o ato de adultério seria uma concessão para liberar a parte inocente da continuidade do laço, no caso de apesar de perdoar a parte culpada, não se sentisse encorajada a continuar confiando na mesma. Assim, estaria liberada até mesmo para contrair novas núpcias sem achar-se com culpa diante de Deus.
Por isso Jesus citou aos fariseus a lei fundamental do matrimônio conforme consta nas Escrituras:
“Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne. Assim não são mais dois, mas uma só carne.” (v. 5, 6).
E concluiu: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (v. 6b).
Ele afirmou assim o princípio de que o matrimônio aos olhos de Deus é uma instituição que Ele criou para durar e não para ser considerada pusilanimemente, por quem quer que seja.
O princípio que norteia a união matrimonial não é se me sinto ou não feliz na mesma. Se sou de temperamento compatível ou não com o meu cônjuge, mas que uma vez consumada a conjunção carnal, passo a ser um com aquele com o qual me ajuntei sexualmente.
Por isso Paulo considera um ato de adultério o de quem se relaciona com uma meretriz, porque fazendo-se um só corpo com ela através do ato sexual, peca contra Cristo, com quem está unido pela fé. Fazendo-se uma só carne com a meretriz, ele é visto aos olhos de Deus tão prostituído quanto a prostituída à qual se uniu.
“15 Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo, e fá-los-ei membros de uma meretriz? Não, por certo.
16 Ou não sabeis que o que se ajunta com a meretriz, faz-se um corpo com ela? Porque serão, disse, dois numa só carne.”  (I Cor 6.15,16).
Isto tudo porque a relação matrimonial, para Deus, é mais íntima e próxima do que a existente entre pais e filhos, e se a relação filial não pode ser violada tão facilmente, quanto mais a matrimonial.
Um filho pode abandonar seus pais, ou os pais abandonarem seus filhos senão pelo motivo do casamento destes? Veja então o peso que Deus colocou na instituição do matrimônio que Ele próprio criou. Quantos ignoram isto, e pecam grosseiramente a este respeito? Entretanto, a par da sua ignorância, são achados em culpa perante Deus, porque a própria natureza ensina que a família possui um caráter sagrado para o Criador.
Os filhos trazem a herança genética comum de seus pais, e isto é um grande argumento para que vejam que são realmente marido e esposa, uma só carne diante de Deus. É pela união de ambos que outros seres humanos chegam ao mundo, e não com as características genéticas de outras pessoas, senão somente daqueles que os geraram. Deus poderia gerar as pessoas por outro caminho escolhido por Ele, mas determinou fazê-lo pelo matrimônio para atender a vários propósitos específicos, como o do aprendizado do amor não interesseiro, da submissão, dentre tantos outros revelados na Palavra (vide especialmente Efésios 5.22-33). Então a unidade dos filhos com seus pais, está diretamente dependente da unidade entre os próprios pais. E unidade sobretudo espiritual, em amor, baseada na verdade, conforme Deus havia intentado desde o princípio. Um casamento assim constituído depois que o pecado entrou no mundo, seria portanto o que melhor responderia ao propósito original de Deus.
No entanto, nada justifica a separação, mesmo nos múltiplos casos em que casais têm se unido, onde há por exemplo parte crente, e parte não crente, parte santificada (crente fiel) e não santificada (crente infiel) etc. Porque, pelo poder de Deus, é possível até mesmo que as partes que impedem o cumprimento do Seu propósito original, sejam trazidas à referida condição, pelo arrependimento ou conversão.
Não há impossíveis para o Senhor, e Ele sempre honrará de uma forma ou de outra aqueles que O honram. Caso haja relutância da parte ofensora da Sua vontade em consertar-se, Ele cuidará da parte que se manter fiel a Ele. Tudo coopera para o bem dos que amam a Deus. Isto nunca deve ser esquecido, mesmo no caso de uma união conjugal aparentemente desafortunada. Aquele que tem o Senhor por Seu ajudador não tem nada e ninguém a temer neste mundo. E pode aprender, tal como o apóstolo Paulo a viver contente em toda e qualquer circunstância, inclusive nesta de um jugo desigual imposto por um dos consortes que insista caminhar contrariamente à vontade de Deus. Isto é possível porque o amor de Deus que é derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, nos leva a suportar todas as coisas mediante o poder do Senhor que nos fortalece nas circunstâncias difíceis. E este amor sobrenatural, conforme definido em I Cor 13, tudo suporta, tudo sofre, tudo espera, porque é paciente, benigno, longânimo e em nada é egoísta. E tudo fará para agradar e honrar a Deus, cumprindo tudo o que Ele nos tem ordenado em Sua Palavra, e dentre estes mandamentos, o de permanecer casado fazendo todas as coisas por amor, não como para homens, mas para Ele mesmo, e pelo desejo de ser-Lhe obediente em tudo.
A edificação de um lar verdadeiro depende na verdade mais da operação de Deus do que dos próprios cônjuges, conforme se afirma nas Escrituras (Sl 127.1). Realmente há poderes terríveis que operam contra a unidade do casal, especialmente os espíritos malignos, que somente o poder do Senhor pode repreender. Especialmente casais cristãos ficarão sujeitos a estes ataques em razão do ódio que o diabo tem contra Deus, e tudo fará para tentar frustrar o plano que Ele determinou para o casamento desde antes da fundação do mundo. Se não houver então um caminhar em fidelidade de ambos os cônjuges com Deus, dificilmente haverá uma comunhão plena entre eles, porque sem levar em conta o próprio pecado deles que ainda opera na carne, há estes espíritos que somente podem ser vencidos quando estamos revestidos com toda a armadura de Deus.
Entretanto, para que não houvesse uma desesperança numa das partes que pretenda edificar a sua casa, enquanto a outra permanece infiel à vontade de Deus, Ele estabeleceu o princípio da parte crente santificar a não crente (I Cor 7.14), isto é, eles estarão indiretamente debaixo da proteção de Deus prevista para o matrimônio por causa da fidelidade da parte crente a Ele. Então vale a pena esforçarmo-nos para buscar a face do Senhor e a Sua vontade, para termos paz em casa, pela retribuição da honra que Lhe devotarmos, pela repreensão que Ele fará aos espíritos que se levantam contra nós.
 Esta união matrimonial somente deve ser desfeita pela vontade de Deus, pela morte de um dos cônjuges, mas nunca pela própria vontade do homem, nem mesmo dos magistrados, porque afinal, não foi o homem que planejou a instituição do matrimônio, senão Deus. Por isso Jesus disse que o que Deus ajuntou não o separe o homem.
O profeta Malaquias declarou ao povo de Israel qual havia sido um dos principais motivos de Deus não estar mais se agradando deles, apesar de estarem banhando os seus altares com lágrimas, não porém de arrependimento, mas pela dura condição de vida em que eles se encontravam:
“14 E dizeis: Por quê? Porque o Senhor foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança.
15 E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade.” (Mal 2.14,15).
Os israelitas estavam endurecidos em seus pecados, e esta foi a mesma razão de Jesus ter dito aos fariseus porque Moisés havia permitido que dessem carta de divórcio às suas esposas debaixo do Antigo Pacto.
Como eles não viam o matrimônio como uma instituição divina, e não cumpriam os propósitos fixados por Deus para ela, o Senhor havia permitido o divórcio, mas não consentido com isto, porque nunca foi da vontade dEle que fosse separado o que Ele uniu.
Então se um homem  trataria severa e duramente a sua esposa, sem qualquer consideração para com ela, ficando muito longe do amor que deveria devotar a ela, como o que Cristo tem pela Igreja, e se na dureza de seu coração, nada melhor poderia ser esperado desta pessoa, melhor seria então que se separasse, mas não sem deixar de atender às necessidades legais da repudiada, daí a razão da carta oficial de divórcio que deveria ser passada pelas autoridades, para garantir o direito daquela que tivesse sido deixada sem causa pelo seu marido.
Deus não somente vê, mas prevê a dureza dos corações dos homens, e por isso vestiu os mandamentos do Velho Testamento ajustando-os ao caráter das pessoas, que ele sabia previamente,  viveriam entregues à dureza de seus corações, sem arrependimento, por causa do pecado que há no mundo.
Mas um crente que conhece a vontade de Deus a respeito do matrimônio, não deve seguir esta norma concessiva que Ele havia dado desde Moisés, mas seguir o mandamento de amar a esposa assim como Cristo amou a Igreja, e a esposa amar e respeitar o marido sendo submissa a ele. E mesmo no caso de alguém ser crente e estando em jugo desigual, há a possibilidade de se contar com o favor e proteção de Deus, conforme comentamos antes, por um viver fiel a Ele.
Se a lei de Moisés considerou a dureza dos corações dos homens, a graça de Cristo no evangelho a cura, e pode transformar corações de pedra em corações de carne.
Se pela lei vem o pleno conhecimento do pecado, pelo evangelho, este é dominado e vencido.
É interessante observar que se por uma lado a Lei procurava mitigar a dureza de coração permitindo o divórcio, por outro lado condenava o crime de adultério com a punição de morte (Dt 22.22). Mas o evangelho de Jesus Cristo mitiga o rigor da pena do adultério, e prescreve o divórcio como uma possível penalidade se a parte ofendida assim o desejar.
É importante também observar que a palavra usada por Jesus em nosso texto, no original grego, não é adultério, mas fornicação (de porneia), designando provavelmente uma impureza cometida antes do matrimônio, e que viesse a ser descoberta posteriormente.
A lei de Cristo tende a restaurar o homem na sua integridade primitiva, tal como estava no Éden, antes da entrada do pecado no mundo. E a lei do amor e perpetuidade conjugal não é nenhum novo mandamento, porque foi instituída por Deus desde o princípio. Então esta lei, conforme reafirmada por Cristo é para o nosso próprio bem e de toda a sociedade, inclusive para o próprio mundo secular, haja vista que na maior parte dos casos não serão apenas os cônjuges as partes afetadas por um divórcio, mas também os filhos oriundos do seu casamento.
Os próprios discípulos de Jesus não haviam entendido ainda o princípio sábio e bom que há na lei do amor e da perpetuidade do matrimônio, e se precipitaram concluindo que se um homem não podia, aos olhos de Deus se separar da sua esposa quando bem lhe agradasse, sabendo eles, que se o fizessem, a conseqüência seria a de terem que prestar contas com Deus no futuro tribunal de Cristo, então, segundo eles seria melhor não casar nunca e permanecerem solteiros.
Entretanto, desde o princípio, quando nenhum divórcio foi permitido, Deus disse que não é bom que o homem esteja só, e os abençoou, o homem e sua esposa,  em sua união conjugal.
E apesar de o casamento trazer consigo muitas cruzes, não é apenas nele que acharemos cruzes neste mundo, mas em todas as áreas de atividade e de relacionamentos. Estas cruzes, num mundo de pecado, nos ajudarão no nosso aperfeiçoamento em santidade, especialmente, em ensinar-nos a orar a Deus sem cessar e a depender dEle, conforme sempre foi da Sua vontade.  Assim aquilo que parece ser contra nós, é a nosso favor, na modelagem do nosso caráter à semelhança ao de Cristo. E o modo de carregar estas cruzes é com paciência e gratidão a Deus em nossos corações.
É nosso dever carregar nossa cruz depois de termos nos auto negado perante o Senhor. Não importa o que sintamos ou qual seja a nossa vontade, senão a vontade de Deus para nossa vida.
O matrimônio é um laço, um jugo que voluntariamente tomamos, e que segundo a vontade de Deus, devemos continuar carregando com amor, paciência, mansidão e voluntariamente, isto é, de livre e boa vontade.
Entretanto, o Senhor afirmou que há realmente casos em que as pessoas permanecerão solteiras, não pela mera vontade delas, mas por ter sido esta a vocação escolhida por Deus para elas, para atender a propósitos específicos, tal como foi o caso do profeta Jeremias e do apóstolo Paulo.
Nestes casos excepcionais dirigidos pela vontade de Deus é de se supor que é melhor o aumento da graça do que o aumento da família, e o relacionamento com o Pai e seu Filho Jesus Cristo será preferido antes de qualquer outro tipo de companheirismo.
Mas Jesus desaprovou totalmente como sendo danoso, proibir matrimônios, porque nem todos estão vocacionados para permanecerem solteiros, e devem portanto suportar o jugo do estado de casado, sem estar debaixo da tentação de evitar ou fugir do jugo que é imposto pela vocação recebida de Deus neste mundo.
Assim, aqueles que sofreram a calamidade de terem sido feito eunucos pelos homens, ou por um defeito de nascença, sendo impossibilitados fisicamente de contraírem núpcias, não  deveriam de fato se casarem, mas recorrerem à providência de Deus para superarem a condição que lhes foi imposta, independentemente da vontade deles. Apesar desta calamidade, há a oportunidade de servirem melhor e desimpedidamente a Deus no estado de solteiros.
De maneira que é uma virtude e graça divina aqueles que se fizeram eunucos por amor ao reino de Deus, atendendo à vocação recebida do próprio Deus para servi-lo em tal estado de solteiro.  Estes que foram capacitados a terem uma indiferença santa a todos os prazeres do estado de casado, serão honrados pelo Senhor no voto de celibato que fizeram, em obediência à vontade de Deus, que correspondeu à própria vontade deles.
Por isso Jesus disse que este estado de solteiro é uma condição que pode ser suportada somente por aqueles a quem é dada tal capacitação pelo próprio Deus.
Finalmente, gostaríamos de registrar um fato real para ilustrar a possibilidade de alguém ser feliz apesar de não ter um casamento nos moldes que Deus planejou para esta instituição desde o princípio. Trata-se de uma esposa que chamaremos de “J” cujo marido chamaremos de “M”.  Eles se encontram casados há mais de trinta e cinco anos, tendo dois filhos com cerca de trinta anos de idade.  “J” se converteu a Jesus depois de alguns anos de casada, tendo seu esposo “M” permanecido incrédulo até o presente. Ele se opôs duramente a ela quanto ao fato de ter que deixá-lo em casa, ainda que uma só vez aos domingos, para ir à igreja. Ela ficou por um bom tempo em oração para que Deus trabalhasse no coração de “M” porque não queria agir de forma insubmissa. Ela tanto orou que ele consentiu que assistisse somente os cultos das noites de domingo. Isto foi uma grande alegria e vitória para ela. Sabemos que continua orando para que ele aceite a sua participação nas demais programações de sua igreja. Mas o que é digno de registro é o fato de que ao exigir que ela permaneça em casa no domingo pela manhã, ele não fica em casa porque sempre se reúne com um grupo de companheiros para ficarem bebendo num bar da esquina onde residem. Você perguntará qual é o perfil de crente de “J”: uma mulher infeliz? Desgostosa da vida e com o seu Deus? Ao contrário, ela se esforça para ser uma boa esposa, apesar de tudo, conforme ordenado pela Bíblia, e é uma mulher feliz, cheia de fé e a alegria no Senhor Jesus. Ela conta o modo sobrenatural como Deus exerce governo sobre o seu marido, de maneira que ele tem sido, apesar de suas fraquezas, cada vez mais atencioso para com ela, e suas idas para o bar estão ficando menos freqüentes. Ela sabe que é por amor a ela, que Deus não permite que os espíritos malignos tenham livre acesso ao seu lar, e assim ela sempre tem desfrutado em casa a paz de Jesus em sua vida. Sempre apegada à Palavra de Deus é uma fonte de inspiração e socorro para muitas vidas, sempre compartilhando com seus irmãos em Cristo porções da Palavra de Deus com fé e alegria no Espírito. Estas jóias são exemplos que Deus nos dá para seguirmos e para que nos consolemos nas aflições que teremos que experimentar enquanto neste mundo.  


O Crente e os Juramentos

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos.
34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus;
35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei;
36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo branco ou preto.
37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno.” (Mt 5.33-37)

Um dos principais propósitos da lei de Moisés relativa ao cumprimento dos juramentos era o de restringir a prática da mentira.
Havia a tendência do povo de fazer juramentos pelas coisas mais triviais e não cumpri-los.
Com o menor pretexto juravam em nome de Deus. O objetivo da lei foi, pois, acabar com esses juramentos volúveis e feitos às pressas, de demonstrar que fazer um juramento era algo muito grave, algo que havia que se reservar somente para as causas e condições e levavam algo de grave e excepcional importância especial para o indivíduo ou para a nação.
O povo de Israel deveria recordar que tudo o que faziam era importante porque eram o povo de Jeová que é santo. Eram o povo de Deus, e se lhes recordava que inclusive seu falar e conversação, e sobretudos nos juramentos, tudo deveria ser feito de tal forma que refletissem que Deus lhes estava contemplando.
É necessário analisar com cuidado a proibição de Jesus relativa a juramentos neste texto, porque Ele mesmo disse que não veio revogar a lei  e os profetas, mas cumprir. E se Deus fosse contrário a todo tipo de juramento, Ele não teria apresentado mandamentos relativos à prática de juramento na lei de Moisés. É dito nas Escrituras que o próprio Deus jurou por si mesmo quando fez a promessa da Nova Aliança a Abraão.
A conclusão a que chegamos, baseados na Bíblia, é que, ainda que haja que se restringir o jurar, há certas ocasiões solenes e vitais quando é lícito jurar.
Está bastante claro que ao proibir juramentos vãos, nosso Senhor queria proibir o uso do nome sagrado de Deus para blasfemar ou maldizer. O nome de Deus e de Cristo nunca devem ser usados deste modo. Por isso Jesus condena tal prática de maneira absoluta e total.
Além de proibir o jurar pelo nome de Deus, também proibiu juramento por alguma criatura, porque tudo pertence a Deus.
Toda palavra proferida deve ser digna de crédito, inclusive na conversação comum. É nisto que consiste o sim, sim, não, não proferido por Jesus.
Deus é verdadeiro, e portanto, tudo o que procede de nossa boca deve ser verdadeiro.
Para nós o jurar falso é terrível. Nunca pensaríamos em cair nele.  Porém, dizer mentiras é tão mal como jurar falso, porque, como crentes, sempre deveríamos falar na presença de Deus. Somos seu povo, e uma mentira que digamos  alguém pode se interpor entre sua alma e sua salvação em Jesus.
Tudo o que fazemos tem suma importância. Não devemos exagerar nem permitir que os demais exagerem ao falarem conosco, porque o exagero se converte em mentira. Produz uma impressão falsa nos ouvintes. Tudo isto está incluído neste texto. Uma vez mais, examinemo-nos. Deus tenha misericórdia de nós, porquanto somos como os escribas e fariseus, tratando de distinguir entre mentiras grandes e pequenas, mentiras e coisas que não são propriamente mentiras. Somente há uma maneira de resolver isto. Não lhes estou exortando a que sejam mórbidos, nem a que caiam em escrúpulos enfermiços, porém, devemos dar-nos conta de que estamos sempre na presença de Deus. Dizemos que andamos neste mundo em intimidade com Ele e com seu Filho, e que o Espírito Santo habita em nós. Muito bem: “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus”, diz Paulo. Ele tudo vê e ouve – todo exagero, toda mentira insinuada. E por que se entristece? Porque é Espírito da verdade, e perto dEle não pode haver mentira.  

Olho por Olho e Dente por Dente

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.” (Mt 5.38-42)

A frase “olho por olho e dente por dente” encontra-se em Ex 21.24, e como todas as sanções da Lei mosaica tinha por alvo controlar os excessos, e neste caso o que se pretendia controlar era a ira, a violência e o desejo de vingança. E não é sem razão que há tal dispositivo na Lei, porque por natureza somos dados a nos vingarmos daqueles que nos prejudicam.
Então Deus colocou este dispositivo na Lei para que os que viessem a usar de violência soubessem que não ficariam impunes e que receberiam a justa retribuição do próprio ato que praticaram contra outrem, em si mesmos.
A expressão olho por olho, dente por dente era uma forma de se dizer que a punição não deveria ficar aquém e nem ir além da transgressão praticada.  Assim, a Lei ajustou o castigo à transgressão de modo que não ficasse aquém da mesma, e nem mesmo que a excedesse. E a Lei foi dada com o fim preventivo principalmente de se evitar os excessos na aplicação das penas pelas autoridades encarregadas de fazer justiça.  Era portanto, uma norma que não foi dada para ser executada pelo povo de Israel, mas pelos seus juízes.
Mas os escribas e fariseus dos dias de Jesus haviam deturpado esta aplicação preventiva da Lei, dando-lhe um sentido negativo para atender aos próprios interesses deles em insistir na aplicação da Lei de forma legalista, pensando somente nos seus direitos. Em vez  de desencorajarem a prática de atos de vingança pela aplicação judiciosa do princípio legal, eles acabavam por estimulá-la com o próprio sentimento de vingança que habitava em seus corações e que podemos ver bem exemplificado na maneira como conduziram Jesus para ser julgado e condenado à morte de cruz pelos romanos, quando o próprio Pilatos havia reconhecido que não havia nenhuma culpa em Jesus, que lhe tornasse digno de morte.
Para bem entendermos o ensino de Jesus devemos ter sempre presente que Ele não proferiu o Sermão do Monte como um código legal, ou como um conjunto de regras para abranger toda a nossa conduta em todos os aspectos da vida. Ele não é uma nova lei para substituir a lei mosaica, mas foi proferido para enfatizar o espírito da lei, especialmente contra o ensino errôneo dos escribas e fariseus. Para revelar que a lei é muito mais do que simples letra, e que tendo um espírito somente pode ser entendida e vivida por aqueles que são capacitados pela graça de Deus para tal.
O Senhor disse que não devemos resistir ao homem mau. É o que está escrito mas se o aplicarmos de forma estrita e rigorosa chegaremos a interpretações ridículas e até mesmo impossíveis. Leão Tolstoy, usando este texto influenciou a muitos ensinando que tais palavras deveriam ser aplicadas de maneira literal, e assim não deveria haver exército, polícia e juízes porque seria anti-cristão.  E afirmava isto com base nas palavras de Jesus de que o mau não deve ser resistido.  E se a polícia resiste ao mau, então deve ser abolida.
Mas devemos levar em conta alguns princípios básicos para uma correta interpretação das palavras de Jesus. O primeiro deles é que este ensino não é para nações ou para o mundo. Ele se aplica exclusivamente aos cristãos, particularmente no cumprimento da missão deles de pregarem o evangelho a toda criatura.
É ao crente que Jesus dirige este ensino e não ao homem natural, vítima do pecado e de Satanás, e que de modo algum pode viver uma tal vida como esta. É preciso ter nascido de novo para viver de tal modo.
Conseqüentemente, pegar este ensino e transformá-lo numa política de países e nações é uma heresia. Deus tem instituído as autoridades, que trazem a espada para castigo dos malfeitores, e o crente deve crer na lei e na ordem, e nunca deve ser negligente nos seus deveres de cidadão de um Estado, porque Deus lhe tem imposto este dever.
As autoridades devem controlar a ilegalidade, restringir o crime e o vício e para isto devem usar o principio de justiça com eqüidade, conforme ensinado no ”olho por olho, dente por dente”. É algo para ser usado portanto, pelas autoridades com a promulgação e aplicação de leis justas, e não por indivíduos, conforme ensinavam os escribas e fariseus, e muito menos no caso de crentes que estão debaixo de algo muito mais elevado que é o respeito e acatamento das leis por amor a Deus e pela capacitação da Sua graça, e não pelo simples temor da punição, conforme é o caso da maioria daqueles que são do mundo.
Vemos então que o ensino de Jesus de que não se deve resistir ao homem mau nada tem a ver com as nações ou com o chamado pacifismo cristão, nem com o socialismo cristão ou outras coisas semelhantes a estas.
O fato de ser ordenado ao crente que não resista ao homem mau não significa que deve sujeitar-se a ele praticando o mal tal como ele, mas que não deve tentar vencê-lo com a energia de seus próprios poderes e capacidade, senão entregar-se a Deus, pela fé, que é justo Juiz. E isto o levará a dar um passo mais adiante, que é o de orar pelos seus perseguidores e pelos que lhes maldizem na expectativa que se arrependam de seus pecados e se convertam a Deus. Sem tal disposição será praticamente impossível pregar o evangelho, porque é fato notório que os pecadores resistem a vir a Cristo e não raro, costumam infamar aqueles que são os instrumentos usados por Ele para trazê-los a Si.
Assim, este ensino de Jesus se aplica somente ao crente em suas relações pessoais, e não enquanto cidadão de seu país.
A relação do crente com o Estado é descrita em várias outras passagens da Bíblia, mas não nesta passagem do Sermão do Monte (Rom, I Pe 2 etc).
O verso 42, que faz parte do conjunto deste ensino, inclui a questão de dar e emprestar a quem nos pede, sem lhe virar as costas. Ora, alguém diria, o que isto tem a ver com olho por olho, com não resistir ao mau, com oferecer a outra face, com dar a capa a quem nos leva a túnica pleiteando por ela em juízo, com caminhar duas milhas com quem nos obriga a caminhar uma? Parece que não deveria estar inserido aqui. Mas é justamente esta inclusão do verso 42 que nos ajuda a entender melhor o ensino de Jesus nesta passagem. Isto nos leva a entender que o Senhor queria enfocar o problema do eu e da nossa atitude para conosco mesmo. Ele está dizendo que se pretendemos ser cristãos, devemos morrer para o eu. Não está sendo enfocado se devemos ou não servir o Exército, ou qualquer outra coisa, mas o modo como penso de mim mesmo e de minha atitude para comigo mesmo.
É um ensino muito espiritual que ilustra de maneira prática a atitude adequada que devo ter para comigo mesmo em relação ao espírito de auto defesa que se coloca imediatamente em movimento quando me fazem algo mau (ser atacado pelo homem mau) ou que me seja incômodo (dar e emprestar).
Devo também examinar o desejo de vingança e o espírito de represália que é tão inerente ao eu natural.
Deste modo, esta atitude do eu diz respeito às injustiças que sofremos quanto às exigências da comunidade e do Estado, e por fim da atitude quanto às posses pessoais. Nosso Senhor põe por descoberto esta coisa horrível que controla o homem natural – o eu, essa herança terrível que provém do homem caído e que faz que o homem se glorifique a si mesmo e se tenha por deus.
O erro dos escribas e fariseus portanto, foi que interpretaram “olho por olho, dente por dente”, numa perspectiva puramente legal, ou como algo físico e material. Assim seguem atuando os homens. Reduzem este ensino surpreendente à questão da pena de morte ou se têm que participar ou não das guerras. Não, diz Cristo, “é uma questão  espiritual, é questão de toda a tua atitude, sobretudo da tua atitude para contigo mesmo e se queres ser meu discípulo, deves morrer para ti mesmo.”. Nós vemos isto em Mt 16.24: “Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me;”.

A Capa e a Segunda Milha

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil.” (Mt 5.40,41)

O conjunto dos mandamentos dos versos 38 a 42 significa isto: não devemos nos preocupar com as ofensas e agravos pessoais que recebamos, sejam de ordem física ou de qualquer outra. Ser golpeado na face é humilhante ofensivo. Porém, se pode ofender de muitas maneiras. Pode-se ofender com a língua ou com o olhar. Nosso Senhor deseja criar em nós um espírito que não se ofenda facilmente por essas coisas, e que não busquemos represálias imediatas. Deseja que cheguemos a um estado no qual nos sintamos indiferentes quanto ao ego e ao apreço próprio.
O ensino de nosso Senhor nesta passagem não quer dizer que não devemos nos preocupar com a defesa da lei e da ordem. Oferecer a outra face não quer dizer que não importa nada o que possa ocorrer no âmbito nacional, que haja ordem ou caos. De nenhum modo. Este foi o erro de Tolstoy, que dizia que não deveria haver polícia, nem soldados ou magistrados, por causa de uma compreensão incorreta destes mandamentos de Jesus.
O que nosso Senhor diz é que não tenho que me preocupar comigo mesmo, por minha honra pessoal e assim sucessivamente.
Porém isto é muito diferente de não se preocupar com as leis e com a ordem, ou com a defesa dos fracos e indefesos.
A ilustração relativa a este assunto que nosso Senhor utiliza quanto à túnica e a capa significa que não devemos nos fixar na tendência de fazer valer os nossos direitos legais.
Para tanto deu o exemplo do homem que levanta um pleito diante de um tribunal judaico do passado para ficar com minha túnica. Segundo a lei judaica não se podia levantar pleito contra ninguém para tirar-lhe a capa, ainda que fosse legal fazê-lo em relação à túnica.
Porém nosso Senhor diz: “ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa”.
Esta é também uma questão difícil, e a única forma de resolver o problema é fixar-se bem no princípio, que é esta tendência de exigir sempre os direitos legais. Vemos isto freqüentemente  nos tempos atuais. Há quem não se canse de dizer que o verdadeiro problema do mundo de hoje é que todo mundo fala de seus direitos e não de seus deveres.
Nosso Senhor se ocupa desta tendência nesta passagem.
Os homens sempre pensam em seus direitos e dizem: “todo mundo deve respeitá-los”. Este é o espírito do mundo e do homem natural que deve conseguir o que é seu e insiste nisso. Este, nosso Senhor quer demonstrar, não é o espírito cristão. Diz que não devemos insistir em nossos direitos legais, inclusive se às vezes podemos sofrer injustiças como resultado disso.
Agora, é importante colocar ao lado deste princípio, outros mandamentos de Jesus, como por exemplo o de Mt 18.15-17, no qual diz:
“15 Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganho teu irmão;
16 mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada.
17 Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano.” (Mt 18.15-17)
Em outras palavras, não parece que nos está dizendo que devemos apresentar a outra face ou que demos a capa além da túnica.
Lemos também em João 18.22,23 a quem lhe havia dado uma bofetada: “22 E, havendo ele dito isso, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? 23 Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; mas, se bem, por que me feres?”
Protestou como vêem, contra quem lhe havia ferido injustamente.
Como podemos explicar estas aparentes contradições? Nosso Senhor, no Sermão do Monte parece dizer-nos que sempre temos que apresentar a outra face, e que se alguém nos põe em pleito para tirar-nos a túnica que devemos dar-lhe também a capa. Porém, Ele próprio, quando foi golpeado na face, não apresentou a outra, senão que protestou. E o apóstolo Paulo insistiu em Filipos, depois de ter sido surrado com varas, sem um julgamento formal, que seus agressores se retratassem pública e formalmente. Se aceitamos o princípio original, não é difícil harmonizar os dois tipos de afirmações. Pode ser compreendido assim. Esses casos não são exemplos de nosso Senhor ou de Paulo insistindo em seus direitos pessoais. O que nosso Senhor fez foi censurar a violação da lei e fez o protesto para defender a lei. Disse àqueles homens de fato o seguinte, em outras palavras: “Não sabeis, que golpeando-me assim violais a lei?”. Não disse: “Por que me ofendeis?”
E o apóstolo Paulo fez exatamente o mesmo. Não protestou porque lhe haviam encarcerado. O que lhe preocupou foi que os magistrados vissem que ao prendê-lo haviam feito algo ilegal e haviam violado a lei que teriam o dever de aplicar. De maneira que lhes recordou a dignidade e a honra devidas à lei.
Quanto a andar a segunda milha, era um costume muito comum no mundo antigo, por meio do qual o governo teria o direito de mandar a um homem quanto a uma questão de transporte. Teria que transportar uma carga, de modo que as autoridades tinham o direito de mandar-lhe a qualquer parte, e de levar a dita carga desde o lugar designado até a seguinte etapa.
Este direito era exercido por um país que tivesse conquistado a outro, e naquele tempo os romanos haviam conquistado a Palestina. O exército romano controlava a vida dos judeus, e com freqüência faziam isso.
Talvez alguém se achava ocupado em algo pessoal, quando de repente se apresentava um pelotão de soldados e lhe diziam que deveria levar uma carga até um certo ponto. Se fosse uma milha de distância, a isto se refere nosso Senhor dizendo que deveria se dispor a caminhar mais uma milha além da exigida.
Estamos de novo diante de algo muito importante e prático. O princípio é que, não somente temos que fazer o que nos é pedido, senão ir mais além no espírito do ensino de nosso Senhor nesta passagem. Nela se destaca o desgosto pessoal que o homem natural tem diante das exigências que lhe faz o governo. Se refere ao ódio que sentimos pelas leis que não nos agradam, às que nos temos oposto.
Tomemos por exemplo a questão do pagamento de impostos. Talvez não gostemos disso e o odiemos, porém, o princípio que se aplica é exatamente o mesmo que o do caso das duas milhas.
Nosso Senhor diz que não somente não devemos ficar aborrecidos com estas coisas, mas que devemos fazê-las voluntariamente, e estar inclusive dispostos a ir mais além do que nos é exigido.
Nosso Senhor condena todo ressentimento que possamos sentir contra o governo legítimo de nosso pais. O governo que está no poder tem o direito de fazer estas coisas, e nosso dever é cumprir a lei. E devemos fazê-lo ainda que estejamos completamente em desacordo com o que se faz, e ainda que o consideremos injusto. Se tem autoridade legal e sanção legítima, nosso dever é fazê-lo.


Negar-se a Si Mesmo e Seguir a Cristo

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.” (Mt 5.38-42).

Ninguém pode praticar o que nosso Senhor ilustra aqui nesta passagem a não ser que tenha subjugado o eu, com seu direito relativo a si mesmo, o direito de decidir o que tem de fazer, e sobretudo deve subjugar o que costumamos chamar de “direitos do eu”. Em outras palavras, não devemos nos preocupar com nada que se refira a nós mesmos. Todo o problema da vida consiste em última instância nessa preocupação com o eu; e assim o que Jesus ensina nesta passagem é que devemos nos livrar do eu completamente.
Devemos livrar-nos desta tendência constante de velar pelos interesses do eu, de estar tão atento a agravos e ofensas, sempre na defensiva. Tudo deve desaparecer, e isto significa que devemos deixar de ser tão sensíveis quanto ao eu. Esta sensibilidade mórbida, esta situação em que o eu sempre se encontra, em tão delicado equilíbrio, que a mínima perturbação pode alterar esse equilíbrio, deve ser descartada.
O apóstolo Paulo diz o seguinte de si mesmo em I Cor 4.3: “Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo.”.  Ele havia colocado nas mãos de Deus o problema de julgar, e desta maneira, havia chegado a um estado em que nada poderia feri-lo. Este é o ideal que deve ser buscado – esta indiferença ao eu e aos seus interesses.
Uma afirmação que o grande George Muller fez em certa ocasião acerca de si mesmo parece ilustrar isto muito claramente. Ele assim escreveu: “Houve um dia em que morri, morri completamente, morreu George Muller e as suas opiniões, preferências, gostos e vontade; morri para o mundo, para a sua aprovação ou crítica; morri para a aprovação ou censura, inclusive de meus irmãos e amigos, e desde então tenho procurado somente apresentar-me como aprovado para Deus.”.
Esta é uma afirmação que deve ser ponderada a fundo. Não posso imaginar uma síntese mais perfeita e adequada do ensino de Jesus nessa passagem, do que esta.
Muller pôde morrer para o mundo e para a sua aprovação e censura, morrer inclusive para a aprovação ou censura de seus amigos e companheiros mais íntimos. Veja a seqüência que Muller apresenta: Primeiro o mundo, depois os amigos e companheiros. Porém, o mais difícil é morrer para si mesmo, para a própria aprovação ou censura de si mesmo. Há muitos grandes artistas que mostram desdém pela opinião do mundo. Se o mundo não aprovar as suas obras, pior para o mundo, diz o grande artista. Mas podem ser sensíveis à opinião das pessoas que lhes são mais achegadas. Porém o cristão deve alcançar a fase em que supere inclusive isto e dar-se conta que não deve deixar que seja dominado por isso. E então deve passar à fase final, isto é, ao que pensa de si mesmo – à aprovação ou censura de si mesmo, à forma em que não julga mais a si mesmo, tal como o apóstolo Paulo.
Enquanto estivermos preocupados com isto, não estaremos a salvo das outras duas formas. De maneira que a chave de tudo, como nos recorda George Muller, é que devemos morrer para nós mesmos. George Muller havia morrido para si mesmo, para sua opinião, para suas preferências, para seus gostos, para a sua vontade. Sua única preocupação , sua única idéia era mostrar-se aprovado para Deus.
E é exatamente isto que Jesus ensinou aqui, isto é, que o crente deve chegar a uma situação e estado em que possa dizer isto.
É certo que o mundo despreza a quem é assim e admira a pessoa agressiva, a pessoa que luta por seus direitos, e que está sempre disposta para defender-se e defender a sua honra.
Assim, somente o cristão pode colocar em prática este ensino do Senhor. Com isto, Ele nos diz que devemos ser completamente diferentes, que temos que mudar por completo, e que temos que chegar a ser um novo ser. E somente quem nasceu de novo do Espírito pode aprender a viver de tal forma.
Agora, como se pode viver este tipo de vida na prática?
Primeiro devemos enfocar o problema do eu de uma maneira honesta. Devemos deixar de apresentar desculpas, e examiná-lo de uma forma honesta, direta e concreta.
Como nos comportamos quando estamos sofrendo uma injustiça? Quando somos incomodados e ofendidos? Quando o mecanismo natural de auto defesa entra em operação devo me perguntar o seguinte: Qual é a minha verdadeira preocupação em relação a isto? Preocupo-me verdadeiramente com algum princípio geral de justiça? Devemos escutar a voz que fala dentro de nós e diz: “Sabes perfeitamente bem que é o teu eu, esse orgulho horrível, essa preocupação por ti mesmo, por tua reputação, por tua grandeza” – sim, é isso, devemos admiti-lo e confessá-lo. Será sumamente doloroso, e contudo, se queremos elevar-nos até o ensino de nosso Senhor, temos que passar por este processo da negaçäo do eu.
Nós vemos por este ensino do Sermão do Monte, que quando Jesus ensinou que devemos nos auto negar para segui-lo, tomando a nossa cruz, Ele estava se referindo muito mais do que a uma simples mudança de algo de natureza nocional, intelectual, ou filosófica.
Devemos considerar de modo prático até que ponto o eu controla a nossa vida. Examinem suas vidas, seu trabalho diário, as coisas que fazem, os contatos que têm que estabelecer com as pessoas. Pensem por um momento até que ponto o eu entra em tudo isto. É uma descoberta surpreendente e terrível ver até que extremo o interesse próprio e a preocupação por si mesmo estão implicados, inclusive na pregação do evangelho. É uma descoberta horrível. Mas queremos mudar, e por que? Por causa da glória de Deus, ou pela própria glória? Tudo o que dizemos e fazemos, a impressão que produzimos nas pessoas, o quê nos preocupa na realidade? Se analisarem toda sua vida, não somente suas ações e conduta, senão sua roupa, seu aspecto, tudo, se surpreenderão por descobrir até que ponto esta atitude insana relativa ao eu entra em todas as coisas.
Alguma vez temos nos dado conta de até que ponto a infelicidade, os problemas, os fracassos de nossas vidas se devem a uma só coisa, a saber, ao eu. Recordemos os períodos tristes, de tensão, de irritabilidade, o mau caráter, as coisas feitas e ditas das quais nos envergonhamos, as coisas que nos turbaram, e que nos desequilibraram. Examinemos uma por uma, e nos surpreenderemos em descobrir que quase todas elas têm relação com este problema do eu, da sensibilidade, do buscar sempre o eu. Essa vida da alma deve ser negada. Ela deve morrer, não a alma propriamente dita, mas o estarmos sob o controle dela. Por isso Jesus falou da necessidade de perdermos a nossa vida (alma – psiquê) para acharmos a verdadeira vida do céu, que procede de Deus.
Foi o eu o responsável pela queda no Éden. O eu sempre significa desafiar a Deus, e por isso é sempre algo que nos separa dele.
Todos os momentos de infelicidade na vida se devem em última instância a esta separação de Deus. Uma pessoa que está em verdadeira comunhão com Deus é feliz. Não importa que esteja na prisão, que tenha os pés amarrados ao tronco, que esteja queimando numa fogueira; é feliz em sua comunhão com Deus. Não tem sido esta a experiência dos santos ao longo dos séculos?
E a causa da separação de Deus é o eu. Quantas vezes nos sentimos infelizes, isto é, de uma forma ou de outra buscamos a nós mesmos e pensamos em nós mesmos, em vez de buscar a comunhão com Deus. O homem, segundo a Bíblia, foi criado para viver completamente para a glória de Deus. Foi criado para amar ao Senhor com todo o seu coração, com toda a sua alma, e com toda a sua mente e com todas as suas forças. Todo o ser do homem (espírito, alma e corpo) foi criado para glorificar a Deus.
Por conseguinte, todo o desejo de glorificar a si mesmo ou de proteger os próprios interesses é necessariamente pecaminoso, porque almejo a mim mesmo em vez de almejar a Deus e de buscar a sua honra e glória. E é exatamente isto o que Deus tem condenado no homem. É isto que o coloca debaixo da maldição e da ira de Deus.
Assim, a santidade significa a libertação desta vida centrada no eu. Daí ser importante estudar sobre a separação de alma e espírito operada pela Palavra, quando tratamos do assunto da santificação. Deste modo, a santificação não é para ser concebida primordialmente em função de atos, senão em função de uma atitude em relação a si mesmo. Não significa basicamente que não se faça certas coisas e que se faça outras. Há pessoas que nunca fazem certas coisas que são consideradas pecaminosas, porém estão cheias de orgulho. Por isto devemos considerar a santidade em função do eu e de nossa relação para com nós mesmos, e devemos dar-nos conta de que a essência da santidade é que possamos dizer com George Mulller que temos morrido, morrido completamente, para este eu que tem causado tanta ruína na nossa vida.
Finalmente, passemos ao nível mais elevado e examinemos o problema do eu à luz de Cristo. Por que o Senhor veio a este mundo? Veio em última instância para livrar os homens do eu. Nós vemos nEle perfeitamente esta vida desinteressada. Pensemos da sua vinda da glória do céu ao estábulo de Belém. Por que veio? Hä uma só resposta para a pergunta. Não pensou em si mesmo. Este é o cerne da afirmação que Paulo faz em Filipenses 2, de que Jesus sendo igual a Deus, não pensou nisto; não se aferrou a isso, ao direito que tinha de manifestar sempre a sua infinita glória. Humilhou-se, e negou a si mesmo. Nunca haveria uma encarnação se o Filho de Deus não colocasse o eu, por assim dizer, de lado.  
Depois, vemos essa Sua vida desinteressada na terra. Freqüentemente repetiu que as palavras que proferia não as falava de Si mesmo, e as ações que realizava não eram suas, mas do Pai, que lhas havia dado. Assim entendo o ensino de Paulo acerca da humilhação voluntária da cruz. Significa que, ao se tornar semelhante ao homem, se fez voluntariamente dependente de Deus; não pensou nada em si mesmo. Disse que veio fazer a vontade de Deus, e dependeu completamente de Deus para tudo, nas palavras que pronunciou e em tudo o que fez. Não viveu o mínimo para si mesmo. E Paulo diz que devemos ter o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus.
Ele era inocente e sem culpa, e contudo, quando lhe maldiziam, não respondia com maldição; quando padecia, não ameaçava, senão se entregava ao Pai que julga retamente (I Pe 2.23). A cruz de Cristo é o exemplo supremo, e a argumentação do Novo Testamento é esta, que se dizemos que cremos em Cristo e cremos que Ele morreu por nossos pecados, significa que nosso maior desejo deveria ser morrer para o eu. Este é o propósito último da Sua morte, não somente que pudéssemos receber perdão, ou que pudéssemos ser salvos do inferno. Foi mais para que pudesse constituir um novo povo, uma nova humanidade, uma nova criação, e que constituísse um novo reino com Ele.
Ele é o primogênito entre muitos irmãos, é o modelo. Deus nos fez como Paulo diz aos efésios, “sua feitura, criados em Cristo Jesus” (Ef 2.10). Temos de ser feitos conforme à imagem do seu Filho. Assim afirma a Bïblia. De maneira que podemos dizer que a razão da sua morte na cruz foi que nós pudéssemos ser salvos e livrados da vida do eu. “Um morreu por todos, logo todos morreram;” diz o apóstolo Paulo. E por que? Ele mesmo dá a resposta logo em seguida: “e ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” (II Cor 5.14,15). Esta é a vida para qual Deus nos tem chamado. Não a vida de autodefesa ou de sensibilidade, senão uma vida tal que, inclusive se nos ofendem, não agiremos em represália; se recebermos uma bofetada na face direita estaremos dispostos a apresentar a outra; se alguém nos tomar a túnica estaremos dispostos a dar-lhe também a capa; se nos obrigarem a levar uma carga por uma milha, iremos duas; se alguém vier nos pedir algo, não diremos que temos direito de estar apegados ao que nos pertence, mas que se houver real necessidade, estaremos prontos a ajudar e a dar. Tenho acabado com o eu, tenho morrido para mim mesmo, e minha única preocupação é a glória e honra de Deus.
Esta é a vida para a qual nos chama o Senhor Jesus Cristo. Ele morreu para que possamos vivê-la.
Graças a Deus que o evangelho nos diz também que Jesus ressuscitou e que tem enviado à Igreja, e a cada um dos que crêem nEle, o Espírito Santo com todo seu poder renovador e fortalecedor. Se tentarmos viver este tipo de vida por nós mesmos, estaremos condenados ao fracasso. Mas com a bendita promessa do Espírito Santo de vir morar e atuar em nós, temos esperança. Deus tem feito possível esta vida e se George Muller pôde morrer para o eu, por que não deveríamos cada um de nós, que somos cristãos, morrer do mesmo modo para o eu que é tão pecador, que conduz a tanta calamidade, desdita e dor, e que em última instância é uma grande negação  da obra bendita do Filho de Deus, na cruz, no monte Calvário.

Amar aos Inimigos

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo.
44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem;
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos.
46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem os publicanos também o mesmo?
47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não fazem os gentios também o mesmo?
48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.” (Mt 6.43-48)

Nestes versículos 43-48 temos a última das seis ilustrações que nosso Senhor utilizou para explicar seu ensino relativo à lei de Deus para o homem, em contraposição com a interpretação pervertida dos escribas e fariseus.
(Não era portanto, nenhum acerto na lei que Jesus estava fazendo nestas passagens, mas dando a correta interpretação da lei, contra o ensino errôneo que vinha sendo ministrado aos judeus. De igual modo, há tal necessidade ainda em nossos dias na Igreja, porque há muitos que não interpretam a Palavra de Deus corretamente, apesar de alegarem serem os autênticos guardiões da Palavra, tal como os escribas e fariseus se tinham em tal conta. É importante pois, à luz do que temos aprendido que não devemos ser crédulos, isto é, não darmos crédito simplesmente ao que nos é ensinado relativamente à Bíblia, pela mera alegação de que devemos nos submeter à autoridade daqueles que nos ensinam. Se o ensino for correto amém. Mas, caso contrário, devemos nos submeter à verdade revelada, e não à suposta verdade, que é resultante de uma interpretação incorreta das Escrituras – nota do tradutor).
Por exemplo, nosso Senhor utilizou para explicar seu ensino relativo à lei de Deus para o homem, em contraposição com a interpretação pervertida dos escribas e fariseus, a afirmação que estes faziam que se deveria amar o próximo e que se deveria odiar os inimigos. Imediatamente alguém pergunta: onde encontraram isto no Antigo Testamento? Há nele alguma afirmação que diga isto? A resposta é, desde pronto: Não. Porém, era isto que ensinavam os escribas e fariseus e o interpretavam assim. Diziam que o próximo era somente um israelita; ensinavam pois os judeus a amarem os judeus, porém lhes diziam também que os demais teriam que considerá-los não somente como estranhos senão como inimigos.
De fato chegaram inclusive a indicar que era quase um direito, um dever, odiar aos estrangeiros. Sabemos pela história do ódio e ressentimento que dividia o mundo antigo. Os judeus consideravam a todos os demais com cães e muitos gentios depreciavam os judeus. Havia esse horrível muro de separação que dividia o mundo e que produzia com isso uma intensa animosidade. Havia, portanto, muitos entre os zelosos escribas e fariseus que pensavam que honravam a Deus depreciando a todos os que não eram judeus. Pensavam que deveriam odiar a seus inimigos. Porém essas duas afirmações não podem ser achadas juntas em nenhuma passagem do Antigo Testamento.
(Disto os crentes devem aprender que não estão honrando a Deus quando desprezam aqueles que não são crentes. Deus não faz acepção de pessoas e lhes ordena que amem a seu próximo como a si mesmos. Não importa o quanto sejam perseguidos ou desprezados. Devem amar seus inimigos, conforme Jesus nos ensinou. Este amor aos inimigos não significa contudo em estar em acordo com eles e concordar com tudo o que fazem. Ao contrário, nós vemos o próprio Senhor advertindo seriamente os escribas e fariseus. Não se deve negociar a paz com a venda da verdade. Dizer a verdade. Repreender o errado. São formas de se expressar amor pelo próximo, porque com isto estamos zelando pelo destino eterno de sua alma. A pregação densa e forte do evangelho, chamando as pessoas ao arrependimento, tal como havia feito por exemplo, João, o Batista, em relação aos escribas e fariseus era uma grande prova de amor, e não o contrário, porque todo aquele que lhe desse ouvido e se arrependesse, seria livrado da condenação eterna. O crente pode ser amaldiçoado por seus inimigos, mas é seu dever esforçar-se para que eles cheguem a alcançar a bênção da salvação em Jesus Cristo, que deve ser oferecida a todos sem exceção – nota do tradutor).
Nosso padrão de tratamento das pessoas deve ser o mesmo com o qual são tratadas por Deus. Ele é completamente longânimo e não busca fazer mal a ninguém por causa das ofensas que  recebe dos pecadores.
Ele é perfeito em misericórdia e somos chamados a seguir o Seu exemplo.
Assim, a forma de tratar as demais pessoas nunca deve depender do que são, ou do que nos tenham feito.
(É importante observar de modo prático, que Deus abençoa os ímpios dando-lhes chuvas, o calor do sol, colheitas, saúde e tantos outros bens que não podemos enumerar, provando assim a Sua completa bondade. Por outro lado, não deixa o homem, por causa da condenação eterna que lhe aguarda por causa do pecado, sem as aflições que lhe acompanham neste mundo, tanto internas, quanto externas, que provam que realmente, apesar de toda a bondade de Deus, e de ter criado tudo muito bom, como afirmou no princípio da criação, no entanto, esta se corrompeu por causa do pecado, e necessita da redenção e restauração que são operadas somente por Jesus. Então, este inferno que pode ser sentido na alma, por causa do pecado, que se traduz em desarmonia em relacionamentos, em depressões e tantas outras enfermidades da alma, são indicações misericordiosas da parte de Deus para nos alertar que há um inferno eterno aguardando por todo aquele que não se arrepender de seus pecados e se voltar para Ele. Então, quando se vive na  paz e no amor que há em Cristo Jesus, comprova-se também, por outro lado, que há também um céu de bênção e glória eternas, que são acessados por meio da comunhão com Jesus, e que aguarda por todos aqueles que amam verdadeiramente ao Senhor – nota do tradutor).
Deus contempla o mundo e vê nele tanto pecado e miséria, porém o vê como algo que provem da atividade de Satanás. Porém há um sentido em que vê ao homem injusto de um modo diferente. Preocupa-se por ele, por seu bem-estar, e por isso faz que o sol venha para ele, e que a chuva desça sobre ele. Nós devemos aprender a fazer isto. Devemos aprender a olhar os outros e dizer: “Se fazem isto contra mim, por que o fazem?” Porque são vítimas de Satanás; porque lhes governa o deus deste mundo e são suas vítimas indefesas. Não devo chatear-me. Vejo-lhes como pecadores abocanhados pelo inferno. Devo fazer todo o possível para salvá-los porque é assim que Deus opera, que deseja que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade, e que não tem prazer na morte espiritual e eterna de ninguém.
Foi por amar o homem perdido no pecado que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo para salvá-lo.
Este amor aos inimigos nada tem a ver com sentimentalismo. Há uma grande dose de sentimentalismo em relação a isto. Há quem diz que tem que fazê-lo para que todos se tornem nossos amigos. Esta é por vezes a base do pacifismo. Pensam que as pessoas mudarão desde que as tratemos com amabilidade. Há quem pense assim, porém devemos ser realistas e não sentimentalistas, porque sabemos que isto não é correto e que não é eficaz. Não, nossa ação não tem como objetivo fazer com que se tornem nossos amigos.
Outros pensam que o amor aos inimigos significa não lhes impor qualquer forma de disciplina. Esta é a idéia sociológica moderna em relação ao problema. Pensam erroneamente que sem castigos e sem disciplina as pessoas se tornam melhores. Pensam que apenas devemos ser amáveis.
Como pois, podemos manifestar o amor de Deus nos contatos com outras pessoas? Deste modo: “Bendizei aos que vos maldizem. Orai pelos que vos perseguem.”
Isto pode ser dito com outras palavras da seguinte forma: “Respondam com palavras amáveis aos que lhes dirigem palavras ofensivas”. Quando ouvimos palavras duras temos a tendência de responder do mesmo modo. Porém nossa norma deve ser de palavras amáveis em vez de ásperas.
Em segundo lugar: “façam o bem aos que vos odeiam”, quer dizer atos de benevolência em vez de atos malévolos. Quando alguém se tem mostrado realmente malévolo e cruel para conosco, não devemos responder com a mesma moeda.
Devemos orar pelas pessoas que nos perseguem. Devemos cair de joelhos e falar conosco mesmo antes de fazê-lo com Deus. Em lugar de nos mostrarmos amargurados e duros, em lugar de reagir em função do ego e com o desejo de cobrarmos o fato, devemos recordar que tudo o que fizermos deve estar debaixo de Deus e diante de Deus.
Devemos entender a diferença entre amar e agradar. Cristo disse: “Amai os vossos inimigos” e não que “Agradem seus inimigos”, Agradar é algo muito mais natural que amar. Não somos chamados a agradar a todo mundo. Não é possível. Porém nos é ordenado amar. É ridículo mandar que alguém agrade outra pessoa. Depende da constituição física, de temperamento e de mil e uma coisas mais. Isto não importa. O que importa é que oremos pela pessoa que não nos agrada. Isto não é agrado, senão amor.
O amor é mais que sentimento. O amor no Novo Testamento é muito prático, porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos. O amor é ativo.              






Que Fazeis Demais?

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não fazem os gentios também o mesmo?” (Mt 5.47)

Nesta expressão temos, uma vez mais, uma das definições perfeitas quanto ao que constitui o crente. Apresenta-se o aspecto dual: desalento e alento; a queda e o levantamento. Aqui está: “Que fazeis demais?” Nosso Senhor começou dizendo: “Porque lhes digo que se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus”.  Os escribas e fariseus tinham normas elevadas, porém a justiça à qual nosso Senhor se refere é mais que essa justiça; há algo especial nela.
Nosso Senhor nos diz nesta passagem que o caráter único do crente é duplo. Antes de tudo é um caráter único que lhes separa de tudo o que não é cristão. “Porque se amais aos que lhes amam, que recompensa tereis? Não fazem o mesmo os publicanos?”.  Eles podem fazê-lo, porém vocês são diferentes. O crente é diferente dos demais. Faz o que fazem os demais, é certo, porém faz algo mais. É isto que nosso Senhor vem colocando em todo o tempo, em relevo. Qualquer um pode levar uma carga por uma milha, mas o crente é quem vai a segunda. Sempre faz mais do que os demais. Isto é, sem dúvida, tremendamente importante.
O crente, segundo a definição de nosso Senhor, não é somente alguém que dá mais do que os demais; faz o que os outros não podem fazer. (Como por exemplo amar os inimigos e fazer o bem aos que lhe perseguem. O homem natural não pode fazer isto, senão apenas amar os que lhe amam –nota do tradutor).
“Sede pois, vós perfeitos, como vosso Pai que está nos céus é perfeito”. Isto é estupendo, porém é a definição essencial do crente. O crente tem de ser como Deus, tem de manifestar em sua vida diária neste mundo cruel, algo das características do próprio Deus. Tem que viver como viveu o Senhor Jesus Cristo, seguir suas normas e imitar seu exemplo. Não somente será distinto dos demais. Tem que ser como Cristo. O que temos que nos perguntar, se queremos saber com certeza se somos ou não verdadeiros cristãos, é isto: “Há isso em mim que não se pode explicar em termos naturais? Há algo especial e único em mim e em minha vida que nunca será encontrado em um não cristão?
Que é o cristão? Não é alguém que lê o Sermão do Monte e diz: “Vou viver assim, vou seguir a Cristo e imitar seu exemplo. Essa é a vida que vou viver com minha grande força e vontade”. Nada disso. Lhes direi o que é o cristão. É alguém que se tem convertido em filho de Deus e que possui uma relação única com Deus. Isto o faz especial. “Que fazeis demais?” Deveria ser especial, vocês deveriam ser especiais, porque são pessoas especiais.
Deus se tem convertido no Pai dos crentes. Não é o Pai do não cristão; para eles é Deus e nada mais, o grande Legislador e Juiz. Porém, para o crente, Deus é Pai.
Como pode um homem que nunca tem tido o amor de Deus derramado em seu coração amar os seus inimigos e fazer todas estas coisas? É impossível. Não pode fazê-lo; e além disso não o faz. Nunca tem havido um homem fora de Cristo que o tenha podido fazer.
Concluo, pois, com esta penetrante pergunta. É a pergunta mais profunda que um homem pode fazer para responder nesta vida. Há algo especial em mim? Não pergunto se vivemos uma vida moral, reta, boa. Não pergunto se oramos, se vamos à igreja com regularidade. Não pergunto nada disso. Há pessoas que fazem todas estas coisas e contudo não são crentes. Se isto é tudo, que fazemos mais que os demais, que há em mim que seja especial? Há em nós algo desta qualidade especial? Há algo de nosso Pai em nós? Esta é a pedra de toque. Se Deus é nosso pai, de uma forma ou de outra, o parentesco familiar estará aí, os laços de nosso parentesco inevitavelmente se manifestarão. Que há de especial em nós? Deus nos conceda que ao examinarmos a nós mesmos, possamos descobrir algo desse caráter único e dessa separação que não somente nos divide dos demais, senão que proclama que somos filhos de nosso Pai que está nos céus.

Mateus 5.1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos,
Mateus 5.2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo:
Mateus 5.3 Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Mateus 5.4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
Mateus 5.5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.
Mateus 5.6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.
Mateus 5.7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.
Mateus 5.8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.
Mateus 5.9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
Mateus 5.10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.
Mateus 5.11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.
Mateus 5.12 Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós.
Mateus 5.13 Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor? para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens.
Mateus 5.14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte;
Mateus 5.15 nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa.
Mateus 5.16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.
Mateus 5.17 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.
Mateus 5.18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
Mateus 5.19 Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
Mateus 5.20 Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.
Mateus 5.21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo.
Mateus 5.22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno.
Mateus 5.23 Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
Mateus 5.24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
Mateus 5.25 Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão.
Mateus 5.26 Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil.
Mateus 5.27 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás.
Mateus 5.28 Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
Mateus 5.29 Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.
Mateus 5.30 E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno.
Mateus 5.31 Também foi dito: Quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio.
Mateus 5.32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, comete adultério.
Mateus 5.33 Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos.
Mateus 5.34 Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus;
Mateus 5.35 nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei;
Mateus 5.36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um só cabelo branco ou preto.
Mateus 5.37 Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno.
Mateus 5.38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Mateus 5.39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
Mateus 5.40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
Mateus 5.41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil.
Mateus 5.42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.
Mateus 5.43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo.
Mateus 5.44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem;
Mateus 5.45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos.
Mateus 5.46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem os publicanos também o mesmo?
Mateus 5.47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? não fazem os gentios também o mesmo?
Mateus 5.48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.









Mateus 6

“1 Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.
2 Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
3 Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita;
4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
5 E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.
9 Portanto, orai vós deste modo: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
10 venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
11 o pão nosso de cada dia nos dá hoje;
12 e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;
13 e não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal. [Porque teu é o reino e o poder, e a glória, para sempre, Amém.]
14 Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós;
15 se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas.
16 Quando jejuardes, não vos mostreis contristrados como os hipócritas; porque eles desfiguram os seus rostos, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
17 Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto,
18 para não mostrar aos homens que estás jejuando, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
19 Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
21 Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
22 A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz;
23 se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!
24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?
26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam;
29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
32 (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
33 Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”


Viver a Vida Justa

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“1 Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.
2 Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
3 Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita;
4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mt 6.1-4)

Chegamos agora a uma seção completamente nova do Sermão do Monte, que engloba todo este sexto capítulo.
Estamos diante do que poderíamos chamar de descrição do cristão que vive sua vida neste mundo na presença de Deus, em submissão ativa a Deus, e em dependência total dEle.
Não existe maior falácia do que imaginar que no momento em que alguém se converte e que se torna cristão, que todos seus problemas são resolvidos e que todas as suas dificuldades desaparecem.
A vida cristã está cheia de dificuldades, cheia de dores e de insídias.
Por isso necessitamos da Bíblia. Das instruções detalhadas que nos são dadas por Cristo e pelos apóstolos, porque a vida do crente neste mundo é uma vida cheia de problemas.
Há perigos latentes na própria prática da vida cristã, e também em nossas relações com outras pessoas neste mundo.
Ao examinarem sua própria experiência, e também, ao lerem as biografias dos servos de Deus, descobrirão que muitos têm passado por dificuldades, e muitos têm sido encontrados por um tempo cheios de amargura, e têm perdido sua experiência de alegria e felicidade da vida cristã, porque têm se esquecido destes aspectos.
Como veremos, há pessoas que estão equivocadas em sua vida religiosa, e há outras que parecem andar bem neste sentido, porém, devido a tentações muito sutis no aspecto mais prático, tendem a andar mal. Por isso, temos que examinar ambos aspectos.
Convém portanto, advertir desde o começo, que este sexto capítulo é muito penetrante, de fato, poderíamos inclusive dizer que é muito doloroso.
Às vezes, me parece que é um dos capítulos mais incômodos de toda a Bíblia. Move e examina e nos põe um espelho frente aos olhos, e não nos permite escapar. Não há outro capítulo que sirva melhor que este para estimular a própria humilhação e humildade.
Porém devemos dar graças a Deus por isso, porque o cristão deveria estar sempre desejoso em conhecer a si mesmo.
Somente o homem que tem visto verdadeiramente a si mesmo, tal como é, tem a probabilidade de recorrer a Cristo, e buscar a plenitude do Espírito de Deus, que é o único que pode consumir os vestígios do ego e tudo o que tende a fazer com que se perca o viver cristão.
  Como no capítulo anterior, neste também se ensina, em certo sentido, o contraste com o ensino dos escribas e fariseus. Agora, não se enfatiza tanto o ensino, senão a vida prática, incluindo aí, a piedade e toda nossa conduta religiosa.
O primeiro versículo (“Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.”) é a introdução da mensagem dos versículos 2 a 18.
Depois, o Senhor dá três exemplos ou ilustrações do princípio geral do primeiro versículo, relativos à esmola, à oração e ao jejum.
A vida cristã é sempre um assunto de equilíbrio, porque é uma vida que dá a impressão de ser contraditória, porque ao mesmo tempo que Jesus ordena que façamos nossas obras diante dos homens para que o Pai seja glorificado, Ele também ordena que nos guardemos de fazer as nossas obras diante dos homens para sermos vistos por eles.
Contudo, é apenas uma aparente contradição, porque o que se proíbe não é o fazer as obras diante dos homens, mas o motivo errado, a saber, para a nossa própria glória, em vez de fazê-lo exclusivamente para a glória de Deus.
Portanto os extremos de conduta em relação às obras que fazemos para Deus devem ser evitados, a saber: recolhermo-nos como eremitas ou em mosteiros para não sermos vistos pelos homens, e por outro lado, exibirmo-nos por motivo de ostentação e auto-glorificação. É necessário buscar o equilíbrio.
(Tem-se confundido portanto, nesta questão de equilíbrio, quanto às acusações que são dirigidas contra os pentecostais, chamando-os de exagerados e desequilibrados em sua adoração no culto público. Ora, se os motivos são corretos, a saber, para a exclusiva glória de Deus, então, tal como não se podia acusar os primeiros 120 cristãos que foram revestidos do poder do Espírito  falando em línguas e glorificando a Deus a plenos pulmões, a ponto de terem sido infamados por muitos que diziam que estavam embriagados, de igual modo não se pode acusar de desequilibrados aqueles que adoram a Deus na liberdade do Espírito. A este respeito, vale lembrar que Jesus não repreendeu, a pedido dos fariseus, os seus discípulos que gritavam “Hosana” quando entrou triunfalmente montado num jumento em Jerusalém, dizendo, que caso eles se calassem, as pedras clamariam – nota do tradutor).
Se compreendermos que o que importa é o grande princípio, o espírito que guia a nossa ação, então não cairemos no erro, e não nos desviaremos nem para a direita, nem para a esquerda.
Além disso, não deixaremos de receber a recompensa divina que é prometida àqueles que não fazem suas obras com o propósito da auto-glorificação.
O desejo da recompensa é legítimo e o Novo Testamento inclusive o incentiva. O Novo Testamento nos ensina que haverá um juízo de recompensa. Haverá quem receberá muitos açoites, e quem receba poucos. Todas as ações dos homens serão julgadas, porque é necessário que todos compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tenha feito enquanto no corpo, seja o bem ou seja o mal. Deveríamos portanto, nos interessarmos por esta assunto da recompensa.
Não há nada mau nisso, contanto que o que se deseje seja a recompensa da santidade, a recompensa de estar com Deus.
Quanto à recompensa devemos saber que não recebem recompensa de Deus, os que a buscam dos homens. Este pensamento é aterrador, porém é uma afirmação absoluta, porque Jesus diz: “Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.”
Se temos recebido a recompensa dos homens, em qualquer aspecto, não se receberá nada de Deus.
Se ao pregar o evangelho o que me preocupa é o que os outros pensem de minha pregação, neste caso, esta será a única coisa que vou receber, e nada de Deus. É algo absoluto.
Vejamos agora, o que nosso Senhor diz acerca deste assunto concreto com respeito ao dar esmolas.
Jesus diz que não se deve tocar trombeta diante de nós quando damos esmola, e que não saiba a nossa mão esquerda o que faz a direita.
É evidente que isto é uma metáfora que foi usada pelo Senhor, porque não se tocava trombeta quando os judeus davam esmolas, especialmente os escribas e fariseus.
Não é que sempre haja um pregoeiro óbvio que vá adiante de nós anunciando as nossas esmolas. Porém, quando examinamos realmente nosso coração, vemos que há formas sutis de fazer a mesma coisa.
(O modo justo de ajudar o próximo é fazê-lo secretamente, e é a isso que o Senhor quer se referir ao dizer que não saiba a nossa mão esquerda o que faz a direita. Este é um modo de dizer que se possível deveria ser um segredo até para nós mesmos, algo para não ficarmos nos lembrando para o nosso próprio louvor e glória.
Fazê-lo assim também não expõe o ajudado a nenhum tipo de humilhação, quer da nossa própria parte, quer da parte de outros. De modo que seria uma boa norma, manter o anonimato quando prestamos auxílio, especialmente financeiro, a alguém – nota do tradutor)
Nosso Senhor nos ordena a fazer todas essas coisas movidos por Deus, e guiados pelo Espírito Santo, e logo esqueceremos de qualquer mérito próprio em fazê-las.
Quando tudo fazemos por amor a Deus, esquecidos de nós mesmos, receberemos recompensa de Deus. Nada do que tivermos feito para o bem do nosso próximo, cairá no esquecimento.
Deus tudo tem registrado em seus livros contábeis. Nada esquecerá de lançar na nossa conta para recompensar-nos. Ainda que não nos recompense abertamente neste mundo, certamente nos recompensará abertamente no grande dia quando os segredos de todos os homens serão manifestos, ao se abrir o grande Livro, quando se anunciará diante de todos a sentença final. Todos os detalhes do que tivermos feito para glória de Deus serão anunciados e proclamados e se atribuirá o mérito, a honra e a glória.


Quando Orares

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.” (Mt 6.5)

O Senhor nos advertiu para que não sejamos como os hipócritas, que oram de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos homens. Tem dito que as vãs repetições de nada valem em si mesmas e por si mesmas, e que a simples quantidade de orações não produz benefícios especiais. Também tem dito que se deve orar em secreto, e que nunca se deve preocupar acerca dos homens e nem acerca do que os homens possam pensar.
A oração é sem dúvida, a atividade mais elevada da alma humana. O homem nunca é maior do que quando se encontra de joelhos diante de Deus.
E não é incomum que aqueles que têm muito para falar na oração na presença de outros, pouco tenham a dizer a Deus, quando em privado. No entanto, não deveria ser assim.
A característica mais destacada de todas as pessoas santas que o mundo tem conhecido tem sido que não somente tenham dedicado muito tempo à oração em privado, senão que têm achado uma grande satisfação nisso. Quanto mais santa é a pessoa, mais tempo dedica à conversação com Deus. Assim, pois, é um assunto de importância vital e absoluta.
João, o Batista, havia ensinado seus discípulos a orar. Os discípulos de nosso Senhor sentiram a mesma necessidade quando Lhe pediram que lhes ensinasse a orar.
Não há dúvida de que esta é nossa maior necessidade. Perdemos as bênçãos mais importantes da vida cristã porque não sabemos orar bem. Necessitamos de instrução em todos os sentidos sobre esta questão. Necessitamos que nos seja ensinado a orar, e pelo que orar. Precisamos dedicar algum tempo para estudar o Pai Nosso, porque envolve todas estas duas coisas de forma surpreendente e maravilhosa.
(A oração modelar do Pai Nosso contém tudo, de forma resumida, que é necessário à oração. Nós veremos cada uma destas instruções do Senhor quanto à forma que devemos orar, mais adiante, valendo-nos do comentário de Thomas Watson relativo ao assunto – nota do tradutor).



Como Orar

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“5 E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.” (Mt 6.5-8)

Há uma forma equivocada e outra genuína, de orar. Nosso Senhor se ocupa de ambas.
O erro essencial da forma equivocada é que se concentra em si mesma. É o ato de centrar a atenção naquele que está orando em vez de centrá-la nAquele a quem se oferece a oração. Esse é o problema, e nosso Senhor o mostra nesta passagem numa forma muito gráfica e pertinente, pois diz: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens.” Colocam-se de pé, nas sinagogas, numa posição proeminente. Recordemos da parábola de nosso Senhor acerca do fariseu e do publicano que foram ao templo orar. Aqui indica exatamente o mesmo. Nos diz que o fariseu se colocou o mais adiante que pôde, no lugar mais proeminente, para orar. O publicano, por outro lado, estava tão envergonhado e cheio de contrição que se inclinou o mais que pôde sem levantar a cabeça ao céu, senão tão somente exclamando: “Oh Deus, tenha misericórdia de mim, pecador!”. Também aqui nos diz nosso Senhor que os fariseus se colocam de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, nos lugares mais visíveis, e oram para que os homens lhes vejam. “Certamente lhes digo que já receberam sua recompensa.”
Segundo nosso Senhor, a razão para que orem nas esquinas das ruas é mais o menos a seguinte. O homem que se dirige ao templo para orar está desejoso de produzir a impressão de que é uma alma tão devota que nem sequer pode esperar chegar ao templo. De modo que se detém a orar na esquina da rua. Por esta mesma razão, quando entra no templo, passa adiante ao lugar mais visível possível.
A segunda forma equivocada de orar se encontra nas seguintes palavras: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.” Se tomamos estes dois quadros juntamente, veremos que há dois erros básicos na raiz desta forma de orar a Deus. O primeiro é que meu interesse, se sou como o fariseu, está em mim mesmo, que sou o que ora. O segundo é que creio que a eficácia de minha oração depende do muito que ore, ou da forma particular em que ore.
Examinemos estes dois pontos separadamente.
O primeiro problema, pois, é o perigo de se interessar por si mesmo. Isto se manifesta de diferentes formas. O primeiro  problema básico é que essa pessoa está desejosa de que os demais vejam que ela está orando.
Esta é a causa de tudo. Está desejoso de desfrutar de uma reputação de homem de oração; está desejoso disto e o ambiciona, o que, por si só, já é mau.
Ninguém deveria estar interessado em si mesmo, como nosso Senhor explica.
O seguinte passo neste processo é que o desejo de que os outros nos vejam em oração, se converte em desejo positivo e real. O anterior, por sua vez, conduz ao seguinte: a fazer coisas que garantam que os outros nos vejam. Isto é algo muito sutil. Nem sempre é evidente, como o que vimos no caso de dar esmola. Há um tipo de pessoa que se exibe constantemente se coloca numa posição proeminente, de forma que sempre atrai a atenção sobre si mesma.
O que nosso Senhor diz acerca disto é: “Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.” Que desejavam? Desejavam o louvor dos homens, e o conseguiram. E também hoje em dia se fala deles como grandes homens de oração, se fala deles como de pessoas que faziam orações belas, maravilhosas. Sim, obtêm tudo isso. Porém, pobres almas, é tudo o que conseguirão. Ao morrer se falará deles como gente maravilhosa neste assunto da oração; não obstante, creia-me,  pobre alma humilde que não pode completar uma frase, porém que tem clamado a Deus em angústia, o tem alcançado de algum modo, e obterá recompensa, o que o outro nunca conseguirá. Porque desejavam o louvor dos homens, e foi apenas isso o que alcançaram.
Passemos agora à forma correta de orar.
“6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.
8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.”
O que quer dizer? A única coisa importante ao orar em qualquer lugar é que devemos nos dar conta que estamos nos aproximando de Deus. Isto é a única coisa que importa.
Porém, necessitamos de um pouco mais de instrução, e nosso Senhor nos dá tais instruções. Primeiro nos ordena que oremos em secreto, em nosso aposento, com a porta fechada.
Isto não significa que as reuniões de oração estão sendo proibidas pelo Senhor, porque Ele também as recomenda.
O princípio é que há certas coisas que devemos excluir, seja orando em público ou secretamente. Temos que excluir e esquecer os outros. Inclusive devemos esquecer de nós mesmos. Isto é o que significa entrar no aposento. É possível estar neste aposento quando se caminha numa rua muito movimentada. É um ato de retiro espiritual e não físico. Entramos neste aposento quando estamos em comunhão com Deus, e ninguém sabe o que estamos fazendo. O mesmo princípio se aplica à oração pública, até mesmo quando oramos do púlpito, porque não estamos nos dirigindo à congregação, senão a Deus. Estou falando com Deus, estou dirigindo a oração a Deus, de modo que tenho que excluir e esquecer-me dos demais. (E se intercedermos em favor de alguém, isto será movido pelo Espírito, pelo fato de estar concentrado no Senhor – nota do tradutor).
De nada serve entrar no aposento e fechar a porta se todo o tempo estou cheio de mim mesmo e pensando em mim mesmo, e me orgulhando de minha oração. Não, tenho que excluir tanto a mim mesmo quanto aos demais. Meu coração deve estar aberto única e totalmente a Deus.

A Oração do Pai Nosso
Primeira publicação como parte de Um Corpo de Teologia Prática, 1692 por Thomas Watson (1620-1686)
Prefácio à Oração do Senhor
“Pai nosso que estás nos céus,”
Nesta Escritura duas coisas são observáveis: a introdução para a oração, e a própria oração
A introdução para a Oração do Senhor é: ”Portanto vós orareis assim”.   Nosso Senhor Jesus Cristo, nestas palavras, deu aos seus discípulos e a nós uma diretriz para a oração. Os dez mandamentos são a regra da nossa vida, o credo é o resumo da nossa fé, e a Oração do Senhor é o padrão de nossa oração. Como Deus prescreveu a Moisés um padrão do tabernáculo (Êxodo 25.9), assim Jesus prescreveu aqui um padrão de oração para nós: ”Portanto vós orareis assim”. O significado é, faça disto a regra e o modelo pelo qual você deverá moldar as suas orações. Calvino dizia que nós devíamos examinar nossas orações por esta regra. Não que nós estejamos amarrados às palavras da Oração do Senhor. Porque Jesus não disse: “com estas palavras”, mas “desta maneira”. E “desta maneira” significa deixar que todos as nossas petições concordem com as coisas contidas na Oração do Senhor. Tertuliano chamava esta oração padrão de “breviário e compêndio do evangelho”.  A exatidão desta oração aparece na dignidade do Autor. A exatidão da oração aparece na excelência do assunto. É como prata provada num forno, purificada sete vezes - Salmo 12: 6. Nunca houve uma oração tão admiravelmente composto como esta. O assunto da oração é admirável, por causa da sua compreensão. É curto e expressivo, E por sua clareza. É clara e inteligível a todas as capacidades. Clareza é a graça da fala. E finalmente por sua perfeição, porque contém as principais coisas que nós temos que pedir, ou que Deus tenha que dar.
Assim, devemos ter uma grande estima à Oração do Senhor; e deixar que ela seja o modelo e padrão de todas as nossas orações. Há um benefício duplo que surge em moldar nossas petições adequadamente a esta oração. Por este meio o erro em oração é prevenido. Não é fácil de escrever injustiça depois deste modelo; nós não podemos errar facilmente quando nós tivermos nosso padrão diante de nós. Por este meio são obtidas misericórdias pedidas; porque o apóstolo nos assegura que Deus nos ouvirá quando nós orarmos em conformidade com a vontade dEle - 1 João 5.14. E seguramente nós oramos de acordo com a vontade dele quando nós orarmos de acordo com o padrão que ele nos deu.
A oração propriamente dita consiste em três partes. 1. Um Prefácio. 2. Petições. 3. A Conclusão. O Prefácio à oração inclui: “Pai nosso que estás nos céus”.
I. A primeira parte do Prefácio é “Pai nosso”. A palavra Pai é aplicada às vezes, pessoalmente: “Meu Pai é maior que eu”  (João 14.28); mas Pai no texto é aplicado essencialmente à Divindade total. Este título, Pai, nos ensina que nós temos que nos endereçar em oração somente a Deus.
Em que ordem temos que dirigir nossas orações a Deus? Aqui somente o Pai é nomeado. Mas nós podemos também dirigir nossas orações ao Filho e ao Espírito Santo?
Embora somente o Pai seja nomeado na Oração do Senhor, contudo as outras duas Pessoas não são excluídas. O Pai é mencionado porque ele é o primeiro em ordem; mas são incluídos o Filho e o Espírito Santo porque eles são o mesmo em essência. Como todas as três Pessoas subsistem na Divindade, assim, embora em nossas orações, nomeemos uma Pessoa, nós temos que orar a todas.
No prefácio, em vez de Pai Nosso, Jesus poderia ter usado Deus Altíssimo, Deus Todo Poderoso, Deus Nosso Rei, Deus Nosso Juiz, mas ele usou Pai Nosso por ser uma expressão de amor, de laço familiar, de indicação da filiação efetiva que os crentes têm com a Divindade, por causa da eleição deles; e também para servir de encorajamento para que seus filhos orem a ele.
Nenhuma pessoa pode dizer “Pai nosso que estás nos céus” além dos que são regenerados e santificados pelo Espírito Santo, porque é destes que se diz que receberam o poder de serem feitos filhos de Deus (João 1.12).
Deus é o melhor Pai, porque ele é perfeito. Seu Pai que está no céu é perfeito. Ele é perfeitamente bom (Mt 5.48). Pais terrenos estão sujeitos a fraquezas. Elias, embora um profeta, era um homem sujeito a paixões como nós (Tiago 5: 17); mas Deus é perfeitamente bom. Toda a perfeição que nós podemos chegar a ter nesta vida é sinceridade. Nós podemos nos assemelhar um pouco a Deus, mas não igualá-lo; pois ele é infinitamente perfeito.
E é infinitamente perfeito em sabedoria, e isto implica que Ele sempre sabe o que é melhor para nós. E pode fazer com que todas as coisas trabalhem para o bem dos seus filhos (Rom 8.28).
Ele é também um Pai perfeitamente amoroso (I Jo 4.16).
Ele é um Pai infinitamente rico que fará com que todos os seus filhos entrem na posse de uma riquíssima herança eterna, na condição de co-herdeiros com Cristo, e isto significa que todas as coisas designadas para serem herdadas por Cristo também serão herdadas por eles. Cristo tem um trono? Então eles também terão. Cristo tem uma coroa? Então eles também terão. E assim por diante.
Deus é um Pai perfeitamente educador e pode reformar os seus filhos quando eles tomarem cursos ruins. Deus pode mudar os corações dos seus filhos.pelo Seu próprio poder.
Assim, a honra daqueles que têm a Deus por Pai é maior que a que é conferida aos príncipes da terra, pois são preciosos para Deus. Eles são guiados e protegidos por Deus, sendo guardados como um tesouro precioso (Mal 3.17). Os nomes dos filhos de Deus estão escritos no Livro da Vida (Fp 4.3) e jamais serão retirados dali (Apo 3.5).
Deus faz de seus filhos por adoção mais achegados do que os anjos, porque os anjos são amigos de Cristo, mas os crentes são os membros do Seu corpo. E que consolo é isto para os santos, porque os filhos de Deus são menosprezados neste mundo, e injuriados e caluniados, mas Deus porá honra nos seus filhos no último dia e os coroará com felicidades imortais, para inveja dos adversários deles.
Mas estes membros de Cristo são filhos por adoção por causa da grande misericórdia de Deus. Por meio dela obtiveram acesso a todas estas graças e à maior delas que é a salvação de suas almas da condenação eterna. Por isso é um ato de grande ingratidão, um grande abuso do amor de Deus, apanhar as jóias das Suas misericórdias, e fazer uso delas para pecar. Deus faz infinitamente mais por Seus filhos do que pelos outros, pois plantou a Sua graça neles, e deu somente a eles poderem participarem da Sua intimidade e favor, então pecar deliberadamente contra a Sua bondade paterna é um ato de traição e rebeldia. Somente os crentes podem pecar contra o sangue precioso de Cristo, porque foi somente a eles que o Seu sangue purificou. E portanto, isto é uma grande ingratidão para com o grande favor que recebemos de nosso Pai divino. Assim, é um sinal de filiação a Deus quando podemos lamentar pela odiosidade dos nossos pecados, porque certamente o Espírito Santo nos convencerá disto.
Somente os verdadeiros filhos de Deus podem ter um temor santo dEle, especialmente de entristecerem o Espírito Santo com os seus pecados.  Eles também terão um santo temor pela Sua Palavra e a honrarão esforçando-se para pó-la em prática em suas próprias vidas.
Estes filhos de Deus confiam inteiramente que foi por causa da eleição pela graça e misericórdia de Deus que foram feitos Seus filhos, e não por qualquer coisa boa que existisse neles próprios. Eles sabem que é por pura graça e misericórdia que irão para o céu. Mas os hipócritas pensam que fingindo grande reverência aos santos do passado irão para o céu, confiando em sua própria justiça e bondade, pois eles canonizam os santos mortos, para fingirem temor a Deus, mas perseguem os santos que estão vivos. Destes, podemos dizer juntamente com o apóstolo em Hb 12.8: que são bastardos e não filhos.
Se nós amarmos nosso Pai divino, nós seremos defensores para ele, pois nos levantaremos na defesa da Sua verdade. Somente os filhos de Deus não podem ouvir o Seu nome sendo desonrado e permanecerem calados. Cristo tem confirmado o nosso nome no céu e nós nos envergonharemos de confirmar o nome dele na terra?
Um filho de Deus o amará acima de todas as demais coisas: sejam propriedades, honrarias, fama etc. Um filho de Deus procurará acima de tudo honrar o Seu Pai divino (Mal 1.6). E a melhor maneira de demonstrar esta honra ao Senhor é tendo um temor reverente dEle. E isto consiste basicamente em não ousarmos fazer qualquer coisa que ele tenha proibido na Sua Palavra.
Aquele que é filho de Deus se assemelha a Ele. Ele traz a imagem do Seu Pai celestial e busca renovar-se e crescer diariamente nesta imagem dia a dia (Col 3.10). Ele busca se assemelhar mais e mais em santidade que é a glória da divindade. A santidade de Deus é a pureza intrínseca da Sua essência. Aqueles que têm a Deus por Seu Pai participam da natureza divina, entretanto não da Sua essência divina, contudo trazem a semelhança divina, e assim como o selo deixa a sua impressão na cera, os crentes têm a santidade de Deus estampada e impressa neles.
Nós sabemos que Deus é nosso Pai porque nós temos o Espírito Santo habitando em nós. E o Espírito intercede por nós e testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.
Os filhos de Deus são aqueles que foram renovados pelo Espírito Santo, e esta renovação é efetuada sobretudo na regeneração, que é chamada de um nascimento do Espírito (João 3.5). Esta regeneração é uma transformação ou mudança de natureza, a que Paulo chama de renovação da mente (Rom 12.2). Aquele que nasce de Deus tem um coração novo, não em substância, mas em qualidades. As cordas do violão podem ser as mesmas, mas a melodia é alterada. Esta regeneração é também chamada de circuncisão do coração (Col 2.11). E como na circuncisão do prepúcio havia uma dor na carne, assim na circuncisão espiritual há uma dor no coração, há uma tristeza que surge de um senso de culpa pessoal por causa do nosso pecado, e da ira de Deus contra o pecado. A regeneração afeta a pessoa toda (espírito, alma e corpo – I Tes 5.23).  E é a regeneração a fonte de toda a verdadeira alegria, porque faz com que Deus seja agora nosso Pai. E então podemos dizer: “Pai nosso que estás nos céus”. Dizemos Pai nosso porque pela regeneração fomos adotados numa grande família de muitos irmãos, que tal como nós, também foram regenerados pelo Espírito.
Nós sabemos que Deus é nosso Pai porque somos guiados pelo Espírito (Rom 8.14), e este é mais um sinal dos que são filhos de Deus: eles são dirigidos pelo Espírito. Não basta que um recém-nascido viva e chegue ao mundo, ele deve ser devidamente cuidado pelos seus pais. E não ocorre algo diferente disso em relação aos novos convertidos.
Ninguém que não permita ser conduzido pelo Espírito Santo tem o direito de chamar a Deus de Pai. Aqueles que são conduzidos pelo espírito de Satanás podem sim dizer: Pai nosso que estás no inferno.
Aqueles que promovem divisões e escândalos no corpo de Cristo, por ensinarem de modo contrário à sã doutrina, não têm o direito de dizer Pai nosso que estás nos céus, porque não agem como devem agir os que são verdadeiramente filhos de Deus: Assim, todo crente autêntico fará bem em se afastar deles.
“Rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles.” (Rom 16.17).
Estes, como diz Paulo, não conhecem o caminho da paz (Rom 3.17).
O diabo produziu a primeira grande divisão no céu. Assim, aqueles que criam divisões têm por Pai ao diabo. Se o que está sendo pregado e ensinado é a sã doutrina, se há paz entre os crentes na comunhão do Espírito, e alguém dizendo-se ser também filho de Deus levanta-se contra isto, na verdade seu verdadeiro pai é o diabo que é o pai de contendas e divisões contra a verdade.
O reino de Satanás cresce fazendo divisões. Crisóstomo citou que quando ocorreram muitas conversões na igreja de Corinto, Satanás se apressou em represar a corrente de conversões, lançando a semente da discórdia e da divisão entre eles. E o diabo sabe muito bem que Cristo não pode ter o corpo dele dividido, pois sendo corpo, deve ser achado em unidade.
Se Deus é um Pai, então podemos deduzir que tudo o que ele dá aos seus filhos é por amor.  Se lhes dá prosperidade é por amor.
E este amor não exclui o fato dEle nos disciplinar e corrigir (Apo 3.19). Gregório de Nanziazeno dizia que as aflições são setas afiadas, mas que elas são atiradas pela mão de um Pai amoroso.  A correção é a escola do caráter. Deus humilha com amor para poder nos purificar. E a correção é tão necessária quanto o pão diário. E por meio das aflições Deus pode acelerar o nosso crescimento em graça. Quando a luz for retirada nós podemos ainda ver um arco-íris no céu. A fé como a estrela, brilha mais forte na noite escura das aflições.
E tal como José falou rudemente aos seus irmãos, contudo havia nele um coração cheio de amor por eles, de igual modo ainda que o olhar de Deus não seja amistoso por causa das nossas transgressões, ainda há nEle um coração de Pai cheio de amor.  
Por isso, por maior que seja a prosperidade dos ímpios neste mundo, quão triste é o caso deles porque não têm a Deus como Pai. Eles não podem dizer Pai nosso que está no céu. Eles podem dizer nosso Juiz, mas não nosso Pai. Deus não é o Pai deles. Ele afirma que nunca os conheceu (Mt 7.23), e é por isso que o ímpio quando morre em seus pecados não pode esperar nenhuma misericórdia de Deus como um Pai. .
Então todos aqueles que ainda são estranhos para Deus devem se esforçar para entrarem nesta família divina, até que possam dizer Pai nosso que estás no céu, em seus corações.
Assim como o mar cobre grandes rochas, o mar da compaixão de Deus pode cobrir grandes pecados, e assim ninguém deve ser desencorajado de ir à presença de Deus rogando-Lhe por misericórdia e perdão dos seus pecados.
E nós devemos ser humildes para que o Espírito Santo nos transforme e ensine a sermos verdadeiros filhos de Deus. Nós podemos ler muitas verdades na Bíblia, mas nós não as podemos conhecer salvo se Deus, pelo Seu Espírito as aplicar às nossas almas. Deus não somente ensina nossos ouvidos, mas nossos corações, e ele não informa somente nossa mente, mas nossas vontades e inclinações. Nós nunca aprendemos até que Deus nos ensine. Se Ele é nosso Pai, Ele nos ensinará como ordenar nossos negócios com discrição (Sl 112.5) e como nos conduzir sabiamente. Ele nos ensinará o que responder quando nós estivermos diante de governadores e Ele porá palavras em nossas bocas (Mt 10.18-20).
Deus repreenderá os grandes do mundo para não prejudicarem os Seus filhos, porque eles são sagrados para Ele, e não permitirá que lhes façam injustiças sem o Seu consentimento e que não seja para o próprio aproveitamento e correção deles. Ele dirá em relação a eles: “Não toqueis nos meus ungidos”  (Sl 104.14,15). E por ungidos devemos entender os filhos de Deus que têm a unção do Espírito Santo.  
Deus se encanta na companhia de seus filhos e Ele ama ver o semblante deles e ouvir a sua voz (Cantares 2.14). Se dois ou três de seus filhos se reunirem, Ele estará entre eles.
E assim como um pai se compadece das fraquezas de seus filhos, Deus também se compadece das nossas e por isso usará o Seu bálsamo para nos curar (Is 57.18).
Sendo nosso Pai Deus misturará Sua misericórdia a todas as nossas aflições. Na arca da aliança foi colocada não somente a vara da correção como também o pote de maná.
Uma aflição vem prevenir a entrada  em pecados, então há misericórdia numa aflição. Assim como um pintor usa luzes e sombras para compor o seu quadro, do mesmo modo Deus combina luzes e trevas, cruzes e bênçãos para a nossa felicidade.
 Se Deus é o nosso Pai o mal não prevalecerá contra nós. Satanás é o inimigo principal dos santos, e luta contra os crentes num sentido militar com as suas tentações, visando à queda deles. Contudo, de nenhum modo ele pode prevalecer contra os filhos de Deus.
Se Deus é nosso Pai nenhum mal real nos sucederá.
“nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda.” (Sl 91.10).
Não é dito nenhuma dificuldade, mas nenhum mal.
Qual é o dano que o forno pode fazer ao ouro? Ele não o purificará?
Qual é pois o dano que pode fazer a aflição ao crente? Ela o purificará.
Nenhum mal tocará um santo. Quando a serpente disser a eles que envenenou a água, nada lhes sucederá porque Cristo tirou o veneno de todas as aflições, para que elas não possam prejudicar os filhos de Deus.
Se Deus é o nosso Pai Ele se levantará entre nós e o perigo. Um pai evitará que seu filho seja sugado pelos perigos, e será um escudo de proteção para ele.

“9 E de noite disse o Senhor em visão a Paulo: Não temas, mas fala e não te cales;
10 porque eu estou contigo e ninguém te acometerá para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade.” (At 18.9,10).
“5 Pois no dia da adversidade me esconderá no seu pavilhão; no recôndito do seu tabernáculo me esconderá; sobre uma rocha me elevará.” (Sl 27.5).
Nenhum príncipe é tão bem vigiado quanto qualquer crente, porque Deus dá ordem a seus anjos a respeito deles.
Se um só anjo matou 185.000 assírios numa só noite (II Reis 19.35), o que não poderia fazer um exército de anjos? Os anjos são guardas alertas, vigilantes, velozes e poderosos e estão encarregados de defender os filhos de Deus. Eles são descritos com asas para indicar a velocidade com que eles se movimentam para nos socorrer.
Mas Deus permitirá que muitas aflições alcancem seus filhos para o bem deles. Foi bom para Jacó que houvesse escassez na terra, porque foi o meio de ser conduzido novamente a José. Assim, por vezes, os filhos de Deus vêem o vazio do mundo para que eles possam se familiarizar mais com a plenitude de Cristo. Mas se Deus vir que será bom para eles terem mais das coisas boas da terra, eles as terão, porque Ele não deixará que lhes falte qualquer coisa boa que seja de fato útil para eles.
Se Deus é nosso Pai, todas as promessas da Bíblia pertencem a nós. Os Seus filhos são chamados de herdeiros da promessa (Hb 5.17). O ímpio, enquanto em sua impiedade,  não tem direito a requerer qualquer promessa da Bíblia, senão suas maldições.
Deus faz que Seus filhos sejam vencedores. Eles vencem as suas próprias luxúrias e o mundo. E se um filho de Deus perde uma batalha, no entanto a sua vitória completa da guerra está assegurada.
“porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.” (I João 5.4).
“Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou.” (Rom 8.37).
Se Deus é nosso Pai nós podemos ter conforto na morte, porque é pela morte que vamos ao encontro do nosso Pai. No caso dos crentes a morte é o amigo que os levará à casa do Pai. E quão contentes ficam os filhos quando eles vão para casa.  A morte foi um conforto para Cristo porque Ele desejava ir ter com o Pai.
“Saí do Pai, e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo, e vou para o Pai.” (João 16.28).
E se Deus é nosso Pai, ele não nos deserdará. Os filhos de reis às vezes foram deserdados pela crueldade de usurpadores; como o filho de Alexandre o Grande que foi deserdado pela violência e ambição dos generais do seu pai; mas que poder na terra poderá impedir os herdeiros da promessa de entrarem na posse da herança deles? Os homens não podem, e Deus não cortará o vínculo. Os filhos de Deus nunca podem ser degradados ou deserdados, e o seu Pai divino não os rejeitará como filhos. É evidente que os filhos de Deus não podem ser deserdados finalmente, em virtude do decreto eterno do céu. O decreto de Deus é o pilar e base dos quais a perseverança dos santos depende. Aquele decreto amarra o nó da adoção de modo tão forte que nem pecado, morte, nem inferno, podem quebrá-lo.
“e farei com eles um pacto eterno de não me desviar de fazer-lhes o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim.” (Jer 32.40).
Os filhos de Deus não podem ser lançados fora porque é dito deles serem membros do Seu corpo, do qual Ele é a cabeça. E os nervos e ligamentos que mantêm unidos estes membros do corpo uns com os outros e com a cabeça não podem ser removidos sem que se desfaça o corpo. Como seria possível admitir a simples idéia de que se pudesse tolerar a permanência de um membro morto neste corpo no qual pulsa continuamente e para sempre a vida eterna?
Todos os filhos de Deus que andam em fidelidade com Ele haverão de experimentar o cuidado pleno do seu Pai para com eles:
“Confia no Senhor e faze o bem; assim habitarás na terra, e te alimentarás em segurança.” (Sl 37.3).
“Os leõezinhos necessitam e sofrem fome, mas àqueles que buscam ao Senhor, bem algum lhes faltará.” (Sl 34.10).
“Seja a vossa vida isenta de ganância, contentando-vos com o que tendes; porque ele mesmo disse: Não te deixarei, nem te desampararei.” (Hb 13.5).
Se Deus é nosso Pai nós seremos seus imitadores (Ef 5.1). Nós o imitaremos o seu modo de falar, gestos e comportamento. E devemos imitá-lo no perdão e na misericórdia.
 E se Deus é nosso Pai nós seremos obedientes à Sua vontade até a morte. Os dez mandamentos serão como dez cordas de um instrumento celestial que estaremos sempre afinando e tocando a canção da obediência.a Deus em completa harmonia.
Todo crente verdadeiro tem em si o espírito dos mártires. Ele prefere sofrer por causa da verdade do que ver a verdade sofrer.
“Então Paulo respondeu: Que fazeis chorando e magoando-me o coração? Porque eu estou pronto não só a ser ligado, mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus.” (At 21.13).
“E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até a morte.” (Apo 12.11).
O pronome possessivo “nosso”  em “Pai nosso”  insinua que deve haver fé nas nossas orações. Fé de que estamos nos dirigindo a alguém que possui tal relação de paternidade conosco e que certamente nos ouvirá se estivermos orando segundo a Sua vontade.
A fé é a respiração da oração, e sem a qual ela estará morta, sem este ar para inspirar, e é por isso que Tiago a chama  de oração da fé (Tg 5.15). A fé é um dos componentes da oração, assim como o óleo do tabernáculo era composto de vários elementos (Ex 30.23,24). E assim a fé é o principal ingrediente da oração que faz com que ela suba a Deus como doce incenso.
Se a oração é a chave da porta do céu, a fé é a mão que a gira.
Lembremos que a oração pode sofrer freqüentemente naufrágios por colidir na rocha da incredulidade. Oremos pois com fé que seremos ouvidos por aquele que não é Pai de estranhos, mas nosso próprio Pai.
E orar com fé significa orar por aquilo que Deus nos prometeu. Onde não há nenhuma promessa, nós não podemos orar com fé.
 É orar em nome de Cristo, porque orar no nome de Cristo é orar com confiança nos Seus méritos. Em Sua obra Ele mereceu receber do Pai muitos benefícios para nós. E é com base nestes méritos e não nos nossos que nós devemos nos dirigir ao nosso Pai. Não é reconhecendo méritos em nós, mas reconhecendo que somos indignos pecadores e que tudo em que pudermos ser ouvidos pelo Pai terá sido pelos méritos de Cristo, que seremos de fato ouvidos.
Assim uma oração com fé é uma oração humilde. Devemos lembrar do que sucede com as orações de pessoas presunçosas pelo exemplo que Jesus nos deu na parábola do publicano e do fariseu (Lc 18.11,12). A oração do publicano foi ouvida e não a do fariseu porque no publicano havia um senso da sua própria indignidade.  
Um dos nomes de Deus é “tu que ouves a oração” (Sl 65.2). E Deus está pronto não somente a ouvir como também a responder a oração. Devemos lembrar que a oração do Pai nosso é o modelo apresentado por Jesus aos apóstolos, no qual devem estar baseadas as nossas orações.
“No dia em que eu clamei, atendeste-me; alentaste-me, fortalecendo a minha alma.” (Sl 138.3).
A força interior de Davi foi uma resposta de oração e isto deveria nos encorajar a buscarmos ser fortalecidos na graça pelas orações que dirigirmos ao Senhor.
Quando nós oramos a Deus pedindo-Lhe que nos dê corações santos, não há nada que mais Lhe agrade do que isto, porque a Sua grande vontade para conosco é que sejamos santos (I Tes 4.3). E do mesmo modo quando oramos pedindo que nos faça viver no Seu amor, porque Deus é amor.
“Eu dizia no meu espanto: Estou cortado de diante dos teus olhos; não obstante, tu ouviste as minhas súplicas quando eu a ti clamei.” (Sl 31.22).

Assim, a fraqueza não tornará nula as orações dos santos. Havia muita incredulidade naquela oração. A fé de Davi tremeu e desfaleceu, contudo Deus ouviu a sua oração, porque Davi era um filho amado de Deus.
O Espírito nos assiste em nossas fraquezas assim como havia assistido a Davi. Então devemos implorar-Lhe que nos capacite a dizer do fundo do nosso coração:” Pai nosso”, e o Espírito nos fará orar com suspiros e gemidos e fortalecerá a nossa fé. O Espírito nos levará à presença do Pai, e pelo mesmo Espírito diremos “Abba Pai” (Gl 4.6). E quando o Espírito é derramado em nossos corações as portas dos céus são destrancadas para nós.


A Primeira Petição na Oração do Senhor
Por Thomas Watson (adaptado)
“Santificado seja o teu nome”  - Mateus 6.9
Esta é a primeira das seis petições que estão contidas na oração do Senhor.
Com esta petição nós oramos para que o nome do Senhor possa brilhar gloriosamente, e que possa ser honrado e santificado por nós, no curso inteiro de  nossas vidas.
Era a canção dos anjos: “Glória a Deus nas alturas”. quer dizer, que o nome dele seja glorificado e consagrado o mais alto possível. Esta petição é fixada em primeiro lugar para mostrar que em nossas orações é a honra do nome de Deus que deve vir antes de todas as demais coisas. Quer na bonança, quer na dificuldade, tudo o que Lhe pedirmos deve antes de tudo ter o propósito de que o Seu santo nome seja glorificado. (Quão distante está isto de se pedir coisas a Deus para a própria glória ou interesse pessoal. Daí ser justa a repreensão do Espírito Santo através do apóstolo Tiago aos crentes que agem de tal maneira: “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” -  Tg 4.3).
A Igreja Primitiva estava bem instruída quanto a isto:
“E, tendo eles orado, tremeu o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com intrepidez a palavra de Deus.” (At 4.31).
Jesus confirmou que o primeiro e grande mandamento da lei é amar a Deus acima de todas as coisas.
“37 Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.
38 Este é o grande e primeiro mandamento.” (Mt 22.37,38).
Não há pois nenhuma dúvida de que a glória do nome de Deus é infinitamente mais valiosa do que as nossas próprias vidas. Assim podemos dizer em primeiro lugar em todas as nossas orações: “Santificado seja o Teu nome”.
Isto porque não há nada mais importante na religião do que a própria glória de Deus. Daí se dizer que seja na vida, ou seja na nossa morte, o que importa é que Deus seja glorificado.
Santificamos o nome de Deus pela nossa consagração a Ele, e consagrar significa separar algo de um uso comum e reservá-la para um fim sagrado.
Santificamos o nome de Deus quando lhe damos elevada honra e reverência. Nós não podemos acrescentar nada à glória essencial de Deus, mas nós devemos honrar e santificar o Seu nome elevando-o acima de tudo o que há no mundo, de modo que isto apareça aos olhos de outros.
A palavra hebraica para honra significa ter em preciosa estima. E é isto que nós devemos ter em relação ao nome de Deus.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós Lhe obedecemos. Como um filho honra a seu pai, senão através da obediência?
 Davi cantou louvores a Deus e foi conhecido como o mavioso salmista de Israel (II Sm 23.1).
Louvar o nome do Senhor consagra e divulga o Seu nome, exibindo os méritos da Sua excelência, aos olhos de outros.
Na oração nós agimos como homens, no louvor nós agimos como anjos. O louvor é a música do céu.
“5 Exultem os santos na glória; alegrem-se nas suas camas.
6 Estejam na sua garganta os altos louvores de Deus, e espada de dois fios nas suas mãos,” (Sl 149.5,6).
Somente os santos podem louvar a Deus do modo devido, e assim como nem todos têm habilidades para tocar instrumentos musicais, não é qualquer pessoa que pode cantar louvores harmoniosos a Deus, senão somente os santos.
É em Cristo que os crentes recebem a veste de louvor para que possam com ela santificar o nome de Deus (Isaías 61.3). Jesus nos veste com louvor e quão linda é esta peça de vestuário do louvor quando é usada por um santo.
O louvor é aceitável a Deus somente naqueles que são retos, como se vê no Salmo 33.1:
“Regozijai-vos no Senhor, vós justos, pois aos retos convém o louvor.”.
É especialmente um elevado grau de santificação do nome de Deus quando nós podemos bendizê-lo numa condição aflitiva, tal como Jó: “E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor.” (Jó 1.21).
Muitos bendizem a  Deus quando Ele dá, mas bendizê-lo quando ele tira, é um elevado grau de honrá-lo e santificar o Seu nome. Santifiquemos e elevemos o nome do Senhor desta maneira. Ele não nos tem dado motivos suficientes para ser louvado? Ele nos deu graça, misericórdia geradas no Seu coração, e Ele pretende coroar a graça com a glória. Isto deveria nos fazer santificar o Seu nome sendo trombetas para o Seu louvor.
Nós também santificamos o nome de Deus quando nós simpatizamos com Ele, e nos entristecemos quando o nome dEle é desonrado. Quando nós sofremos no nosso próprio coração a desonra que Lhe foi dirigida.  Quanto Moisés se afetou com a desonra de Deus! Ele quebrou as tábuas de pedra dos mandamentos (Ex 32.19). Nós nos entristecemos por ver o Dia do Senhor sendo profanado e Sua adoração sendo adulterada, e o vinho da verdade misturado com o erro. Nós nos entristecemos quando a Igreja do Senhor é trazida a uma condição baixa porque o nome dele sofre. Neemias derramou seu coração por causa das misérias de Sião; ao ponto da aparência do seu rosto ter-se modificado  sem que ele pudesse esconder a sua tristeza (Ne 2.2). Tal tristeza santa acontece quando o nome do Senhor é desonrado.
Quando o rei da Assíria infamou o nome do Senhor, Ezequias se dirigiu ao templo e apresentou a carta blasfema diante de Deus (I Rs 37.17). Sem nenhuma dúvida ele deve ter molhado a carta com suas lágrimas e tudo indica que não estava temeroso em perder a sua própria vida e reino, a ver o Senhor perder a honra da Sua glória entre os homens na terra.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós damos a mesma honra que nós damos ao Deus Pai, ao Deus Filho. “Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou.”  (João 5.23).
Os Socinianos (A seita Testemunhas de Jeová sustenta a doutrina deles – nota do tradutor) negam a divindade de Cristo, afirmando que ele é um mero homem: que está abaixo dos anjos. A natureza humana, considerada em si mesma, está abaixo da angelical (Sl 8.4,5), e assim eles refletem desonra ao Deus da glória.
Nós temos que dar honra igual tanto ao Pai quanto ao Filho. Nós temos que crer na divindade de Cristo; porque ele é o resplendor da glória do Pai, e a expressa imagem da sua pessoa (Hb 1.3). A  Divindade está em Cristo, e ele é Deus porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Col 2.9), de maneira que Ele pode receber os títulos divinos de onipotência (Hb 1.3); onipresença (Mt 28.20); o poder de conceder perdão de pecados com a anulação da culpa (Mt 9.6); igualdade com o Pai tanto em poder quanto em dignidade (João 5.21,23).
Quando nós cremos na Divindade de Cristo, e construímos nossa esperança de salvação na base do Seu mérito; quando nós vemos que a justiça da lei, nem a de anjos pode nos justificar, mas somente o sangue de Cristo; isto é honrar e santificar o nome de Deus. Deus nunca terá o nome dele santificado a menos que o Seu Filho seja honrado.
Nós santificamos o nome de Deus defendendo as Suas verdades. Muito da glória de Deus se baseia nas Suas verdades. As verdades dele são os Seus oráculos. Ele nos confiou as Suas verdades como um tesouro; nós não temos uma jóia mais rica para confiar a Ele do que nossos espíritos, e nem Ele tem uma jóia maior para nós do que as Suas verdades.. As verdades dEle compartilham da Sua glória. Quando nós formos defensores zelosos das Suas verdades, nós estaremos honrando e santificando o nome dEle. Atanásio foi chamado de bastião da verdade; porque ele se levantava na defesa das verdades de Deus contra os asiáticos, e assim era uma coluna no templo de Deus.
Nós não podemos ter paz sem verdade, porque a paz sem verdade não Interessa aos filhos de Sião porque eles têm que defender as grandes doutrinas do evangelho; como a doutrina da Trindade, a justificação pela fé, e a perseverança dos santos. Nós somos incentivados a combater seriamente, e a nos esforçarmos como em agonia pela doutrina da fé (Judas 3). Isto porque afirmar a verdade traz grandes rendas ao céu e santifica o nome de Deus. Alguns podem afirmar cerimônias e ritos, mas não a verdade.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós somos instrumentos da conversão de outros, tanto quanto possamos; usando de todos os expedientes santos, serviço, oração, exemplo, esforçando-nos pela salvação de outros, combatendo segundo as regras estabelecidas por Deus. Como fez Mônica, a mãe de Agostinho, que labutou para a conversão dele! Ela teve mais dores de parto para trabalhar o novo nascimento dele do que o seu nascimento natural.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós difundimos o doce aroma da piedade e propagamos a religião a outros; quando não somente honramos a Deus, mas nos tornamos instrumentos para conduzir outros a honrá-lo.,
Certamente quando o coração estiver temperado com graça, haverá um esforço para temperar outros. A glória de Deus é tão querida a um santo quanto a sua própria salvação; e esta glória pode ser promovida por ele através de esforços para a conversão de almas. Todo convertido é um novo membro acrescentado a Cristo. Assim, nós devemos santificar o nome de Deus lutando para levar a   devoção a outros; especialmente aqueles que estão relacionados a nós, ou que estão debaixo do nosso teto, para a exclusiva honra de Deus.
Que nossas casas sejam chamadas de Betel, isto é, casa de Deus e que sejamos como a família de Josué, que disse: “eu e a minha casa serviremos ao Senhor.” (Js 24.15). E é uma maior santificação do nome de Deus fazer com que nossa casa seja uma igreja, tal como a casa de Ninfa da igreja de Laodicéia (Col 4.15). Não são grandes templos repletos de pessoas nem sempre atentas à verdadeira adoração e devoção a Deus que santificam e honram o Seu nome. Mas onde houver verdadeira piedade e devoção, tal como na casa de Ninfa onde funcionava uma Igreja, que foi achada digna de ser saudada pelo apóstolo Paulo.
Perfumem suas casas com oração, e meditem na Palavra de modo que seja um gotejar santo.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós preferirmos a honra do Seu nome antes das coisas que nos sejam mais queridas. Quando nós preferimos a honra do nome de Deus antes da nossa própria honra. Os santos antigos estavam dispostos a honrar o nome de Deus, suportando repreensão, tal como Davi o expressa no Salmo 69.7:
“7 Porque por amor de ti tenho suportado afrontas; a confusão cobriu o meu rosto.
8 Tenho-me tornado um estranho para com meus irmãos, e um desconhecido para com os filhos de minha mãe.”. (Sl 69.7,8).
E nós vemos que o seu amor e devoção a Deus fez com que fosse considerado como um estranho por seus irmãos. Mas Davi sustentou o testemunho da verdade por causa da honra do nome de Deus.
“Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.”  (Mt 10.37).
Nestas palavras do evangelho de Mateus Jesus afirma clara e expressamente que a honra do nome de Deus deve vir antes da que se atribui a pais e a filhos.
Santificar o nome de Deus implica afastar-se da amizade até mesmo com irmãos na fé que andam contra a verdade e resistem ao reto ensino da Palavra, e que deste modo desonram o nome de Deus com o seu procedimento. A norma bíblica é clara quanto a isto, porque está baseada no princípio que a honra do nome do Senhor deve vir antes de todas as demais coisas e relacionamentos que estimamos, isto é, se o preço que deve ser pago para continuarmos honrando e santificando o nome de Deus deve ser o da separação de pessoas que nos sejam queridas, como nossos irmãos na fé e amigos, não há outra forma de se santificar o nome de Deus a não ser pagando o preço necessário.
“Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a doutrina que de nós recebestes.” (II Tes 3.6).
Foi para que o nome de Deus não seja desonrado que Jesus ordenou que todo crente que não se submeter à disciplina da Igreja seja considerado como gentio e publicano, isto é, como um estranho por seus demais irmãos na fé.
 O profeta Elias foi chamado de perturbador de Israel; o profeta Isaías de portador de fardos; e o profeta Sofonias de profeta amargo; mas eles carregavam estas acusações como coroas sobre as suas cabeças. Não admira que Jesus chama de bem-aventurados aqueles que são perseguidos por causa da justiça, isto é, por causa do grande amor que eles têm pela honra de Deus na sustentação do testemunho da verdade, diante dos seus opositores, que consideram a Palavra de Deus, um fardo, um peso para eles, porque querem viver segundo a carne e não segundo o Espírito.
Na verdade não há como se argumentar com aqueles que deliberam andar na carne porque pessoas carnais não podem entender as coisas espirituais que se discernem espiritualmente por aqueles que andam segundo o Espírito e não segundo a carne.  Mais do que um debate vão, seria lançar pérolas a porcos tentar convencê-los das coisas santas que a carne deles rejeita tão veementemente. Por isso se deve orar por eles e ficar na expectativa que sejam livrados dos laços do diabo, no qual foram prendidos (II Tim 2.26). Entretanto, se estes se permitem estar ainda debaixo da instrução da Igreja, que sejam ensinados com mansidão, para que não tenham ocasião para revidar ou blasfemar, enquanto ficamos na expectativa de que Deus lhes conceda arrependimento, de maneira que possam então conhecer a verdade do evangelho como ela é de fato, de maneira que sejam livrados dos enganos do diabo e da imaginação deles, em falsas convicções relativas à verdade.  
Assim, a honra do nome de Deus deve ser mais querida a nós do que a nossa própria honra, tal como Moisés que estimou o vitupério de Cristo maior que as riquezas e tesouros do Egito (Hb 11.26).
Os  apóstolos ficaram alegres pelo fato de terem sido considerados dignos de sofrer por causa do nome de Cristo.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós estamos contentes em ver o nosso nome eclipsado, para que o nome dEle possa brilhar ainda mais; e quando nós preferimos a honra do nome de Deus ao próprio lucro mundano e abandonamos tudo para seguir a Cristo, quando isto nos é ordenado por Ele (Mt 19.27). Quando estes dois, Deus e a propriedade, entrarem em competição, nós preferiríamos deixar a propriedade do que perder o amor e o favor de Deus.
Nós santificamos o nome de Deus quando nós preferimos a honra do Seu nome à nossa própria vida.  “Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; Somos reputados como ovelhas para o matadouro.” (Rom 8.36). Dá muita glória ao nome do Senhor quando o mundo percebe que os Seus servos estão dispostos a perder todas as coisas, até mesmo a própria vida, se for necessário, para continuarem santificando o Seu nome por sustentarem a Sua verdade.
Nós santificamos o nome de Deus através de uma conversação santa.  “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (I Pe 2.9).
Vidas profanas desonram o nome de Deus: “Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós.”  (Rom 2..24).
Assim é por nossa conversação santa baseada na Bíblia que nós honramos o nome de Deus. Uma vida santa fala mais alto do que todos os hinos e louvores do mundo. Embora o trabalho principal da religião repousa no coração, contudo nossa luz deve brilhar para que outros a vejam e Deus seja glorificado. Quando nossas vidas brilharem, o nome do Senhor brilhará em nós.
(Na aplicação deste assunto, devemos considerar de modo prático que santificar o nome de Deus requer vidas santificadas. E sabemos que não há santificação que não seja operada pelo Espírito Santo mediante aplicação da Palavra de Deus à vida. Por exemplo, quando Jesus falou o que são os crentes e o que eles devem ser e fazer para Deus e para o próximo, Ele introduziu o seu ensino com as palavras das bem-aventuranças, e ali Ele afirma dentre outras coisas que os crentes devem ser pobres de espírito e puros de coração, e estas são duas condições importantíssimas para uma verdadeira santificação, sem a qual o nome de Deus não poderá ser santificado por eles. Mas o que se vê na prática em nossos dias em relação a isto? Os crentes buscam ser puros de coração e entendem que a salvação deles depende inteiramente de Deus? Mas ao concluir o sermão do monte Jesus disse expressamente que não é possível ter uma vida espiritual sólida sem a prática do ensino que Ele deu à Igreja, especialmente neste Sermão do Monte. E seria santificar e honrar  o nome de Deus não dar a devida atenção e honra a tais palavras? Não se dispor de fato a praticá-las? Mas muitos se iludem pensando que é possível viver de modo agradável a Deus e honrá-lo sendo negligentes para com a Sua própria Palavra. Jesus trouxe a graça e a verdade (João 1.17). E como se pode honrar e santificar o nome de Deus sem honrar a verdade que Jesus ordenou à Sua Igreja? Que se busque então uma verdadeira purificação do coração por um andar no Espírito Santo, mediante a prática da Palavra de Deus. E que se faça isto com humildade de espírito, reconhecendo que toda a graça e poder para praticarmos a Palavra depende de buscarmos isto em Cristo, aproximando-nos com um com coração sincero ao trono da graça. A Palavra nos alerta para o fato de que nos últimos dias os homens seriam egoístas, amantes de si mesmos, amantes dos prazeres, e é exatamente isto o que se tem visto por toda parte, inclusive influenciando a Igreja; pois os crentes buscam aquilo que é do próprio interesse carnal deles, e não se submetem ao trabalho da cruz, renunciando ao ego, para conhecerem e fazerem a vontade de Deus revelada em Sua Palavra. Fazer isto parece a muitos fanatismo, radicalismo, legalismo, porque há uma falsa doutrina que impera em nossos dias que coloca o homem como centro no lugar de Deus, como que se tudo tivesse sido criado para o próprio homem e não para o Filho de Deus a quem pertence de fato todas as coisas, inclusive nossas vidas, das quais daremos contas em juízo no Tribunal de Cristo (Rom 14.10; II Cor 5.10). E quanto a um viver canal na prática do pecado deveríamos lembrar sempre das palavras do apóstolo Paulo que foi dirigida aos crentes: “Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.” (Ef 5.6).  Como pode um crente se sentir confortável vivendo segundo a carne e não segundo o Espírito, quando sabe que esta será a causa da condenação eterna dos ímpios? Deus não destruiu o mundo antigo no dilúvio porque o homem era carnal e não permitia se converter e ser guiado pelo Espírito Santo? Ninguém se iluda portanto pensando que Deus dá aos seus filhos a opção de serem carnais, porque lhes é imposto o dever de serem espirituais na busca da maturidade que consiste na semelhança com Cristo. Lembremos que antes que Jesus se manifestasse ao mundo os homens andavam em trevas espirituais, em sua ignorância sobre o verdadeiro conhecimento de Deus e de toda a Sua vontade. Então o Pai enviou o Filho para dar testemunho da verdade de maneira que pudéssemos sair das trevas para a luz. E qual é a importância que damos a esta verdade que foi revelada por Jesus e que está registrada nas Escrituras? Não beira à insanidade não lhe dar o devido valor, atenção e prática? – nota do tradutor).
Um crente espiritual se esforçará para ser santo e fazer avançar o nome de Deus e se perguntará em tudo o que fizer se o nome de Deus está sendo honrado e exaltado.
“20 Segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte.
21 Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho.”  (Fp 1.20,21).
Crentes usam o nome de Deus irreverentemente, e como pode ser santificado o Seu grande nome deste modo?
“Se não tiveres cuidado de guardar todas as palavras desta lei, que estão escritas neste livro, para temeres este nome glorioso e temível, O SENHOR TEU DEUS,”  (Dt 28.58). O nome do Senhor é sagrado, e como podem os crentes viverem sem o devido temor do Seu santo nome?
A repreensão que Moisés dirigiu aos israelitas bem se aplica aos crentes em geral de hoje que não santificam o nome de Deus, porque quando deveriam brilhar com a santidade do Senhor em suas vidas por obedecerem a Sua palavra, eles são como manchas e não como filhos amados obedientes, por causa da prática deliberada do pecado em que eles vivem.
“4 Ele é a Rocha, cuja obra é perfeita, porque todos os seus caminhos justos são; Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é.
5 Corromperam-se contra ele; não são seus filhos, mas a sua mancha; geração perversa e distorcida é.
6 Recompensais assim ao Senhor, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai que te adquiriu, te fez e te estabeleceu?”  (Dt 32.4-6).
 E a estes filhos que vivem deliberadamente no pecado depois de terem sido admoestados e conduzidos pelo Senhor pacientemente, em toda a longanimidade, para que de algum modo pudessem chegar ao arrependimento, mas que no entanto permanecem no endurecimento de seus corações recusando-se obedecer à verdade, o Senhor sujeitará à Sua correção e disciplina.
“19 O que vendo o Senhor, os desprezou, por ter sido provocado à ira contra seus filhos e suas filhas;
20 E disse: Esconderei o meu rosto deles, verei qual será o seu fim; porque são geração perversa, filhos em quem não há lealdade.”  (Dt 32.19,20).
O Senhor vindicará a honra do Seu nome no mau procedimento dos Seus filhos, sujeitando-os à disciplina da aliança que fez com eles por meio do sangue de Cristo.
Os pecados dos filhos de Deus ferem mais O Seu coração paterno do que os pecados de outros, porque não são filhos.
Por isso os crentes são exortados a  não desprezarem a correção do Senhor, e a não desmaiarem quando por Ele forem repreendidos (Hb 12.5), porque isto visa ao próprio bem deles, na sua recuperação espiritual, de maneira que sendo sadios na fé, possam santificar o nome de Deus, conforme lhes está designado.
Aqueles que honrarem a Deus serão também por Ele honrados conforme tem prometido, do mesmo modo que Ele despreza àqueles que O desprezam (I Sm 2.30).
O que nós deveríamos fazer para honrar e santificar o nome de Deus?
Nós devemos adquirir: (1) Um conhecimento correto de Deus. Ter uma visão da Sua excelência; santidade, bondade e amor. Nós devemos honrá-lo como nosso Pai. (2) Também devemos adquirir um amor sincero a Deus; um amor valioso que se encante nEle próprio (João 21.15). Ninguém pode honrar o Mestre sem amá-lo. E este amor se comprovará numa verdadeira obediência aos Seus mandamentos. E quando isto ocorre os Seus mandamentos não são penosos para nós, mas um prazer, e entendemos que o jugo de Jesus é suave e o Seu fardo leve. É estando de fato santificado pela Palavra e pelo Espírito que se pode viver de tal modo. Sem isto, tal amor e prazer no Senhor são impossíveis, porque Deus é espírito e importa ser adorado em espírito e em verdade.
A razão de o nome de Deus não ser mais santificado pelos seus filhos é porque o nome dEle não é muito amado tanto quanto deveria.

A Segunda Petição na Oração do Senhor

Por Thomas Watson (adaptado)

“Venha o teu reino.”  - Mateus 6.10

Uma alma verdadeiramente dedicada a Deus se unirá a esta petição: “venha o teu reino.”.
Nestas palavras está incluído que Deus, nosso Pai, é um Rei, e é o Rei de toda a terra (Sl 47.7).
Ele é um Rei no Seu trono.
“Deus reina sobre os gentios; Deus se assenta sobre o trono da sua santidade.” (Sl 47.8).
“Assim diz o alto e sublime” (Isa 57.15). Ele tem as suas bandeiras de realeza e a sua espada afiada reluzente (Dt 32.41). Ele tem uma coroa e um cetro de retidão (Hb 1.8).
Como Rei que é Ele tem o poder de fazer leis, e conceder perdões que são as flores e jóias da Sua coroa.
Ele é o grande Rei acima de todos os deuses (Sl 95.3).
Ele é grande não somente pelos Seus grandes feitos mas pelo que é em Sua própria pessoa:
“Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o Senhor. Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o Senhor.”  (Jer 23.24).
Ele é tão grande que nem o céu dos céus o pode conter (I Rs 8.27). A Sua grandeza é vista pelos efeitos do Seu poder. Ele fez o céu e a terra (Sl 124.8), e quem pode desfazer as Suas obras?
“Ele ceifará o espírito dos príncipes; é tremendo para com os reis da terra.” (Sl 76.12).
Tudo Ele fez conforme lhe agradou (Sl 115.3).
Ele é um Rei glorioso.
“Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos, ele é o Rei da Glória.” (Sl 24.10).
A glória externa dos Seus feitos é o reflexo da Sua glória interna. “O Senhor reina; está vestido de majestade. O Senhor se revestiu e cingiu de poder; o mundo também está firmado, e não poderá vacilar.”  (Sl 93.1).
Deus está vestido com a Sua própria majestade; a própria essência gloriosa dele são suas vestes reais, e Ele se cingiu com força e prevalece pelo Seu próprio poder. Os reis têm os seus guardas para defender a pessoa deles, porque eles não podem se defender, mas Deus não necessita de nenhum guarda ou da ajuda de outros.
Assim, “quem pois no céu se pode igualar ao Senhor? Quem entre os filhos dos poderosos pode ser semelhante ao Senhor? (Sl 89.6).
Ele é o Rei dos reis (Apo 19.16). Ele tem o trono mais elevado e a coroa mais rica, e todos os domínios Lhe pertencem.
Embora Ele tenha muitos herdeiros, contudo jamais terá qualquer sucessor. Ele tem o Seu trono estabelecido onde nenhum outro trono pode ser colocado acima do seu. Ele rege sobre a vontade e sobre os afetos, e os anjos o servem, e todos os reis terrenos recebem as suas coroas através da concessão de poder deste grande Rei, porque nenhum poder há no mundo que não tenha sido dado do alto.
“15 Por mim reinam os reis e os príncipes decretam justiça.
16 Por mim governam príncipes e nobres; sim, todos os juízes da terra.”  (Pv 8.15,16).
Se Deus é tão grande Rei, e está assentado como Rei para sempre, não é nenhuma depreciação para nós o servirmos, ao contrário, servir a Deus é reinar, e é uma grande honra servir um rei.
Teodósio dizia que era uma maior honra ser servo de Deus, que ser um imperador. É mais honroso servir a Deus do que ter os reis nos servindo. Felizes são aqueles que servem a Deus porque Ele fez deles também reis e sacerdotes para sempre (Apo 1.6).  
É considerado sabedoria política estar do lado mais forte. Se nós pertencemos ao Rei do céu, nós vamos estar do lado mais forte. O Rei da glória pode destruir com facilidade todos os seus adversários. Ele pode abater o orgulho deles, e deter a malícia deles. Aquela pedra cortada sem mãos (Dn 2.34) e que despedaçou o ídolo era um emblema, diz Agostinho, do poder monárquico de Cristo, conquistando e triunfando sobre os seus inimigos.
O Salmo segundo bem demonstra como o reino do Messias prevalece e está destinado a prevalecer completamente sobre os reis da terra:
”1 Por que se ajuntam os gentios, e os povos imaginam coisas vãs?
2 Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo:
3 Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas.
4 Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
5 Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
6 Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião.
7 Proclamarei o decreto: o Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.
8 Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os fins da terra por tua possessão.
9 Tu os esmigalharás com uma vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro.
10 Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra.
11 Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor.
12 Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nele confiam.” (Sl 2.1-12).
Se servimos a um Deus tão glorioso que é um Rei cheio de poder e majestade, nós devemos então confiar totalmente nEle.
“Em ti confiarão os que conhecem o teu nome; porque tu, Senhor, nunca desamparaste os que te buscam.” (Sl 9.10). Confie sua alma em Suas mãos. Você não pode colocar esta jóia preciosa em mãos mais seguras.
Se o homem se levanta em guerra contra Deus e o Seu povo, o Senhor se levanta também como homem de guerra contra os seus adversários:
“O Senhor é homem de guerra; o Senhor é o seu nome.” (Ex 15.3).
Se Deus é um tão grande Rei nós devemos temê-lo. Especialmente o temor de transgredir as suas leis e mandamentos.
Aqueles que não temem a Deus por amor, virão a temê-lo pela dor, porque Ele manifestará sobre eles os seus juízos e castigos.
“Porventura não me temereis a mim? diz o Senhor; não temereis diante de mim, que pus a areia por limite ao mar, por ordenança eterna, que ele não traspassará? Ainda que se levantem as suas ondas, não prevalecerão; ainda que bramem, não a traspassarão.”  (Jer 5.22).
“Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei.”  (Lc 12.5).
Temamos a Deus cujo trono está acima de todos os reis e poderosos, e que é o Todo Poderoso. Temamos o Rei cujo poder é infinito e cujo Reino jamais passará. Temamos este Rei cujos olhos são como chama de fogo (Apo 1.14).
O verdadeiro poder sobre vida e morte está nas mãos deste grande Rei.
Todos aqueles que se levantam contra este Rei serão lançados como uvas no lagar da Sua ira para serem esmagados.
Você tem andado no pecado desafiando o Rei do céu? Então faça depressa a sua paz com ele, submetendo-se à Sua vontade. Beije o Filho para que Ele não fique irado (Sl 2.12). Beije Cristo com um beijo de amor e obediência. Obedeça o Rei do céu quando Ele fala com você através dos Seus ministros e embaixadores (II Cor 5.20). Lutero dizia que obedecer a Deus é melhor que realizar milagres. Mas obedeça de boa vontade (Is 1.19), porque não há obediência verdadeira que não seja por amor e voluntária. Obedecer com alegria é mais doce que o mel dos favos. E que seja além de voluntária uma obediência rápida, isto é, devemos nos apressar para obedecer a Deus.
Mas este mesmo Rei que estabelece leis e condições para ser amado e obedecido, e que impõe santidade a todos os seus filhos como o principal dever deles, é o mesmo Rei que se levantará em favor deles e julgará sempre as suas causas e os protegerá. “Portanto, assim diz o Senhor: Eis que pleitearei a tua causa, e tomarei vingança por ti;  (Jer 51.36a).
“Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.”  (Sl 73.1).
Coração purificado é a condição essencial para ser abençoado pelo Rei com a Sua bondade. Para estes, Ele é como uma parede de fogo ao redor deles (Zc 2.5) de maneira que nenhum mal lhes possa alcançar; ao contrário Ele os fará triunfar sobre o mal. O rosto do Senhor está voltado para a direção destes que praticam o que é justo, mas o seu rosto é contra aqueles que praticam males.
É certo que pela Sua bondade, e por causa do sangue derramado pelo Seu Filho, Ele livrou da ira vindoura todos aqueles que pela fé foram feitos Seus filhos (I Tes 1.10), mas o modo de ser abençoado por Ele neste mundo está associado à obediência que Lhe é devida, porque é de fato Senhor e Rei, e também julga o Seu povo (I Pe 4.17; I Cor 11.31,32).  
Deus sempre julga pelo padrão de exigência de conformação absoluta à Sua santidade, de maneira que Ele é um fogo consumidor para o pecado, onde quer que ele seja encontrado.
“1 O Senhor reina; regozije-se a terra; alegrem-se as muitas ilhas.
2 Nuvens e escuridão estão ao redor dele; justiça e juízo são a base do seu trono.
3 Um fogo vai adiante dele, e abrasa os seus inimigos em redor.”  (Sl 97.1-3).
Por isso Ele é para o Seu povo como o fogo do ourives, para purificá-los das escórias do pecado (Malaquias 3.2).
Assim, Ele se levantará sempre para julgar a causa dos justos, mas contenderá contra todos aqueles que vivem na impiedade, ainda que alguns destes façam parte do Seu próprio povo. Ele sempre se oporá aos soberbos, mas concederá Sua graça aos que são humildes e contritos de coração, por causa dos seus pecados.
Deus pode fazer com que os amigos do ímpio se levantem contra ele, mas pode também fazer com que os inimigos daqueles que O amam e guardam o Seus mandamentos celebrem a paz com eles (Pv 16.7).
Senaqueribe que se levantou em grande afronta contra Deus foi morto pelos seus dois filhos (II Rs 19.37).  Ele deixa tais pessoas sem a Sua proteção, de maneira que Ele permite que sejam destruídas por Satanás que é insaciável em seu desejo de roubar, matar e destruir, e que pode ser contido somente pela mão de Deus. Nisto os ímpios são mantidos em vida e não sabem que devem isto a Deus que não deixa sequer cair um só pássaro do céu sem a sua permissão, quanto mais as operações assassinas de Satanás.
Entretanto não há motivo para os ímpios se gabarem nisto, porque aqueles que não se ajuntam a Cristo, espalham-se como o pó, e não têm a garantia da permanente proteção de Deus, contra uma destruição definitiva e final por Satanás, tal como a que têm os crentes, porque ainda que seja permitido ao diabo tirar-lhes a vida do corpo, no entanto reinarão com Cristo em glória.
Qual é o significado do reino ao qual Cristo se refere quando diz, “Venha o teu reino.”?
Em primeiro lugar ele não está se referindo a um reino político ou terrestre.
Os apóstolos desejavam no princípio um reinado realmente temporal de Cristo (At 1.6). Mas Jesus disse que o reino dele não era deste mundo (João 18.36). De maneira que quando Jesus ensinou os seus discípulos a orarem “venha o teu reino” ele não quis se referir com isto a qualquer reino terrestre no qual ele reinaria aqui em pompa externa e esplendor. Não significa também o reino providencial de Deus no qual Ele rege sobre tudo (Sl 103.19), porque este reino é um reino já vindo. Deus exercita o reino da Sua providência no mundo. Ele rebaixa a alguns e eleva a outros (Sl 75.7). Ele abate o orgulhoso e exalta o humilde. O reino da Sua providência rege sobre todos e os reis nada mais fazem do que a Sua providência lhes permite e ordena (At 4.27,28). Assim, este reino da providência de Deus é um reino já vindo.
Então qual é o significado da oração “venha o teu reino”? Este reino tem um significado duplo. Primeiro significa o reino da graça que Deus exercita nas consciências das pessoas do Seu povo. Quando nós oramos venha o teu reino nós estamos pedindo que o reino da graça seja estabelecido no nosso coração e que seja aumentado. Em segundo lugar, quando nós oramos venha o teu reino, nós estamos pedindo que Deus apresse a vinda do Seu reino de glória. Estes dois reinos de graça e de glória não diferem especificamente, mas gradualmente, isto é, eles não diferem em natureza, mas somente em graus. O reino da graça nada mais é do que o começo do reino da glória. O reino da graça é o da glória em semente, e o reino da glória é o da graça em flor. O reino da graça é a glória na alvorada, e o reino da glória é a graça na plenitude do dia.
O reino da glória é a graça triunfante. Há uma conexão inseparável entre estes dois reinos.
Muitos aspiram pelo reino da glória, mas nunca se ocupam da graça; mas estes dois reinos estão unidos inseparavelmente por Deus e não podem ser tomados à parte. O reino da graça é que dá acesso ao reino da glória, e assim a primeira coisa insinuada nesta petição “venha o teu reino” é que nós estamos no reino das trevas. Nós oramos para que possamos ser tirados do reino das trevas. O estado da natureza é um reino de trevas onde se diz que o pecado reina (Rom 6.12). É chamado de poder das trevas (Col 1.13).
O homem natural está de muitos modos no reino das trevas.
Primeiro ele está debaixo das trevas da ignorância do verdadeiro conhecimento de Deus. Em segundo lugar está nas trevas da corrupção que são manifestadas nas ações pecaminosas dele (Rom 13.12). O homem natural está também debaixo das trevas da miséria espiritual e exposto conseqüentemente à ira divina, sem que os homens estejam sensatos disto.
Há um encanto e engano no reino das trevas de maneira que os homens amam as trevas no lugar da luz. Mas o homem acha conforto nas coisas terrestres? O homem natural pode ter prata e ouro, e toda sorte de bens, ele pode ter amigos para se encantar com eles, mas ele se acha no reino das trevas.
 Assim devemos orar para que Deus nos tire deste reino de escuridão. O reino da graça de Deus não pode entrar em nossos corações até que sejamos tirados do reino das trevas (Col 1.13).
A segunda coisa insinuada na petição venha o teu reino é que nós oramos contra o reino do diabo, de maneira que o seu reino possa ser removido do mundo. O reino dele está em oposição ao reino de Cristo, e então quando nós oramos venha o teu reino nós estamos pedindo contra o reino de Satanás.
Satanás tem um reino que ele conquistou por usurpação do gênero humano no paraíso. Ele tem um trono (Apo 2.13). E ele fixa este seu trono no coração dos homens. Ele não quer as bolsas dos homens, mas os seus corações. Ele deseja ser adorado (Ef 2.2; Apo 13.4). O império de Satanás é muito grande. A maioria dos reinos mundiais pagam tributo a ele. E o seu reino é um reino de impiedade e de escravidão.
O reino de Satanás é um reino de impiedade. Nada mais do que pecado entra no seu reino. Assassinato e heresia, luxúria e deslealdade, opressão e divisão, e o comércio constante que se faz nos seus domínios. Ele é chamado de espírito imundo (Lc 11.24). Que mais é propagado no seu reino do que o mistério da iniqüidade?
O reino de Satanás é um reino de escravidão porque nele faz  todos seus escravos. O pecador é seguro cativo debaixo da tirania severa do diabo. Satanás é um usurpador e um tirano; ele é um tirano pior do que qualquer outro. Outros tiranos regem apenas sobre o corpo, mas o reino de Satanás rege sobre a alma. Ele monta nos homens como nós fazemos em relação aos cavalos.
Satanás não dá descanso aos seus escravos, e ele os alimenta com luxúrias venenosas para o dano de suas almas (I Tim 6.9). Quando ele entrou em Judas ele não somente o enviou aos sacerdotes para trair a Cristo como também não deu descanso à consciência dele até que o conduzisse ao suicídio.
Então quando oramos “venha o teu reino” nós estamos pedindo que o reino de Satanás seja destruído, removido do mundo, para que haja somente o reino de Jesus.
Quando nós oramos “venha o teu reino” nós pedimos que o reino da graça entre em nossos corações. Este é o reino que é justiça (Rom 14.17); o reino de Deus que está dentro de nós (Lc 17.21).
Por que a graça é chamada de reino? (Rom 5.21)
Porque, quando a graça vem a alguém, há um governo real montado na alma. A graça governa a vontade e os afetos, e traz o homem em sujeição a Cristo; subjugando luxúrias e mantendo a alma em modo santo, justo e piedoso.
Por que é preciso orar para que este reino da graça possa entrar em nossos corações?
(1) Porque, até que o reino da graça venha, nós não temos nenhum direito à aliança da graça.
(2) A menos que o reino da graça seja estabelecido em nossos corações, nossos oferecimentos mais puros serão considerados imundos por Deus. Eles podem ser bons em seus efeitos terrenos, mas não poderão agradar de maneira alguma a Deus, porque não foram feitos por corações regenerados e santificados pelo sangue de Jesus, e que portanto, não tinham a marca da Sua graça.
(3) Nós temos necessidade de orar para que o reino da graça possa vir e entrar em nossos corações, porque sem isto nós somos repugnantes aos olhos de Deus, por não termos sido justificados e limpos dos nossos pecados; uma vez que somente a graça de Jesus pode efetuar tal trabalho. O pecado transforma o homem num filho do  diabo e somente a graça pode quebrar tal filiação e fazer com que o homem seja adotado como filho de Deus.
(4) Até que o reino da graça venha um homem está exposto à ira de Deus.
(5) Até que o reino da graça venha um homem não pode morrer com conforto. É somente nos braços de Cristo que se pode olhar a face da morte com alegria.
Há muitas ilusões sobre a graça:
(1) os homens pensam que eles têm o reino da graça nos seus corações porque eles têm os meios de graça. Eles vivem onde a trombeta prateada do evangelho soa e pensam que já possuem a graça por somente ouvirem o evangelho.
Ai! esta é uma falácia; nós podemos ter os meios de graça, e ainda o reino da graça pode não ter sido estabelecido nos nossos corações. Nós podemos ter o reino de Deus perto nós, mas não em nós; o som da palavra em nossas ouvidos, mas não o Salvador em nossos corações. Roupas quentes não podem aquecer um homem morto.
(2) os homens pensam que eles têm o reino da graça nos seus corações, porque eles têm alguns trabalhos comuns do Espírito Santo, a saber:
[1] eles têm grande iluminação de mente, conhecimento profundo, e quase falam como anjos caídos do céu; mas o apóstolo apresenta um  caso em que, depois que os homens foram iluminados, eles apostataram (Hb 6.4-6).
Mas que iluminação curta é esta?
A iluminação de hipócritas que não deixa após si uma marca de santidade. A mente está iluminada, mas o coração não é renovado. Um crente que é somente cabeça, mas que não tem um coração segundo o coração de Deus.
[2] os homens têm convicções e peso de consciência relativos ao  pecado, eles viram o mal da maneira deles, e esperam que  o reino da graça venha junto; entretanto convicções são um passo para a graça, elas não são nenhuma graça. Não tiveram convicções Faraó e Judas?
O que faz com que estas convicções sejam abortadas? Em que eles falham?
Estas convicções superficiais são como a semente que caiu entre pedras e porque suas raízes não se aprofundaram a vida da planta murchou e foi de duração muito curta (Mt 13.5).  Estas convicções são como flores que caem sem se transformarem em frutos. Estas convicções são como o cervo que foge das flechas do arqueiro para não ser atingido por elas. São apenas uma tentativa de fuga das más conseqüências do pecado, mas não um sincero arrependimento de tristeza por causa do pecado que conduz o homem a desejar e efetivamente viver para Deus.
 [3] os homens começaram alguma reforma de vida, e então eles pensam que o reino da graça certamente veio a eles; mas pode haver ilusão nisto. Um homem pode fazer os seus juramentos de que deixará o pecado por medo do inferno, ou porque lhe está trazendo vergonha ou penúria, mas o seu coração ainda ama o pecado (Os 4.8). Estes são como a esposa de Ló quando saiu de Sodoma. Estes são como a serpente que muda de pele mas mantém intacto o seu veneno. Eles desejam melhora de vida confessando a Cristo mas sem deixar de amar o seu modo de vida pecaminoso.
Assim esta reforma é apenas no comportamento exterior porque o pecado continua reinando no coração, e o seu reino não foi expulso de fato pelo reino da graça.
Nós podemos saber que a graça entrou em nosso coração somente por meio da fé. A fé é a jóia mais sagrada do coração humano. A fé nos corta da oliveira brava da natureza e nos enxerta na oliveira santa que é Cristo. A palavra hebraica para fé é emunah, e significa firmar, radicar, ser fiel, verdadeiro, estável. Fé no hebraico tem o sentido de raiz que sustenta a árvore. E a raiz além de sustentar, tem a função de nutrir. Então ao designar a fé como o meio pelo qual a graça é sustentada e nutrida, Deus nos deu um firme fundamento, de maneira que se diz que o justo viverá pela fé (Hc 2.4).
E a verdadeira fé é forjada pelo ministério da palavra, porque vem por se ouvir a pregação da Palavra de Deus (Rom 10.17).
 A verdadeira fé é no princípio pequena como um grão de mostarda, e está cheia de dúvidas e temores. É tão pequena que um crente não pode discernir se ele tem fé ou não.
O trabalho de fortalecimento da fé é longo e árduo, e demanda muitos clamores do coração, muitas orações e lágrimas, porque está empenhada num combate espiritual. A alma sofre muitas humilhações dolorosas antes de que a criança da fé nasça.
Mas uma fé verdadeira, ainda que pequena é suficiente para purificar. A fé justificadora faz isto num senso espiritual e remove as montanhas do pecado, e as lança no mar do sangue de Cristo.
Nós podemos conhecer que o reino da graça entrou no nosso coração tendo a graça do amor. E se nós amarmos a Deus corretamente, nós amaremos os seus mandamentos e a Sua presença nas suas ordenanças.
Nós podemos conhecer que o reino da graça entrou no nosso coração por ter antipatia e oposição a todo tipo de pecado conhecido.
Mas um filho de Deus pode ter o reino da graça no seu coração e ainda não conhecer isto. É possível que a semente da Palavra esteja semeada no coração mas ainda não ter germinado. A semente não está perdida porque está escondida.
Mas antes que o reino da graça entre no coração, deve haver alguma preparação para isto. O solo deve ser arado e preparado. É possível que o arado da lei não tenha se aprofundado o bastante para produzir a humildade de espírito necessária.
 Deus não prescreve uma proporção exata de tristeza e humilhação. A Bíblia menciona a verdade da tristeza no arrependimento, mas não a medida. Alguns são mais pecadores do que outros, e têm que ter um grau maior de humilhação.
Há uma grande diferença entre a fraqueza da graça e a falta da graça. Um homem pode ter vida, embora esteja doente e fraco. A graça fraca não será menosprezada, mas apreciada. Cristo não a apagará e nem a quebrará. Uma graça fraca nos unirá a Cristo tanto quanto uma graça forte. Uma mão fraca de fé pode receber as esmolas dos méritos de Cristo tanto quanto a mão forte.
A graça é como as águas que procedem do santuário de Deus e que vão subindo cada vez mais de volume à medida que elas avançam.
Um crente pode ter um pouco de dureza no seu coração, mas não terá um coração duro de pedra. Um campo de trigo pode ter joio nele mas nós o chamados de campo de trigo.
 O reino da graça quando está estabelecido no coração traz juntamente a paz com ele, e por isso se diz que o reino de Deus é justiça e paz (Rom 14.17). Há uma paz secreta que procede da santidade. E a paz é a melhor bênção de um reino.  A paz é melhor que vitórias incontáveis. Assim, o reino da graça é um reino de paz. E se a graça é uma raiz, a paz é a flor que cresce a partir dela.
O reino da graça enriquece a alma. Um reino tem as suas riquezas. É dito que um crente é rico em fé (Tg 2.5).
O reino da graça dá firmeza ao coração (Sl 57.7). Antes que o reino da graça se estabeleça no coração ele é intranqüilo, mas quando a graça vem o coração acha descanso e tranqüilidade.
Mas assim como o agricultor não pode esperar a colheita se não semear, de igual modo não se pode ter a graça sem trabalhar. Não devemos pensar que a graça nos virá como o maná veio a Israel no deserto, sem que precisassem arar ou semear. Não, nós devemos ousar, operar, suportar dores pela graça. Nossa salvação custou sangue a Cristo, e a nós custará suor.
 A oração do Senhor ensina que devemos pedir “venha o teu reino”, e isto significa também que devemos pedir a Deus que nos dê o reino da graça. Nós devemos dizer que nós queremos este reino da graça, que nós queremos um coração humilde e que creia. Se Ele nos chama a sermos enriquecidos com a Sua graça, então sejamos importunos em nossas orações pedindo-lhe mais graça.
Mas não esqueçamos que esta graça sempre nos virá na maioria das vezes por nos colocarmos debaixo da Palavra pregada, porque foi este o meio normal que Deus estabeleceu para nos dar e aumentar a nossa fé. O poder de Deus vai junto com a pregação da Sua Palavra, e se falta este poder, é porque a palavra que está sendo pregada não é propriamente a Sua Palavra.
Por que nós devemos orar “venha o teu reino” quando o reino da graça já se encontra estabelecido na alma?
Nós devemos orar assim para que a graça seja aumentada e que o seu reino possa florescer ainda mais em nossas almas.
Quando um crente tiver maiores graus de graça, haverá mais óleo na sua lâmpada, o seu conhecimento será claro, o seu amor mais inflamado. A graça é capaz de graus e pode subir mais alto como o sol no horizonte. Não se dá conosco o que diz respeito a Cristo que recebeu o Espírito sem medida (João 3.34). Ele não pode ser mais santo do que Ele era, mas nós podemos ter mais santidade, e acrescentar mais cúbitos à nossa estatura espiritual.
Quando o reino da graça aumenta o crente terá mais força do que dantes. Aquele que tem as suas mãos limpas será cada vez mais forte. E terá forças para resistir à tentação, para perdoar seus inimigos, para sofrer aflições.  Não é fácil sofrer, e por isso o crente tem que se negar antes que possa carregar a cruz.
 O reino da graça aumenta quando o crente entra em batalha contra as corrupções espirituais, quando ele se priva de praticar todo tipo de mal, e combate em seu interior as corrupções escondidas mais íntimas como orgulho, inveja, hipocrisia, pensamentos vãos, e todo tipo de confiança carnal.
“Ora, amados, visto que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus.”  (II Cor 7.1).
Assim quando nós nos purificamos de toda a imundícia da carne e do espírito, a santidade é aperfeiçoada e o reino da graça aumenta e espalha seus territórios na alma.
O reino da graça aumenta quando um crente aprende a viver por fé (Gál 2.20).
O reino da graça floresce quando o crente estiver cheio de zelo santo. O zelo é a chama dos afetos e transforma um santo num Serafim, palavra que no hebraico significa fogo. E a chama dos afetos produz fervor, e por isso este crente ferverá tanto no testemunho do amor de Deus quanto no zelo pelo Seu santo nome quando estiver sendo desonrado. Ele lutará contra as dificuldades e nadará por Cristo num mar de sangue.
O reino da graça aumenta quando um crente é diligente tanto em relação à sua chamada particular, quanto à geral. Porque quando estamos familiarizados e convictos da nossa chamada nós somos mais úteis a outros.
O reino da graça aumenta quando um crente se estabelece na convicção e amor à verdade. Quando a alma está edificada na rocha que é Cristo nenhuma tentação poderá vencê-la. Atanásio era invencível e inflexível em relação à sua estabilidade na verdade. Ele estava arraigado (com raízes) e edificado em Cristo (Col 2.7). E o enraizamento da árvore garante o seu crescimento.
Por que há necessidade que o reino da graça aumente?
Porque sem isto não é possível edificar o corpo de Cristo (Ef 4.8-12). Por isso Deus não somente estabeleceu ministérios e deu dons espirituais à Igreja, como também visa através do exercício deles à edificação do corpo de Cristo em amor até que todos cheguem à plena maturidade espiritual.
Nós precisamos do aumento do reino da graça porque nós temos muito trabalho para fazer e a seara é grande e poucos os obreiros. A vida de um crente é trabalhosa: há muitas tentações para resistir, muitas promessas para crer, muitos preceitos para obedecer, de maneira que isto requererá muita graça. À medida que o trabalho aumente há necessidade também de um aumento da graça.
“Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.”  (I Cor 15.10).
Se o reino da graça não aumentar no coração ele se deteriorará e poderemos ouvir do Senhor que temos deixado o nosso primeiro amor (Apo 2.4). E as coisas que permanecem estão prontas para morrer (Apo 3.2). Embora a graça não possa expirar, no entanto pode murchar, e um crente murcho perde muito da sua beleza e fragrância. Então que grande necessidade nós temos de orar “venha o teu reino.”, para que este reino da graça possa ser aumentado.
“antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.”  (II Pe 3.18 a).
Por falta de aumento da sua graça,  um crente perde a sua força e fica como um homem doente que não pode caminhar e trabalhar, as suas orações estão doentes e fracas, e é como se não houvesse nenhuma vida nele. E a pulsação do amor no seu coração quase não bate.
Os crentes são chamados de árvores de justiça (Isa 61.3) e a seiva desta árvore espiritual é a graça, sem a qual ela não pode crescer e ser saudável.
Eles são também chamados de luz do mundo, e uma luz fraca pouco pode iluminar, e assim há necessidade de que aumente, e o que a faz aumentar é a graça.
E como esta graça é de Jesus (At 15.11; I Cor 16.23; II Cor 13.13; Apo 22.21; II Tim 2.1; Ef 6.10; II Pe 3.18) todo aumento de graça deve portanto ser buscado nEle e na Sua Palavra. Toda a pureza que nós precisamos está nEle e procede da fé nEle. Assim também todo a fé, todo o amor, toda a força, toda a alegria e tudo o que diz respeito à vida espiritual que somos chamados a viver e a dar testemunho.
Quanto mais o Espírito Santo iluminar o coração mais o crente poderá conhecer as suas imperfeições e poderá confessá-las para que seja purificado e aperfeiçoado pela graça.
Agora, além de orar pelo reino da graça, nós oramos para que o reino da glória possa se apressar. E o que é este reino da glória? Quais são aos suas propriedades? No que ele excede todos os demais reinos? Quando este reino virá? Em que se apóia a certeza da sua vinda? E por que nós devemos orar para a sua vinda?
Primeiro este reino significa a condição gloriosa que os santos desfrutarão para sempre com Deus e com os anjos.
Este reino de glória significará a liberdade de todas as necessidades da natureza. Nós estamos nesta vida sujeitos a muitas necessidades, nós precisamos de comida, de roupas, de repouso, e de muitas outras coisas, mas no reino do céu não haverá nenhuma necessidade destas coisas. Nós não precisaremos destas muletas, e é bem melhor não necessitar de muletas do que tê-las.  Que necessidade haverá de comida para corpos espirituais? (I Cor 15.44). Que necessidade teremos de sono onde não há noite?
No reino do céu nós seremos livrados das imperfeições da natureza.  O nosso próprio conhecimento natural é imperfeito por causa da Queda. Há muitos nós duros na natureza que nós não podemos desatar facilmente. E nossa ignorância sempre será maior do que o nosso conhecimento.
Nosso conhecimento de Deus é imperfeito. Nós o conhecemos, mas em parte, apesar de termos recebido dEle tantas revelações (I Cor 13.9). Nós temos senão concepções obscuras sobre a Trindade, bem como não podemos compreender todo o poder, onisciência e glória de Deus. Mas quando a luz da glória começar a brilhar no horizonte divino, todas as sombras da ignorância serão dissipadas, e a nossa lâmpada brilhará intensamente com um conhecimento completo de Deus.
No céu não haverá nenhuma necessidade de se labutar pela glória, porque nós teremos a glória pela qual lutamos neste mundo.
Nós descansaremos das nossas obras (Apo 14.13). Assim como Deus descansou no sétimo dia depois de ter concluído a obra da criação, nós também descansaremos do nosso trabalho para a nossa santificação depois que ele tiver sido concluído.
No reino do céu nós seremos livrados completamente da corrupção original que é a raiz e causa de todo tipo de pecado presente.  No reino do céu a fonte do pecado original será secada totalmente. E que tempo abençoado será este em que nunca mais entristeceremos o Espírito Santo com os nossos pecados.
No reino do céu nós estaremos completamente fora do alcance da tentação de Satanás, que ficará para sempre preso em cadeias.
No reino do céu nós estaremos para sempre livres de cuidados; de temores; e de todo tipo de dúvidas.
No reino do céu haverá unidade perfeita em amor entre todos os crentes. Lá não haverá jamais qualquer divisão.
Nós não teremos falta de qualquer coisa no reino do céu, e teremos uma íntima comunhão com o próprio Deus que é um oceano inesgotável de toda a felicidade. Nós veremos Deus face a face (I Cor 13.12).
Além da visão gloriosa do Senhor Jesus em Seu corpo glorificado, nós veremos os anjos e os santos que partiram para a glória antes de nós, e que comunhão maravilhosa não será esta com os santos glorificados! A alegria procede da união e os santos estarão perfeitamente unidos pelos laços do amor de Cristo. Nós não podemos viver a plenitude desta unidade aqui na terra porque há muitas imperfeições, tentações e ataques do reino das trevas contra a unidade dos santos, mas no reino da glória do céu nada disto arranhará a perfeita unidade dos crentes, e assim eles terão completa alegria. Tão importante e vital é esta união para a nossa alegria que nós somos exortados insistentemente na Palavra a lutar para preservar esta unidade no vínculo da paz. Por isso Satanás procura por todos os meios e modos dividir os crentes, pois sabe que com isto consegue roubar a alegria deles no Senhor e uns com os outros. Mas no céu não pode haver mais nenhuma tristeza porque o coração dos santos glorificados estará cheio de santa alegria permanentemente.
Um reino insinua honra, e por isso os santos serão honrados no reino do céu recebendo coroas. E uma coroa é um sinal de poder real. E não seria honroso receber uma coroa depois de todas as nossas lutas contra o pecado e contra Satanás?
No reino do céu nós teremos um descanso abençoado, e toda agitação de espírito terá cessado. As ansiedades e perturbações de mente também cessarão.
A glória do reino do céu é sólida e significativa. A palavra hebraica para glória significa peso, para mostrar quão pesada e sólida é a glória do reino celestial. A glória do reino mundano é etérea e passageira.
Há uma certeza e uma infalibilidade do reino de glória porque Cristo disse que foi do agrado do Pai dar aos santos um reino (Lc 22.29); e este reino foi adquirido por preço, porque Cristo o comprou para nós com o Seu sangue (Hb 10.19).  A cruz de Cristo é a chave do paraíso celestial; e o sangue de Cristo é a chave que abre os portões do céu. Se os santos pudessem perder o reino do céu, então Cristo também teria a sua compra e propriedade perdidas. Ele jamais desprezaria o duro trabalho da Sua alma para poder comprar tal propriedade (Is 53.11). Todo o Seu sofrimento na cruz teria sido vão. Então como isto é impossível de ocorrer, nós podemos ter a certeza da infalibilidade da vinda deste reino de glória.
Cristo orou para que os santos pudessem estar com Ele no seu reino (João 17.24). E se os santos não pudessem entrar neste reino divino a oração de Cristo seria frustrada. Mas isto não pode suceder porque Ele é o favorito do Pai, e sempre é atendido por Ele (João 11.42).
A certeza da vinda do reino de glória repousa também no fato de que Cristo ascendeu ao céu como precursor da nossa própria entrada.  Ele subiu para que nós pudéssemos também subir para estar para sempre com Ele (João 14.2).
Os eleitos podem ter como certa a entrada deles no reino dos céus porque eles estão inseparavelmente unidos a Cristo como membros do Seu corpo. Os arminianos afirmam a possibilidade de uma pessoa justificada pela fé cair da graça e assim a sua união com Cristo seria dissolvida e o reino perdido; mas eu pergunto a eles se Cristo pode perder um membro do Seu corpo? Como ficaria este corpo sem alguns membros que foram planejados pelo Pai para estarem nele, de maneira que o corpo seja perfeito e não um aleijão? Por isso é afirmado na Palavra que todos os eleitos serão salvos e nenhum deles será perdido (João 6.37, 39; II Pe 3.9).
Nós temos que orar “venha o teu reino” porque Deus não fará com que ele venha sem oração. Este reino é muito precioso e nós devemos reconhecer o seu valor orando para que ele venha. Deus se agrada de que demos o devido valor ao que é verdadeiramente eterno, inabalável e glorioso.  Nós devemos demonstrar que é sincera a nossa oração pela vinda do reino pelo nosso desejo de sermos livrados completamente do pecado e vivermos em perfeita e eterna santidade diante de Deus; e pelo nosso desejo de vê-lo face a face.
Nós devemos orar pela vinda do reino de glória porque será na sua manifestação que o reino do diabo será definitiva e completamente desfeito.
Moisés desejou ardentemente ver ainda que fosse somente um lampejo da glória de Deus, e como não desejaríamos ver a plenitude desta glória? Então devemos orar “venha o teu reino.”.
Ninguém deveria deixar de examinar o seu coração para saber se irá para o reino de glória depois da sua morte. O céu é chamado de um reino preparado (Mt 25.34). E como nós podemos saber que este reino está preparado para nós?
Nós podemos saber isto se nós estamos preparados para o reino.
Como isso pode ser conhecido?
Sendo pessoas santas. Um coração terrestre não está em nada ajustado para o céu, tal quanto um grão de terra está ajustado para ser uma estrela.
Seria um milagre achar uma pérola numa mina de ouro; e seria um grande milagre achar Cristo, a pérola de grande preço, num coração terrestre. Nós iríamos para o reino do céu?
Nós somos santos? Nossos pensamentos se ocupam com os interesses deste reino celestial?
Nós somos santos em nossos afetos? Nós fixamos nossos afetos no reino do céu? (Col 3.2). Se nós formos santos, nós menosprezamos todas as coisas aqui debaixo em comparação com o reino de Deus; nós veremos o mundo senão como uma bela prisão; e nós não estaremos satisfeitos em achar nossos corações acorrentados ao mundo, ainda que as correntes sejam feitas de ouro, porque os nossos corações estarão no céu, tal como o Senhor nos ensinou e ordenou.
Nós somos santos na nossa conversação? Nosso idioma é o da Canaã celestial? Há muitos que afirmam que irão para o reino do céu mas nada se vê na fala deles acerca das coisas deste reino, senão somente das que são do mundo.
Nós estamos em viagem para o céu e nunca falaremos das coisas do lugar para o qual estamos viajando? Nisto, muitos revelam que não pertencem ao céu porque do que o coração está cheio a boca fala. E o coração de muitos não está definitivamente nas coisas celestiais senão apenas nas que são deste mundo.
Nós trabalhamos em favor do reino do céu, empenhando-nos para ganhar almas para Cristo?
Nós somos santos que procuram imitar o seu Pai celestial? Nós buscamos a semelhança com Cristo?
Se nós formos santos nós podemos ter a certeza de que nós iremos para o reino do céu quando nós morrermos porque está assegurado que é pela evidência da santificação que nós podemos estar seguros de pertencer a Deus e de que veremos a Sua face (Hb 12.14).
Verdadeiramente há muita razão para que nós sejamos santos em nossos pensamentos, afetos e conversação, se nós considerarmos que o fim principal pelo qual Deus nos deu nossas almas, é para que pudéssemos ser participantes do reino do céu, e no céu tudo é puro e santo.
Se há um tal reino de glória esperando por nós, é então nosso dever aperfeiçoar a santidade com temor e tremor.  E este temor não é um temor de desconfiança ou dúvida que desencoraja a alma, mas o santo temor de diligência que nos faz aplicados nas coisas espirituais, celestiais e divinas. Temor que faz com que os cristãos sonolentos sejam despertados e vigiem em todo o tempo. Com este temor nós perseveraremos e podemos ter em todo o tempo a certeza da garantia de possuirmos o reino pelo qual oramos “venha o teu reino.”.
Entretanto nunca devemos esquecer que o que garante a entrada neste reino celestial é a justiça que excede em muito a dos escribas e fariseus, isto é, a justiça do evangelho que é pela fé em Cristo. Sem isto, por mais gloriosa que possa ser a profissão religiosa de alguém como era a dos escribas e fariseus, no entanto este alguém estará muito longe do reino. Os escribas e fariseus sentavam-se na cadeira de Moisés, pois se apresentavam ao povo como os representantes legítimos da religião que Deus revelou a Moisés, e os judeus pensavam que se apenas duas pessoas fossem para o céu, uma seria o escriba e a outra o fariseu, mas Jesus revelou o quanto a justiça deles estava distante da única justiça que pode garantir a entrada no reino, porque não se baseava na justiça que é pela fé, mas na justiça das obras baseada na lei. Sem a cobertura do sangue de Jesus e sem nascer de novo do Espírito Santo ninguém pode ver o reino dos céus.
Assim um homem pode ser um cumpridor de ritos e ordenações e ainda não encontrar o reino.  Um homem pode lamentar pelo pecado e ainda não achar o reino divino. Um homem pode ter bons desejos e ainda estar fora do reino.
Muitos pecadores desejam misericórdia, mas não graça; eles podem desejar a Cristo como Salvador, mas não como Santo e Senhor; eles desejam a Cristo apenas como uma ponte para conduzi-los ao céu.
Um homem pode abandonar os pecados de embriaguez, impureza e outros vícios e ainda estar fora do reino. Ele pode abandonar muitas formas de pecado, mas ainda não ter nenhuma luta contra o pecado em seu coração.
É possível que muitos deixem de praticar certos pecados por temerem o inferno, ou porque lhes traz vergonha e penúria, contudo ainda amam o pecado. E como se entregam a uma reforma parcial que não é operada pelo Espírito Santo, e não tendo a sua culpa cancelada pelo sangue de Cristo, eles perdem o reino de glória.
Todas as lágrimas no inferno não serão suficientes para lamentar a perda do reino do céu. Aqueles que perdem o reino divino, perdem a doce presença de Deus, e é somente na Sua presença que pode haver plenitude de alegria (Sl 1611).
Se Deus é a fonte de toda a felicidade, então, estar separado dEle, é a fonte de toda a miséria.
Os ímpios não lamentam a perda do reino da glória enquanto estão neste mundo porque não conhecem o seu verdadeiro valor. Mas isto será revelado a eles quando estiverem no inferno e então lamentarão, porque saberão que desprezaram uma pedra preciosa de infinito valor. Quando alguém perde um diamante sem saber que se tratava de uma pedra preciosa, não lamentará a perda, mas quando vier a conhecer o valor do que perdeu, certamente lamentará.
Os eleitos, que têm garantida a sua entrada no reino, não devem ser negligentes e indolentes nas ações e orações necessárias para apressar a vinda do reino de glória, porque se Deus não poupará aqueles que desprezaram o reino sujeitando-os a uma condenação eterna, a quantas dores não poderão ficar sujeitos os filhos de Deus que viverem de maneira contrária à Sua vontade, porque em vez de viverem pela fé na busca de uma vida frutífera, deixam-se vencer pela dureza de seus corações incrédulos e indolentes que desprezam a Canaã celestial e preferem voltar ao Egito de escravidão, incorrendo no mesmo erro dos israelitas dos dias de Moisés. Por isso a Palavra exorta os crentes a não incorrerem no mesmo exemplo de desobediência, de modo a terem a plena certeza da entrada deles no descanso de Deus.
“Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência.”  (Hb 4.11).
“12 Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo.
13 Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado;
14 Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim.
15 Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, Não endureçais os vossos corações, como na provocação.
16 Porque, havendo-a alguns ouvido, o provocaram; mas não todos os que saíram do Egito por meio de Moisés.
17 Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi porventura com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto?
18 E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes?
19 E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade.”  (Hb 3.12-19).
Pela fé em Cristo temos garantida a nossa entrada no reino de glória, mas importa viver de modo digno desta entrada que nos foi concedida, a saber, não na incredulidade, mas crescendo na fé, pela qual temos entrado no reino.
A incredulidade manteve Israel fora de Canaã. E a incredulidade mantém muitos do lado de fora do céu. A incredulidade é um inimigo da salvação, é o pior dos pecados, porque sussurra que temos vivido na terra sem o céu e que poderemos viver sem o céu depois de termos deixado este mundo. A incredulidade destrói a esperança, e impede que aguardemos pelo reino prometido. A incredulidade produz pensamentos contrários a Deus, e O apresenta como um Juiz severo, que desencoraja a alma de muitos por fazer exigências pesadas. Ninguém que ame viver na carne achará de fato a bondade, o amor e a doçura que se encontram em Deus, e o grande prazer em servi-lo. Os próprios crentes carnais não podem suportar o alimento sólido de Deus, senão se alimentarem de leite. E isto não é para se admirar porque a carne luta contra o Espírito. A carne não tem prazer na Lei de Deus e não se sujeita a ela.  Por isso se ordena a mortificação da carne para que se possa amar e servir a Deus. No final dos tempos, por causa da multiplicação da iniqüidade que esfriará o amor a Deus de muitos, os crentes carnais rejeitarão até mesmo o leite genuíno pelo qual deveriam obter crescimento até poderem se nutrir de alimento sólido (I Pe 2.2). A vontade de Deus será um fardo para eles, especialmente a idéia de que devem santificar as suas vidas purificando os seus corações pela fé no sangue de Jesus e pela aplicação da Palavra pelo Espírito Santo às suas vidas. E como rejeitarão o que é necessário para que a fé possa crescer e ser nutrida, alguns apostatarão da fé, e não somente negarão o Senhor como a Sua Palavra. Este será um golpe duro para o coração bondoso e amoroso do nosso Pai. Por isso os crentes são alertados sobre o dever de se exortarem mutuamente à santidade, e isto deve ser intensificado quanto mais o tempo de consumação de todas as coisas se aproxima.
Jesus diz que o reino do céu é tomado por esforço, e que muitos tentarão entrar no reino mas não conseguirão, porque há critérios que foram estabelecidos por Deus para tal entrada, e se o homem não se sujeitar aos critérios de Deus e obedecê-los todo o seu esforço terá sido em vão.
Assim ninguém deve se gloriar na sua salvação a não ser que esteja de fato se santificando diariamente e cumprindo as condições estabelecidas por Deus para perseverar na prática da verdade (II Pe 1.5-10).
E a quase totalidade do esforço que se exige do crente para entrar no reino consiste na fé em Cristo como seu redentor. Cristo pagou o preço para nos resgatar da escravidão do pecado, das trevas, e da maldição da lei. E é pela Sua graça, mediante nossa fé nEle, que o trabalho de regeneração e santificação do Espírito Santo é levado a efeito. Importa pois permanecermos em Cristo em todo o tempo, e isto se faz, como dissemos antes, pelo exercício constante da fé nos Seus méritos e obra. Enquanto caminharmos olhando para o autor e consumador da fé, tudo irá bem, e nada há que temer. Esta é a condição mesma da perseverança dos santos que lhes dará a certeza de entrada no reino, e daí se dizer que aquele que perseverar até o fim será salvo, porque todo crente autêntico, todo verdadeiro filho de Deus perseverará na fé e se esforçará para crescer na graça e no conhecimento de Jesus. Deus ensina e ordena isto na Bíblia, para que ninguém erre o alvo ou viva em dúvidas quanto à certeza da sua entrada no reino de glória.
Cristo é a brilhante estrela da manhã, e somente Ele pode iluminar o caminho que conduz ao céu.
Os filhos de Deus não devem ser como os incrédulos que são preconceituosos quanto à retidão de Cristo. Eles olham para Ele como sendo austero e as suas leis como sendo muito severas, tal como se referiu a Ele o homem da parábola que enterrou o seu único talento, e que não se animou em trabalhar para Cristo para fazer com que ele rendesse. Nós devemos nos desvencilhar destes laços dos ímpios e lança-los para bem longe de nós (Sl 2.3). Para as pessoas más as leis de Cristo são um jugo, porque elas não gostam de viver debaixo de restrição, e de fato odeiam a Cristo, porque lhes impõe muitas restrições. Tais pessoas prezam a idéia de que são livres e que têm liberdade para pensar e agir como acham que melhor lhes convenha, e não pautam seu procedimento pela Palavra do Senhor. Mas muitos destes fingem amar a Jesus como um Salvador, enquanto O odeiem quanto à Sua santidade.
Os homens são preconceituosos em relação às verdades de Cristo, especialmente à relativa à auto-negação. Mas para entrar no reino o homem tem que negar a sua própria justiça (Fp 3.9).
Os homens são preconceituosos aos seguidores de Cristo. Os que  seguem fielmente a Cristo passam uma repreensão nos modos dos que são do mundo, pelo seu testemunho de vida, e por isso são rejeitados e odiados.
Mas há outro grupo dentre os seguidores de Cristo, que por viverem debaixo de uma máscara de devoção, vivem na prática deliberada do pecado e assim geram outra forma de preconceito. Mas a religião de Cristo e o Seu evangelho ensinam tal tipo de procedimento destes que não santificam o nome de Deus? O Mestre deve ser considerado mau porque alguns dos seus discípulos são ruins?
Rejeitar o valor da santidade e da justiça de Deus por cuja rejeição Ele sujeitará os incrédulos a julgamento e a uma condenação eterna, e afirmar apenas a bondade e misericórdia de Deus como garantia de entrada no reino de glória é uma grande ilusão, e tem propiciado ao diabo poder enganar a muitos, que em vez de se deixarem persuadir pela Palavra que impõe o dever da santidade para se livrar da condenação futura, deixam-se enganar pela idéia anti-bíblica de uma salvação universal de todos os homens, por causa da misericórdia de Deus, apesar dEle ter revelado expressamente na Sua Palavra que o juízo será sem qualquer misericórdia. Quando não se crê na verdade da Palavra revelada pelo próprio Deus para se crer em ilusões criadas pelos próprios homens ou por inspiração de demônios, corre-se o risco de não se ter o devido temor de Deus e horror ao pecado, e não se buscar converter dos maus caminhos para viver em santidade de vida para Deus. Jesus morreu e ressuscitou e nos deu o dom do Espírito Santo para este propósito de purificar um povo zeloso de boas obras para Deus.
Os homens devem ser ajudados pelos servos de Deus a deixarem as suas ilusões e se voltarem para a verdade da Palavra, de maneira que sendo persuadidos pela verdade venham a se arrepender dos seus pecados e serem transformados em novas criaturas pela fé em Cristo, tendo sido justificados dos seus pecados, pela fé no Seu sangue.
Outra grande ilusão é a confiança nas riquezas e nas posições de glória e fama mundanas que são incertas e passageiras e nada podem realizar quanto à salvação da alma. As riquezas mundanas são usadas como armadilhas pelo diabo para trazer espíritos cobiçosos em escravidão. As riquezas são armadilhas douradas que mantêm os homens encarcerados na prisão do pecado. A rocha íngreme que conduz ao céu não pode ser escalada com o peso das riquezas amarrados em nossas pernas. O amor ao mundo (I João 2.15) prende nossas cabeças ligadas somente ao que é terreno e nos impede de pensar nas riquezas que são do céu. Josué pôde parar o curso do sol, mas não a cobiça de Acã. Dificilmente a fortaleza da cobiça pelas riquezas terrenas se deixará vencer pela persuasão da graça que se deve entesourar para a vida do céu. Quão dificilmente um rico entra no reino dos céus.
Há pecados que são tão queridos a uma pessoa que se livrar deles seria o mesmo que arrancar um olho ou um braço. E como seria muito dolorosa para eles tal separação do pecado eles preferem não entrar no reino e continuar acalentando aquele pecado específico que lhes é muito caro. Um rei para poder fugir do seu inimigo teve que se livrar da sua pesada coroa de ouro. De igual modo se o pecado que é tão caro e pesado para qualquer pessoa, se não for abandonado, acabará sendo o peso que a afundará no inferno e impedirá a sua subida para o reino do céu.
Se alguém não deseja perder o reino do céu deve dar atenção ao tipo de companhia que lhe agrada. Se é a má companhia como podemos continuar amando a Deus fazendo-nos íntimos daqueles que O odeiam? Paulo diz que não devemos evitar o contato com os incrédulos porque para isto seria necessário sair do mundo, mas nem por isso devemos escolher voluntariamente a má companhia (I Cor 5.10,11). O que fazem as pombas de Cristo entre as aves de rapina? O que fazem as virgens entre as meretrizes? Se a armadura brilhante for encostada na armadura enferrujada, a armadura brilhante não fará brilhar a enferrujada, mas esta deteriorará a armadura brilhante. O mal corromperá o bem mais rápido que o bem converterá o mal. Há um estranho poder atraente na companhia má para corromper e envenenar as melhores disposições. Lance uma bola de fogo na neve, e o fogo será extinto. Assim, também entre os ímpios o fervor será perdido.
 Depois disto, aquele que antes tinha o seu olhar e coração no céu, começará a ser desencorajado e gradualmente cairá da graça. E deste modo, tudo que dantes ele prezava na sua comunhão com Deus ele passará a desprezar aos poucos, até chegar ao ponto de se desgostar e odiar o seu procedimento sóbrio que tinha anteriormente. Ele passará a ser um Ismael que zombará dos Isaques de Deus, porque a liberdade deles lhes custa a obediência ao Senhor.
Se alguém não deseja perder o reino do céu não deve permitir ser dirigido pela carne. A carne é um inimigo que está dentro do castelo e que se encontra bem armado para destruí-lo. A carne é um mau conselheiro e procura insistentemente nos afastar do caminho de Deus e da Sua presença.  A carne se ufana da sua relação íntima carnal para protestar direitos diante de Deus, mas Jesus diz que aquele que amar mais a seus familiares do que a Ele, não é digno dEle, em outras palavras, se alguém rejeita a santidade de Deus por insinuação de algum parente próximo, não pense que com isto estará sendo desculpado pelo Senhor, porque importa agradar a Deus e desagradar a tal parente que procura nos afastar da Sua presença, pelo caminho de tentar impedir a nossa consagração e santificação. Uma esposa no seio pode ser um tentador. A esposa de Jó era assim (Jó 2.9). Ela o confrontou indagando de que havia adiantado ele ter servido a Deus em integridade? Onde estavam os salários que segundo ela eram devidos a Jó por Deus? Assim ela sugeriu por inspiração do diabo que Jó renunciasse ao seu Deus, que se livrasse dEle de uma vez para sempre. Aqui estava uma tentação que foi entregue a ele pela sua própria esposa. A mulher foi feita da costela, mas o diabo transformou esta costela numa seta para atirá-la no coração de Jó, mas a fé do patriarca extinguiu o fogo do dardo ígneo do diabo. Precavenha-se portanto de relações familiares. Não é por serem familiares que estarão necessariamente do lado da justiça e da verdade, enfim de Deus e da Sua Palavra. A família do próprio Cristo tentou infamá-lo dizendo que estava louco, e tentaram prendê-lo. O diabo sempre procurará atuar especialmente através das pessoas que nos são mais queridas para tentar nos dissuadir da nossa perseverança no caminho da verdade. Ele apelará aos nossos afetos como fez com Eva em relação a Adão no Éden. Jerônimo disse que se o seu pai tentasse persuadi-lo a negar a Cristo, ou se sua mãe o tentasse por acalentá-lo no seu seio, ou mesmo sua esposa através do encanto dos seus abraços, ele abandonaria tudo e voaria para Cristo.        
Precavenha-se da apostasia e saiba que há muitos perigos, tentações e armadilhas no caminho que conduz ao reino do céu. Quem pensa estar de pé veja que não caia para não perder o seu galardão. Aquele que perde o prêmio da sua vocação por naufragar na fé não pode vir ao porto da glória.
Tertuliano disse que parece que o apóstata coloca Deus e Satanás numa balança, e tendo pesado ambos os seus serviços, prefere o serviço do diabo, e proclama ser ele o melhor mestre, e deste modo expõe Cristo à vergonha (Hb 6.6).
Então aqueles que desejam ter a firme certeza de que estarão no reino da glória devem abandonar toda sugestão do ego em justiça própria, e se exercitarem de fato em auto-negação conforme lhes é ordenado por Jesus. Nós temos que nos precaver contra a justiça própria (Fp 3.9). A justificação da graça que é somente pela fé, e que garante a entrada no reino da glória, nada tem a ver com civilidade ou moralidade, mas com santidade operada pelo Espírito Santo mediante aplicação da Palavra de Deus.
A civilidade e a moralidade são uma estrada boa para caminharmos entre os homens, mas é uma escada imprópria para subir ao céu.
Nós devemos negar nossas boas obras quanto ao que diz respeito à justificação. Nós devemos negar toda justiça nascida do ego e confiar inteiramente em Cristo.
E devemos adquirir uma amor pelo céu. O amor põe o homem em ação para obtenção do objeto amado. E se exige um grande amor pelo céu para lutarmos para a obtenção do seu reino. Se for revelado a nós pelo Espírito o valor infinito da pérola da salvação, nós tudo faremos para obter esta pérola. O céu é um lugar de descanso e alegria, é um paraíso, e nós não o amaremos? Ame o céu e você não o perderá. O amor vence toda oposição e nos faz caminhar na tempestade. Embora lute nunca cairá cansado.
Nós não podemos esquecer que somos comerciantes da pérola de grande preço e que isto demanda de nós total empenho no serviço de Deus porque é para Ele que estamos neste negócio espiritual. Nossas melhores horas são aquelas que gastamos no serviço de Deus. É fazendo assim que se conquista o reino do céu por esforço.
Nós devemos fazer o voto sagrado de que caminharemos mais próximo do Senhor e que procuraremos estar compromissados com os interesses do céu mais vigorosamente. O voto liga o votante ao dever, e ele olha para o voto como uma obrigação que ele tem para com Deus. Neste sentido muito ajuda para que o corpo de Cristo seja saudável que sejam feitos votos de consagração por todos os crentes, em conjunto. Estas amarras da consciência lhes ajudará no cumprimento do Seu dever para com o Senhor, e não permitirá que os objetivos voltados para a sua santificação sejam dispersados.
Mas devemos fazer também votos individuais, assim como Jó que fez uma aliança com os seus próprios olhos para não contemplar o mal (Jó 31.1). A entrada de muitas cobiças vem pelo olhar, tal como Eva cobiçou o fruto proibido no Éden. Primeiro ela olhou, e então cobiçou. O olho ao ver um objeto impuro coloca o coração em chamas, e o diabo rasteja freqüentemente na janela dos olhos. Portanto, vigie seus olhos.
Vigie também seus ouvidos. Muito veneno é carregado pelo ouvido. Deixe seu ouvido estar aberto para Deus, mas fechado para o pecado. Não aplique seu coração em considerar tudo o que você ouve. Satanás usa a estratégia de nos desencorajar, intimidar, entristecer, irar etc, pelas notícias que nos transmite por aqueles que usa como seus instrumentos. Saiba que tudo está debaixo do controle de Deus, e se o seu propósito é perseverar em santidade Ele não permitirá que você seja paralisado pelas mentiras e injúrias do diabo.
Vigiem seus corações. Nós vigiamos pessoas suspeitas. O coração é enganoso (Jer 17.9). Vigie seu coração quando você estiver com coisas santas, para que não sejam roubadas pela vaidade.
Satanás traiu Cristo através de um apóstolo. Não sejamos portanto pessoas crédulas que dão crédito a todo que se proclama ministro de Deus. Avaliemos antes os seus frutos, porque pelo fruto se conhece a árvore.
Vigie seu coração na prosperidade porque quanto mais alto o homem sobe, mais o seu coração se eleva também em orgulho. Na prosperidade você não está apenas em risco de se esquecer de Deus, mas de levantar o seu calcanhar contra Ele (Dt 32.15).
É difícil carregar uma xícara cheia sem derramar, e também carregar uma prosperidade completa sem pecar.
Quando Cristo estava jejuando e orando o diabo o tentou. E assim, mesmo quando estamos usando nossa armadura espiritual Satanás nos ataca procurando nos ferir. Oh, se você adquiriu o céu, esteja então vigilante em sua torre de vigia, e mantenha um sentinela íntimo em suas almas.
Nunca se esqueça destas três graças que indubitavelmente conduzirão você ao reino divino:
1 – O conhecimento divino.  O conhecimento é a pira de fogo que vai adiante de nós e nos ilumina no reino divino.
2 – Fé que nos é dada para o fim da nossa salvação.
3 – Amor a Deus. O céu está preparado para aqueles que amam a Deus.
Cultivemos a sinceridade porque o crente sincero pode cair por falta em alguns graus da graça, mas ele nunca cairá do reino. Deus passará por cima de muitas quedas quando o coração está correto. Sinceridade significa simplicidade de coração, em quem o espírito não tem nenhuma malícia.
Nós somos sinceros quando servimos a Deus com o nosso coração, e quando não somente o adoramos, mas O amamos. O crente sincero, apesar de ter nele um princípio duplo, de carne e espírito, não tem um coração dobre, porque o coração dele é para Deus e Ele o serve e adora em espírito.
Há sinceridade quando tudo o que fazemos é para a glória de Deus.
Não é nenhuma formalidade, mas fervor que nos trará o céu. Aqueles que são mornos estão a ponto de serem vomitados da boca de Cristo. O formalista é como Efraim, um bolo que não foi virado, e assim está quente de um lado e frio do outro. No exterior, quando adora a Deus, parece estar quente, mas na parte espiritual que é no interior do coração, ele está frio. Elias foi elevado ao céu numa carruagem de fogo de zelo. É através de violência que o reino do céu é conquistado.
Se nós desejamos estar no reino divino, nós devemos prestar atenção aos movimentos do Espírito Santo em nossos corações. Movimentos para oração, para arrependimento, para santificação, para louvor, para serviço. Quando ouvirmos o som de uma marcha sobre a copa das amoreiras nós devemos nos apressar para seguir a Deus que tem saído adiante de nós. Assim, quando nós ouvirmos dentro de nós uma voz nos inspirando secretamente para que nos mexamos ao exercício dos nossos deveres, nós devemos nos mover e obedecer o Espírito. Enquanto o Espírito trabalhar em nós, nós deveríamos trabalhar com o Espírito.
Muitos não se movem com estes movimentos do Espírito e assim o entristecem, e o Espírito retira a Sua ajuda. O Espírito é comparado ao fogo, e assim, se nós negligenciamos e resistimos aos seus movimentos nós apagamos o Seu fogo santo. É o Espírito que traz o céu aos nossos corações, e como poderemos ter isto apagando o seu fogo?
Nós conquistamos o reino do céu por uma obediência alegre e constante. A obediência é a estrada pela qual nós viajamos rumo ao céu. Muitos dizem que amam a Deus, mas se recusam a obedecê-lo. Aquele que ama o rei despreza as suas ordens?
A obediência deve ser constante e nos conduzir ao objetivo de Deus. Se um homem deve viajar cem quilômetros para chegar a uma cidade e desistir de prosseguir depois de ter percorrido 99 quilômetros, poderá se dizer dele que cumpriu mesmo em parte o seu objetivo? Assim nós devemos ser obedientes a Deus em tudo e com constância, até que atinjamos o objetivo.
Somente santidade será admitida no céu. Somente o puro de coração verá a Deus (Mt 5.8). A santidade é o idioma do céu, é a única moeda que circulará lá. Esta consideração nos deveria levar a nos limparmos de toda imundície da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus (II Cor 7.1).
Nós devemos nos empenhar na santificação conhecendo a malicia implacável de Satanás. Ele inveja o fato de que nós teremos um reino enquanto ele estará excluído dele. Ele moverá então todos os poderes do inferno para nos impedir de estar no reino, e tudo fará para prevalecer contra alguns.
Que grande maravilha é esta que alguém persevere e chegue ao reino do céu! Que grande maravilha é que haja tal coisa como a perseverança. Esta perseverança dos santos é construída em três pilares imutáveis. 1 – No amor eterno de Deus (Jer 31.3);  2 -  Na aliança da graça (Jer 32.40); 3 - Na união dos crentes com Cristo, em que Ele é a cabeça e eles os membros do Seu corpo. Assim como é impossível separar o fermento da farinha depois que eles são incorporados, de igual modo não se pode mais separar um crente do amor de Deus que está em Cristo Jesus depois deles terem sido unidos um ao outro.
E o crente persevera pela ajuda do Espírito Santo. É o Espírito que mantém a essência e semente da graça e faz com que as faíscas da graça produzam uma chama santa. Ele é o óleo que queima em nossas lâmpadas.
Cristo causa a perseverança e faz com que um santo continue caminhando em direção ao reino divino por meio da Sua poderosa intercessão. Ele é tanto um Advogado quanto Protetor do Seu povo para que os santos cheguem em segurança no reino do céu.
 É ordenado aos crentes que busquem o reino de Deus em primeiro lugar. O reino deve ser buscado acima de qualquer outra coisa. Deus nos colocou no mundo para nos preparar para o reino do céu. Um barco não é construído para ficar atracado para sempre no cais. E um crente não é salvo para permanecer arraigado neste mundo, senão para ser guindado do mundo seguindo em sua viagem rumo ao céu. Quando os judeus rumavam de suas tribos para o templo em Jerusalém eles tinham muitos atrativos no meio da caminhada, mas nada lhes desviava do alvo de chegarem à cidade querida. De igual modo um crente não deve permitir ser desviado pelos muitos atrativos do mundo em sua peregrinação rumo à Jerusalém celestial.
O que dará o homem pelo resgate da sua alma? O que dará em troca do reino do céu? Quão sublime e maravilhoso é aquele lugar onde a beleza da santidade de Deus brilha adiante dEle na Sua imensa glória, que excede toda a compreensão? Quão insensato é viver atribuindo maior valor às coisas deste mundo do que ao reino do céu. Por um reino glorioso como o do céu todo empenho e sofrimento terá valido à pena. Nenhuma tribulação sofrida por amor a ele terá sido tão grande que possa ser comparada com a glória do reino por ser revelada. Então devemos orar “venha o teu reino”.
Nós devemos nos preparar para o reino e ter a certeza de ter alcançado o reino divino porque o tempo de nossa vida neste mundo é curto e incerto. Não podemos saber se estaremos aqui na próxima semana. Quando o corpo morre a alma voa para a eternidade, e somente os que foram justificados, regenerados e santificados podem ter a certeza de que irão habitar no céu. Nenhuma decisão para se receber a Cristo como Salvador e Senhor não deve portanto jamais ser adiada, e uma vez tendo sido convencidos pelo Espírito dos nossos pecados e da necessidade de arrependimento e fé em Cristo para sermos perdoados, devemos fazê-lo no dia que se chama Hoje. Não devemos ser negligentes de modo a deixarmos que o reino do céu fuja de nós. A vida que temos no corpo é enganosa antes de termos a Cristo como Salvador, porque não é efetivamente vida, mas morte em delitos e pecados, morte espiritual que depois da nossa saída do mundo se transformará em morte eterna, e isto significa separação eterna de Deus no sofrimento eterno do inferno. Que nos empenhemos então para encontrar a vida abundante que está em Cristo pela morte da morte na Sua morte.  Se os crentes estavam mortos e morreram para a morte na sua identificação com a morte de Cristo, eles alcançaram vida eterna, e são parte agora de uma nova criação na qual a luz de Cristo brilhou em seus corações pela iluminação do Espírito Santo que lhes deu o verdadeiro conhecimento de Deus pela expulsão das trevas da ignorância em que se encontravam.
Mas estando agora no reino da luz do Senhor as trevas e vazio que havia no abismo dos seus corações foram dispersados porque o coração foi iluminado quando Deus ordenou que houvesse luz nesta nova criação espiritual; quando o Espírito Santo brilhou iluminando aqueles que estavam nas trevas do pecado, para serem livrados das trevas espirituais para poderem conhecer a Deus. Em Rom 6.6-11 se diz que estamos crucificados juntamente com Cristo e devemos nos considerar mortos para o pecado, mas vivos para Deus na nossa identificação com Jesus. Mortos em Cristo fomos transportados por Deus para um novo plano de vida no qual devemos viver. Para Deus estamos mortos, morremos para o pecado, para o mundo, para os desejos apaixonados da alma, e vivemos no plano espiritual da vida operada pelo Espírito Santo. Assim morremos em Cristo para vivermos em novidade de vida. Em Cristo morremos para o pecado, para o mundo, para vivermos em santidade, na luz, no amor de Deus. Estamos mortos com Cristo aos olhos de Deus e assim devemos nos considerar para podermos participar da Sua vida.
Se este novo plano de vida ao qual fomos chamados a viver e no qual viveremos para sempre, é espiritual, como podemos nos desviar do alvo dando somente atenção àquilo que é terreno e passageiro? Como desprezaríamos o tesouro celestial por colocarmos nosso coração nos tesouros terrenos?
Cristo providenciou tudo o que é necessário para ganharmos o reino do céu. E se exige de nós tão somente fé na obra que Ele realizou em nosso favor. Como poderão então ser desculpados por Deus aqueles que vierem a perder o reino uma vez que não lhes está sendo oferecido com base na capacidade deles senão pela fé de pedirem a Deus que o Seu reino venha a eles? A fé em Cristo e nada além dela dará a garantia de entrada no reino. A fé genuína anda de mãos dadas com o arrependimento, porque a fé verdadeira é aquela que reconhece o valor da morte de Jesus por nós e a nossa identificação com a Sua morte para sermos livrados da ira de Deus em relação aos nossos pecados; porque a descarregou no Seu próprio Filho, para que fôssemos livrados dela, pela nossa identificação com Ele pela fé.
 A esperança da colheita faz com que o agricultor semeie. A esperança da vitória faz o soldado guerrear. E a esperança da glória do reino do céu faz o crente se empenhar por ela. E quanto mais um crente trabalhar pelo reino maior grau de glória ele terá; porque Deus recompensará a cada um segundo as suas obras. Se nós fôssemos arrebatados ao terceiro céu por alguns momentos e depois retornássemos à terra, nós trabalharíamos muito mais para Cristo, nós oraríamos com maior devoção e zelo, para ter uma maior recompensa no céu. E enquanto estivermos trabalhando em prol do reino do céu, Deus nos ajudará através do Seu Espírito.
Quanto mais dores nós sofrermos por causa do reino de Deus e da Sua justiça, mais doce será o céu para nós quando formos para lá.
A guirlanda da glória deve ser ganha através de luta e trabalho antes que nós a possamos usar em triunfo. Por isso as promessas do Senhor relativas ao galardão são introduzidas no Apocalipse por: “Ao que vencer eu darei...”. E só pode vencer quem lutar e trabalhar para isto. Por isso é importante remir o tempo e se entregar totalmente à prática das boas obras que Deus preparou de antemão para que andássemos nelas. Se na parte anterior da nossa vida fomos como salgueiros estéreis em bondade, sejamos na parte posterior como um pomar de romãs com frutos agradáveis.
O céu não é uma colméia para zangões inativos e improdutivos.  A ociosidade nos expõe às tentações do diabo. Água parada apodrece. Se os atletas correm nos estádios por uma coroa de louros, nós não correríamos a carreira espiritual que nos está proposta por um reino? O trabalho é adornado com honra.
É uma grande misericórdia que há uma possibilidade de felicidade, e que em nossa diligência nós podemos ter um reino.
Se você tiver esperança deste reino santo, ore freqüentemente para a sua vinda dizendo “venha o teu reino.”.
Mas devemos estar contentes como Paulo em ficar algum tempo fora do céu para que possamos conduzir outros para lá (Fp 1.24).
Enquanto nós esperamos pelo reino, nossa graça está aumentando. Todo dever executado pela graça acrescenta uma jóia à nossa coroa. Em todos os seus sofrimentos o verdadeiro santo é herdeiro da cruz. Mas os sofrimentos dos crente não podem fazer com que ele desfaleça porque os seus sofrimentos lhe trarão um reino.
Se sofrermos com Cristo, também com Ele reinaremos (II Tim 2.12). A luta é curta mas o triunfo será eterno. Este sofrimento passageiro produz um peso eterno de glória (II Cor 4.17).
Os sofrimentos deste tempo presente não podem ser comparados à glória a ser revelada em nós (Rom 8.18).
A própria morte nos trará uma coroa de glória. O dia da morte de um crente é melhor que o dia do seu nascimento. A morte de um crente é a sua entrada numa eternidade de glória. Quando o crente ouvir o som das rodas da carruagem da morte vindo buscá-lo, ele não temerá, mas se alegrará de saber que será levado para casa, para um reino eterno.


A Terceira Petição na Oração do Senhor

Por Thomas Watson (adaptado)
“Faça-se a tua vontade, assim na terra  como no céu.” - Mateus 6: 10

O que significa vontade de Deus?
Primeiro a vontade de Deus que está em segredo e que não pode ser conhecida, e que se encontra presa à sua própria essência, e que nenhum homem ou anjo pode conhecer. Em segundo lugar significa a vontade de Deus que Ele revelou. Esta vontade está registrada na Bíblia.
Por que nós oramos seja feita a tua vontade?
Nós oramos por duas razões: primeiro para uma obediência ativa em que nós fazemos aquilo que Deus nos ordena; e segundo para uma obediência passiva, pela qual nós nos submetemos voluntária e pacientemente às circunstâncias e condições a que Deus nos inflige ou sujeita.
Mas antes de obedecer a Deus nós temos que conhecer a Sua vontade. O conhecimento é o olho que dirige o pé da obediência.
Entretanto, o conhecimento que não  se traduz em obediência não é de qualquer valor (I Cor 13.2). Ter somente o conhecimento da vontade de Deus e nada mais, é ineficaz porque não torna melhor o coração. O conhecimento isolado é como o sol de inverno que não tem calor suficiente para aquecer os afetos ou purificar a consciência. Judas teve uma grande iluminação e conheceu a vontade de Deus, mas era um traidor.
O conhecer sem o praticar fará o inferno mais quente. Aquele que conheceu a vontade de Deus e não a praticou será castigado com muitos açoites (Lc 12.47). Assim o grande conhecimento de um tal homem como este será como uma tocha para iluminar o inferno. E em que tal pessoa superará o diabo que se transforma em anjo de luz? Assim é impróprio chamar de crentes aqueles que conhecem a vontade de Deus mas que não a praticam. Porque como podem os tais orarem dizendo seja feita a Tua vontade? Pois não se diz que seja apenas conhecida, conforme está implícito no mandamento, mas que seja feita.
O grande desígnio de Deus quando revelou a nós a Sua Palavra, foi para nos tornar praticantes da Sua vontade.
A Palavra de Deus não é somente uma regra de conhecimento mas de dever (Dt 26.16). A finalidade de todas as promessas de Deus é nos conduzir a fazer a Sua vontade. As promessas são o imã da obediência (Dt 11.27; 28.1,3). .
O querubim e a espada flamejante têm o propósito de nos intimidar em relação ao pecado, e nos tornar praticantes da vontade de Deus.
Os desobedientes estão debaixo de maldição (Dt 11.28; Sl 68.21). E aqueles que foram destruídos pela sua desobediência foram colocados como exemplos na Bíblia para que não sigamos as suas pegadas, de maneira a não ficarmos sujeitos aos mesmos juízos..
É fazendo a vontade de Deus que nós comprovamos a nossa sinceridade em servi-lo.
Jesus disse que eram as obras que Ele fazia que davam testemunho dEle (João 10.25).
Não é com belas palavras que damos testemunho da nossa sinceridade, mas com nossas obras. Nós conhecemos a saúde e vida de uma pessoa pela pulsação do sangue em seu braço. Assim a integridade de um crente não será medida pela sua profissão, mas pela sua ação em fazer a vontade de Deus. Este é o melhor certificado e atestado de que estamos de fato indo para o céu.
É da vontade de Deus que se propague o evangelho. Fazemos a vontade de Deus quando mostramos nosso amor a Cristo, e demonstramos o nosso amor por Ele guardando os Seus mandamentos (João 14.21). Assim é algo vão alguém dizer que ama a pessoa de Cristo ao mesmo tempo que despreza os Seus mandamentos.
Nós dizemos seja feita a tua vontade mas ainda não obedecemos os Seus mandamentos? Nós estamos então procedendo de modo contrário ao que pedimos em nossa oração, porque dizemos: “Seja feita a Ta vontade”.
Se não obedecermos a Deus nós estaremos resistindo a Ele e acaso somos mais fortes do que Ele? (I Cor 10.22).
É insensato não fazer a vontade  de Deus porque fazendo isto nós estaremos fazendo a vontade do diabo. E não é loucura satisfazer um inimigo e fazer a vontade de quem procura a nossa ruína?
Aqueles que têm por pai ao diabo não podem fazer senão à vontade do pai deles (João 8.44). Quando um homem mente ele não está fazendo a vontade do diabo? “Ananias, por que Satanás encheu o teu coração para mentir ao Espírito Santo?” (At 5.3).
Opor-se à vontade de Deus é colocar-se debaixo da condição descrita por Paulo em II Tes 1.7-9 quando Jesus voltar para tomar vingança dos que não conhecem a Deus e que não obedecem o evangelho:
“7 E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder,
8 Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo;
9 Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder,”  (II Tes 1.7,8).
Obedecer a Deus é um dever.
“Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; e andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos vá bem.”  (Jer 7.23).
Fazer a vontade de Deus é para nossa honra. Não é uma honra que um Rei fale conosco e que nos confie a Sua vontade para ser feita? Os mandamentos de Deus não nos sobrecarregam mas nos adornam.
Fazer a vontade na terra nos torna semelhantes a Cristo no Seu ministério terreno, porque o que estamos fazendo é dar prosseguimento à Sua obra. E a oração que Jesus dirigiu ao Pai quando retornaria ao céu não foi para que fôssemos como Ele? E Jesus não veio ao mundo para fazer a Sua própria vontade mas a dAquele que O enviou (João 6.38) e fazer isto era o Seu alimento (João 4.34). .
Aquele que faz a vontade de Deus torna-se tal como um parente consangüíneo de Cristo (Mt 12.50).
Fazer a vontade de Deus na terra traz paz na vida e na morte.
Nós fazemos a vontade de Deus de maneira aceitável a Ele quando nós o servimos com um princípio renovado de graça. Uma árvore que não seja frutífera pode ser tão saudável quanto uma frutífera, mas não pode dar frutos, porque o princípio que opera na raiz não lhe dá tal capacidade.  Assim uma pessoa não regenerada não pode produzir os mesmos frutos de um filho de Deus, porque não está enxertada na raiz da graça.
 O princípio interno da obediência é fé, e por isso se diz obediência da fé (Rom 16.26). A fé olha para Cristo em todo dever e toca a orla das Suas vestes, e é por meio de Cristo que tanto as pessoas dos crentes e suas ofertas são aceitáveis a Deus (Ef 1.6).
Nós fazemos a vontade de Deus na terra assim como os anjos fazem a Sua vontade no céu, quando nós fazemos isto regularmente, e andamos de acordo com as instituições divinas e não conforme as tradições dos homens.
Os anjos nada fazem além de atenderem aos comandos de Deus, e eles não foram criados para cerimônias. E o estatuto que vale para os anjos no céu é o mesmo estatuto que existe para nós na terra, a saber a Sua Palavra revelada. E nós temos que observar este estatuto divino exatamente. Se o relógio não for fiel em seu trabalho de marcar as horas, para nada serve. De igual modo nós temos que trabalhar de acordo com o padrão que Deus estabeleceu para nós (Ex 25.40).
Quão severamente Deus castigou Nadabe e Abiú por terem oferecido fogo estranho no altar (Lev 10.2), isto é, que não atendia às Suas ordenanças divinas.
 Tudo que não estiver em conformidade com o padrão divino é fogo estranho.
Muitos pensam que podem adorar a Deus a seu próprio modo como que se Deus não fosse poderoso, capaz e sábio o bastante para fixar o modo pelo qual convém ser adorado.
A vontade de Deus deve ser obedecida na terra do mesmo modo absoluto que é obedecida pelos anjos no céu, e daí a nossa oração deve ser “seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”, isto é, que ela seja feita na terra do mesmo modo que é feita no céu. E não podemos conceber Deus sendo obedecido parcialmente pelos anjos tanto no que eles devem ser moralmente em essência em seus seres, quanto no que diz respeito à obediência às ordens que Deus lhes dá, particularmente as que se referem à ministração que devem fazer em favor dos crentes (Hb 1.14).
Deus disse de Davi ser alguém que era segundo o seu coração, e declarou o motivo disto: porque ele faria toda a Sua vontade (At 13.22).
Todo mandamento de Deus tem a mesma autoridade e se nós fizermos a vontade de Deus corretamente nós o faremos uniformemente, obedecendo todas as partes da Sua vontade.
Assim é hipocrisia fazer apenas parte da vontade de Deus. Alguns oram, mas não dizimam e ofertam; alguns ouvem a Palavra mas não perdoam e amam seus inimigos; outros participam da ceia do Senhor mas não fazem restituição; alguns ensinam o evangelho mas falam contra o sustento financeiro dos seus pastores. Como podem ser chamados de santos obedientes?
Contudo quem é suficiente para fazer toda a vontade de Deus?
Embora nós não possamos fazer toda a Sua vontade legalmente falando, isto é, por obediência perfeita a toda a lei e em todo o tempo, nós podemos fazê-lo em sentido evangélico que consiste no seguinte:
Quando nós lamentamos em não poder fazer a vontade de Deus de maneira melhor e mais efetiva; quando lamentamos quando falhamos (Rom 7.24); quando o desejo da nossa alma é fazer toda a vontade de Deus (Sl 119.5). Aquilo que falta a um filho de Deus em força ele compensa fazendo as pazes com toda a sua diligência. Nós também fazemos a vontade de Deus em sentido evangélico, que é o único modo de fazê-la enquanto neste mundo, quando nós nos esforçamos para fazer o melhor segundo a nossa medida de fé e capacidade, porque embora o melhor dos nossos esforços seja como os rabiscos de um desenho de uma criancinha para o seu pai, Deus não terá em conta a plena satisfação mas a aceitação, e certamente aceitará o nosso esforço como cumprimento da Sua vontade.
Nós fazemos a vontade de Deus na terra assim como ela é feita pelos anjos no céu quando nós fazemos isto sinceramente. E fazer a vontade de Deus com sinceridade consiste basicamente em duas coisas: primeiro fazer a Sua vontade externamente com um respeito verdadeiro pelos Seus mandamentos. E esta sinceridade será testada por Deus em exigências que demandarão de nós que demos um testemunho externo da nossa fé a outros, assim como Abraão que se dispôs a sacrificar o próprio filho, por ter-lhe sido ordenado pelo Senhor. E tal como ele, mesmo na execução de deveres ordenados por Deus, que não nos tragam qualquer alegria ou conforto para a sua execução, no entanto só haverá sinceridade em nossa obediência à Sua vontade se executarmos de fato tudo o que nos for ordenado.
Assim como Neemias que foi incansável em conduzir os judeus ao cumprimento das exigências da lei do Senhor, debaixo das circunstâncias mais adversas que se possa imaginar. Aquele dever foi certamente doloroso para ele, mas ele fez tudo por amor sincero à vontade do Senhor. O ministério do evangelho não exige de nós somente adoração e oração, mas também ações, pois nos é ordenado não amarmos apenas de língua mas de fato e de verdade, de maneira que devemos realizar todas as ações necessárias para demonstrar o nosso amor a Deus e ao próximo. Por exemplo, o sustento dos que são verdadeiramente necessitados e dos ministros do evangelho é um dever para ser realizado pela igreja, e como podem os crentes afirmarem que têm obedecido a Deus se são negligentes quanto a isto?    
Se os filhos afirmam que são obedientes mas não atendem e não executam o que lhes é ordenado por seus pais, que obediência é essa que eles alegam ter?
As mulheres que não honram, que não respeitam, que não ouvem os seus próprios maridos, como podem afirmar que estão cumprindo o dever que Deus lhes impôs de serem submissas a eles?
Um dever não deve ser cumprido porque nos seja agradável, mas porque se requer que a vontade de Deus seja feita na terra, assim como é feita no céu. É porque Deus tem ordenado que nós devemos obedecer e não porque achemos sensato, razoável, agradável ou seja o que for.
Em segundo lugar, fazer a vontade de Deus com sinceridade, é tudo fazer para a exclusiva glória dEle (I Pe 4.11). Os fariseus faziam tudo para a própria glória deles. Jeú executou as ordens de Deus em relação aos adoradores de Baal, mas como ele o fez não para a glória de Deus, Deus olhou aquilo que ele fez como um assassinato e prometeu que vingaria o sangue de Jezreel na casa de Jeú (Os 1.4).
Como Amazias nós podemos fazer aquilo que é correto à vista de Deus, mas não com inteireza de coração (II Crôn 25.2). Nisto também erram aqueles que dizimam e ofertam na casa de Deus, apenas como que por obrigação, e não de forma voluntária e com alegria.
Nós fazemos a vontade de Deus na terra como os anjos a fazem no céu, quando nós a fazemos de boa vontade, sem murmurações. Os anjos amam fazer a vontade de Deus e o céu para eles é fazer esta vontade. Há um senso que existe em todos os seres morais que é o desejo de se sentir útil, e não há maior maneira de se satisfazer tal desejo de se sentir útil do que fazer a vontade de Deus, porque não há uma maior e melhor maneira de viver com utilidade.
Jesus nos deixou o exemplo do sentido da vida revelando-nos que não veio para ser servido mas para servir. Daí se dizer que aquele que não vive para servir, não serve para viver, porque o sentido da vida está no serviço a Deus e ao próximo. No entanto, este serviço é verdadeiramente útil e eficaz quando é segundo a vontade de Deus.
Esta utilidade em servir demandará na maioria das vezes fazer a vontade de Deus contrariando a nossa própria vontade. O cansaço, a indisposição e o medo deverão ser vencidos muitas vezes para que se possa fazer a vontade do Senhor. Ele não nos requisitará para o Seu serviço se estivermos desocupados ou pensando em conforto e repouso. O nosso lugar de descanso não é neste mundo, e enquanto estivermos aqui temos muito a fazer para o Senhor com canseiras e com o suor do rosto, porque isto nos está imposto.
Agora, o fato de ter que contrariar a nossa própria vontade para fazer a de Deus, e ter que fazer isto muitas vezes em desconfortos e canseiras, não significa que podemos fazer a vontade de Deus se nos faltar amor, fervor e alegria na execução de tudo o que fizermos para Ele (Rom 12.11,12).
Nossa obediência deve ser como o fogo do altar que nunca podia apagar (Lev 6.13).
Nós devemos continuar fazendo a vontade de Deus com constância por causa da grande perda que nos acontecerá se nós não a fizermos. Se a Igreja de Filadélfia deixasse a sua obediência ela perderia a sua coroa e honra (Apo 3.2). A apostasia cria infâmia. Se nós não retivermos a nossa obediência nós perderemos tudo o que nós ganhamos até então. Todas as orações terão sido perdidas, todo o louvor e adoração que foram feitas no Dia do Senhor (domingo), e todas as nossas boas obras. Toda a retidão que tivermos tido até a nossa apostasia não será mencionada (Ez 18.24). E no caso de não eleitos a condição deles será como a que é citada em II Pe 2.21 de que seria melhor que não tivessem conhecido o caminho da justiça.
A constância fixa a coroa da obediência na cabeça.
“Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.”  (Apo 3.11).
“Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão.”  (II João 8).
Sabendo que não temos nenhum poder inato em nós mesmos para fazer a vontade de Deus, nós devemos orar seja feita a Tua vontade. Porque oraríamos para que seja feita a vontade de Deus se nós pudéssemos fazê-la pelo nosso próprio poder?
Se nós temos que fazer a vontade de Deus na terra assim como ela é feita no céu pelos anjos, nós devemos então ter nos anjos o modelo da nossa obediência à vontade de Deus, e não no nosso próximo. Se o nosso próximo for para o inferno nós também devemos segui-lo? Se eles vivem dentro de uma obediência deliberadamente imperfeita, nós seguiremos o exemplo deles? Por isso o nosso padrão não está fixado no homem mas nos anjos, quanto ao modo que eles se dispõem a atender os comandos de Deus. Mas sabemos que uma obediência perfeita como a dos anjos nós poderemos ter somente no céu. Mas o Senhor fixou o objetivo da perfeição em todas as coisas para ser buscado por nós, de maneira que sejamos perfeitos tal como o nosso Pai celestial é perfeito.
Aqueles que se ajoelham na igreja e oram dizendo “seja feita a tua vontade” mas que não vivem para obedecer a Palavra de Deus são hipócritas e rebeldes, e a rebelião é como o pecado de feitiçaria.
E há aqueles que não fazem a vontade de Deus de uma maneira aceitável e correta. Eles não fazem a vontade de Deus completamente. Eles o obedecerão em algumas coisas, mas não em outras, como se um empregado devesse fazer algum trabalho para o seu senhor e não se dispusesse a fazê-lo completamente. Jeú destruiu a idolatria de Baal mas manteve a adoração dos bezerros de ouro de Jeroboão (II Rs 10.28,29). Alguns proclamam grande amor a Deus com a boca, como se tivessem sido tocados com uma brasa do altar do Senhor, mas vivem de maneira vã e desordenada (II Tes 3.11). Viver pela fé e segundo a Palavra tem que caminhar junto. E é algo ruim não fazer toda a vontade de Deus. Estes que não se dispõem a obedecer a Deus em tudo, praticando toda a Sua Palavra, serão achados vivendo na carne, ainda que desejem ser crentes espirituais. Como as orações, conversação e ações deles poderão estar em conformidade com a vontade de Deus quando não se dispõem a obedecê-lo em tudo que lhes tem ordenado? Eles trazem os seus sacrifícios ao altar mas não os seus corações. E assim estão longe de fazer a vontade de Deus como a fazem os anjos.
Se nós queremos realmente ser abençoados por Deus nós devemos fazer a Sua vontade. Ele fez várias promessas na Sua Palavra de abençoar aqueles que fazem a Sua vontade. Esta é a única maneira de termos uma boa colheita. Assim se desejamos ter nossas almas abençoadas nós devemos fazer a vontade de Deus.
Assim, fazer a vontade de Deus é o modo correto de fazer a nossa própria vontade.
 Para fazer a vontade de Deus corretamente nós devemos adquirir um conhecimento são, e este conhecimento é somente segundo aquele que está revelado na Sua Palavra.
Cristo afirmou que erramos quando não conhecemos as Escrituras e o poder de Deus (Mt 22.29). Nós temos assim que conhecer a vontade de Deus antes que possamos fazê-la corretamente.
Para fazer a vontade de Deus é necessário que neguemos o nosso ego. A menos que neguemos nossa própria vontade, nós nunca faremos a vontade de Deus. Porque a vontade dEle não se baseia nos nossos  sentimentos, emoções, pensamentos daquilo que julgamos bom e correto, mas naquilo que está revelado por Ele na Sua Palavra.
Deus nos ordena que nos consideremos mortos, crucificados, para o pecado e para aquilo que o mundo ama. Ele nos chama a perdoar nossos inimigos. E a nossa natureza terrena vai na direção contrária a isto. No entanto, se não nos contrariarmos, nós nunca faremos a Sua vontade completamente porque não receberemos da Sua parte graça e poder para fazê-lo, que Ele concede somente àqueles que se dispõem a obedecê-lo.
Não será considerado justiça (Dt 24.13) para nós o fato de sermos louvados pelos homens, sermos considerados agradáveis a eles, nas mesmas bases em que o foram os escribas e fariseus, mas por conduzirmos pessoas à salvação que está em Cristo Jesus. Importa pois viver e pregar a verdade do evangelho, resgatando pessoas das trevas para a luz. Estes serão aqueles que nos receberão na condição de amigos, por toda a eternidade, nos tabernáculos celestiais.
Não há verdadeira e permanente amizade onde não forem estabelecidos os laços de amor de Cristo fundamentados na verdade, pelo interesse comum de fazer avançar o Seu reino na terra, por uma estrita obediência a toda a vontade de Deus.
Por isso devemos adquirir corações humildes. O orgulho é a fonte da desobediência. O filho humilde diz: “Senhor, o que tu queres que eu faça?”. Não podemos esquecer que não fomos criados e salvos para vivermos para nós mesmos mas para Aquele que morreu e se entregou por nós. E este viver para Ele implica obedecer em tudo a Sua vontade.  
Rogue a Deus para que lhe dê graça e força para fazer a Sua vontade. “Ensina-me a fazer a tua vontade” (Sl 143.10). É como se Davi tivesse dito: “Senhor, eu preciso ser ensinado a não fazer a minha própria vontade”.  E a resposta de Deus para este tipo de oração é: “E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis.”  (Ez 36.27). Se o Espírito Santo nos capacitar não será difícil, mas bastante agradável fazer a vontade de Deus. Mas, para isto, importa andar no Espírito de maneira constante e perseverante, e não apenas em determinadas ocasiões.
Nós devemos orar para que possamos ter graça para nos submeter ao Senhor pacientemente nas aflições através das quais Ele prova a nossa fé. Quando o crente fiel está debaixo de alguma providência aflitiva ele deve permanecer tranqüilamente aos pés do Senhor e dizer: “seja feita a Tua vontade”.
 Nós não devemos ser estóicos, isto é, insensíveis e desinteressados com os procedimentos de Deus, como os filhos de Deucalion, de quem dizem os poetas, foram procriados de uma pedra. Cristo era sensível e o demonstrou quando seu suor se transformou em grandes gotas de sangue (Lc 22.44), mas Ele se manteve submisso à vontade de Deus (Mt 26.39). Assim nós somos convocados a nos humilhar debaixo da potente mão de Deus (I Pe 5.6).
Um crente pode lamentar debaixo de uma aflição e ainda permanecer pacientemente submetido à vontade de Deus (Sl 142.1,2). Deus permite lágrimas porque é um pecado não ter afeto natural (Rom 1.31). A graça faz o coração se enternecer, e a aflição é despejada em lágrimas. Nós podemos nos queixar a Deus, mas não reclamar de Deus.
Deste modo é incompatível com a submissão paciente à vontade de Deus, estar descontente com a providência. O descontentamento carrega em si uma mistura de aflição e ira, e ambos criam uma tempestade de paixão na alma. Quando Deus toca a menina dos nossos olhos e nos golpeia naquilo que nós amamos, e nós ficamos sensíveis e mal-humorados, Ele não vê isto com bons olhos (Gên 4.6).
A murmuração não pode coexistir com submissão à vontade de Deus. A murmuração é um tipo de motim na alma contra Deus. “E o povo falou contra Deus...” (Nm 21.5).
Quando os homens não crêem que Deus pode produzir mel a partir do veneno que os aflige, eles murmuram. Eles murmuram contra Deus porque desconfiam das Suas promessas. E Deus tem muita dificuldade para suportar o pecado da murmuração (Nm 14.27), porque nos leva para longe da submissão à Sua vontade que tanto Lhe agrada.
 Descompostura de mente e de espírito não permitem uma submissão quieta à vontade de Deus, porque quando um crente se encontra perplexo e transtornado ele não pode ter uma melodia em seu coração para o Senhor. Estar debaixo de descompostura de mente é estar como quando um exército é derrotado, e a pessoa corre de um procedimento para outro até que tudo fica em desordem. O crente quando está com sua mente conturbada, os seus pensamentos ficam diluídos e distraídos para cima e para baixo, de maneira que ele não pode estar em submissão paciente à vontade de Deus.
Quando a pessoa se justifica em vez de se humilhar debaixo da mão de Deus, ela não pode estar submissa à vontade de Deus. Um pecador orgulhoso se levanta em sua própria defesa baseando-se em seus argumentos carnais tentando fazer prevalecer a sua própria vontade, contra a vontade revelada de Deus. Ele está pronto para acusar Deus de severo e injusto, quanto ao preço da renúncia que lhe exige para ser pago para poder fazer a Sua vontade (renúncia ao ego, com suas paixões e inclinações, por amizades e relacionamentos reprovados pela Palavra, comportamentos, atitudes, modos de vestir, beber, comer etc).
Nós podemos cultivar uma vontade submissa à vontade de Deus na aflição vendo a Sua mão em tudo que nos sucede; justificando Deus e não a nós mesmos porque tudo o que Ele faz é para o bem daqueles que O amam; e aceitando as Suas correções paternais e emendando os nossos caminhos.
Esta submissão paciente à vontade de Deus na aflição exige muita sabedoria, humildade e devoção. A habilidade de um piloto é melhor discernida na forma como ele vence uma tempestade. Submissão à vontade de Deus será muito requerido de nós enquanto vivermos neste mundo.  No céu não haverá mais nenhuma necessidade de paciência nas aflições porque elas simplesmente acabarão.
Mas enquanto neste mundo teremos muitas aflições porque importa entrar no reino do céu por meio de muitas tribulações (At 14.22). Deus derreterá o Seu povo num forno, porque Ele será pra eles como o fogo do ourives, para  purificar o seu ouro da escória do pecado que deve ser queimada (Mal 3.2,3).
Alguns serão afligidos com pobreza (II Rs 4.2). A pobreza é uma grande provação. Isto nos expõe a desprezo. Quando Deus atirar a seta da pobreza em alguém, outros estarão prontos a repeli-lo.
Às vezes Deus aflige com repreensão permitindo que seus filhos sejam injustamente acusados, como os crentes da Igreja Primitiva que foram acusados de incesto. Deus permite que os seus filhos amados sejam exercitados em santidade com isto. Sujeira pode ser lançada numa pérola, e aqueles nomes escritos no livro da vida podem ser manchados com infâmias e injúrias. A sinceridade protege do inferno, mas não da difamação.
Noutras ocasiões Deus nos aflige com a perda de entes queridos. E isto é como retirar um membro do nosso corpo.
Às vezes Deus aflige com fraqueza e enfermidades do corpo. A doença rouba o conforto da vida.
Deus submete o Seu povo a várias provações, de maneira que possa gerar a necessária paciência em se submeter à Sua vontade.
Às vezes Ele deixa a aflição continuar por um longo tempo (Sl 74.9). Como doenças crônicas que levam tempo para serem curadas, assim é este tipo de aflição. Em todos estes casos nós precisamos de paciência e submissão de espírito à vontade de Deus.
Em todas estas provações nós revelaremos o quanto é verdadeira a nossa oração “Seja feita a Tua vontade”, e o Senhor nos dá a oportunidade de conhecermos isto através destas provações, de maneira que Lhe peçamos mais fé e  aprendamos a nos submeter de fato e fazer a Sua vontade em toda e qualquer circunstância.
É melhor permanecer debaixo das aflições do que se voltar para busca de soluções que impliquem a prática do pecado ou ter que fazer concessões ao diabo para ser livrado delas.
Devemos lembrar que as aflições fazem com que permaneçamos em humildade, e um coração humilde é de grande valor para o uso de Deus.
O Senhor prometeu nos ajudar a suportar a aflição (Sl 34.24,39). Ele não permitirá que sejamos provados além das nossas forças e Ele mesmo providenciará o escape para nós no momento oportuno (I Cor 10.13). Ele deseja que aprendamos a confiar inteiramente na Sua fidelidade em nos proteger e guardar de todo o mal.
Devemos saber em todo o tempo que a vara de correção de Deus para com Seus filhos é uma vara de amor (Hb 12.6,7). Há bondade e misericórdia em toda aflição pela qual Ele nos faz passar. Por mais que doa em nós esta cirurgia profunda em nosso espírito, é para o nosso próprio bem, de modo a participarmos da Sua santidade.
Deus tem prometido estar conosco em todas as nossas dificuldades (Sl 91.5). Ele não as impedirá de acontecerem porque ficaríamos sem correção e sem transformação de nosso caráter. Mas nós temos a garantia da Sua presença para nos apoiar, santificar e adocicar toda aflição. É melhor estar na prisão com a presença de Deus, do que estar no palácio sem a mesma.
 A aflição traz à tona da recordação aqueles pecados que nós tínhamos enterrado na sepultura do esquecimento, de maneira que possamos confessá-los e sermos curados.
 A aflição também nos desperta e nos incita a clamar e a orar e assim nós somos encorajados a sermos mais fiéis neste dever da oração perseverante e incessante.
Talvez num tempo de saúde e prosperidade nós oramos de uma maneira fria e formal, nós não pusemos nenhuma brasa no incenso, então Deus envia alguma cruz para nos incitar a clamar com todo o fervor da nossa alma aflita.
A aflição nos torna mais sérios e menos dispersivos em relação às coisas de Deus. Nos tempos da prosperidade nós éramos descuidados e estávamos encantados com as atrações do mundo, mas na aflição nós vimos quanto importa remir o tempo e o quanto são passageiras e ilusórias todas as coisas que o mundo tem a nos oferecer. A aflição nos desmamará do mundo.  
Antes da aflição nós queríamos usar a fé e o evangelho para prosperar no mundo, segundo o mundo, mas depois de muitas aflições, nós entramos de fato no plano da novidade de vida do reino do céu, e fazemos um uso correto da fé e do evangelho para tão somente fazer a vontade de Deus e não a nossa própria vontade. Aprendemos por fim o sentido da oração “seja feita a Tua vontade”.
Mas a bondade de Deus é vista  na aflição. Quando for crepúsculo poderia ser mais escuro. O Senhor te podou? Mas Ele poderia ter-te cortado. Ele poderia fazer nossas cadeias mais pesadas. As águas da aflição estavam até os tornozelos? Ele poderia fazer com que estas águas subissem mais alto ou te submergir nas águas. Deus usa a vara da correção quando poderia usar o escorpião.
Você tem experimentado a ira dos homens? Muitos têm experimentado a ira de Deus. Nós somos hábeis em dizer que nunca ninguém sofreu tanto como nós. Mas não é bondade de Deus não nos tratar tão severamente como  a outros?
As aflições nos fazem conscientes da nossa própria fraqueza e mais dependentes da graça de Deus, de modo que juntamente com Paulo podemos aprender que o poder de Deus é aperfeiçoado na nossa fraqueza. Ele derrama mais do Seu Espírito naqueles que são mais contritos de coração. O fim da aflição não é portanto humilhação mas exaltação. Não é fraqueza, mas poder. Não podemos experimentar o poder da vida ressurrecta de Jesus a não ser por permanecermos mortos na cruz. A operação da cruz não é uma operação intelectual de conhecimento filosófico de que devemos nos auto-negar, mas uma operação vital que se manifesta em nós quando somos mortificados pelas aflições. Morremos com Cristo e somos ressuscitados em novidade de vida. Carregamos a cruz diariamente e o Espírito Santo manifesta em nosso viver o poder da vida abundante de Jesus.
O espinho na carne de Paulo também lhe preveniu do orgulho espiritual por ter sido arrebatado até o terceiro céu. De igual modo somos prevenidos de algum pecado quando passamos por aflições. Em algumas ocasiões a aflição é enviada para castigar o pecado e em outras para preveni-lo. Se Deus não providenciasse uma cerca viva de espinhos, os seus filhos não parariam a prática de determinados pecados. Deus permite que entremos em sofrimentos para prevenir a entrada em armadilhas, então podemos dizer com gratidão que “seja feita a Tua vontade.”.
Nós somos corrigidos por Deus no mundo para que não sejamos condenados eternamente com o mundo (I Cor 11.32). Um homem pode ser retido por espinheiros bravos na costa de um rio para não ser arrastado por sua correnteza. E assim Deus deixa que sejamos retidos pelos espinheiros bravos da aflição para que não sejamos arrastados e afogados pelo rio da perdição.
O mundo considera feliz quem consegue escapar da aflição mas feliz é o crente a quem Deus corrige. As aflições contribuem para a nossa felicidade porque elas são o meio de nos trazer para mais perto de Deus.
A prosperidade não nos puxa para perto de Deus como as cordas das aflições.
Enquanto o filho pródigo tinha riquezas e as dispersava ele estava esquecido de seu pai, mas quando entrou em aflição lembrou-se dele.
Não é melhor passar pela aflição para ser conduzido à glória do que viver em prazeres para ser conduzido à miséria? Não que as aflições sejam propriamente uma glória, mas elas nos preparam para isto. Então vale muito a pena orar: “seja feita a Tua vontade.”.
O reino de Cristo é o reino da cruz. Aqueles que Deus salvará do inferno não serão salvos da cruz. A consideração desta verdade deveria aquietar nossas mentes na aflição e nos fazer dizer: “seja feita a Tua vontade.”.
Por que nós deveríamos procurar ficar isentos de dificuldades mais que outros? Por que nós deveríamos pensar somente num mar de rosas, quando os profetas e apóstolos marcharam através de espinheiros ao céu?
Considere que é comum quando Deus pretende conceder maior misericórdia a qualquer pessoa do Seu povo, que ele os traga antes debaixo de aflição. Quando ele pretende nos elevar, Ele nos traz mais baixo. A Bíblia está repleta de exemplos que comprovam esta verdade.
Quando Deus trouxe Israel para Canaã Ele o conduziu primeiro por um deserto. Quando Ele pretendeu fazer de José o segundo homem no reino do Egito, Ele o lançou antes na prisão. Normalmente Ele primeiro faz as trevas se tornarem mais densas antes que faça surgir a estrela da manhã.
Esta submissão à vontade de Deus na aflição é composta principalmente pelas graças da fé, do amor, da humildade e da esperança. A fé crê que tudo contribui para o bem dos que amam a Deus; o amor nos leva a ter os melhores pensamentos sobre Deus e nos mantém unidos a Ele nos vales de aflição; a humildade não diz que nossas aflições são grandes, mas que nossos pecados são grandes. Nos faz suportar a indignação de Deus porque somos pecadores (Mq 7.9); e por fim a esperança nos dá a certeza de que a aflição por maior que seja, é leve e passageira, e o Senhor nos livrará no tempo oportuno.  
Aquele que traz o seu espírito sob o domínio da vontade de Deus na aflição brilha mais do que muitos crentes notáveis em seus feitos. Eles são como as águias que não gritam e não fazem muito barulho como os corvos quando necessitam de alimento. Elas permanecem em silêncio quando estão famintas e assim o crente que está em necessidade, em aflição, e assim mesmo permanece submisso à vontade de Deus, tem uma grandeza e nobreza de espírito, que vence a  natureza, porque não chora e lamenta como os demais, mas permanece calado e com sua mente em repouso aos pés de Deus. Há muita força da graça numa tal alma.
Quando a graça está coroando não é grande coisa dizer “seja feita a Tua vontade”, mas quando a graça está lutando e encontra cruzes e tentações, então dizer “seja feita a Tua vontade” realmente é uma coisa gloriosa e prepara para a guirlanda de honra.  
Considere que as pessoas são normalmente melhores na adversidade que na prosperidade; então se encurve à vontade de Deus. Uma condição de prosperidade nem sempre é uma condição segura. Toda prosperidade traz consigo o seu fardo, mas os que procuram por ela nunca olham para o fardo, senão para o seu brilho.
A prosperidade tem o fardo do cuidado. Por isso o Senhor chama as riquezas de “ansiedades” (Lc 8.14). Assim como a rosa tem os seus espinhos, de igual modo as riquezas. Nós pensamos que é feliz aquele que tem muitos bens, mas nós não vemos as dificuldades e cuidados que eles têm. Um homem pobre pode ter uma vida mais alegre do que a daqueles que têm muitos bens. O coração do rico está repleto de cuidados para aumentar e manter o que ele adquiriu.
Há também na prosperidade o fardo da conta que deverá ser prestada a Deus. Uma conta maior terá que ser prestada a Deus pelos ricos pelo uso que fizeram das suas riquezas, especialmente em generosidade para com o próximo.
Há também mais perigos numa condição próspera, porque aquele que se encontra no pináculo da honra está mais em perigo de cair e está sujeito a muitas tentações. Há necessidade de muita sabedoria e graça para saber se conduzir numa condição próspera. Sempre há o risco de se virar as costas para Deus e perguntar “Quem é o Senhor?” (Pv 30.9).
Prosperidade cria orgulho. Quando a maré sobe o navio também sobe. De igual modo o coração do homem se eleva em orgulho quando ele é elevado em honra.
Assim os ricos encontram-se em grande perigo em relação à salvação das suas almas:
“E Jesus, vendo-o assim triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!”  (Lc 18.24).
Considerando tudo isto deveríamos dizer na adversidade: “seja feita a Tua vontade”.
Deus provê o melhor para nós. Se nós tivermos menos bens, nós estamos em menor perigo. Se nós cobiçamos as honras de outros, nós queremos as tentações a que eles estão expostos.
A finalidade de Deus na aflição é acalmar o espírito, subjugar a vontade à Sua vontade, e quando isto estiver concluído a aflição atingiu o fim para o qual foi destinada, a saber, nos santificar, e não será removida enquanto não cumprir a sua obra. É somente quando a ferida é curada que o curativo é retirado.
É somente quando o espírito do crente é submisso e manso que ele estará à disposição de Deus. Um espírito que seja segundo a vontade de Deus não é irritável, mas humilde; não descontente, mas satisfeito (Fp 4.12).
Ficar descontente com uma condição baixa presente é devido a uma fé fraca ou nenhuma fé, que precisa de muletas para apoiá-la. O crente que não se submete à vontade de Deus quando está deficiente de confortos externos, não confia de fato em Deus e deveria de se envergonhar de ser chamado de crente.
Murmurar quando Deus contraria a nossa vontade revela falta de santificação. Alguns pensam que não são descrentes como os demais porque não bebem, não fumam, não juram, mas podem ser descrentes murmurando. Não há somente bêbedos descrentes, como também murmuradores descrentes. E não viver piedosamente é viver em rebelião. Estas são as águas de Meribá (Nm 20.13). Esta é a companhia de Datã, Coré e Abirão. Se é uma vergonha um servo se rebelar contra o seu mestre, o que se dirá de uma criatura se rebelar contra o seu Criador? Quando isto sucede o coração se eleva e pensamentos maus entram em cena. Nós quase não pensamos em Deus, porque julgamos que Ele tenha sido rigoroso para conosco e que nos fez injustiça, ou julgamos que merecíamos coisa melhor das Suas mãos. E a insubmissão se levanta juntamente com ingratidão.
Muitos se esquecem de todas as misericórdias que receberam de Deus quando entram em aflição. Nós ficamos contentes em receber bênçãos de conforto e alívio das mãos de Deus, mas quando somos chamados a sermos provados com tribulações nós nos tornamos insensíveis e prontos a arder em murmurações contra Ele.
Quanto mais a criança luta contra a vontade do seu pai mais ela apanha, e quanto mais nós lutamos com Deus e não nos submetemos à Sua vontade, Ele mais nos castigará e corrigirá. Em vez de cooperarmos para que sejamos livrados das cordas da aflição, mais o Senhor as apertará. Submetamo-nos então a Deus dizendo “seja feita a Tua vontade”. Por que devemos tornar nossa cruz mais pesada por causa da nossa impaciência? Por causa de rebelião contra Deus uma viagem que duraria no máximo onze dias foi feita em quarenta anos pelos israelitas nos dias de Moisés.
Considere que sendo insubmissa à vontade de Deus uma pessoa fica sujeita a muitas tentações. No coração que se irrita contra a vontade de Deus com descontentamento, Satanás faz uma boa pesca nestas águas agitadas. Ele faz normalmente com que as pessoas fiquem descontentes de forma indireta. A esposa de Jó se irritou (muito longe estava de uma submissão santa) e ela incitou seu marido para que ele amaldiçoasse a Deus (Jó 2.9).
Jesus disse: “É na vossa perseverança que ganhareis vossa alma” (Lc 21.19). A palavra perseverança no original grego é traduzida também por paciência, porque hupomoné significa no grego suportar um fardo de maneira constante sem desfalecer ou se irritar. A alma é mantida preservada, sem dano, quando estamos debaixo desta paciência cristã. É preciso se armar no pensamento que a vida cristã exige tal comportamento de nós. Porque somos participantes não somente da glória de Cristo mas também dos Seus sofrimentos (I Pe 3.17; 4.1; Col 1.24).
 Paulo podia estar preso que cantava hinos de louvor a Deus e orava (At 16.25). Quão distante disto está uma alma que está descontente e que não aprendeu a se alegrar no Senhor e a se submeter a Ele na aflição.
O ímpio blasfema o nome de Deus na aflição (Apo 16.9). Quando uma pedra de fogo vinda do céu se dirige em sua direção o seu coração de pedra se incendeia em fúria diante da face de Deus.
Quanto mais podre está a madeira com mais facilidade ela se incendeia quando é sujeitada a um atrito constante que a aquece.
Assim o crente deve agir de modo diferente do ímpio na hora da aflição.
Deus é paciente conosco suportando diariamente o nosso olhar impuro, invejoso, e a maledicência de nossas línguas, e ele passa por alto de muitas coisas e é paciente conosco e a Sua longanimidade é infinita como infinitos são todos os Seus atributos. Se o Senhor fosse nos castigar toda vez que nós ofendemos a Sua santidade, ele puxaria a Sua espada diariamente contra nós. Ele tem suportado a nossa mão, e nós não podemos ser pacientes com nada que venha das mãos dEle a nós? Ele é paciente conosco e nós seremos impacientes com Ele? Jesus é manso e nós murmuramos? Ele tem suportado os nossos pecados e nós não suportaremos as correções dEle? Oh, deixe-nos dizer “seja feita a Tua vontade”.
Consideremos que submetendo nossa vontade a Deus na aflição nós desapontamos Satanás na sua esperança de entristecer o coração de Deus levando-nos a agir de acordo com os modos dele que é o pai de toda mentira e rebeldia. A finalidade do diabo em todas as nossas aflições é de nos levar a pecar. Quando ele atacou Jó o seu alvo era desconcertar a mente dele, de maneira que se voltasse contra a vontade de Deus em ira. Mas Jó permaneceu aos pés do Senhor e bendisse o Seu nome na aflição, e desapontou Satanás na sua esperança, e destruiu totalmente os seus argumentos e as estratégias que usou para levá-lo a virar as costas para Deus e a blasfemar na face dEle. Se Jó tivesse murmurado ele teria agradado a Satanás, mas Jó se submeteu quietamente à vontade de Deus. Assim a melhor maneira de se vencer Satanás em suas intenções infernais contra nós para nos indispor contra Deus é viver de fato o que dizemos: “seja feita a Tua vontade”.
Para o crente o veneno da aflição não é danoso mas curativo. Para o ímpio a vara da aflição se transforma numa serpente e em sendo picado por ela é arruinado pelo seu veneno. Mas para o que se submete à vontade de Deus, Ele transforma a aflição numa bênção; e o que seria veneno, vindo na dose certa administrada pelo Senhor se transforma num remédio curativo da alma e do espírito, sendo portanto um meio preparatório para a glória. E deste modo os santos não são apenas pacientes na aflição, mas gratos  a Deus por elas por lhes ensinar perseverança, paciência, experiência, esperança (Rom 5.3,4). Em vez de terem as aflições por motivo de tristeza, nestes crentes que se submetem à vontade de Deus, elas são tomadas por motivo de grande alegria (Sl 119.71; Tg 1.2,3).
Nossas misericórdias que recebemos de Deus se renovam a cada manhã (Lam 3.23), e isto deve nos estimular a ter a mesma atitude de Jó (Jó 2.10) que reconhecia que tinha recebido de bom agrado as bênçãos que lhe vieram da parte de Deus, e de igual modo deveria também receber as aflições. Nossas misericórdias excedem em número as nossas aflições; para cada aflição nós recebemos mil misericórdias. Então nos submetamos a Deus dizendo “seja feita a Tua vontade”.
Consideremos que a conformidade de nossa vontade a Deus na aflição traz muita honra ao evangelho. Engana-se quem pensa que está vivendo segundo o verdadeiro evangelho caso não consiga por ele lançar fora todos os humores doentios, e certamente este não é o evangelho porque não pode dominar nosso descontentamento e martiriza nossa vontade.  Nossa submissão alegre à vontade de Deus coloca uma coroa de honra na cabeça do evangelho, e mostra o seu poder para nos tornar pacientes debaixo das aflições, estando submissos à vontade de Deus (Apo 14.12).
 Não podemos jamais esquecer que todas as pessoas, tanto crentes quanto descrentes estão debaixo da autoridade absoluta e soberana de Deus e Ele tem o direito de fazer com eles tudo o que for da Sua vontade (Mt 20.15). E Deus não deve satisfação a qualquer uma de Suas criaturas quanto ao que Ele faz. Assim não nos cabe qualquer direito de disputar com Ele senão nos submetermos à Sua vontade.
Deus criou tudo de maneira que nada fique fora do Seu governo. E nenhum ser moral poderá funcionar corretamente se não for governado por Ele. Podemos então estar convictos e sossegados quanto à grande verdade de que somente Ele sabe o que é realmente melhor para nós, e saberá portanto controlar as nossas tribulações de maneira que elas cumpram o Seu grande alvo na nossa transformação, em nos tornar sensíveis para reconhecer a Sua voz e obedecê-la, no meio de tantas outras vozes que tentam conquistar o nosso coração, quer a nossa própria, quer a de outras pessoas, quer de espíritos malignos.
Nós confiamos no piloto do avião, no médico, no dentista e em todos os demais profissionais de cujos serviços dependemos entregando-nos ao cuidado deles, e como não descansaríamos na sabedoria de Deus confiando-nos inteiramente ao Seu cuidado?    
É impossível que Deus seja injusto em quaisquer uma das suas ações para conosco, ou nas coisas que permite que nos sucedam. Se fôssemos julgar as suas ações pelos padrões dos homens nós diríamos que Ele foi injusto e ingrato para com o apóstolo Paulo permitindo as muitas prisões que ele sofreu, mas com isto Ele não somente impediu que Paulo fosse morto pelos judeus que buscavam a todo custo tirar a vida do apóstolo, como fez com que os crentes se aplicassem mais na pregação do evangelho por verem o modo santo como Paulo se comportava nas suas prisões, e possibilitou que ele tivesse tempo para escrever algumas das suas epístolas, dentre tantos outros bons resultados que decorreram das suas prisões que estavam debaixo do controle total de Deus. Nós não podemos portanto julgar o que é sucesso ou fracasso de acordo com os padrões do mundo, porque há uma vontade soberana que nos governará do Seu modo e não do nosso quando nos submetermos quietamente a ela.
  Justiça e eqüidade são a base do trono de Deus (Sl 97.2) e Ele jamais falhará portanto em quaisquer dos Seus juízos quanto ao que seja melhor para nós e para o avanço do reino de Cristo na terra, pelo qual devemos nos empenhar e até dar a própria vida se preciso for.

“Então Paulo respondeu: Que fazeis chorando e magoando-me o coração? Porque eu estou pronto não só a ser preso, mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus.”  (At 21.13).

“22 Agora, eis que eu, constrangido no meu espírito, vou a Jerusalém, não sabendo o que ali acontecerá,
23 senão o que o Espírito Santo me testifica, de cidade em cidade, dizendo que me esperam prisões e tribulações,
24 mas em nada tenho a minha vida como preciosa para mim, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus.” (At 20.22-24).

Nós não poderemos ser como Paulo se não permitirmos como ele permitiu,  que a graça o capacitasse para todas as coisas. A graça renova a vontade e a vontade deve ser renovada antes que possa ser subjugada; a graça ensina a abnegação, e nós nunca poderemos submeter nossa vontade até que nos auto neguemos.
Nós devemos então trabalhar para entender o significado da aliança da graça com a qual fomos achegados ao Senhor. Não podemos servi-lo de acordo com os nossos próprios termos, mas de acordo com os termos que Ele fixou na aliança, de maneira que possamos dizer correta e efetivamente “seja feita a Tua vontade”.
Se o fizermos poderemos chegar a ser como o apóstolo Paulo que tinha prazer nas aflições:
“Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco, então é que sou forte.”  (II Cor 12.10).
Para tanto é necessário ter humildade de espírito, porque um homem orgulhoso nunca se inclinará diante de Deus, ele nunca se dobrará, mas quando o coração é humilde a vontade fica flexível.
Um espírito humilde tem um senso profundo do pecado e assim quando Deus o aflige ele diz “seja feita a Tua vontade”.
Devemos considerar que pelo fato de Deus ter perdoado os nossos pecados em Cristo, que suportou o castigo e a ira de Deus no nosso lugar para não sermos condenados eternamente, então devemos suportar qualquer coisa e não murmurar reclamando do nosso fardo de aflição, mas bendizer a Deus por ter removido o fardo do pecado. A alma que tem noção do quanto foi perdoada dirá “seja feita a Tua vontade”.
É preciso aprender a não olhar tanto o lado escuro da nuvem, quando o lado claro. Não devemos colocar nossas mentes e corações em nossas aflições, mas olhar com fé para o Senhor e aguardar e clamar pelo Seu livramento. A hora da aflição é hora do exercício da fé olhando para o alto, para Aquele que intercede por nós no céu, e não para a própria adversidade que poderá nos levar a ter uma atitude de querer recusar as consolações do Senhor. Se estivermos num abismo não devemos fixar nossos olhos no seu fundo úmido e lodoso, mas na claridade do céu e devemos desejar estar em espírito com o Senhor nos lugares elevados. O Senhor nos abate não para que fiquemos contemplando o nosso estado de abatimento, mas para aprendermos a confiar nEle olhando para o Autor e Consumador da nossa fé. A oração ganha força nos vales profundos. O clamor se torna intenso e verdadeiro. Daí sermos incentivados por Deus a clamarmos a Ele no dia da angústia em busca de socorro:
“invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás.”  (Sl 50.15).


A Quarta Petição na Oração do Senhor

Por Thomas Watson (adaptado)
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” – Mt 6.11

Na oração do Senhor, primeiro nós oramos para que o nome de Deus seja santificado, depois para que venha o Seu reino, e somente depois disso nós oramos pelo pão diário. Isto indica que a glória de Deus deve vir antes da própria honra e necessidade do homem.
Cristo preferiu a glória do Pai antes da Sua própria como homem (João  8.49,50).
A glória de Deus é muito estimada por Ele; é a menina dos Seus olhos; tudo o que Lhe é precioso repousa nela. Deus jamais se separará da Sua glória e não a transferirá a outrem (Is 42.8). A Sua glória vale mais que o céu, tem mais valor que a salvação de todos os homens. Anjos caíram do seu estado original no céu; homens se perdem; reinos são dissolvidos, mas Deus jamais permitirá que qualquer parte da Sua glória seja perdida.
Se Deus atribui tão imensa estima à Sua glória, é então nosso dever tudo fazer para a Sua glória, e tê-la em elevada estima.  Nós devemos preferir a glória de Deus antes mesmo das nossas próprias necessidades.  
A nossa honra é uma jóia preciosa mas a glória de Deus deve ser mais estimada que a nossa própria honra. Nós devemos estar dispostos a ver a nossa honra pisada para que a glória de Deus possa ser mais elevada. Os apóstolos se alegraram por terem sido considerados dignos de sofrerem vergonha por causa do nome de Jesus (At 5.41).  Nos é ordenado estimar mais a glória de Deus que os nossos próprios familiares (Lc 14.26).
Nós temos que estimar a glória de Deus muito além da estima que damos aos nossos bens terrenos (Hb 10.34), e até mesmo acima da nossa própria vida (Apo 12.2).
Agora nós temos diante de nós a petição que o Senhor nos ensinou: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Esta petição consiste em resumo num reconhecimento de que a competência para atender nossas necessidades externas é concedida por Deus.
”...não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume;” (Pv 30.8).
Tudo vem de Deus; Ele faz o trigo crescer, e as ervas florescerem.
A petição “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” comprova a nossa indigência e que todos nós vivemos das esmolas e dons gratuitos de Deus. Tudo que há neste mundo vem da mão generosa de Deus. Nós não podemos ter além do que Ele dispõe no Seu celeiro.
Com este reconhecimento que tudo vem das mãos do Senhor, então nós temos que Lhe pedir toda a nossa provisão diária. Tudo o que nós tivermos se não vier através da oração não poderá ser recebido através do amor do Senhor e poderá vir a nós em ira assim como as codornizes foram dadas a Israel como resposta à murmuração deles.
Se pedimos e o recebemos como um dom, então não o merecemos. E se o dom é de Deus procedem muito mal aqueles que procuram suprir suas necessidades indo ao diabo fazendo um pacto com ele. É melhor padecer fome do que ter o diabo como nosso provedor.
Se tudo é um dom de Deus então não é uma dívida que Ele tem para conosco. E se tudo que recebemos de Deus é um dom, nós nada podemos dar a Ele que Ele próprio não tenha dado a nós (I Crôn 29.14).
Se nós damos esmolas a outros é porque Deus deu primeiro Suas esmolas a nós em tudo que providenciou no mundo para o nosso sustento e tendo permitido e nos dado sabedoria, saúde e todas as condições necessárias para obtê-lo e desfrutá-lo.
Não há nada em nós que nos recomende a merecer a bondade de Deus, contudo tal é a doçura da Sua natureza, que Ele nos dá uma rica provisão e nos alimenta com o melhor trigo. Ele nunca se cansa de nos prover com boas coisas. Deus se encanta em dar. Ele tem prazer na misericórdia (Mq 7.18). Deus dá boas coisas até mesmo aos Seus inimigos. Ele faz com que o orvalho da Sua generosidade caia até sobre os piores da humanidade. Deus dá o pão às bocas que se abrem contra Ele. Se tudo é um dom de Deus veja quão odiosa é a ingratidão dos homens que pecam contra o doador deles. Deus os alimenta e eles lutam contra Ele. Deus lhe dá o pão e eles lhe devolvem afrontas. Quão ingrato é isto!
“7 Como, vendo isto, te perdoaria? Teus filhos me deixam a mim e juram pelos que não são deuses; quando os fartei, então adulteraram, e em casa de meretrizes se ajuntaram em bandos.
8 Como cavalos bem fartos, levantam-se pela manhã, rinchando cada um à mulher do seu próximo.
9 Deixaria eu de castigar por estas coisas, diz o Senhor, ou não se vingaria a minha alma de uma nação como esta?” (Jer 5.7-9).
Oh, quão horrendo é pecar contra um Deus generoso. Ferir a mão que nos alimenta e alivia. Deus dá inteligência aos homens e eles a usam para servir ao diabo com ela. Ele lhes dá força e eles a desperdiçam com meretrizes. Ele lhes dá alimento e eles levantam o seu calcanhar contra Ele (Dt 32.15).
Mas quão perigoso é abusar da longanimidade, bondade e misericórdia de Deus. Os favores e as misericórdias reais de Deus serão um testemunho contra os tais. Esta misericórdia e favor acabarão se transformando em ira, assim como o óleo não pega fogo facilmente mas que sendo muito aquecido continuamente acaba se incendiando.
Se é o Senhor quem tudo nos dá, então sejamos gratos a Ele.
“O que dá mantimento a toda a carne; porque a sua benignidade dura para sempre.” (Sl 136.25).
“Antes te lembrarás do Senhor teu Deus, que ele é o que te dá força para adquirires riqueza; para confirmar a sua aliança, que jurou a teus pais, como se vê neste dia.” (Dt 8.18).
Nós devemos louvar ao Senhor pela provisão que nos faz não somente com nossos lábios, mas com os nossos bens.
“9 Honra ao Senhor com os teus bens, e com a primeira parte de todos os teus ganhos;
10 E se encherão os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus lagares.” (Pv 3.9,10).
Deus nos dá o pão e nós devemos gastar a força que nós recebemos da Sua provisão no Seu serviço. Isto é ser grato de modo prático, e para sermos gratos devemos ser humildes. O orgulho quebra a corrente da gratidão. Um homem orgulhoso nunca será grato porque pensa que é pela sua própria inteligência, força e méritos que ganha o seu pão. Ele não consegue enxergar que tudo é um dom de Deus, e sequer somos merecedores destes dons porque somos pecadores. Entretanto Ele os concede por causa da Sua grande misericórdia.
Assim, em face de tudo o que vimos, aprendemos que é correto orar por coisas temporais, porque somos ensinados a orar todos os dias para que recebamos o nosso pão das mãos de Deus. Entretanto há uma grande diferença entre orar por coisas temporais e coisas espirituais. Quando oramos por aquilo que é espiritual nós devemos ser absolutos, isto é, não devemos contar com nenhuma negação da parte de Deus, porque a Palavra nos garante a certeza de que receberemos a graça e o perdão de pecados que são necessários a nós. Mas quando oramos por coisas temporais, nossas orações devem ser limitadas, porque temos que orar condicionalmente, porque Deus somente nos dará o que for bom para nós. Há coisas que seriam armadilhas para afastar o nosso coração do Senhor, então devemos orar por estas coisas em submissão à vontade de Deus. O povo de Israel recebeu grandes castigos de Deus no deserto nos dias de Moisés porque pensavam que Ele estava obrigado a lhes dar as coisas temporais de modo absoluto (Nm 11.18), segundo o próprio desejo deles. Deus lhes deu o maná mas o paladar deles desejava muito mais; eles teriam que ter codornizes. Deus atendeu o desejo deles, mas tiveram que provar o gosto amargo das suas codornizes.
“29 Então comeram e se fartaram bem, pois ele lhes trouxe o que cobiçavam.
30 Não refrearam a sua cobiça. Ainda lhes estava a comida na boca,
31 quando a ira de Deus se levantou contra eles, e matou os mais fortes deles, e prostrou os escolhidos de Israel.”  (Sl 78.29-31).
Nós temos portanto que orar pelas coisas temporais com submissão a Deus.
É uma boa norma, quando nós oramos pelas coisas que pertencem a esta vida, que nós desejemos coisas temporais para fins espirituais. Nós temos que buscar estas coisas como uma auxílio em nossa viagem para o céu.
Se nós oramos por saúde, nós podemos melhorar a nossa saúde para usar nossa vida para a glória de Deus, colocando-nos a Seu serviço. Se orarmos por prosperidade material que seja para um fim santo, de modo que fiquemos longe das tentações às quais a miséria nos expõe, e para que possamos ter uma melhor capacidade de semear as sementes de ouro da generosidade aliviando aqueles que estão em necessidade. Ana orou por um filho mas para poder dedicá-lo ao serviço de Deus (I Sm 1.11).
Muitos oram por coisas terrenas somente para satisfazerem os  apetites dos seus sentidos (Tg 4.3). Nós devemos apontar para o céu quando oramos pelas coisas da terra.
Alguns oram por mais poder para que possam prevalecer contra os seus inimigos. Outros oram para aumentar suas posses para poderem encher de inveja os seus vizinhos. É uma vergonha e um descaramento orar a Deus para nos dar coisas temporais para que possamos servir melhor os interesses do diabo.
Se nós devemos orar por coisas temporais, quanto mais por coisas espirituais. Se nós devemos orar pelo pão terreno, quanto mais pelo   pão vivo! Se por azeite, muito mais pelo azeite de alegria! Se para matar a nossa fome, muito mais para a salvação das nossas almas e para matar a fome e sede de justiça. Se Deus atendesse somente nossas orações por coisas materiais e nada mais, em que seríamos melhores? O que adianta ter comida e ter falta de graça?
Devemos então orar para que Deus não somente nos alimente, mas que também nos santifique; que nos dê antes um coração cheio de graça do que uma casa cheia de ouro.
A comida que dava alegria a Jesus era muito mais fazer a vontade do Seu Pai, do que o pão terreno que sustentava o seu corpo (João 4.32-34).
É por isso que Jesus disse ao diabo quando foi tentado por ele no deserto: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mt 4.4).
É óbvio que enquanto estiver neste mundo, o homem terá necessidade do pão material e por isso Jesus confirmou que até mesmo Ele, enquanto homem, participante da humanidade, por ter assumido a natureza humana, necessitava também do pão material.
A oração modelar que o Senhor ensinou diz “o pão nosso dá-nos” e não “dá-me o meu pão”, e tudo o mais nesta oração está direcionado para o interesse público e não individual, porque o crente é chamado a agir pelo interesse do corpo de Jesus em primeiro lugar que é a igreja, e depois pelos seus demais semelhantes, e não para alimentar desejos individuais egoístas. O homem não foi criado para viver estreitamente dentro dos interesses relativos à sua própria esfera, mas para ter um espírito público que o leve a se interessar pelas necessidades dos seus semelhantes.    
Há pessoas que olham somente para si mesmas e não prestam atenção às necessidades de outros. Assim nunca intercedem por outros em suas orações. Se eles tiverem o seu pão diário não se importarão que outros estejam passando fome. Se eles estiverem vestidos, não se preocuparão com aqueles que estiverem nus. Cristo nos ensinou a orar por outros: “dá-nos”.
Oremos por outros e também por nós mesmos.
Aranhas trabalham apenas para elas, mas as abelhas para o bem de outros.
Alguém é tanto mais excelente quanto mais opera para o bem de outros. Quando mais um crente for enobrecido com a graça, mas ele se dirigirá ao céu com suas orações em favor de outros.
Davi é um grande exemplo de espírito público em oração e ação porque o bem que Ele buscava em Deus era muito mais para o povo do Senhor do que para si próprio.
Davi estava interessado tanto na prosperidade espiritual quanto material de Israel, e de igual modo todo crente deve estar interessado não somente no aumento da sua fé e dos seus irmãos em Cristo, como também pela comida deles, para que o Deus lhes dê o seu pão diário.
Jesus nos ensinou:
“Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt 6.34).
E o apóstolo Tiago afirmou a incerteza do amanhã:
“Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece.” (Tg 4.14).
Isto ensina que o nosso futuro está nas mãos de Deus. Se viveremos ou se morreremos está nas mãos do Senhor porque para nós o futuro é incerto, uma vez que somente Ele conhece e dirige o nosso futuro.
Esta realidade deve nortear as nossas expectativas e com elas as nossas orações, uma vez que não podemos viver senão um dia de cada vez, e assim nossas petições para o suprimento de nossas necessidades materiais e espirituais deve ser feito em cada dia para cada dia, porque o Senhor atenderá sempre nossas necessidades presentes; sem fazer qualquer garantia para uma provisão futura para nós neste mundo, porque não sabemos o que nos reservará o amanhã.
Se o padrão de Deus é a concessão de alimento em cada dia presente, então aquele que tem muitos bens e boa provisão para o futuro deveria dar muitas graças a Deus, porque o padrão de contentamento dEle para nós é que estejamos contentes se tivermos o alimento de hoje garantido, sem saber se o teremos no dia seguinte, tal como Israel dependia no deserto de confiar em Deus que o maná seria dado a eles em cada dia.
Há muitos que têm recebido de Deus bens que podem suprir-lhes por toda a sua vida, e isto mostra que Deus provedor em abundância que nós servimos. Ele diz que devemos estar contentes com a porção para um só dia, mas abre a Sua mão e nos provê para muitos dias. E se provar alguns de seus filhos até mesmo com falta de pão, não permitirá que isto seja por muito tempo (II Cor 11.27; Fp 4.12), porque tem garantido ao que é temente ao Seu nome e que anda de modo justo para com Ele de nunca deixar tal pessoa e a sua descendência mendigar o pão (Sl 37.25).
Nós oramos para que Deus nos supra com o nosso pão diário, mas geralmente Ele nos dá generosamente muito mais do que aquilo que pedimos (Ef 3.20).
Na oração modelar que nos ensinou o Senhor apenas nos ensinou que devemos pedir o nosso pão a Deus, e com isto reconhecer que tudo o que temos provém dEle, mas não ensinou aqui o modo de obtê-lo. O maná foi dado a Israel sem que eles trabalhassem por ele no deserto porque estavam vivendo numa circunstância excepcional, tal como Elias quando foi alimentado miraculosamente por Deus através dos corvos e da viúva de Sarepta. Mas em circunstâncias normais que é o modo geral da vida, devemos trabalhar diligentemente para obter o nosso pão, e isto foi ensinado pelo Senhor e pelos apóstolos em outras passagens da Bíblia.
“11 Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs.
12 A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.” (II Tes 3.11,12).
A oração do Senhor diz “pão nosso” porque deve ser obtido por nós, com o nosso trabalho, e não por furtá-lo de outros, porque certamente este pão não nos pertence, e não se pode dizer dele que seja nosso. De igual modo o pão que ganhamos de outros enquanto nos mantemos inativos, ociosos, porque não somos dignos deste pão, e muito menos o pão que é obtido mediante violência sob a forma de fraude, extorsão ou qualquer outra maneira violenta.  Nada disso será o nosso pão pelo qual devemos orar e trabalhar.
Aquele que vive à custa de outros sem nada fazer por eles, que  se recusa a trabalhar, não pode orar “o pão nosso”, por motivos óbvios.
 A palavra para “pão” do nosso texto é artos no original grego e é usada em várias outras passagens sempre com o significado do pão material.
Muitos indagam por que Jesus não ensinou a orar pedindo pelo alimento espiritual em vez do pão material nesta oração modelar, apesar de ter ensinado isto em outras passagens dos Evangelhos? No entanto é importante reconhecer que ao fazê-lo Ele demonstrou que as necessidades materiais são atendidas a partir do céu pela provisão de Deus. Ele mostrou que nada está fora do alcance da provisão divina, e portanto é nosso dever fixar nossa atenção no Senhor inclusive para a nossa provisão material. É muito comum que os homens estejam naturalmente mais ocupados com as questões de suas necessidades terrenas do que com as suas necessidades espirituais, e Jesus nos ensinou que estas necessidades terrenas não podem ser consideradas à parte do reconhecimento que devemos pedi-las a Deus e sermos gratos a Ele por provê-las a nós. A falta deste reconhecimento será devidamente considerada no juízo, especialmente pela falta de um emprego generoso e segundo a vontade de Deus em relação a estes bens terrenos, especialmente para o atendimento da necessidade de outros:
“41 Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;
42 Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;
43 Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes.” (Mt 25.41-43).
De maneira que a nossa espiritualidade é comprovada particularmente pelo uso correto dos bens materiais para atender as necessidades do nosso próximo.
A maneira de demonstrarmos nossa gratidão ao Senhor é em primeiro lugar sendo generosos em nossos dízimos e ofertas para o sustento da Sua casa, e no compartilhar as necessidades dos nossos semelhantes. Esta é uma forma externa e visível de se medir a nossa fé.
“Comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade;” (Rom 12.13).
“Porque a administração deste serviço, não só supre as necessidades dos santos, mas também é abundante em muitas graças, que se dão a Deus.” (II Cor 9.12).
“Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel.” (I Tim 5.8).
“Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gál 6.10).
Se nós temos bens suficientes para atender as necessidades de outros e fechamos o nosso coração, pecamos.
Mas se não temos o suficiente para compartilhar com outros, Deus não nos cobrará isto em juízo, porque Ele não exige que demos aquilo que nós não temos. Ninguém deve portanto se endividar a pretexto de estar vivendo por fé, ainda que esta dívida seja para beneficiar a outros. O padrão bíblico é de que a ninguém devamos nada, senão somente o amor, de modo que o nome do Senhor não seja infamado.
“11 Agora, porém, completai também o já começado, para que, assim como houve a prontidão de vontade, haja também o cumprimento, segundo o que tendes.
12 Porque, se há prontidão de vontade, será aceita segundo o que qualquer tem, e não segundo o que não tem.” (II Cor 8.11,12).
   Devemos também considerar a questão do contentamento com a provisão que tivermos recebido de Deus, seja ela pequena ou grande:
“Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.” (I Tim 6.8).
O padrão de contentamento bíblico é confirmado portanto pela simples provisão do pão diário. Segundo a vontade de Deus não há base para que qualquer crente ensine que deve haver contentamento somente quando houver grande provisão da parte de Deus para nós. Pois a Sua Palavra, que é a verdade, nos ensina claramente que devemos estar satisfeitos caso seja apenas atendida a simples provisão do nosso alimento diário. Entretanto, como já vimos antes, Deus é abundantemente generoso em nos dar muito mais do que Lhe pedimos, mas se isto vem a faltar não temos motivo para estar insatisfeitos porque o Senhor tem nos ensinado a orar pela provisão do alimento necessário para cada dia, de maneira que não teremos razão para estar insatisfeitos se isto não vier a nos faltar. E quando isto ocorrer, por qualquer motivo, a insatisfação com a presente condição não significa direito para murmuração ou reclamar de Deus, mas continuar orando para que seja suprida a nossa provisão diária.  
Outro aspecto a considerar é a administração dos bens que temos recebido de Deus, porque não devemos gastar além das nossas posses. Se vivermos fora das nossas possibilidades jamais teremos razão em protestar diante de Deus que Ele tem sido infiel em prover as nossas necessidades. Mas quantos crentes não têm vivido deste modo para a própria vergonha deles e para dar ocasião que o cuidado de Deus pelos Seus filhos seja injustamente blasfemado! Deus não se obrigou a atender as necessidades que o mundo moderno criou e nem os apelos que são feitos pela mídia para que se consuma desenfreadamente bens e serviços. Deus garantiu a nossa provisão estritamente necessária para a manutenção da vida e não os nosso luxos.
Consideremos também que há muita inquietação nas riquezas especialmente para a obtenção delas. Muitos colocam nisto inteiramente todo o seu interesse, tempo e trabalho e pouco se ocupam com as coisas que são do interesse do Senhor. E estes também prestarão contas em juízo por mais trabalhadores que tenham sido, porque o fizeram para si mesmos para atender aos seus desejos egoístas. A Bíblia também ensina claramente quando ao perigo que há neste modo de vida para acumular riquezas neste mundo, e a oração que nos lembra que devemos orar simplesmente pela nossa provisão diária muito nos ajudaria a fugir deste laço no qual muitos têm caído:

“9 Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.
10 Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” (I Tim 6.9,10).

“19 Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.” (Mt 6.19,20).

“E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui~”  (Lc 12.15).

Sem esta total disponibilidade para ser usado por Deus nunca haveria missionários em campos em que as condições de vida são em extremo difíceis.

“33 Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam; tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói.
34 Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração.” (Lc 12.33,34).

A cobiça é um desejo irregular para se obter riquezas. É a insatisfação instalada no coração que engana o homem levando-o a buscar plena satisfação pela ilusória idéia de que será bem sucedido se for rico de bens materiais, fama ou poder.

Deus requer uma sábia administração dos bens que Ele nos dá, especialmente daqueles que são destinados à manutenção da Sua casa. Não amar as riquezas não significa que se deve ter repúdio ao dinheiro. Há muitos que alegam que não querem saber de dinheiro porque vivem apenas por fé. Mas isto não é fé porque a Bíblia ensina ser fiel e cuidadoso na administração dos bens que são colocados por Deus debaixo do nosso cuidado. Nós somos Seus mordomos, especialmente os ministros do evangelho. Então devem ser sábios, zelosos, interessados e fiéis em administrar dinheiro e bens para que o nome do Senhor possa ser glorificado.
“42 E disse o Senhor: Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração?
43 Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar fazendo assim.
44 Em verdade vos digo que sobre todos os seus bens o porá.” (Lc 12.42-44).
Não se deve tratar de maneira romântica coisas que são reais, especialmente as relativas à administração do dinheiro necessário à nossa subsistência e de outros, especialmente das pessoas da nossa própria família.  
Nas mãos de Deus a nossa provisão, ainda que pequena, renderá, e estarmos contentes com a nossa provisão nos livrará de muitas tentações nas quais costumam cair as pessoas descontentes.
Satanás usará o descontentamento para insuflar tristeza e murmuração, e em não poucos casos, desconfiança da fidelidade de Deus em cuidar das nossas necessidades.
 Para ficar livre de cair nestas tentações devemos bendizer a Deus pela nossa provisão, seja ela qual for, enquanto somos zelosos e fiéis em administrar de modo sábio aquilo que tem chegado às nossas mãos.
Nós somos chamados a aprender com as formigas que fazem provisão de alimento no verão para o inverno. Isto nos ensina que devemos aprender a poupar não por motivo de avareza mas de prudência. Deus não aprova o esbanjador e em muitas passagens da Sua Palavra nos ensina a sermos criteriosos em tudo, especialmente no que diz respeito ao uso correto para a obtenção e para a aplicação do dinheiro.
Voltamos a dizer junto com o Senhor que é importante orar pelo pão diário e não por riquezas, porque há um grande perigo, tentações e laços nas riquezas, que nos incompatibilizam com os interesses de Deus e do Seu reino.
“Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.” (I Tim 6.9).
Uma grande prosperidade pode endurecer facilmente o coração, tal como ocorreu com o homem rico da parábola dos celeiros que Jesus nos ensinou (Lc 12.16-21). E o Senhor nos alertou quanto ao perigo que a confiança na riqueza pode trazer quanto a nos impedir de entrar no reino dos céus (Mt 19.24).
 Através do uso adequado dos bens materiais Deus nos ensina muitas lições como por exemplo a sermos moderados, sóbrios, sábios, equilibrados, satisfeitos, generosos, diligentes, misericordiosos e tantas outras virtudes que dificilmente aprenderíamos sem sermos provados na maneira como devemos buscar, administrar e aplicar os bens terrenos. Não devermos portanto fazer destes bens um fim em si mesmo, porque como temos visto não os levaremos conosco quando sairmos deste mundo, e são apenas meios pelos quais devemos comprovar o nosso amor e serviço a Deus e ao nosso próximo.
Por isso se diz que é coisa mais bem-aventurada dar do que receber (At 20.35), porque a finalidade dos bens não é para serem acumulados para atenderem nossos desejos egoístas, mas serem usados para a glória de Deus.
Para provar a nossa fé e para glorificar o Seu nome, Deus provará a fidelidade da maior parte do Seu povo em segui-lo não lhes provendo com muitos bens materiais, de maneira que demonstrem contentamento e gratidão a Ele ainda que na pequena provisão de bens que Ele lhes prover. Isto traz grande glória ao Seu nome porque ainda que sejam provados como permitiu que acontecesse com Jó, Satanás será envergonhado e o nome de Deus louvado, quando permanecermos afirmando a Sua bondade para conosco em toda e qualquer circunstância adversa à qual não tenhamos dado ocasião por nossa própria culpa em não administrarmos os nossos bens de maneira fiel.
Assim, se tivermos somente o pão diário para a nossa subsistência, estejamos contentes.
Lembremos que grandes posses são como uma veste longa e pesada que é difícil de ser usada. Estejamos contentes com os trajes leves com que a maioria dos crentes estão vestidos.
“25 Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário?
26 Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?
27 E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?
28 E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;
29 E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?
31 Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?
32 (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
33 Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt 6.25-34).


A Quinta Petição na Oração do Senhor

Por Thomas Watson (adaptado)

“e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;” – Mt 6.12

Nesta oração modelar que o Senhor nos ensinou há uma petição para o corpo (“o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje” – da quarta petição) e duas para a alma (“perdoa-nos as nossas dívidas – desta quinta petição; e “não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal” -  da sexta petição). Observamos conseqüentemente que devemos dar maior atenção ao estado e condição de nossas almas, do que ao dos nossos corpos.
Não foi sem motivo que o Senhor estipulou que o valor do siclo usado para todos os serviços a serem pagos ao santuário seria pelo de maior valor que era exatamente o dobro do valor do siclo comum. Isto tipificava que as coisas espirituais têm um maior peso e valor para nós do que as coisas terrenas.
O corpo é apenas o estojo que guarda a jóia que é o espírito.
O corpo é mortal mas o espírito é imortal e pode existir sem o corpo, mas o corpo não pode existir sem o espírito.
Então é grande sabedoria garantir a salvação da alma para a preservação do corpo, especialmente para a sua ressurreição futura num corpo glorioso que brilhará com a luz de Cristo.
Por isso Jesus somou imediatamente à petição pelo pão diário, a do perdão dos pecados que conduz à salvação da alma.  Isto mostra claramente que ainda que tenhamos o nosso pão diário isto em nada será significativo se nós não tivermos os nossos pecados perdoados por Deus.
E aqueles que são assim perdoados por Deus têm o dever de também perdoarem os seus semelhantes pelas suas ofensas, porque tiveram as suas próprias ofensas perdoadas gratuitamente por Deus.
O pão diário satisfaz o apetite e alimenta o corpo, mas o perdão de pecados alimenta a alma e satisfaz à consciência.
A palavra “dívidas” do nosso texto (Mt 6.12), pode ser traduzida por pecados porque a dívida que temos para com Deus é resultante dos nossos pecados. Mas é importante destacar que a palavra usada no original grego é ofeileima, que significa aquilo que é justa ou legalmente devido, isto é, uma dívida. Esta palavra é a usada no texto de Rom 4.4, e é resultante do verbo ofeiléu, dever – de dívida, que encontramos em passagens como Mt 18.28,30,34; 23.16,18; Lc 16.7, dentre várias outras.
No texto de Lc 11.4, paralelo ao nosso de Mt 6.12, nós temos no original grego a palavra amartia, no lugar de dívidas. A tradução é portanto perdoa os nossos pecados, mas na seqüência do mesmos texto de Lucas está escrito: “assim como temos perdoado os nossos devedores”.
Isto demonstra clara e diretamente que a dívida que é citada pelo Senhor é a dívida de pecados, porque o pecado é uma dívida, e todo pecador é um devedor que deverá prestar contas legalmente da sua dívida ao grande Juiz.
Na parábola que Jesus citou em Mateus 18.24 o pecado é comparado a uma dívida de 10.000 talentos, que correspondem a algo em torno de 54 bilhões de Reais (para quem gosta de cálculos precisos, 10.000 talentos correspondem a cerca de doze toneladas de ouro).
Por que o pecado é chamado uma dívida?
Porque se assemelha a isto. (1) uma dívida surge do não pagamento daquilo que é devido. Nós devemos santidade e obediência perfeitas a Deus, porque foi para isto que Ele nos criou, e não lhe dando o que Lhe é devido, nós estamos conseqüentemente em dívida. (2) na falta de pagamento os bens do devedor são espoliados ou ele vai para prisão porque é considerado culpado pelos juízes, e no caso do pecado dá-se o mesmo porque o pecador é considerado culpado por Deus por não Lhe dar o que é devido. E a falta de pagamento da dívida que se tem para com Deus implicará morte eterna caso a dívida não seja perdoada, porque é impossível que seja paga pelo próprio devedor, porque é pecador, e jamais poderá por si mesmo dar a Deus a obediência e santidade perfeitas que Lhe são devidas (Isto foi dado por Cristo em nosso lugar, e por isso importava que Ele não somente morresse por nós, mas que vivesse em perfeita obediência debaixo da Lei de Deus - Rom 5.19). Qualquer pessoa depende desesperada  e unicamente de perdão, porque a cada dia que vive só faz aumentar a sua dívida para com Deus. Não há outra esperança, não há outra saída senão ter a sua dívida perdoada para que não seja condenada eternamente à prisão.
Como o pecado consiste basicamente em não se dar a Deus o que Lhe é devido, nós concluímos então que o pecado é a pior das dívidas, e incomparavelmente pior do que qualquer outra, porque sujeita a um dano eterno.
Assim, quando alguém pede na oração modelar “perdoa as nossas dívidas” ela está pedindo na verdade algo vital, de importância capital e extraordinária que não pode ser medida. Não é uma pequena conta que será cancelada caso o perdão seja concedido. Esta dívida é enorme. Não pode ser medida senão pelo próprio Deus. E não pode ser liquidada, como vimos, senão unicamente pelo perdão da dívida.
Se nós tivéssemos como pagar esta dívida não precisaríamos orar por perdão da dívida. Esta dívida é espiritual e não pode ser paga com dinheiro. É uma dívida de vida que pode ser paga somente com a morte. Por isso Jesus teve que morrer por nós para que a nossa dívida pudesse ser cancelada.  Caso Ele não morresse no nosso lugar Deus não poderia perdoar a divida que temos para com Ele porque isto seria injusto, e não seria portanto permitido pelo Seu atributo de Justiça. Por este atributo Deus exige compensação de todo dano. Nada pode ser relevado sem uma justa retribuição pela ofensa, e isto foi claramente revelado por Ele na dispensação da Lei.  Nada pode ser perdoado sem que a Sua Justiça seja satisfeita.  A justiça é a base do Seu trono porque sem ela nada poderia ter equilíbrio, eqüidade, segurança. Nenhuma relação quer na terra, quer no céu, poderia ter uma base estável, porque atos morais poderiam ser praticados sem estarem submetidos a qualquer forma de juízo. Mas Deus, pelo Seu atributo de Justiça, tudo julga e nada escapa do Seu perfeito juízo, e isto faz que dê a paga exata a cada um conforme as suas obras.  
Deste modo, como o pecado é uma ofensa e dívida contra uma Majestade infinita perfeitamente Santa e Justa, é por conseguinte uma dívida infinita.
Se até pensamentos vãos são pecados que serão considerados no juízo, como poderíamos enumerar o tamanho da nossa dívida para com Deus (Sl 40.12)?  Assim nunca poderemos saber o quanto devemos a Deus.
Não cai bem a devedores terem um espírito orgulhoso, senão humilde. Convém a todos se humilharem diante do grande Credor implorando-Lhe por perdão, tal como o Senhor Jesus nos ensinou a fazer na oração do Pai Nosso.
A dívida deve ser confessada com humildade tal como é ensinado em Mt 6.12. Se nós confessarmos a dívida, Deus a perdoará (I João 1.9). Mas enquanto buscamos o perdão através da certeza de que será alcançado por meio da nossa simples confissão, no entanto não cometamos o grande pecado de pensar que este perdão é algo barato e fácil, porque custou o grande preço da morte de Jesus. È um perdão gratuito mas Deus nos impõe o ônus da fé, do arrependimento, da conversão, para alcançá-lo. Isto é, o que for perdoado deverá viver em novidade de vida. Não deve voltar à prática deliberada do pecado, mas deve demonstrar sua gratidão e reconhecimento de que fora de fato perdoado, vivendo em santidade de vida, em estrita obediência à vontade de Deus, porque isto é o que Lhe devemos na condição de seres morais criados à Sua imagem e semelhança.  Se não fizermos isto somos hipócritas em nossa oração pedindo-Lhe perdão dos nossos pecados, porque ao mesmo tempo que o fazemos estamos dispostos a viver do mesmo modo pelo qual a nossa dívida foi contraída. Recebemos o dom da vida de Deus e não Lhe pagamos o tributo devido de obediência à Sua vontade. Negamo-nos a pagar o que Lhe é devido. Então que busca de perdão foi esta que não levou em consideração estas verdades?
E um dos principais tributos que se exige de nós para sermos perdoados por Deus, e continuarmos agradando a Ele em vez de ofendê-lo, depois de termos sido perdoados é o tributo da fé, porque sem fé é impossível agradar-Lhe. Fé Nele e na Sua Palavra.
É pela fé em Jesus que se alcança a justificação (Rm 5.1), e é pela mesma fé em Jesus que se tem acesso à graça de Deus na qual os crentes estão firmes (Rom 5.2). Enfim, importa permanecer firme na fé em Jesus porque foi Ele quem pagou a dívida dos nossos pecados.
Nossa fé em Jesus é provada a todo momento. Devemos então colocar a coroa na cabeça do Evangelho da graça, pela nossa fé inabalável de que tudo em nossa caminhada cristã encontra-se no Senhor Jesus e não em nós mesmos.      
A nossa aceitação por Deus não será achada em nossas boas obras e méritos, mas sempre será baseada na nossa fé em Cristo, porque é Ele quem garante o nosso acesso ao Pai, estando perdoados dos nossos pecados.
 Que tipo de fé nós devemos exercitar na hora da tribulação? Fé em nossa própria capacidade e poder? Não! Fé em Jesus para estarmos firmes. Este é o coração do evangelho.
Satanás sempre nos acusará e nos tentará para buscarmos a vitória sobre ele em nós mesmos, em nossa justiça própria. Ele até mesmo sugerirá que nos santifiquemos e nos acusará quando pecarmos. Ele terá uma boa base para nos acusar quando estivermos gemendo em nossas limitações e pecados porque atendemos  às suas insinuações de tentar achar a pérola de grande valor em nós mesmos. A justiça que agrada a Deus em nossa própria natureza. Não é aí que as encontraremos, senão somente em Cristo, que é, Ele próprio, a Nossa Justiça.
  “Naqueles dias Judá será salvo e Jerusalém habitará em segurança; e este é o nome que lhe chamarão: O SENHOR É NOSSA JUSTIÇA.”  (Jer 33.16).
Assim, a nossa vitória sobre o pecado, sobre a morte, sobre Satanás, deve ser buscada somente em Cristo. É para o Autor e Consumador da nossa fé que devemos olhar enquanto caminhamos em nossa jornada neste mundo.
Deste modo, lutemos não somente para confessar, mas para termos nossas dívidas espirituais pagas por Cristo, nossa Justiça e Fiador. Digamos: “Senhor perdoa as nossas dívidas”, e Cristo pagará tudo.
Cristo é o nosso único Fiador. Tenha fé no sangue de Jesus e a dívida será liquidada. Nós não temos com que pagar a dívida mas Deus proveu para nós um Fiador fidedigno que a pagará por nós.
Mas este Fiador tem uma condição para perdoar as nossas dívidas: ele exige que perdoemos também os nossos devedores. O nosso perdão das dívidas de outros não é portanto a causa de sermos perdoados por Deus, mas a condição sem a qual Ele não nos perdoará.
Muitos demoram a alcançar a salvação por este motivo. Eles se recusam a perdoar outros e somente recebem a salvação de Deus quando se dispõem a perdoar os seus devedores.
Eles pensam de Deus como de si mesmos, como se houvesse nEle alguma dureza de coração ou amargura. No entanto Deus é inteiramente benigno, compassivo, bondoso, amoroso, perdoador, e não podemos entender de maneira adequada, de forma alguma, o que Ele seja, e por isso somos chamados a exercer fé, a crer naquilo que Ele afirma de Si mesmo na Sua Palavra, e alcançaremos misericórdia se formos também misericordiosos pedindo-Lhe graça para que possamos perdoar e amar os nossos inimigos. E temos um bom motivo para isto, porque disto depende o nosso próprio perdão.
“Quem é Deus semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade, e que te esqueces da transgressão do resto da tua herança? O Senhor não retém a Sua ira para sempre, porque ele se deleita na benignidade.” (Mq 7.18).
O homem pode perdoar um pecado contra ele, mas ele não pode perdoar uma transgressão contra Deus, e como todo pecado é uma transgressão contra Deus podemos afirmar que nenhum homem pode perdoar completamente o pecado e remover a culpa do pecador. Isto é, se alguém peca contra o seu próximo e é perdoado por ele, no entanto aquele que foi perdoado continuará sem perdão e culpado diante de Deus caso não busque ser perdoado por Ele.
Um crente pode e deve perdoar o seu irmão (Col 3.13), mas não tem o poder de  isentar a sua culpa perante Deus. Somente em Cristo a culpa do pecado pode ser removida. Daí serem tantas as ilustrações no Antigo Testamento dos sacrifícios de animais que tipificavam a remoção da culpa que pode ser feita somente através do sangue do sacrifício de Cristo, do qual aqueles eram apenas figura.
Assim  a autoridade para perdoar pecados que Cristo concedeu aos ministros do evangelho (João 20.23) é apenas declarativa, mas não efetiva. Se aquele que foi perdoado pelo pastor, não se arrependeu efetivamente dos seus pecados, ele não será perdoado por Deus, ainda que possa enganar os Seus ministros com um arrependimento superficial ou falso.
Mas quando o arrependimento é sincero e há humilhação pelo pecado, o ministro pode e deve declarar o perdão do pecado daquele que se arrependeu, para que a sua consciência seja acalmada, e para que seja também recebido na comunhão dos santos, por conversão ou por nova reconciliação. E o ministro não perdoa o pecado pela sua própria autoridade, mas como um arauto, no nome de Cristo, em quem e por  quem os pecados são efetivamente perdoados.
Tal como na Aliança da Lei, quando Deus limpava o leproso, era dever do sacerdote declará-lo oficialmente limpo. De igual modo Deus perdoa o pecado e o ministro declara o penitente perdoado.
Nenhum mortal recebeu de Deus autoridade e poder para poder perdoar pecados em seu próprio nome, ou por sua própria eficácia, porque a dívida de pecados que temos é para com Deus e não para com os homens. Nenhum homem é credor de outro em relação a pecados praticados contra eles.
“Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro.”  (Is 43.25).
Quem mais além de Deus tem o poder de apagar as transgressões dos pecadores?
O perdão é tirado dos intestinos da misericórdia de Deus e não há nada que possamos fazer para merecer isto, nem nossas orações, lágrimas ou boas obras podem comprar o perdão.
Assim se os homens pensam que eles podem comprar o perdão de pecados com os seus deveres e esmolas, tanto eles quanto as suas obras e dinheiro perecerão juntamente.
É principalmente pelo perdão de pecados que Deus comprova tanto aos homens de boa vontade, quanto aos anjos que Ele é completamente benigno, misericordioso, bondoso e cheio de graça. Ele não é um Deus cruel, duro, perverso, como o diabo costuma enganar os homens, usando por argumento as aflições que há no mundo, só que não lhes dizendo que ele próprio foi quem introduziu dores num mundo que era perfeito ao ter enganado o primeiro casal no jardim do Éden. As aflições que existem no mundo não foram causadas por Deus mas pelo próprio pecado do homem.  Em vez de aflições, Deus poderia e deveria, por causa do Seu atributo de Justiça, ter destruído a humanidade, porque o salário do pecado é a morte, mas Ele, sendo misericordioso e bom, planejou perdoar os pecadores que se arrependessem dos seus pecados e confiassem em Cristo como Salvador deles.
É pelo sangue de Cristo que nós temos redenção (Ef 1.7). A culpa do pecado era infinita, e nada mais do que aquele sangue de Alguém que não era somente homem, mas também o Deus infinito poderia obter perdão para uma culpa infinita.
Foi a graça de Deus que descobriu uma maneira de redenção através de um Mediador.
A culpa por todos os nossos pecados foi colocada sobre Cristo e Deus executou a sentença sobre a dívida destes pecados fazendo-O morrer por nós na cruz.
É por isso que Ele diz em Hb 8.12, quanto à aliança que faria através da Mediação de Cristo:
“Porque serei misericordioso para com suas iniqüidades, e de seus pecados não me lembrarei mais.”  (Hb 8.12).
 O preço pago pela nossa redenção, a saber, o sangue de Jesus, desviou completamente de nós a ira da Justiça de Deus em relação aos nossos pecados:
“Eu sararei a sua apostasia, eu voluntariamente os amarei; porque a minha ira se apartou deles.”  (Os 14.4).
Deste modo, embora um filho de Deus, depois de ter sido perdoado em Cristo, possa incorrer no Seu desgosto paternal, contudo a ira judicial dEle é afastada pelo sangue de Jesus. Assim os santos poderão ser corrigidos pelos seus pecados presentes, mas não destruídos.
“30 Se os seus filhos deixarem a minha lei, e não andarem nas minhas ordenanças,
31 se profanarem os meus preceitos, e não guardarem os meus mandamentos,
32 então visitarei com vara a sua transgressão, e com açoites a sua iniqüidade.
33 Mas não lhe retirarei totalmente a minha benignidade, nem faltarei com a minha fidelidade.
34 Não violarei o meu pacto, nem alterarei o que saiu dos meus lábios.” (Sl 89.30-34).
Esta porção deste Salmo é parte da promessa que foi feita aos que são da casa de Davi, e nós fazemos parte desta casa pela nossa união com Cristo.
E estes pecados presentes são tratados também pelo sangue de Cristo, mediante arrependimento. E o arrependimento é composto de três partes principais: contrição, confissão e conversão.
Contrição é o quebrantamento de coração, é a tristeza pelo pecado, uma vez convencidos deste pelo Espírito Santo. Os contritos são os que choram que serão consolados, conforme previsto na bem-aventurança (Mt 5.4). Como esta contrição vem antes do perdão e prepara o coração para recebê-lo, daí Jesus ter afirmado que os tais são bem-aventurados.
A confissão do pecado deve ser humilde, sincera, sem reservas, voluntária, tal como a do publicano da parábola que Jesus citou para mostrar o quanto estavam errados os fariseus julgando-se justificados diante de Deus pela justiça própria deles.
Como disse Agostinho: “A confissão fecha a boca do inferno e abre o portão do paraíso.”.
O terceiro ingrediente do arrependimento é a conversão, isto é,  deixar o pecado e fazer a vontade de Deus.
Pode haver tristeza pelo pecado, pode haver confissão e no entanto  não se deixar a prática do pecado, isto é, não haver conversão; então não houve um verdadeiro arrependimento porque ficou faltando este terceiro componente da conversão.
A conversão é na verdade a mudança de todo o direcionamento da vida para Deus, isto é, uma mudança completa que leva em conta não somente o abandono de um pecado específico mas do pecado em todas as suas formas, porque tentar esconder um só malfeitor na casa diante do nosso Rei, nos torna culpados de rebeldia contra Ele. E quem esconde um rebelde é um traidor da Coroa e merece a morte.
Por isso se diz que o arrependimento é para com Deus (At 20.21) porque não é apenas um ato de se deixar o pecado, mas de se voltar para Deus com integridade de coração.
E este arrependimento é o modo que conduz ao perdão de Deus, como se vê em Is 55.7:
“Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos; volte-se ao Senhor, que se compadecerá dele; e para o nosso Deus, porque é generoso em perdoar.”  (Is 55.7).
Na oração do Pai Nosso Jesus nos ensinou a pedir o perdão a Deus, mas em outras passagens da Palavra nós somos ensinados quanto ao modo de fazê-lo. Nós vemos que não é apenas com um pedido verbal que se alcança o perdão, mas com as atitudes que são necessárias e ensinadas pelo Senhor na Bíblia. Daí na própria seqüência da petição do perdão na oração do Pai Nosso, Jesus ensinou também a necessidade de se pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação e que nos livre do mal, porque é fazendo frente efetiva contra toda forma de tentação e de mal que se alcança o perdão gratuito de Deus.
Isto é ensinado pela própria natureza, porque como poderia um rei perdoar um rebelde que continua em hostilidade aberta contra ele? Como Deus perdoaria os nossos pecados vendo em nós uma franca disposição para continuar na prática deles? Como Ele se deixaria enganar? Ele tudo sabe e vê. Ele é onipotente, onisciente e onipresente.
  O arrependimento aponta portanto para Deus assim como a agulha da bússola aponta para o Norte.
O filho pródigo não somente deixou as meretrizes como também voltou para o seu pai.
Assim o arrependimento vem antes do perdão, e aquele que nunca se arrependeu não pode ter uma base segura para esperar que os seus pecados sejam perdoados.
Não que o arrependimento mereça e seja a base para o perdão do pecado. Porque sabemos fartamente que esta base e mérito são exclusivos de Jesus, do sangue que Ele derramou para nos lavar das nossas iniqüidades. Mas o arrependimento é uma condição, tanto quanto o perdão dos nossos devedores é uma outra condição para o perdão dos nossos pecados, conforme já comentamos anteriormente.
O ensino de nosso texto de Mt 6.12 sobre o dever de buscarmos o perdão de Deus ao mesmo tempo que devemos perdoar os nossos devedores está vinculado não somente a Mt 6.13 que contém a conclusão da oração do Pai Nosso em que devemos pedir a Deus para não nos deixar cair em tentação e livrar-nos do mal, como também aos versículos 14 e 15 que lhe seguem imediatamente. Em Mt 6.14,15 Jesus ensina diretamente que o perdão de nossos pecados por Deus é dependente da condição do nosso perdão efetivo dos nossos devedores.
Não adianta portanto uma pessoa ficar apenas chorando pelos seus pecados e por causa da vergonha e dores que está sentindo por causa destes pecados. Ela não poderá experimentar o perdão e o favor de Deus caso não os confesse, e que também abandone a prática de toda forma de pecado e erro, e se disponha a fazer a vontade de Deus, praticando aquilo que é justo, conforme nos tem revelado na Sua Palavra.
Há muitos que estão chorando, inclusive crentes, mas que não podem ser ajudados por Deus porque não estão confessando as suas culpas (admitindo que estão errados) e mudando a direção de suas vidas, das trevas para a luz; do erro para Deus.
Mas se ocorrer um efetivo retorno para Deus Ele perdoará os pecados conforme tem prometido:

“16 Lavai-vos, purificai-vos; tirai de diante dos meus olhos a maldade dos vossos atos; cessai de fazer o mal;
17 aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.
18 Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados são como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que são vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã.”  (Is 1.16-18).

“Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi.”  (Is 44.22).

Assim ao afirmarmos a gloriosa graça que há no sangue de Jesus para o perdão dos pecados, não podemos esquecer que a Palavra ensina direta e claramente que há condições para que este perdão seja efetivo.
Deste modo, não é somente a fé no sangue que trará o perdão, mas a conjunção da fé com o arrependimento, porque Deus os tem unido inseparavelmente, de modo que não há verdadeira fé onde não há arrependimento, e nem verdadeiro arrependimento onde não haja fé. Não esqueçamos portanto que há condições, e uma destas condições é o perdão dos nossos devedores, e uma outra importante condição é o arrependimento, e nós vimos que um arrependimento verdadeiro é composto de três componentes: contrição, confissão e conversão.
Não podemos tornar o perdão mais gratuito do que Deus tem estabelecido. Não podemos ficar aquém do que Ele tem exigido. Não podemos baratear a graça, porque Deus é um Deus bondoso, mas criterioso.
Ninguém diga portanto que basta confiar em Jesus e nada mais para que alguém seja perdoado e aceito por Deus. O modo de se demonstrar a nossa confiança em Jesus inclui um necessário arrependimento, por isso Ele pregava a fé mas não sem o arrependimento.
“e dizendo: O tempo está cumprido, e é chegado o reino de Deus. Arrependei-vos, e crede no evangelho.”  (Mc 1.15).
Se houver arrependimento e fé Deus fará de pecadores quebrados vasos de ouro de misericórdia para serem usados de modo honroso por Ele. Então nunca nos contentemos com um arrependimento superficial, mas com um que seja verdadeiro, porque há grande galardão para os que se arrependem continuamente dos seus pecados para consagrarem suas vidas a Deus.
“19 Todavia o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor.
20 Ora, numa grande casa, não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de madeira e de barro; e uns, na verdade, para uso honroso, outros, porém, para uso desonroso.
21 Se, pois, alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e útil ao Senhor, preparado para toda boa obra.”  (II Tim 2.19-21).
Devemos também saber a diferença que há entre o perdão total dos nossos pecados passados (Jer 33.8; Col 2.13) que praticamos antes do nosso encontro pessoal com Cristo, e o perdão dos nossos pecados presentes, que apesar de serem cobertos pelo mesmo sangue que cobriu os nossos pecados passados, demandam o exercício contínuo de fé e arrependimento para serem perdoados. Nós não seremos condenados por causa destes pecados ao fogo eterno, mas Deus nos corrigirá se não nos examinarmos de modo a confessá-los e deixá-los. Muitos se privam da graça de Jesus por ignorância quanto à aplicação da graça, porque pensam que por estarem na graça podem viver de modo desordenado e pecaminoso, considerando que todos os seus pecados já estão perdoados. Se assim fora, porque seria exigido que o crente examine-se a si mesmo? (I Cor 11.28-32).
Se os pecados presentes já estão perdoados por que então se ordena que oremos pelo perdão de pecados? (I João 2.1; Mt 6.12). Que necessidade teríamos de um Advogado junto ao Pai se os pecados presentes e futuros já estão perdoados?
Tenhamos fé que o sangue de Cristo é o suficiente para o perdão dos nossos pecados, como causa e base na qual eles são perdoados. Mas não esqueçamos que há condições estabelecidas pelo próprio Deus para que sejamos beneficiados por este sangue, isto é, que ele seja de fato eficaz e operante no perdão real dos nossos pecados, e já vimos e repetimos que a principal condição é o arrependimento, e já mostrarmos fartamente que não há arrependimento sem conversão, isto é, abandono do pecado, e busca real da presença de Deus fazendo a Sua vontade.
Traduzindo isto em termos práticos poderíamos citar alguns exemplos como os que destacamos a seguir:
1 – Quê adianta alguém dizer que se arrependeu do pecado e não perdoa os seus devedores?
2 – Há arrependimento verdadeiro quando se pede a Deus para perdoar os nossos pecados e continuamos fazendo aquilo que nos é proibido pela Sua Palavra, ou então não fazendo o que nos é ordenado nela?
3 – Que arrependimento houve quando não vivemos por fé e sim por vista? Quando amamos o mundo e rejeitamos a santidade de Deus?
4 – Como podemos esperar o perdão dos nossos pecados por Deus se não compartilhamos as necessidades dos santos, se não intercedemos por eles, se não temos qualquer compromisso com a obra do Senhor e não nos importamos em dar o fruto de justiça esperado por Ele, por um andar no Espírito?
Assim a fé que salva e perdoa é sobretudo fé em tudo aquilo que a boca do Senhor tem proferido na Sua Palavra. Que fé é esta que proclama confiança em Cristo mas não se dispõe a praticar a Palavra de Deus e honrá-la? Não é a mesma fé dos demônios? Como pode alguém esperar ser salvo e perdoado com uma fé como esta?
Esta não é a fé no Cristo da Bíblia, porque Ele mesmo definiu a fé nEle como cumprimento dos Seus mandamentos colocando-nos debaixo do Seu senhorio.
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”  (Mt 7.21).
Crer em Cristo é concordar com as condições que Ele tem estabelecido na Sua Palavra.
Aquele que não crê em Cristo deste modo não pode ser beneficiado pelo Seu sangue. Não pode ter parte com Ele.
“Se vós permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e vos será feito.”  (João 15.7).  
Não há nenhum perdão que não seja precedido por este tipo de fé genuína em Cristo. Daí a grande importância de se conhecer e praticar a Palavra.
“E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.”  (Tg 1.22).
Mas é importante também saber diferenciar entre justificação e santificação, porque quando falamos de perdão de pecados passados estamos falando de justificação, e quando falamos de perdão de pecados presentes e futuros estamos falando de santificação, e há grande diferença entre ambas.
A justificação não depende de arrependimento de pecados presentes que venhamos a praticar porque é imputada quando nos unimos a Cristo, isto é, quando Ele passou a ser o Salvador das nossas vidas; quando nos tornamos crentes. A justificação é imputada pela fé em Cristo e nada mais. E é simultaneamente acompanhada pela regeneração do Espírito Santo que nos torna novas criaturas, operando uma grande purificação de pecados. Neste dia do nosso novo nascimento, todos os nossos pecados passados foram perdoados. Mas daí em diante, nós teremos que viver também pela base de uma justiça que nos é implantada na santificação. E esta é gradual, progressiva. De modo que um crente pode ser mais santificado do que outro, mas não ser mais justificado do que outro. Um crente pode ter mais graça do que outro  na santificação, mas não ser mais crente do que outro, porque a justificação está completa, é um ato perfeito, porque nela os crentes receberam a justiça de Cristo. Mas a santificação é sempre imperfeita, e há manchas em todos os filhos de Deus. As nossas graças estão misturadas com as escórias de pecados e a execução dos nossos deveres é imperfeita.        
Se Deus nos perdoasse e não nos santificasse, Ele não poderia receber qualquer glória de nós. Que glória Deus poderia receber de um coração orgulhoso, ignorante, profano?
Se Deus não santificasse o crente, haveria pecado e mancha no céu, mas lá não pode entrar qualquer mancha ou pecado (Apo 21.27).
Assim, aqueles a quem Deus perdoa, Ele transforma. Deste modo ninguém diga que os seus pecados foram e estão sendo perdoados sem que haja um trabalho de santidade no interior do seu coração.
Onde Deus remove o pecado, Ele imputa justiça.
E isto é feito individualmente e não coletivamente. Há necessidade que cada pessoa assuma a responsabilidade pelos seus pecados diante de Deus, porque o texto diz “perdoa as nossas dívidas” e isto revela que não somos castigados pelos pecados de outras pessoas, mas pelo nosso próprio pecado.
“Eu, o Senhor, esquadrinho a mente, eu provo o coração; e isso para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.”  (Jer 17.10).
“Assim, pois, cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus.”  (Rom 14.12).
Nós não oramos para que seja perdoado o nosso pecado, mas os nossos pecados, no plural, porque não é por uma única dívida que nós oramos, mas por uma multidão de pecados. Nossos pecados são como as gotas do mar, como os átomos do sol, eles excedem qualquer contagem aritmética.
Se nós avaliássemos corretamente a dívida que temos para com Deus, isto nos levaria a nos humilharmos diante dEle pelo motivo de estar tão cheios de manchas negras em nossas almas, e isto deveria nos colocar em prontidão rapidamente para a busca do perdão dos nossos pecados, para que tais manchas sejam apagadas pelo sangue de Jesus que nos torna mais alvos do que a neve.
Assim como há uma rica misericórdia para alimentar os nossos corpos com o pão diário, há também uma rica misericórdia para nos perdoar. Uma é a misericórdia que nos alimenta e outra a que nos perdoa. Assim, não é nenhum sinal de que fomos perdoados o fato de Deus nos prover com coisas materiais.
Quando Cristo disse ao paralítico que os seus pecados haviam sido perdoados, isto foi uma maior e melhor misericórdia, do que a que havia curado a sua paralisia (Mc 2.5).
Por isso a oração do Pai Nosso coloca em realce o perdão dos pecados e não a cura de enfermidades do corpo, porque é o perdão dos pecados que devemos pedir a Deus antes de tudo o mais; e é importante frisar que muitas enfermidades físicas são curadas como mera conseqüência do perdão dos pecados.
Ninguém poderá obter o céu sem o perdão de pecados, então de pouco adiantará a cura do corpo se não houver perdão de pecados que é a forma de se entrar no reino dos céus.
Não admira que Jesus tenha repreendido aqueles que haviam sido  curados por Ele e visto os muitos milagres que Ele havia feito e que não tinham se arrependido:
“Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se operaram, há muito, sentadas em cilício e cinza, elas se teriam arrependido.” (Lc 10.13).
Se o perdão de pecados é tão absolutamente necessário, qual é então a razão de tão poucos no mundo se empenharem por isto? Para serem curados de males físicos eles procuram o médico e se for necessário empreender uma longa viagem para serem curados ou gastarem muito dinheiro, eles o farão prontamente. Mas quando o assunto se refere à cura dos males de suas almas eles parecem desinteressados e não buscam por cura. De onde procede isto?
As pessoas não levam a sério que têm uma grande dívida para com Deus que será executada no dia do juízo. Como estão mortos espiritualmente, não poderão discernir esta verdade a não ser que creiam em Cristo e sejam instruídos pelo Espírito Santo.
Nós vemos então que os homens dependem inteiramente de que Deus lhes revele a sua real condição perante Ele. O quanto são pecadores e o quanto necessitam do Seu perdão para que sejam curados.
A trombeta do evangelho soa por toda parte ordenando aos homens que se arrependam de seus pecados e creiam em Cristo. Mas todo aquele que desprezar o aviso não terá os seus olhos espirituais abertos por Deus para que possa conhecer a condição em que  se encontra, de maneira que possa reconhecer humildemente que é pecador e necessita pedir-Lhe: “Perdoa as minhas dívidas porque tenho crido que o único modo de liquidá-las é o sangue de Cristo”.
O homem, por si mesmo, não pode conhecer que de fato lhe espera uma condenação terrível num inferno de fogo caso não se arrependa e creia, por isso é importante que não somente se pregue o único e genuíno evangelho, como também se dê não somente  ouvidos a esta verdade pregada, mas que se obedeça o que é ordenado, a saber, que nos arrependamos e creiamos somente em Cristo para sermos perdoados.
Assim a fé que salva vem por se ouvir e obedecer a pregação do evangelho. E o evangelho garante que se crermos em Cristo em nosso coração confessando-o como nosso Senhor, e que Deus o ressuscitou dentre os mortos, seremos salvos.
E os homens não dão crédito à pregação do evangelho e não buscam perdão para os seus pecados conforme Jesus nos ordenou na oração do Pai Nosso porque eles estão buscando outras coisas. Eles estão apegados às coisas do mundo. Eles a buscam imoderadamente. O coração deles está completamente cativado por elas. E assim, não conseguem atinar que têm um espírito imortal e terão que prestar contas a um Deus imortal.
Satanás usa as riquezas do mundo como armadilhas para manter almas cativas ao pecado. Os desejos pelas coisas terrenas gritam tão alto nos corações dos pecadores que eles não conseguem ouvir  a trombeta de alarme que é tocada pelos ministros do evangelho.
E se o homem não obtiver o perdão de Deus para os seus pecados, pelo único caminho para isto, que é a fé em Jesus Cristo, ele não poderá escapar de modo algum da condenação eterna, porque Deus não pode inocentar de modo algum o culpado, senão apenas perdoá-lo (Ex 34.7) caso se arrependa e creia.
Muitos não buscam seriamente o perdão dos seus pecados porque têm esperança de que não serão punidos. Eles afirmam que Deus é pai, que Deus é bom, misericordioso, e de modo algum mandará alguém para o inferno. Eles afirmam isto contra tudo o que o próprio Deus afirma claramente na Sua Palavra quanto à condenação futura.
Outros negam até mesmo a existência de Deus, e há outros que afirmam até mesmo que não existe pecado. A condenação de todos eles é justa e certa.
Mas há também aqueles que acham que Deus não pode perdoar os seus pecados porque são muitos e graves, e não admitem que um Deus santo possa habitar pelo Seu Espírito nos pecadores. Estes desonram a Deus Pai e particularmente a Cristo, porque com isto negam a bondade de Deus e que o sangue de Jesus seja de fato suficiente para cobrir o pecado.
Desonram também a Deus aqueles que crêem que é possível o perdão de pecados, só que buscam isto através da prática de suas obras de justiça própria. Isto não somente desconsidera o tamanho da dívida impagável que têm para com Deus, como despreza o sacrifício que Jesus fez para salvá-los morrendo na cruz. Estes estão declarando indiretamente que o sangue de Jesus não pode lhes perdoar.
Quem não tiver os seus pecados perdoados não achará a vida e permanecerá morto espiritualmente.
A própria vida está em ser perdoado por Deus (Rom 5.18). Por isso que os crentes, ainda que vivos para Deus em Cristo Jesus vivem como se estivessem mortos espiritualmente quando vivem deliberadamente na prática do pecado. Porque somente a submissão ao Espírito Santo dá para a vida e paz, e a submissão à carne para a morte espiritual (Rom 8.6). A carne produz as obras da carne, e estas obras são o pecado propriamente dito, cujo salário sempre é a morte.
Sendo Cristo o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, nós devemos considerar que quando ele nos ensinou o dever de pedirmos o perdão dos nossos pecados a Deus, Ele não estava insinuando a busca de um simples alívio de consciência por alguma falta cometida, considerada isoladamente, mas o cumprimento da própria obra que Ele veio realizar em favor dos pecadores e diz respeito à salvação e santificação deles. Foi com esta perspectiva em vista que Ele pronunciou não somente estas palavras de Mt 6.12 mas todo o Seu ensino no Sermão do Monte, bem como tudo o mais que fez e ensinou em Seu ministério terreno, com a promessa de tudo o que seria ainda ensinado pelo Espírito Santo aos apóstolos. É o resgate do homem da condição a que ficou sujeito por causa do pecado original que Cristo se ocupou e continua se ocupando à destra do Pai nos céus como nosso Advogado e Sumo Sacerdote. Não podemos considerar tudo que se refira a este assunto numa perspectiva menor do que a que Ele próprio considerou e tem considerado.    
E este perdão dos pecados foi um trabalho penoso para a alma de Cristo em Seu ministério terreno, especialmente quando foi elevado na cruz, bem como continua sendo um trabalho penoso para toda a trindade divina, porque se não houve qualquer tipo de oposição para a criação do mundo, no entanto há grande oposição de Satanás, dos principados e do próprio pecador, na nova criação que está sendo feita pelo novo nascimento operado pelo Espírito Santo, pela fé em Jesus.
E este é um trabalho que pode ser feito somente pelo poder de Deus. Ninguém está habilitado para salvar uma única alma que seja. Perdoar e remover a culpa do pecado é um trabalho exclusivo para o Cordeiro de Deus.
  Jesus disse que todo pecado e ofensa pode ser perdoado aos homens, exceto o pecado de blasfemar contra o Espírito Santo. Então Deus não tem revelado a nenhum homem em particular que ele é um réprobo e que não há esperança de salvação para ele. O pensamento de que nós não somos eleitos e que não há portanto nenhuma possibilidade de perdão para nós, vem de Satanás, que é o acusador, e nos acusa diante de Deus que somos grandes pecadores; e acusa Deus a nós dizendo que Ele é um grande tirano, que vigia para destruir as suas criaturas. A estas sugestões diabólicas devemos dizer: “para trás de mim Satanás!”.
Deus tem afirmado em Sua Palavra que é rico em misericórdia e que não tem prazer na morte dos ímpios, antes que se arrependam e vivam (Ef 2.4; Ez 18.32; 33.11). Assim usa de grande longanimidade e espera muito tempo para que os pecadores se arrependam e busquem nEle o perdão para os seus pecados.
Então sejamos encorajados pelas promessas de Deus a buscar  perdão para os nossos pecados, sabendo que somos perdoados não porque o mereçamos, mas porque Deus é generoso (Ex 34.6).  Ele perdoa por misericórdia. Atos de perdão são atos de graça, de maneira que o nosso perdão aos nossos ofensores deve ser também um ato de misericórdia, que está condicionado também ao arrependimento dos nossos ofensores. Nós devemos ter uma atitude perdoadora, mas especialmente os ministros do evangelho devem cuidar para não perdoarem indiscriminadamente, admitindo na comunhão do corpo de Cristo crentes que não se arrependeram dos pecados que praticaram contra os seus irmãos em Cristo. Estes devem ser considerados como gentios e publicanos, e de modo algum devem receber o perdão se não houver o necessário arrependimento (Mt 18.17).
Mas em havendo o arrependimento, somos obrigados a perdoar setenta vezes sete, conforme o Senhor nos ensinou (Mt 18.21,22).
A atitude perdoadora deve no entanto permanecer em aberto para um possível futuro arrependimento mesmo destes que são considerados gentios e publicanos, isto é, como se fossem estranhos para o corpo de Cristo. Eles perderam a nossa confiança mas poderão se reabilitar através do arrependimento, tal como nós somos reabilitados na nossa comunhão com o Senhor, através do arrependimento dos nossos pecados.
“14 Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai-o e não tenhais relações com ele, para que se envergonhe;
15 todavia não o considereis como inimigo, mas admoestai-o como irmão.”  (II Tes 3.14,15).
Esta atitude perdoadora para com um irmão faltoso só será possível se estivermos vivendo e andando no Espírito, tendo o amor de Deus derramado nos nosso corações pela presença do Espírito Santo, porque será isto que nos habilitará a possuir a atitude perdoadora a que nos temos referido, mesmo quando cortarmos o nosso relacionamento com algum irmão por causa do seu endurecimento no pecado, de maneira que venha a andar contrariamente à doutrina de Cristo.  
A reconciliação de um irmão caído é uma das jóias da graça do evangelho, e é uma glória que enaltece o caráter bondoso, longânimo, amoroso e misericordioso de Deus e daqueles que são Seus imitadores como filhos amados. Então devemos orar pela reabilitação daqueles que apostataram da fé e que são crentes verdadeiros, porque nos é ordenado amparar os que são fracos na fé.
“1 Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado.
2 Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.”  (Gal 6.1,2).
Vejamos então atentamente se o motivo da queda de alguém que faça parte da membresia de nossa congregação é por motivo de fraqueza, e oremos para que tal pessoa seja reabilitada e nos esforcemos para reconduzir tal pessoa à verdade, com toda longanimidade e pelo uso da sã doutrina.
Não nos cansemos de nos estimular uns aos outros ao exercício do perdão e a buscar o perdão e também perdoarmos a outros porque quando alguém tem os seus pecados perdoados por Deus o seu coração fica cheio, conseqüentemente, de amor por Deus, porque o Espírito Santo que estava entristecido e apagado por causa do pecado, tornará a encher o espírito de alegria e amor. Aquele que é muito perdoado, muito ama, disse Cristo. O perdão desperta grande gratidão a Deus, e um coração grato é um coração cheio de graça. Que jóia preciosa é então o perdão dos nossos pecados. Peçamos então: “Perdoa as nossas dívidas, assim como temos perdoado os nossos devedores.”.
O amor da mulher que foi perdoada por Jesus (Lc 7.47) não foi a causa do seu perdão, mas um sinal dele. Uma alma perdoada é um monumento da misericórdia de Deus, e a pessoa perdoada pensa que nunca poderá ser grata a Deus e amá-la o bastante, tal a grandeza do perdão, em face de passar por alto, como vimos antes, uma culpa infinita, resultante de uma dívida infinita, que é a do pecado.
Um coração perdoado está inflamado de zelo e fervor por Deus, de maneira que onde há um coração duro e frio como o mármore é porque não experimentou ainda o perdão dos seus pecados.
Onde o pecado é perdoado a natureza é purificada (Os 14.4). Todo pecador é culpado e doente por natureza, e quando Deus remove a sua culpa, ele cura a sua doença (Sl 103.3).
Quando Deus perdoa Ele muda o coração. No lugar do coração de pedra ele coloca um coração de carne (Ez 36.26). Ele muda os nossos trajes sujos por trajes festivos (Zac 3.4).
Então que ninguém pense que tem sido perdoado dos seus pecados, se lhe faltam estas evidências da operação da graça divina que acompanham o perdão.
Aqueles que têm os seus pecados perdoados são consolados pelo Espírito Santo de Deus (Is 40.1,2).
Os que são perdoados seguirão o Cordeiro aonde quer que Ele vá (Apo 14.4), estando dispostos a morrerem por Ele (At 21.13).
Os que têm sido perdoados sentem um doce calma e paz interior depois de terem passado por muitas tempestades.
Quando o pecado é perdoado o coração fica sem malícia (Sl 32.1,2). Não ter malícia no coração significa simplicidade de coração. Não há ruins suspeitas, nem um coração dobre, nem conspiração. Não apenas as ações serão corretas mas também o coração estará correto quando ele está sem malícia. O coração servirá a Deus pelo princípio correto que é o amor, e para um fim correto, que é para a exclusiva glória de Deus.
Um coração sem malícia não se permite ter no seu interior o menor pecado e evita pecados ocultos. Ele sabe que Deus tudo vê e julga; e assim se guarda de toda a forma de iniqüidade (Sl 18.23).
Um coração sem malícia tem completo interesse na verdade de Deus e a defenderá ainda que seja com o sacrifício da própria vida. E lamentará quando o estado da igreja estiver numa condição baixa na qual Deus não esteja sendo honrado e glorificado (Ne 2.3). Assim, quando a igreja do Senhor estiver sofrendo, uma alma sincera sentirá tristeza como se a sua própria pessoa estivesse sendo atingida. Um coração sem malícia se alegra somente com a verdade e quando vê que a causa do evangelho está fundamentada e triunfando.
 “Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós,” (Ef 4.31).
“1 Deixando, pois, toda a malícia, e todo o engano, e fingimentos, e invejas, e todas as murmurações,
2 Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo;” (I Pe 2.1,2).
“6 Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos.
7 Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação.” (I Tes 4.6,7).
A palavra daquele que tem um coração sem malícia é fidedigna, porque se baseia no princípio de Cristo, de sim, sim, não, não.
Aquele que tem um coração sem malícia é fiel aos seus amigos, e nunca fingirá e dissimulará o que sente junto a eles. Falsificar o amor é hipocrisia e então um coração sem malícia não lisonjeará quando tiver que censurar. Nunca trairá a quem quer que seja com um beijo.
Assim não podemos julgar amizades pela língua, pelas juras de fidelidade e amor. As palavras podem estar cheias de mel enquanto o coração está cheio do fel da malícia. Aquele que atraiçoa o seu amigo não tem um coração que seja verdadeiro para com Deus. Quando isto acontece é um sinal que o pecado não foi perdoado, porque Deus não imputará nenhum pecado àquele cujo coração está sem malícia.  
Aquele que teve seus pecados perdoados está disposto a perdoar outros que o ofenderam (Ef 4.32). Um hipócrita virá à igreja, construirá hospitais, dará esmolas, mas não pode perdoar injustiças que tenha sofrido.
Se nós temos espíritos perdoadores nós sabemos que iremos para o céu. É principalmente  por este meio que sabemos que pertencemos a Cristo. Não precisamos subir ao céu para saber se nossos pecados foram perdoados, basta olhar para os nossos corações.
Deus olha para uma alma perdoada como se ela nunca tivesse pecado. E esta é a grande consolação do Seu povo, saber que Ele perdoou as suas iniqüidades (Is 40.1,2), e sabendo isto não buscaríamos ser perdoados assim como temos perdoado os nossos devedores?
Aquele cujo pecado foi remido por Cristo é olhado por Deus como se nunca O tivesse ofendido. Embora o pecado remanesça depois do perdão, contudo Deus não olha para ele como um pecador, mas como um homem justo.
A alma perdoada está livrada para sempre da ira de Deus. E quão terrível é a ira de Deus. Mas toda alma perdoada está livrada da ira vingadora de Deus.
A consciência de quem foi perdoado não pode mais acusá-lo da culpa do pecado. E nem pode mais atemorizá-lo.
Se a consciência estiver devidamente informada ela se regozijará no perdão divino em vez de acusar o pecador.
Se o pecado foi perdoado a consciência está serena e tranqüila. O céu está claro e não há qualquer tempestade para agitar a mente. E a misericórdia de Deus ilumina a alma.
A culpa corta as asas do perdão. Faz a face se ruborizar, mas a confiança no perdão recebido faz com que olhemos com gratidão e louvor a Deus como um Pai de amor e misericórdia.
Quando os nossos pecados são perdoados as nossa ofertas são aceitas por Deus e Ele nos faz úteis no Seu serviço (Zac 3.3,4).
 Quando o pecado é perdoado Deus nunca nos censurará por pecados anteriores, tal como aprendemos da parábola do filho pródigo e de todos os pecadores que Jesus perdoou em Seu ministério terreno. Ele nunca lançou no rosto deles as faltas que haviam cometido anteriormente ao perdão recebido.
A alma perdoada triunfa sobre a morte. Para estes a morte não é uma destruição mas uma libertação. É uma passagem para o reino de glória.
O perdão dos nossos pecados é uma jóia preciosíssima que pede por aclamações de louvor e gratidão. Você é grato pelo pão diário e não seria muito mais pelo perdão? Você dá graças pela cura da doença e não daria muito mais pela libertação do inferno? Deus fez mais por você perdoando os seus pecados do que lhe tivesse dado um reino na terra.
Mas não pensemos que por causa da bondade, misericórdia e graça de Deus que o perdão é fácil. Não é de modo nenhum fácil obter o perdão, pois temos visto que há condições para ser perdoado por Deus, como por exemplo perdoar os nossos devedores e nos arrependermos, e vimos que o arrependimento consiste em contrição, confissão e conversão, conforme se vê nas palavras do Senhor em II Crôn 7.14, quando revelou as condições para que possa perdoar o Seu povo, apesar de ter feito uma base para este perdão no sacrifício de Jesus:
“E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra.”(II Crôn 7.14).
Deus não nos perdoará se não nos reconhecermos culpados pelas nossas transgressões contra Ele e contra o nosso próximo. Ele não nos perdoará se não confessarmos as nossas culpas e se não nos dispusermos a nos convertermos dos nossos maus caminhos.
Não podemos esperar ser ouvidos por Deus em nossas orações se não resolvermos primeiro a necessidade que temos de buscar nEle o perdão para os nossos pecados. Isto vale também para os crentes, como se vê em II Crôn 7.14, porque estas palavras se aplicam ao povo de Deus.
Mas devemos também fugir do engano de que enquanto nos esforçamos seguindo as instruções anteriores para obter o perdão de Deus, que o façamos confiando no nosso próprio mérito e justiça e não somente no sangue de Cristo como sendo a base na qual devemos depositar a nossa fé para que sejamos perdoados (Apo 1.5; Rom 3.25; I Pe 1.2). E o sangue se mostra eficaz somente quando exercemos fé em Cristo.
E nós vimos também que não é um caminho fácil o que está estipulado por Deus para o perdão dos nossos devedores, porque, apesar de se exigir de nós uma atitude perdoadora, isto é uma completa disposição para perdoar a outros, sendo compassivos para com eles, exige-se o arrependimento da parte deles para que sejam perdoados. Assim, quando um irmão peca contra outro, ou anda de modo desordenado na Igreja contra a doutrina de Cristo, e não se arrepende disto e não reconhece o seu erro e muito menos o confessa e abandona, nós não estaremos fazendo a vontade de Deus se lhe perdoarmos estas ofensas, porque é necessário que haja um verdadeiro arrependimento para a liberação do perdão. Por isso Jesus não deu aos ministros do evangelho somente o poder de declarar o perdão de pecados, mas também de retê-los por causa da falta de arrependimento (João 20.23).
 E há casos em que nós mantemos um coração aberto em relação àqueles que nos têm ofendido, mas não devemos nos confiar a eles e nem confiar neles, tal como Davi fizera em relação a Simei que lhe havia amaldiçoado,  acusando-o injustamente de crimes contra a casa de Saul que ele não havia praticado.
Nós devemos seguir o exemplo de Cristo que quando era injuriado não injuriava a ninguém e entregava-se inteiramente ao cuidado do Pai, que julga retamente, e a quem cabe todo o juízo.
É preciso pedir ao Senhor que aumente a nossa fé, tal como lhe haviam pedido os seus discípulos durante o seu ministério terreno, para que possamos confiar que de fato Deus julgará todas as nossas demandas contra aqueles que nos têm ofendido e prejudicado, enquanto temos uma atitude perdoadora para com eles, na expectativa de que se arrependam para a glória de Deus e para o próprio bem deles.
“3 Tende cuidado de vós mesmos; se teu irmão pecar, repreende-o; e se ele se arrepender, perdoa-lhe.
4 Mesmo se pecar contra ti sete vezes no dia, e sete vezes vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me; tu lhe perdoarás.
5 Disseram então os apóstolos ao Senhor: Aumenta-nos a fé.”  (Lc 17.3-5).
Assim nunca nos cansemos de fazer o bem a todos, especialmente aos domésticos da fé, orando por eles, exortando-os, dando-lhes a porção necessária da Palavra de Deus para serem alimentados, ainda quando estejam  resistindo  a isto, porque uma mãe não deixará de alimentar o seu bebê quando ele estiver recusando o alimento. O Senhor se empenha para nos conduzir ao perdão evangélico que cobre multidão de pecados, e juntamente com Ele  devemos  também esforçar-nos para que outros sejam perdoados por Deus tal como nós o fomos. Usar de bondade e benignidade apenas para com aqueles que se mostram receptivos a nós e que nos procuram não é a norma do Evangelho, conforme  bem  o demonstra a parábola das bodas em que o Rei ordena que os convidados sejam forçados a comparecerem ao casamento do Seu Filho, porque isto será para  o próprio bem deles. Isto revela o empenho e a luta que temos que fazer  para propagar o perdão do evangelho, dispondo-nos a amar e a perdoar aqueles que se manifestam como nossos inimigos, de maneira que possamos ganhar a alguns deles pelo nosso exemplo de paciência e mansidão no serviço de Cristo.


A Sexta Petição na Oração do Senhor

Por Thomas Watson (adaptado)

“E não nos conduza em tentação, mas livra-nos do mal” -  Mateus 6.13

O verbo eisfero, no original grego, traduzido no nosso texto por conduzir, é usado em outras seis passagens do Novo Testamento (Mt Lc 5.18, 19; 11.4; At 17.20; I Tim 6.7; Hb 13.11), com o mesmo significado de conduzir, trazer para dentro ou introduzir.
E a palavra para tentação no original grego é peirasmos, e significa experimento, tentativa, teste, prova, adversidade, tribulação ou aflição enviada por Deus para testar ou provar o caráter, a fé ou a santidade de alguém.
Esta petição da oração do Pai Nosso coloca diante de nós a seguinte questão: Porventura Deus conduz alguém em tentação? A resposta óbvia com apoio em outros textos bíblicos como Tiago 1.13 é que não, porque Ele a ninguém tenta e nem pode ser tentado.
Mas se a ninguém tenta, no entanto pode conduzir Seus filhos a condições para que sejam provados. E o Senhor Jesus nos ensina a pedir a Deus para que não nos conduza a tais provas em que seremos testados.
Uma chave para a compreensão desta petição da oração do Pai Nosso é I Pe 1.6,7:
“6 Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, se necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações,
7 Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo;” (I Pe 1.6,7).
Neste texto é dito que somos contristados, por um breve tempo, com várias tentações, mas somente se isto for necessário, a saber: Deus não nos provará desnecessariamente caso andemos em conformidade com a Sua vontade.
Quando a fé é provada, testada, Deus quer que conheçamos qual é a nossa real condição espiritual, para que possamos entender o quanto necessitamos progredir em santidade pelo aumento da nossa fé.
O ponto é o seguinte: se formos achados aprovados não necessitaremos ser submetidos a provas.
Entretanto, esta não é a condição normal que é encontrada na quase totalidade dos crentes, e de um modo ou outro, num ou noutro grau, todos são provados de alguma maneira para o benefício da sua fé.
Então por que o Senhor ensinou a pedirmos a Deus para não nos conduzir em tentações, uma vez que o apóstolo Tiago afirma que devemos ter por motivo de toda a alegria o passarmos por várias provações?
A chave para a compreensão desta aparente contradição se encontra na continuidade do texto de Mt 6.13 no qual Jesus também ensinou a pedirmos a Deus que nos livre do mal. Então o tipo de tentação referido no texto se restringe às provas em que o maligno estará atuando, como a tentação à qual o próprio Jesus foi submetido no deserto (Lc 4.1,2).
Em Gênesis 22.1 nós vemos o próprio Deus colocando a fé de Abraão a prova quando lhe pediu que sacrificasse Isaque. Não houve qualquer participação de Satanás nesta provação da fé e do amor de Abraão. O Senhor queria comprovar para o próprio Abraão e para todos nós o quanto ele O amava, de maneira que a sua obediência tornou-se um exemplo a ser seguido por nós, na demonstração de que os interesses do Senhor devem sobrepujar os dos nossos afetos naturais pelos nossos familiares.
Há grande diferença portanto entre testar a graça dos crentes, e permitir que as corrupções deles sejam excitadas pela própria natureza deles corrompida pelo pecado ou pelo diabo.
Assim o pedido da oração do Pai Nosso tem a ver com o fato de sermos guardados por Deus em não ficar sujeitos ao poder das várias tentações que há no mundo, e que são estimuladas pelo pecado e pelo diabo, de maneira que nos dê graça e força para vigiarmos e nos guardarmos destas tentações, fugindo delas, resistindo a elas, e tendo o suporte de graça e poder do Espírito Santo necessários para viver de modo santo. O Senhor poderia ter dito: “livra-nos da tentação”, mas disse “não nos conduza em tentação”, isto é, não nos deixe entrar nelas, não permita que sejamos trazidos para dentro delas, de maneira que um crente fará muito bem em se manter afastado de todas as possíveis fontes de tentação que poderão levá-lo a pecar.
É necessário contar e ter efetivamente o poder da graça de Deus no coração para poder resistir às fontes de tentações.
E uma destas fontes flui de dentro de nós mesmos (Tg 1.14). O coração é a fonte de todo pecado. O maior tentador é o nosso próprio coração, de maneira que todo homem é tentado pela sua própria cobiça.
Mas além de virem de dentro de nós as tentações têm também uma fonte externa que é Satanás. Ele é chamado de o Tentador (Mt 4.3). Ele arma ciladas para nos causar danos, e usa as tentações como explosivos para explodir o forte da nossa graça.
Um crente ficará exposto às tentações durante todo o curso da sua vida. E elas são numerosas e variadas, de maneira que não é sem razão que o Senhor nos ensinou a pedir ao Pai que não permita que sejamos conduzidos às tentações. E é de se supor que aquele que não orar neste sentido, conforme o Senhor nos ensinou ficará muito mais exposto e sujeito a ser afligido por múltiplas tentações que procurarão enfraquecer as suas graças e lhe furtar a paz.
A tentação é um grande molestamento para um filho de Deus, porque quanto mais formos tentados pelo mal, mais somos impedidos de praticar o bem. Nós estamos em grande perigo de receber constantes ataques do Inimigo, e por isso devemos orar freqüentemente: “não no conduza em tentação”.
Se Deus não impusesse limites às tentações de Satanás e deixasse os Seus filhos sem o fortalecimento de graça e à mercê do poder do diabo, ele poderia facilmente levá-los até mesmo à insanidade mental ou ao colapso nervoso, mas há um clamor no coração de cada crente que pede ao Senhor que O livre das ciladas do diabo, e este clamor deve ser traduzido em orações verbais nas quais peçam humildemente a Deus que não os conduza em tentação.
Por isso é algo que deve ser evitado a todo custo por todos os crentes, não apostatarem da fé pela prática deliberada do pecado, de maneira que sejam conduzidos por Deus em tentação, sendo entregues a Satanás para a destruição da carne.
Se necessário for, que sejamos conduzidos em tentação somente para o cumprimento de Seus propósitos elevados, em obediência à Sua vontade, assim como se deu no caso de Jó, que foi entregue a Satanás por Deus, sendo assim conduzido em tentação, mas para que ficasse provado o caráter da fé e do amor genuínos que Jó possuía. E de igual forma o apóstolo Pedro, e até mesmo o próprio Senhor Jesus no deserto, mas vemos que isto é sempre por um breve tempo, e segundo o controle e vontade de Deus, e não por exclusiva iniciativa do diabo, senão ele teria motivo para se gloriar do seu poder diante dos crentes e do próprio Deus.
“Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” (I Cor 10.13).
Nós estamos vendo a complexidade deste assunto relativo a tentações. Há nuances nele e distinções de operações, que nos fazem entender que nem todo tipo de tentação é um motivo para nos gloriarmos nelas (como o caso de ser entregue a Satanás para destruição da carne por motivo de desobediência deliberada a Deus), mas para que nos envergonhemos da nossa condição e nos arrependamos.
Veja o caso de muitos na Igreja de Corinto conforme se depreende das seguintes palavras do apóstolo:
“17 Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, senão para pior.
18 Porque antes de tudo ouço que, quando vos ajuntais na igreja, há entre vós dissensões; e em parte o creio.” (I Cor 11.17,18).

“30 Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem.
31 Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
32 Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (I Cor 11.30,32).
A Igreja de Corinto estava sendo vencida pelo engano do diabo, através de falsos apóstolos que exploravam financeiramente aquela Igreja que havia sido fundada pelo apóstolo Paulo. Por causa disto, para não ser considerado igual àqueles apóstolos fraudulentos, ministros de Satanás (II Cor 11.3,13,14), Paulo havia servido a Igreja de Corinto com o salário que recebia de outras Igrejas, especialmente da Macedônia (II Cor 11.7,8), e afirmou que continuaria pregando gratuitamente o evangelho em Corinto para cortar ocasião de maledicência entre eles, por inspiração satânica, de que pregava por interesse financeiro como os demais “apóstolos” que estavam entre eles (II Cor 11.9), e que triste coisa é esta, ter que fazer tal tipo de afirmação que comprovava a infidelidade deles para com os verdadeiros ministros de Deus. Não admira que tantos estivessem sendo enfermados, enfraquecidos e mortos naquela Igreja como forma de disciplina que o Senhor estava usando para conduzi-los ao arrependimento.
Eles haviam caído no laço do diabo por causa do endurecimento no pecado. Eles estavam inchados em sua sabedoria carnal e não estavam se sujeitando à simplicidade do evangelho de Cristo, em plena obediência à doutrina verdadeira. Assim, tornaram-se uma presa fácil para o Inimigo, e deste modo bem faríamos em considerar quão perigosas são as tentações de Satanás.
Satanás inveja com ódio mortal a felicidade que o crente tem com Deus. É algo insuportável para ele ver que um ser feito do pó da terra venha a ser glorificado enquanto ele será derrubado ao mais profundo abismo, ele que uma vez foi um querubim glorioso, expulso do paraíso divino. Em Apocalipse 12.12 é afirmada a grande ira com que ele desceu à terra para tentar os seus habitantes.
Então o maior prazer do diabo é encantar e arruinar almas e trazê-las à sua mesma condenação, e quando isto lhe escapa pela conversão de alguns, estes serão continuamente espreitados por ele, esperando que fracassem em sua vigilância, de maneira que possa tragá-los, não para o inferno, porque sabe que não poderá mais ter crentes autênticos em sua companhia no inferno, mas para conduzi-los a uma condição de desobediência a Deus e à Sua Palavra, de maneira que fiquem sujeitos à Sua disciplina e correção, enquanto ficam privados da comunhão com Ele. Com isto ele consegue ferir tanto o coração do crente quanto o do próprio Deus.
Sendo Satanás um espírito vingativo, malicioso, traiçoeiro, enganador, nós devemos orar continuamente: “não nos conduza em tentação”, para que Satanás não prevaleça sobre nós.
Satanás anda inquieto como um leão à procura da sua caça. Ele rodeará o mar para fazer um prosélito. Ele não desperdiça o seu tempo e está sempre ocupado e se nós o repelirmos ele não desistirá, e virá novamente sobre nós com uma tentação.
Se ele conseguir uma pequena vantagem sobre nós numa tentação, ele procurará a todo custo levar isto até o seu ponto extremo.
Ele tem uma variedade de tentações para usar e não se limita a um único tipo de tentação. Se não conseguir prevalecer com um tipo, ele usará outro; se não puder tentar com cobiça, tentará com orgulho; se não conseguir amedrontar o homem, ele o tentará com presunção; se não conseguir levá-lo a profanar, tentará torná-lo formalista; e se não conseguir conduzir ao vício, tentará conduzir ao erro. Para isto enganará através de revelações falsas e toda forma de artifício que estiver ao seu alcance. Por isso precisamos orar: “não nos conduza em tentação”.
 Satanás é representado como sendo o grande dragão vermelho que lançou por terra a terça parte das estrelas do céu (Apo 12.3,4); é chamado também de valente (Lucas 11.21) e de príncipe deste mundo (João 14.30). Assim, embora ele tenha perdido a sua santidade original, no entanto não foi retirado dele o poder que Deus lhe havia dado.
Sendo um espírito ele pode influenciar a imaginação das pessoas envenenando-a com pensamentos ruins. Foi ele quem colocou no coração de Judas o pensamento de trair a Cristo (João 13.2).
Embora ele não possa compelir a vontade, no entanto pode apresentar objetos agradáveis aos sentidos exercendo grande influência sobre eles. Ele pode usar as artes para gerar idolatria nos corações das pessoas em relação aos artistas. E faz isto especialmente com a música. Ele pode seduzir o coração com riquezas terrenas tal como fizera com Acã fazendo-lhe cobiçar as riquezas condenadas de Jericó nos dias de Josué. Foi Satanás que influenciou Davi a fazer o censo que lhe havia sido proibido por Deus (I Crôn 21.1). Ele pode fazer com que uma faísca de cobiça se transforme numa chama.
Sendo um espírito ele pode encher as nossas mentes de tentações de maneira que tenhamos dificuldade para discernir se elas vêm dele ou de nós mesmos. Assim com um pássaro pode chocar o ovo de um outro pensando que seja seu; nós podemos estar chocando as influências do diabo pensando que elas vêm dos nossos próprios corações.    
Quando Pedro tentou dissuadir Cristo de sofrer, morrendo na cruz, ele pensou que isto vinha do afeto que tinha pelo seu Mestre, sem saber que a mão de Satanás estava naquilo (Mt 16.22).
E se Satanás tem este poder de instilar tentações sem que nós o saibamos, nós temos necessidade de orar para não sermos conduzidos em tentação. É preciso orar a Deus por livramento porque é muito difícil distinguir entre aquilo que procede de insinuações diabólicas e aquilo que procede de nós mesmos.
Mas podemos pelo menos tentar identificar a origem da tentação, se do nosso coração ou do Inimigo, e uma das maneiras de fazer tal identificação é que a tentação de Satanás nos vem de maneira súbita, como um dardo que é atirado (Ef 6.16), e já a tentação que é originada no coração começa através de graus, de maneira vagarosa procurando obter o consentimento da mente. Em segundo lugar, a tentação que é originada em nosso próprio coração não é tão terrível e não agita e assusta a alma como as que são de origem satânica, que chegam a insinuar até mesmo blasfêmia e suicídio. Em terceiro lugar, quando são lançados maus pensamentos na mente nós os detestamos e lutamos contra eles, e fugimos deles como Moisés fugiu da serpente, e isto demonstra que a mão de Joabe está nisto (II Sm 14.19), isto é, foi Satanás quem produziu estes movimentos impuros.
O poder de Satanás na tentação é oriundo da longa experiência que ele adquiriu através dos séculos e milênios nesta arte. E esta experiência do diabo aumenta o nosso perigo, e nós temos portanto necessidade de orar: “não nos conduza em tentação”.
Satanás usa de sutilezas e ciladas para enganar, e nós citaremos algumas delas adiante:
1ª - Ele observa o temperamento e a constituição natural da pessoa que pretende enganar. Ele não conhece os corações e os pensamentos dos homens, mas conhece o temperamento deles, e com base neste conhecimento escolhe o melhor tipo de tentação para semear em tal coração para atingir os seus propósitos malignos.
2ª -  Ele escolhe a melhor ocasião para atacar. Aos primeiros sinais de que alguém está sendo convencido pelo Espírito Santo para que se converta a Cristo ele atacará com tentações violentas. Ele tentará a todo custo impedir que ocorra a conversão. Ele também atacará se nos encontrar ociosos. Quando ele observar que estamos sem uma atitude vigilante e descuidados, e desanimados e indolentes em relação aos nossos deveres para com Deus, Satanás não perderá a oportunidade para aprofundar ainda mais esta indolência e desânimo com suas tentações. Ele usará argumentos para nos enganar dizendo que foi inútil servir a Deus ou que é muito cansativo ou impossível fazer a Sua vontade. Enquanto dormirmos ele semeará o seu joio (Mt 13.25). Enquanto Davi descansava no palácio em tempo de guerra, Satanás lançou o dardo da tentação sobre ele e prevaleceu (II Sm 11.2,3). Uma outra ocasião apropriada para o diabo nos tentar é quando a pessoa se encontra entregue a desejos externos e dilemas. Quando Cristo estava jejuando e com fome Satanás o tentou (Mt 4.8). Quando o dinheiro está curto ele também tentará dizendo que a pessoa deve roubar, ou então murmurar contra Deus por não lhe dar a subsistência merecida. E principalmente depois de termos recebido uma bênção de Deus Satanás costuma nos tentar. Jesus estava jejuando e orando quando o tentador veio a Ele (Mt 4.2,3). O fervor de um santo desperta a fúria de Satanás porque ele sabe que terá perdas em seu reino quando alguém está consagrado a Deus, porque fará com que o reino de Deus avance na terra com suas intercessões, pregação, e tudo o mais que esteja relacionado à obra de Deus. Ele costuma também tentar depois de uma bênção porque muitos descuidam na vigilância e ficam presunçosos por causa das bênçãos recebidas, sentindo-se seguros e não mais necessitando pelo menos no período da bênção de continuarem orando para não serem conduzidos em tentação. Isto é como o soldado que tira a armadura depois de ter vencido uma batalha. É neste momento de descuido que propiciará que o diabo tenha vantagem no seu ataque. Ele sempre procurará impedir que uma obra de Deus se estabeleça desde o seu princípio atacando-a violentamente. Esta é a razão de muitos avivamentos terem morrido na origem porque os crentes foram desestimulados a continuarem orando e perseverando em unidade. Quando Davi iria começar a reinar em Jerusalém Satanás tentou impedi-lo enviando os filisteus em grande número contra ele, mas Davi consultou ao Senhor e prevaleceu. Ele também tenta violentamente os crentes quando eles estão enfraquecidos, pensando que Deus não pretende mais usá-los a Seu serviço, e quando as evidências parecem confirmar isto como sendo uma verdade. O Inimigo se aproveita desta condição de enfraquecimento para persuadir os crentes a apostatarem definitivamente da fé.
3ª - Satanás se transfigura em anjo de luz para distorcer o verdadeiro caráter de Cristo. Ele fala através dos seus ministros aos homens e até mesmo aos crentes, usando lobos vorazes em pele de ovelha, que são dificilmente discernidos como estando a serviço do diabo e não propriamente ao de Deus. Ele fala de Cristo, da Palavra, mas não do Cristo da Bíblia com a exatidão da verdade da Bíblia. Por isso Jesus alerta a Igreja sobre a importância de provar os espíritos para ver por seus frutos, se procedem de Deus ou não, de maneira que não sejamos induzidos ao erro que é semeado por Satanás através dos instrumentos humanos que ele costuma usar para tentar distorcer ou anular a verdade do Evangelho. Não podemos esquecer que ele tentou o próprio Jesus usando a Palavra e afirmando: “está escrito”. A condição em que muitos se encontram dizendo Senhor! Senhor! referindo-se a Jesus, ao mesmo tempo que desconhecem ou negam as Suas Palavras é gerada não raro por meio de engano satânico em que tais pessoas se encontram com uma falsa convicção acerca da verdade que o Inimigo conseguiu colocar em suas mentes.
4ª - Satanás tenta para que se peque gradualmente. Assim começa com um pequeno pecado visando chegar à maior forma de expressão daquele pecado. Por exemplo, ele começa com uma ofensa para causar depois um grande crime. Ele coloca uma pequena suspeita para transformá-la depois numa grande desconfiança e inimizade. O pequeno olhar de relance de Davi em Bate-Seba produziu um adultério e um assassinato. Primeiro ele tenta para que se ande em má companhia e depois arruína os bons costumes, para conduzir à mesma condenação dos maus companheiros. Ele começa com pequenas decepções visando ao completo endurecimento do coração.
5ª - Satanás usa o ardil de nos conduzir em tentações usando aqueles de quem nós menos suspeitamos. Pode ser um amigo próximo, e até mesmo líderes da Igreja, como se deu com a Igreja dos Gálatas e dos Coríntios nos dias do apóstolo Paulo, cujos crentes haviam sido fascinados por falsos pastores que ministravam a eles. Quando nossos amigos religiosos nos dissuadem de fazer nosso dever, Satanás está sendo um espírito mentiroso nas suas bocas, e tenta nos atrair para o mal por meio deles. A Bíblia alerta para o aumento da atividade de falsos pastores e mestres nos últimos dias. Jó foi tentado através de sua própria esposa e amigos.
6ª - Satanás tenta algumas pessoas mais do que outras, selecionando os seus alvos. (1) As pessoas ignorantes. O diabo pode conduzir estes em qualquer armadilha. Você pode conduzir um homem cego aonde quiser. Satanás sabe que é fácil fazer com que aqueles que são ignorantes da vontade de Deus tropecem e caiam no inferno. Um homem ignorante das realidades espirituais não pode enxergar as armadilhas do diabo. (2) Satanás tenta os incrédulos. Não há ninguém mais fácil de se conduzir ao inferno do que aquele que não crê em Deus e que não dá crédito à Sua Palavra. (3) Satanás tenta as pessoas orgulhosas, e é sobre estes que ele tem maior poder. Ninguém está em maior perigo de cair na tentação do que aquele que estava elevado em sua própria vaidade. (4) As pessoas melancólicas. A melancolia abate o humor e perturba a razão. Quando o espírito está triste e melancólico o crente estará desafinado para os deveres espirituais que são caracterizados por fervor de espírito. Satanás diz ao melancólico que Deus não o ama, que não se interessa por ele e pelo estado de sua alma, e é comum que o espírito abatido se renda aos argumentos falsos do Inimigo.  Os que estão sempre descontentes são também outro alvo preferido para os ataques do diabo, porque o descontentamento conduz a muitos pecados, como ingratidão e impaciência, por exemplo. Satanás procura também selecionar para os seus ataques as pessoas inativas. Satanás dará muito trabalho ao ocioso, e ele se achará se ocupando de coisas vãs, pecaminosas, por ter a sua mente e vontade debaixo do domínio do diabo.
7ª - Satanás insinua que se retirou e que nós o vencemos, e quando estamos nos sentindo seguros e esquecidos de suas tentações, ele nos ataca. Esta estratégia é muito usada especialmente para parar o avanço e continuidade de avivamentos, porque quando a obra de Deus se encontra no seu auge, e quando os crentes pensam terem triunfado definitivamente sobre o diabo, ele trabalha em silêncio semeando o joio da discórdia e desconfiança entre os crentes, especialmente entre os que são novos na fé, e assim detém o avanço do movimento pela quebra de unidade que normalmente surge de queixas, murmurações, descontentamentos, etc, dirigidos especialmente contra os líderes do movimento. Quando o povo de Israel obteve grandes e poderosas vitórias, da parte de Deus sobre os egípcios, eles logo foram achados em incredulidade e murmurações contra Moisés e contra o próprio Deus. Parecia que o inimigo havia sido definitivamente derrotado, representado em faraó, mas o pior Inimigo deles estava oculto e levou o povo a se voltar contra Deus. Por isso a Bíblia ordena que estejamos revestidos em todo o tempo com nossa armadura espiritual, vigiando e orando no Espírito, em todo o tempo.
8ª - Satanás tenta persuadir os homens que eles são impuros demais para se aproximarem de um Deus que é perfeitamente santo. Ele não lhes permite verem que o tipo de santidade que se espera deles neste mundo é evangélica, isto é garantida pela graça de Cristo que perdoa aos homens todas as suas ofensas, e assim ficam desencorajados de buscarem a Deus, em sua ignorância da verdade do evangelho, que é Cristo para a salvação de todo o que crê.
9ª - Satanás põe uma falsa imagem de virtude sobre o quadro sujo do pecado. Ele engana os homens fazendo-lhes crer que paixão imoderada é zelo; que vingança é prudência; que licenciosidade é liberdade; que cobiça e ganância são incentivos para ser produtivo; que desperdício é generosidade etc.
10ª - Ele tenta nos enlaçar com coisas que são lícitas, levando-nos a fazer um uso desordenado delas, como por exemplo excesso de recreações que nos afastam do nosso dever; alimentação saudável, só que com glutonaria; etc.
11ª - Ele tenta nos ocupar em nossos afazeres normais sob o correto argumento de que isto é nossa responsabilidade, só que produzindo um desequilíbrio em não darmos qualquer tempo para o serviço de Deus, sob a alegação de que é irresponsabilidade e desperdício de tempo. Por outro lado ele pode também fazer com que o desequilíbrio penda para o lado de Deus sob a alegação de que se deve viver somente e exclusivamente pela fé, sem que haja necessidade trabalhar para proverem suas famílias. A outros engana fazendo com que dêem apenas atenção ao cuidado que devem ter com seus corpos, negligenciando totalmente o cuidado que se deve ter com as suas almas.
12ª - Ele cria preconceitos contra a religião na mente dos homens, pintando-a como algo melancólico, e que remove toda a alegria de viver dos fiéis. Ele também pinta a santidade como algo penoso, uma carga que deve ser levada e que sujeita a pessoa ao fanatismo. Ele representa os crentes fiéis como pessoas desprovidas de personalidade. O que é paciente em suportar danos sem vingança ele representa como sendo um covarde; o crente humilde como sendo alguém deprimido e fraco; e o piedoso ele chama de um bobo que está desperdiçando os prazeres do mundo.
13ª - Satanás retira dos homens o amor à verdade para que abracem o erro (II Tes 2.11). Sendo um espírito mentiroso ele luta para induzir a mente do homem ao erro. Satanás engana a muitos porque há muitos erros que são parecidos com a verdade. E o erro se propaga rapidamente como uma epidemia. O erro do pelagianismo que prega a salvação sem a necessidade da graça, e somente pelas boas obras; o erro do arianismo que negava a divindade de Cristo; começaram como uma fagulha e incendiaram o mundo inteiro. O diabo semeia o erro porque ele produz divisões na igreja. E quando o diabo consegue fazer com que o erro prevaleça a reforma é impedida; e a igreja continua necessitando ser continuamente reformada. E sem reforma o avanço do evangelho é prejudicado.
14ª - Satanás encanta e enlaça os homens fixando iscas agradáveis diante deles; como as riquezas, prazeres, e honras do mundo. Ele sabe que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males e que o amor ao mundo impede a permanência no amor de Deus. Os que buscam prazeres entregam-se ao governo dos sentidos físicos e da alma, e assim ficam impedidos de serem governados pelo espírito, e é somente em espírito e em verdade que se pode adorar a Deus.
15ª - Satanás tenta as pessoas alegando que certas atitudes são justificadas por necessidade imperiosa. Ele faz as pessoas crerem que a necessidade da ação desculparia o pecado. Ele usará situações extraordinárias citadas na Bíblia justificadas apenas na época da sua ocorrência, como o fato de Davi ter comido o pão que era reservado pela Lei somente aos sacerdotes, como um procedimento válido para todas as épocas, quanto às coisas consagradas a Deus.
16ª - Satanás tenta os homens para serem presunçosos. A presunção é uma confiança sem base suficiente. Os homens pensam que são melhores do que são de fato. Satanás ilude a muitos com presunção acalmando-os quanto aos seus pecados e infundindo-lhes uma falsa esperança de que tudo vai bem com suas almas diante de Deus. A presunção é a rede com a qual Satanás puxa milhões para o inferno. Ele faz também faz com que muitos crentes se gloriem nos seus privilégios espirituais e graças e não somente em Cristo. É usando a tentação da presunção que Satanás consegue que muitos crentes pensem que ele é fraco, e que é facilmente derrotado por eles, sem que estes estejam vivendo por fé, e assim cria esta ilusão neles enquanto os derrota espiritualmente fazendo que vivam de modo contrário à Palavra  de Deus. Eles confiam presunçosamente por inspiração do diabo na própria força e ousadia deles, enquanto vivem de modo desregrado e desordenado contra as ordenanças de Deus relativas à pureza, santidade, moderação, sobriedade, retidão, amor etc.
17ª - Satanás insinuará estar interessado no nosso bem estar tal como fizera com Cristo no deserto dizendo-lhe que deveria saciar a sua fome transformando pedras em pães. Com isto não somente quis mostrar-se amigo e preocupado, como também dando a Cristo uma aparente honra por reconhecer o seu grande poder para até mesmo transformar pedras em pães. Cristo venceu a serpente nesta falsa amizade com a espada do Espírito. Mas Eva caiu no mesmo tipo de insinuação no Éden quando o diabo lhe disse que comesse do fruto para se tornar como Deus, e assim alcançaria uma condição superior à que ela e seu marido se encontravam no jardim. Estes presentes de grego devem ser rejeitados com a oração ”não nos conduza em tentação”.
18ª - Satanás coloca pessoas em posições de liderança para que possa cumprir os seus desígnios através deles, tal como Datã, Coré e Abirão, príncipes da tribo de Levi, dentre os coatitas, que arrastaram uma multidão após si nos dias de Moisés (Nm 16.2,10).
19ª - Ele instila inveja nos crentes em relação a bênçãos ou dons espirituais que outros crentes receberam de Deus, gerando amargura e descontentamento. Foi assim com os irmãos de José em relação a ele, e também os de Davi quando souberam que ele foi ungido por Deus para ser rei sobre Israel. Aquilo que era para ser motivo de grande alegria Satanás consegue transformar em motivo de tristeza. E isto começou no Éden quando Caim invejou seu irmão Abel e o matou.
20ª - Satanás ataca a nossa fé, e ele a ataca porque é a principal das graças que nós temos recebido de Deus. É a fé que traz o maior dano ao diabo porque é com ela que resistimos a ele (I Pe 5.9). Nenhuma outra graça contunde mais a cabeça da serpente do que a fé. Ela é uma arma tanto de ataque quanto de defesa. É com ela que apagamos os dardos inflamados do maligno, e é também a espada que fere o dragão vermelho. A fé é tão forte ao ponto de fazer Satanás bater em retirada porque ela traz a força de Cristo à alma. Quando somos atacados a fé corre e chama a Cristo para nos defender, assim como uma criança apela para o seu pai quando está sendo ameaçada. A fé tem promessas nas quais se apoiar como Hebreus 13.5; Mt 12.20; I Cor 10.13; Rom 10.16; João 10.29. Estas cinco promessas são como as cinco pedras que Davi tinha em sua funda para derrubar Golias (I Sam 17.40).  São pedras da fé com as quais o crente pode ferir o dragão vermelho. Satanás pode atacar a fé mas não quebrá-la enquanto permanecermos firmes nela. Por isso sempre espera ocasião oportuna para atacar, pois sabe que quando a fé está em ação ele é ferido. Por isso ele procura golpear a fé visando enfraquecê-la e destruí-la, porque tem uma grande influência em todas as demais graças que dependem dela para o seu crescimento e operação.
21ª - Satanás encoraja aquelas doutrinas que são agradáveis à carne. Ele sabe que a carne ama ser satisfeita, que busca facilidade e liberdade, e que não suportará nenhum jugo, a menos que não contrarie o ego. Então, ele usará a isca da tentação para dar alegria à carne. A Palavra ensina que a carne deve ser crucificada; que é por meio de tribulações e aflições que são decorrentes principalmente da nossa luta contra as tentações do diabo,  que se entra na glória, que devemos ser diligentes e fervorosos no serviço de Deus, e que o reino do céu é alcançado mediante esforço, mas Satanás sempre tentará debilitar estas verdades bíblicas nas mentes e corações dos homens e procurará entretê-los lisonjeando a carne, e massageando o ego deles. Ele sempre sugerirá um caminho amplo e fácil para se chegar ao céu. Negará que o caminho que conduz à salvação seja apertado e estreito. Chamará os mandamentos de Cristo de pesados e acusará pejorativamente aqueles que são obedientes aos Seus mandamentos de legalistas. Ele transformará a graça de Cristo em luxúria, fazendo com que muitos crentes a usem como pretexto para viverem na prática deliberada do pecado. Este produto barato que o diabo vende é comprado por muitos porque doutrinas que agradam a carne são muito baratas e atraem assim muitos clientes, no entanto jamais se poderá agradar a Deus crendo em tais doutrinas e modelando a vida por elas.
22ª Satanás tentará impedir a execução dos deveres santos como orar, meditar na Palavra, jejuar, congregar com os santos no culto público etc. Ele pode fazer o telefone tocar ou criar uma emergência quando estivermos orando. Ele pode criar desânimos, e toda sorte de dificuldades para não irmos ao templo. Ele pode tornar a meditação da Palavra em algo mecânico, enfadonho e formal, afastando o coração da possibilidade de experimentar o deleite que há na meditação piedosa da Palavra que conduz à Sua prática. Ele pode também levar um crente ao desespero sob a falsa convicção de que não tem se humilhado o bastante. E assim dará à mortificação de pecados uma idéia totalmente estranha à mortificação evangélica, que leva em conta que enquanto estivermos na carne será impossível erradicar completamente o pecado de nossas vidas, porque a mortificação é como a retirada das ervas daninhas de um jardim, trabalho este que nunca cessa, porque elas sempre retornam e voltam a crescer, e devemos continuar a retirá-las. Esta é a verdade bíblica em relação à mortificação. A completa remoção do pecado não é atingível nesta vida e nem Deus espera isto, porque sabe que é impossível de ser atingido por pecadores. Nossa confiança, esperança, e justiça é Cristo. Não devemos buscar nada disto em nós mesmos, mas conforme a verdade do evangelho que nos deu Cristo como nosso Salvador. Satanás quer que olhemos para nós mesmos e que desesperemos de maneira que não poderemos assim cumprir o nosso dever e nem nos alegrarmos com Deus, por causa de uma consciência dolorida.  
23ª - Satanás por outro lado tenta levando a um outro extremo relativo ao que acabamos de comentar, que é vendendo a idéia de que o arrependimento é fácil e barato, porque está baseado na graça de Cristo. Nós já vimos em nosso comentário anterior sobre a quinta petição do Pai Nosso – “perdoa as nossas dívidas, assim como temos perdoado os nossos devedores” que há condições para o perdão de Deus, apesar do sangue de Cristo e os Seus méritos serem sempre a base do nosso perdão. E dentre estas condições se inclui o dever de perdoarmos aos nossos devedores, e de nos arrependermos dos nossos pecados, e nós vimos que o arrependimento consiste basicamente de três partes a saber: contrição, confissão e conversão (II Crôn 7.14), para que possamos ser efetivamente perdoados e sarados e ouvidos por Deus.
24ª - Satanás nos ilude com a idéia de que a vida cristã vitoriosa está sempre baseada em sucesso neste mundo, tendo-se um coração continuamente animado e alegre para com as coisas terrenas. Mas a vida cristã normal e verdadeira nos imporá muitas vezes a condição do Salmo 51.17 para agradarmos a Deus: ”Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” (Sl 51.17).
Mas por outro lado, ele pode também nos enganar com a idéia de que a condição de coração contrito deve ser um estado permanente diante de Deus; quando a Bíblia ensina claramente que a alegria do Senhor é a nossa força e que temos o dever de nos alegrarmos nEle sempre. Assim, se há uma hora de luto e de tristeza, não podemos permitir que ela seja o fator prevalecente sobre o nosso modo de viver. Devemos buscar consolação e auxílio no Senhor para que possamos ser achados alegres na Sua presença, uma vez passado o momento de contrição e dor, seja pelo pecado, seja pelas aflições que nos alcançam neste mundo.
25ª - Satanás persuade os homens para adiarem o seu arrependimento, para se voltarem para Deus. Ele os ilude com a idéia de que devem aproveitar o mais possível tudo o que o mundo tem para oferecer, para se ocuparem com as questões da segurança eterna de suas almas somente no final de suas vidas, quando não tiverem mais nenhum vigor ou prazer nas coisas terrenas. Mas a Bíblia ensina o dever de se converter no dia que se chama Hoje. Ninguém sabe o que o futuro lhe reservará, mas o que vive longe de Deus, ainda que não saiba por ter sido enganado pelo diabo, está fazendo a pior opção que qualquer homem pode fazer, que é a de viver longe de Seu Criador e contrariando a Sua vontade. E considere-se que quanto mais uma pessoa vive longe de Deus, mais ela fica endurecida pelo pecado, de maneira que conversões são mais comuns na juventude do que em pessoas com idade avançada. Quanto mais frio se torna o gelo, é mais difícil quebrá-lo. Quanto mais um homem se torna impenitente mais difícil será quebrar o seu coração de pedra. Quando o pecado se aloja num abrigo, mais difícil será expulsá-lo.
26ª - Satanás, tenta, ataca e debilita a paz dos santos. Se ele não puder destruir a graça deles, ele perturbará a paz deles. Ele tenta impedir que os crentes tenham um céu na terra. Ele tudo fará para roubar a tranqüilidade e paz de mente do crente, porque este é um dos bens mais preciosos que alguém pode ter neste mundo. Para isso ele tanto usará de ataques diretos contra a mente do crente, como também agirá nas circunstâncias exteriores produzindo adversidades.  O Espírito Santo é o Consolador, mas o diabo é o desconsolador. Ele tudo fará para nos tentar com a mentira que estamos desamparados por Deus em nossas dificuldades e com isto, se lhe dermos crédito, ele conseguirá roubar a nossa paz.
Com o intuito de tentar roubar a paz do crente ele também lhe fará duvidar da certeza da sua salvação, quando estiver vivendo de modo indolente quanto aos deveres que contribuem para o seu crescimento em santificação. Assim além da própria incerteza que a falta de diligência trará consigo quanto à certeza da eleição (II Pe 1.5-10), Satanás a reforçará acusando o crente de hipócrita e que está sujeito à condenação eterna no inferno.
Ele criará também entraves e injustiças no relacionamento entre os crentes de maneira que não somente quebre a unidade deles, como também venham a fugir do dever de estarem congregados em nome de Cristo e por amor a Ele e para fazer avançar o Seu reino na terra.  E esta é uma forma muito dolorida de se furtar a paz dos crentes que eles devem a todo custo evitar orando a Deus: “não nos conduza em tentação”.
Ele trará também temores e incertezas nas mentes dos crentes fazendo com que pensem em nada além das suas dificuldades, e que tentem resolver os seus problemas usando apenas estratagemas humanos, que em vez de solucionar, podem agravar os problemas. Depois disto ele lançara a culpa em Deus que não cuidou devidamente dos Seus filhos e que não lhes protegeu na hora da aflição e do perigo. Entretanto, muitas destas aflições são produzidas pelo próprio diabo (como  no caso de Jó) e permitidas por Deus para o aperfeiçoamento da fé dos seus filhos, de maneira que, como Paulo possam estar contentes em toda e qualquer situação (Fp 4.11,12; II Cor 12.10).
Quando o diabo consegue roubar a paz dos santos ele coloca uma pedra de tropeço a outros. Eles ficarão atemorizados de se renderem a Cristo pelo temor de passarem não pelas tribulações que os crentes vivem, mas pelo desespero que muitos deles mostram em suas aflições. A serenidade e paz que havia na face de Estevão quando era apedrejado conduziu Paulo à conversão. Cristo convence o mundo do Seu poder dando-nos amor e paz na aflição. Mas quando o crente permite que Satanás furte tal testemunho, trocando-o por perturbação de mente e de coração, poucos se sentirão estimulados a se renderem a Cristo. Não admira portanto que Cristo nos ordene carregar voluntariamente a nossa cruz e que não andemos solícitos e preocupados com as coisas desta vida, quanto ao que havemos de comer, beber e vestir, sabendo que Deus cuidará de todas as nossas necessidades enquanto trabalhamos honestamente e vivemos de modo digno e modesto perante Ele e os homens.
27ª - Satanás tenta os homens a usarem de violência para com outros e até para consigo mesmos quando se sentem fracassados ou contrariados. Esta violência pode ser moral ou física. Mas isto se vence com o fruto do Espírito do amor, da longanimidade, da mansidão e do domínio próprio. O aumento da violência nos dias de Noé foi o motivo de Deus ter destruído o mundo antigo com as águas do dilúvio. Satanás é um espírito violento que espalha a violência, mas o crente deve se guardar de toda forma de violência e estar disposto a suportar danos por amor a Cristo. É assim que se destrói as armas de violência de Satanás. Não resistindo ao perverso e nem se entregando à prática da perversidade.

Eu lhe mostrei vinte e sete sutilezas usadas por Satanás em suas tentações para que você possa conhecê-las melhor e evitá-las, bem como e principalmente orar a Deus para que não permita que seja conduzido a elas.
Satanás é um assassino que está no mundo para roubar, matar e destruir, e devemos nos prevenir dele vigiando atentamente os seus passos, de maneira que não venhamos a cair nos seus laços.
Sigamos o conselho de Cristo vigiando e orando em todo o tempo para não entrarmos em tentação (Mt 26.41).

Muitos perguntam por que Deus permite que os Seus santos sejam esbofeteados pelas tentações de Satanás.
Primeiro ele permite isto para que sejam provados. Satanás usa a tentação com o fim de levar a efeito os propósitos malignos a que nos referimos anteriormente, e Deus permite a tentação para que sejamos provados de modo que possamos crescer na fé através da resistência a Satanás e do aprendizado da dependência e obediência ao Senhor para poder vencê-lo.  E quando o diabo é vencido pela graça e coragem do crente em ficar firme no testemunho da verdade contra as mentiras do diabo o Senhor e o evangelho são honrados.  Através das tentações Deus mantém os seus filhos livres do orgulho espiritual, tal como permitira que Paulo fosse esbofeteado por um mensageiro de Satanás para permanecer humilde perante Ele depois de ter tido as visões gloriosas do terceiro céu. Isto impediu que ele se gloriasse em si mesmo, e soubesse que não foi por nenhum mérito pessoal e justiça própria que lhe fora dada tal experiência gloriosa por Deus (II Cor 12.7).
Deus também permite que Seus filhos sejam tentados para que possam adquirir experiência para poderem confortar a outros (II Cor 2.11).
As tentações também nos revelam que o céu não é aqui neste mundo. Que a terra foi amaldiçoada por causa do pecado e não é nenhum paraíso com as múltiplas operações do diabo. Definitivamente o mundo não é o nosso lugar de descanso e devemos aspirar por uma pátria superior que é o céu.
Mas enquanto caminhamos neste mundo devemos nos consolar com o pensamento relativo à verdade que Satanás e até mesmo uma legião inteira de demônios não podem tocar sequer um porco se Cristo não lhes der licença, como bem aprendemos da história do gadareno. Se Satanás e os demônios tivessem liberdade para agirem com total liberdade, nenhuma alma seria salva.
E lembremos que se não é possível impedir a tentação, no entanto nunca será da vontade de Deus que nós caiamos nela. O peixe não será fisgado pelo anzol se não morder a isca.
Vencendo a tentação nós pisamos na cabeça da serpente juntamente com Cristo. O diabo é vencido quando usamos toda a armadura de Deus e estamos revestidos do Senhor e da força do Seu poder.
Quanto mais um crente for tentado mais ele lutará contra a tentação e ficará cada vez mais experimentado nas batalhas espirituais, amando a santidade e detestando as tentações através das quais o diabo procura afastá-lo da sua firme posição na fé. Assim as tentações cooperam indiretamente para o aumento da fé e das demais graças de um crente. E aquele que vence a tentação é confortado por Deus, assim como Cristo foi servido pelos anjos depois de ter vencido o diabo no deserto.
Mas ainda que um crente autêntico caia numa tentação, contudo a semente da vida eterna está nele (I João 3.9). A graça pode ser abalada mas não destruída, e o diabo sabe muito bem disto. Ele não tentará lançar um crente no inferno, porque sabe que isto é impossível,  mas tentará neutralizar as suas ações contra ele.
Deus nos aperfeiçoa em força e poder vencendo as tentações. Que poder há num homem que não consegue vencer a menor tentação?
Veja conseqüentemente que a vida de um crente não é nenhuma vida fácil. É uma vida militar: há um Golias no campo de batalha para lutarmos contra ele na força do Senhor.
E não devemos estar nesta guerra contra as múltiplas tentações do Inimigo, lutando sozinhos. Nós devemos estar na comunhão dos santos para sermos bem sucedidos nesta guerra de muitas batalhas. A comunhão e a intercessão dos santos é o melhor remédio contra a tentação.
E se você não deseja ser vencido pela tentação esteja sóbrio (I Pe 5.8). A sobriedade consiste no uso moderado das coisas terrenas.  Um desejo imoderado destas coisas coloca os homens na armadilha do diabo (I Tim 6.9). Aquele que ama as riquezas imoderadamente as adquirirá injustamente. Acabe se apoderou do vinhedo de Nabote derramando o seu sangue. Aquele que está embriagado com o amor ao mundo, nunca estará livre de cair em tentação.
Nós nos depararemos com o tentador em todos os lugares e por isso devemos estar sempre empunhando a espada do Espírito que é a Palavra de Deus. É com a verdade da Palavra que se vence o pai da mentira. Quando usamos a Palavra em nossas tentações e nos amparamos nas suas verdades e não nos nossos sentimentos na hora da aflição e da tentação, o Inimigo baterá em retirada e Deus dará paz às nossas mentes e corações.
“6 Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças.
7 E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus.” (Fp 4.6,7).
 Não há qualquer tentação que não tenha uma resposta adequada na Bíblia pela qual podemos enfrentá-la. Por exemplo, se o diabo insinuar a prática do adultério, nós podemos dizer que está escrito: “não adulterarás”, ou que “Deus julgará os adúlteros”. Se ele nos tentar a endurecer o nosso coração contra qualquer pessoa, por algum dano ou ofensa que nos tenha causado nós devemos dizer que está escrito: “Amai os vossos inimigos”, “bendizei os que vos perseguem“, “não vos vingais a vós mesmos”, “vençamos o mal com o bem” etc.
Fujamos também de toda fonte de tentação. Os nazireus não podiam comer ou beber qualquer produto da videira, especialmente bebida forte, para que isto não ocasionasse intemperança. Havia nesta prática de consagração da dispensação da Lei uma clara figura de que os crentes que são nazireus de Deus, pela consagração a Ele durante todo o tempo de suas vidas, têm o dever de se guardarem da intemperança em todas as suas formas. Se não nos guardamos de intemperanças como a do beber e do comer desordenadamente, por exemplo, nada adiantará orarmos para que Deus não nos conduza em tentação.  
Sendo criteriosos em todo o nosso modo de viver podemos então contar com o poder das nossas orações. A oração atormenta o diabo e o coloca em fuga, livrando-nos de cair na tentação. Mas sejamos humildes enquanto oramos sabendo que é o poder de Jesus que faz o diabo fugir, e não o nosso próprio poder.  Lembremos que a quem se humilha Deus concede maior graça.
Para não cairmos em tentação devemos fugir de argumentar com Satanás. Eva começou a entrar em desvantagem com o Inimigo quando começou a argumentar com ele. Nós podemos afirmar a verdade de Deus para o diabo mas se entramos em considerações vãs argumentando com ele ou com os seus instrumentos, nós poderemos acabar persuadidos e vencidos pelo erro, ou abalados em nossas convicções se não tivermos maturidade suficiente de fé. Mesmo crentes maduros que têm as faculdades exercitadas para discernirem tanto o bem quanto o mal devem evitar contendas de palavras com os que se opõem à verdade, para não ficarem expostos ao mal, e nem lançarem pérolas aos porcos.
“23 E rejeita as questões loucas, e sem instrução, sabendo que produzem contendas.
24 E ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor;
25 Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade,
26 E tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos.” (II Tim 2.23-26).  
Satanás foi vencido por Cristo na cruz, e não há portanto o que se argumentar com um inimigo vencido. Devemos fazer valer a vitória da cruz sobre ele vivendo de modo santo em inteira firmeza de fé. A vitória sobre o diabo está diretamente relacionada ao grau da nossa sujeição a Deus e à Sua vontade.
Paulo não desconhecia os estratagemas de Satanás (II Cor 2.11) porque estava experimentado em ver suas tentações tanto em sua vida como na vida dos seus irmãos em Cristo. E de igual modo nós devemos estar bem instruídos acerca dos movimentos do Inimigo para destruir a nossa fé, de maneira que possamos neutralizar os seus intentos malignos.
Devemos ser gratos a Deus por nos dar a vitória por meio de Cristo Jesus (I Cor 15.57). É a graça do Senhor que nos conduz em triunfo nas batalhas contra o Inimigo. Por isso somos ensinados a orar: “não nos conduza em tentação” porque isto não nos traz somente a eficácia, como também o reconhecimento de qual é a fonte que nos garante a vitória sobre as tentações.

A segunda e última parte da sexta petição da oração do Pai Nosso é: ”mas livra-nos do mal.”. Há muito mais nesta petição do que é expressado, porque o pedido para livramento do mal tem em vista que possamos fazer progresso em nossa devoção a Deus.
“Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente,” (Tito 2.12).
De um modo geral, quando nós oramos para sermos livrados do mal, nós estamos orando para sermos livrados do mal do pecado, e particularmente, como parece estar insinuado no nosso texto de Mt 6.13, da prática do pecado que seria oriunda de cairmos em tentação, o que se pode inferir do uso da conjunção adversativa “mas” do texto “mas livra-nos do mal” (allá, que se encontra no original grego significa contudo, mas, entretanto), indicando assim que ao pedirmos a Deus para não sermos conduzidos em tentação, está implícito que Ele nos livrará de muitas tentações, mas também, para o nosso próprio proveito, como vimos antes, permitirá que sejamos provados com muitas tentações, e neste caso, o Senhor nos ensinou a orar a pedir a Deus que nos livre do mal, de maneira que não sejamos vencidos pelas tentações de Satanás, que visam produzir danos e levar-nos a pecar.  
 Quando nós oramos para sermos livrados do mal nós não estamos orando obviamente para sermos livrados de modo final e imediato do princípio do pecado que opera em nós. Nós não podemos nos livrar de modo definitivo desta víbora enquanto estivermos vivendo neste mundo, mas podemos pedir a Deus para nos livre cada vez mais das suas picadas venenosas.
Quando nós consideramos o que é o pecado de maneira correta e fazendo uma justa avaliação do mal execrável que ele é, nós entendemos melhor porque devemos orar “mas livra-nos do mal”.
O pecado é mau em sua natureza porque é uma transgressão contra Deus. É a transgressão da Lei da Majestade Divina (I João 3.4). Assim é um crime de lesa majestade.
A palavra hebraica para pecado (hatat) significa ofensa, rebelião. E no grego, a palavra para pecado é amartia, e significa errar o alvo.
 Assim o pecado é tanto uma rebelião contra Deus, como não acertar o alvo quanto à Sua vontade em relação ao que deveríamos ser e o modo de procedermos em nossa vida.
O pecado é um ato de alta ingratidão para com Deus. Ele alimenta o pecador, é misericordioso e longânimo para com ele, mas o pecador se esquece das Suas misericórdias e abusa da Sua longanimidade para com ele.
O pecado faz com que o homem se torne escravizado à Sua própria vontade e à de Satanás. Somente o homem que estiver livre da tirania do seu próprio ego e do diabo pode de fato servir a Deus e viver de modo que exerça domínio sobre sua vontade e sobre o diabo, ao invés de ser dominado por ambos.
O pecado produz um estado ruim na alma incompatibilizando-a de ter paz, harmonia e comunhão com o Espírito de Deus. Quando o pecado estiver reinando o Espírito Santo estará entristecido, mas quando é a graça que está reinando o pecado é dominado e vencido pelo Espírito.
O pecado é a causa da aflição, e a causa é pior que o efeito. O pecado traz todo tipo de dano; doença, espada, escassez e todo os julgamentos em seu útero. Apodrece o nome, consome a propriedade e arruína o corpo. Causa motins, divisões e massacres. Por causa do pecado tudo morre no mundo, e o próprio mundo passará pelo juízo de Deus por causa do pecado.
A aflição propriamente dita pode servir de alerta para que nos voltemos para Deus confessando os nossos pecados; e assim, se produz tristeza para arrependimento torna-se em algo proveitoso para nós, porque se transforma num imã que nos puxa para perto de Deus. Assim no meio da adversidade externa pode haver paz interior.
Muitas aflições são o resultado das repreensões de um Pai de amor (Apo 3.9) que visa conduzir-nos através delas ao arrependimento. Nós devemos então aprender a chorar não propriamente pelas nossas aflições, mas pelo que geralmente dá causa a elas que é o pecado.
Assim, os santos podem se alegrar em suas aflições (I Tes 1.6; Hb 10.34), especialmente naquelas que lhes sobrevêm por causa do seu testemunho em favor da verdade divina.
Nós podemos nos alegrar nas aflições, mas não no pecado, de maneia que não podemos nos alegrar naquelas aflições que foram originadas por causa dos nossos próprios pecados. É preciso saber distinguir entre aflições e aflições. Nós podemos e devemos ser gratos a Deus por estas aflições originadas da prática do pecado porque são como sirenes nos alertando para nos arrependermos do mal, e pedirmos humildemente a Deus que nos livre do mal que deu causa às nossas aflições, a saber, neste caso, o pecado.
O pecado é questão de vergonha e aflição e não de alegria (Os 9.1; II Sm 24.10).
Agora os sofrimentos que suportamos por amor a Cristo, tal como os que Jó padeceu em sua paciência, serão transformados numa coroa de glória, porque através deles nós testificamos da nossa fidelidade e obediência à vontade de Deus (Tg 5.2).
Com o pecado ocorre o oposto, porque se transforma a glória em vergonha, tal como ocorreu com os filhos de Eli quando tinham pecado e profanado o sacerdócio deles.
O zelo e a constância dos mártires em seus sofrimentos eternizaram os nomes deles. Quando um crente está sofrendo segundo a vontade de Deus como Pedro, quando estava na prisão (At 12.5) Deus fará com que outros santos intercedam em oração a favor dele.  Mas quando um homem peca deliberadamente e de modo escandaloso, ele terá as lágrimas amargas dos santos e somente censuras, e ele se transformará num fardo para os demais (Sl 31.2).
O aguilhão da morte é o pecado (I Cor 15.26), isto é, o pecado é a causa da morte. A morte física faz apenas separação entre o corpo e o espírito, mas o pecado sem arrependimento é uma morte pior porque faz separação entre o espírito e Deus.
O pecado é pior que o inferno porque o inferno foi criado por Deus para juízo do diabo, seus anjos caídos e dos homens impenitentes. Mas o pecado não foi criado por Deus, antes é um monstro criado pelo diabo. Os tormentos do inferno são um fardo apenas para os pecadores impenitentes, mas o pecado é um fardo para Deus. Como não oraríamos então pedindo a Deus que nos livre do mal que é o pecado?
Necessitamos orar assim porque há pecados de omissão e pecados ocultos que nem sempre conseguimos reconhecer e que por conseguinte não confessamos. Mas tal como Davi devemos também pedir a Deus que nos livre destes pecados.
 E devemos fugir não somente dos pecados aparentes, que aparecem, como também de toda aparência de mal. A aparência do bem é muito pequena mas a aparência do mal é muito grande e deve ser evitada a todo custo, porque ainda que algo não seja pecaminoso, mas parece ser pecado, deve então ser evitado. A aparência do mal pode escandalizar a outros (I Cor 8.12).
 O pecado original não pode ser erradicado, mas deve ser mortificado. Os pecados irrompem porque não é mortificado o pecado no coração de onde procede todo tipo de mal. As primeira evidências de orgulho, cobiça, impureza e paixão devem ser suprimidos antes que cresçam subjugando o espírito, a alma e o corpo. A expressão que o mal deve ser cortado pela raiz bem se aplica à mortificação do pecado.
É preciso cultivar o temor de Deus no coração, sabendo que Ele tudo vê e julga, que daremos contas de tudo o que tivermos feito por meio do corpo no Tribunal de Cristo, e isto muito nos ajudará a ter o devido temor de viver no pecado. E isto será saúde para nós mesmos e para muitos outros que forem alcançados pelo nosso bom testemunho.
Aquele que tem o temor de Deus vigia os principais portais da alma que são os olhos e os ouvidos, e também cuida de vigiar os seus pensamentos, porque é por estas portas que o estímulo para o pecado costuma entrar. Um simples pensamento de vingança pode conduzir a um assassinato ou a uma ira e ódio injustificados. Assim a maioria dos pecados são decorrentes da falta de cuidado com a vigilância.
O amor a Deus sendo continuamente cultivado no coração é uma poderosa arma contra a força e insinuações do pecado. O amor pela glória e santidade de Deus fará com que tenhamos um objetivo nobre e elevado em nos cuidar não pecando contra Ele.
Se você deseja ser livrado por Deus do mal mantenha-se então ocupado em Sua obra e você sentirá de perto que é impossível servir a Deus sem santificação. De outro modo seremos hipócritas falando a outros de uma santidade que falta em nós mesmos.
Devemos considerar que quando oramos para que Deus nos livre do mal, nós estamos pedindo que Ele nos livre do mal do nosso coração, porque é uma fonte envenenada de onde flui todo tipo de pecados (Mt 7.21). Satanás não poderia prevalecer sobre nós tentando-nos a praticar o pecado se nós não lhe déssemos consentimento em nossos corações. Tudo o que ele pode fazer é colocar a isca, e a nossa falta é mordê-la. Então oremos para que Deus nos livre do mal do nosso próprio coração.
E também, quando fazemos esta oração pedindo a Deus que nos livre do mal nós estamos pedindo para que nos livre do mal de Satanás (Mt 13.19; Ef 6.12; I Pe 5.8; Zac 3.1).
Satanás encheu o coração de Aananias para que mentisse ao Espírito Santo (At 5.3).
 E finalmente, quando oramos para sermos livrados do mal, além de orarmos pelo livramento do mal do nosso próprio coração e de Satanás nós estamos orando para sermos livrados do mal do mundo. Em Cristo nós somos livrados do pecado, do diabo e do mundo. A obra de redenção consiste também em nos desarraigar deste mundo mau e tenebroso (Gál 1.4; Tg 1.27).
O mundo está cheio de armadilhas. Companhia é uma armadilha, bem como recreação e riquezas são armadilhas.
A luxúria da carne é beleza e sensualidade; a luxúria dos olhos é dinheiro e o orgulho da vida é fama e honra mundanos; esta é a trindade do homem natural.  O mundo é um inimigo lisonjeiro que nos trai beijando. Os prazeres do mundo são como o ópio que dão ao homem uma falsa sensação de segurança.
É difícil beber o vinho da prosperidade e não ficar embriagado com ele. Por causa da corrupção do pecado original que está nas massas em geral da humanidade, o mundo é mau.
O mundo nunca incentivará portanto que os homens vivam piedosamente e busquem a Deus, e nisto se torna um grande perigo para os crentes que não são como os anjos eleitos, senão pecadores como os seus semelhantes, que terão no mundo um forte atrativo para retornarem ao velho modo de vida, porque o mundo jaz no maligno, e o imenso imã do mundo exerce uma grande atração sobre o imã do pecado que reside na nossa natureza terrena.
Os cuidados terrenos sufocam a semente da Palavra, conforme Jesus nos ensinou na parábola do semeador. E um homem que tem a sua mente ocupada deste modo com as coisas terrenas não consegue se ocupar com as coisas celestiais, espirituais e divinas.
O mundo odeia portanto os crentes (João 15.19) porque eles vivem num plano de vida (espiritual e na luz) que é diferente do plano em que o mundo vive (somente terreno). O mundo odiou a Cristo e também odiará os crentes que são fiéis a Cristo porque protestam contra o seu pecado, e a luz tanto de Cristo quanto dos crentes não pode ser amada por aqueles que amam mais as trevas do que a luz.
Então nós devemos orar para que Deus nos livre do mal deste mundo mau.
Embora seja ordenado aos crentes que amem os seus inimigos, este (o mundo) é um inimigo que nós não devemos amar (I João 2.15).
 E ainda está incluído indiretamente na nossa oração por livramento do mal que também façamos o bem, porque não é suficiente que sejamos livrados do mal, porque isto tem um propósito, conforme já comentamos anteriormente, que é para que possamos fazer progresso em santidade.  Ser livrados de pecar não é o bastante, a menos que nós estejamos apegados à virtude. A Bíblia assim une ambos os deveres (Sl 34.14; Rom 12.9; 13.14; Is 1.16,17; II Cor 7.1).
Um homem pode se privar do mal, contudo ele pode ir para o inferno por não fazer o bem, porque toda árvore que não der bom fruto será cortada e queimada (Mt 3.10).
 Oremos sempre então para que Deus nos livre do mal, para que possamos abundar no testemunho da prática das boas obras que Ele preparou de antemão para que andássemos nelas.

Jejum

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“16 Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque eles desfiguram os seus rostos, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
17 Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto,
18 para não mostrar aos homens que estás jejuando, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mt 6.16-18)

Passamos agora à análise da terceira ilustração que nosso Senhor usou quanto ao modo em que devemos nos conduzir nesta questão da justiça pessoal. A primeira foi sobre as esmolas, a segunda sobre a oração, e agora esta terceira sobre o jejum.
Quanto ao jejum, nosso Senhor, nesta situação concreta estava preocupado somente com um aspecto do tema, e era a tendência de fazer estas coisas para ser vistos pelos homens. Lhe preocupava este aspecto exibicionista, que em conseqüência devemos necessariamente examinar. Porém, me parece que, diante da negligência do tema por nossa parte, é adequado e proveitoso também que o examinemos num forma mais geral, antes de chegar ao ponto específico que é enfatizado por nosso Senhor.
Examinemo-nos deste esta perspectiva. Qual é na realidade o lugar do jejum na vida cristã? Em que ponto entra, segundo o ensino da Bíblia? Esta é a resposta: É algo que é ensinado no Antigo Testamento. Sob a lei de Moisés, os filhos de Israel receberam o mandamento de jejuar uma vez por ano, no dia da expiação nacional. Mais adiante lemos que, devido a certas emergências nacionais, as pessoas escolhiam certos dias de jejum adicionais. Porém o único jejum que Deus mesmo ordenou de forma direta foi esse grande jejum anual.   
Quando passamos para a época do Novo Testamento, vemos que os fariseus jejuavam duas vezes por semana. Deus nunca lhes mandou que o fizessem, porém eles o faziam, e o converteram numa parte vital da sua religião. Sempre existe a tendência, entre certas classes de pessoas religiosas, de ir mais além da Bíblia, e esta é posição que os fariseus adotaram.
Se examinarmos o ensino de nosso Senhor, encontramos que, se bem que nunca ensinou o jejum de forma direta, o ensinou de forma indireta. Em Mateus 9 nos diz que se lhe formulou uma pergunta específica acerca do jejum. Lhe disseram: “Por que nós e os fariseus jejuamos muitas vezes, e teus discípulos não jejuam?” Jesus lhes disse: “Acaso podem os que estão de bodas terem luto quando o esposo está com eles? Porém virão dias em que o esposo lhes será tirado e então jejuarão!”
Me parece que nesta passagem, em forma muito clara, está implícito o ensino do jejum e quase diria a defesa do mesmo. É evidente, de todos os modos, que nunca o proibiu. De fato, o ensino que estamos examinando neste momento, obviamente implica a aprovação do mesmo. O que diz é: “quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto,” de maneira que, naturalmente, era algo que nosso Senhor considerava justo e bom para os cristãos. E recordemos que Ele mesmo jejuou quarenta dias e quarenta noites quando esteve no deserto submetido à tentação do diabo.
 Logo, passando do ensino e prática de nosso Senhor às da Igreja Primitiva, vemos que foi algo que os apóstolos praticaram. Na Igreja de Antioquia, quando enviaram a Paulo e a Barnabé em sua viagem apostólica, o fizeram somente depois de terem se dedicado à oração e ao jejum. De fato, a Igreja Primitiva, diante de qualquer ocasião importante ou diante da necessidade de tomar uma decisão vital, parecia praticar sempre, não somente a oração, como também o jejum. O apóstolo Paulo ao se referir ao mesmo e à sua vida, fala acerca de ter jejuado freqüentemente. Foi claramente algo que tomou parte regular de sua vida. Os que se interessam pela crítica textual, recordarão que em Mc 9.29 se cita a Nosso Senhor dizendo:”Esta casta não pode ser expulsa, senão com oração e jejum!”. É provavelmente acertado dizer que a palavra “jejum” deveria ser eliminada de acordo com os melhores documentos e manuscritos, porém, isto não tem importância quanto ao ponto em geral, porque possuímos todos os outros ensinos que mostram muito claramente que o Novo Testamento inculca, em forma concreta, o jejum como algo adequado e valioso. E quando examinamos a história da Igreja, encontramos exatamente o mesmo. Os santos de Deus de todas as épocas e em todos os lugares não somente têm crido no jejum, senão que o têm praticado. Assim foi o caso dos reformadores protestantes, dos Wesleys e Whitefield. Tenho de admitir que o praticaram muito, antes que houvessem se convertido de verdade; porém seguiram jejuando também depois de sua conversão. E quem conhece a vida deste grande cristão chinês, o pastor Hsi da China, recordarão que quando se falava diante de alguma dificuldade, ou problema novo ou excepcional, invariavelmente jejuava, além de orar. O povo de Deus tem crido que o jejum não somente é bom, senão que é de grande valor e importância sob certas condições.
Se estes são, pois, os antecedentes históricos, examinemos agora este assunto de uma forma um pouco mais direta. Que é exatamente o jejum? Qual é seu propósito? Não cabe dúvida que, em última instância, é algo que se baseia na compreensão da relação entre corpo e espírito. O homem é corpo, mente e espírito, os quais estão intimamente relacionados entre si e atuam estreitamente um sobre o outro. Os distinguimos porque são diferentes, porém, devido a essa mútua relação e interação, não devemos separá-los. Não há dúvida de que os estados e condições corporais físicos influem na atividade da mente e do espírito, de modo que o jejum deve ser considerado dentro dessa relação peculiar de corpo, mente e espírito. Portanto, o jejum significa abstinência de comida com fins espirituais. Esta é a noção bíblica do jejum que deve se distinguir do que é puramente físico. A noção bíblica do jejum é que, por certas razões e fins espirituais, as pessoas decidem abster-se de comer, este ponto é muito importante, e por isso devemos apresentá-lo também de uma forma negativa. Recentemente li um artigo sobre este tema, e o escritor se referia a essa afirmação do apóstolo Paulo em I Cor 9.27, onde diz: “Ponho meu corpo em servidão!”. O apóstolo diz que o fazia a fim de poder trabalhar com mais dedicação. O autor do artigo afirmava que aqui teríamos uma ilustração do jejum. Isto não é mais do que o que chamaria parte da disciplina geral do homem. Em todo momento tem que manter seu corpo submetido, porém isto não significa que sempre deve jejuar.
O jejum é algo excepcional, algo que o homem deve fazer de vez em quando com um fim especial; tanto que a disciplina deve ser constante. Por isso não pode aceitar textos como esse de “ponho meu corpo em servidão”, e “mortificai vossos membros, que estão na terra”, como parte do ensino relativo ao jejum.
A moderação no comer é parte da disciplina do corpo; é uma forma muito boa de manter o corpo em servidão, porém não é jejum. Jejuar significa abster-se de comer por alguns propósitos especiais, tais como a oração, a meditação ou a busca de Deus por alguma razão específica, ou sob alguma circunstância excepcional.
Para completar este ponto, deveríamos acrescentar que o jejum, se o concebemos adequadamente, não somente deve se limitar à comida e bebida. O jejum deveria realmente incluir também a abstinência de tudo o que é legítimo em si mesmo e por si mesmo, com o fim de alcançar alguma meta espiritual especial.              
Muitas funções corporais que são boas e normais e perfeitamente legítimas, pr razões peculiares, em certas circunstâncias, deveriam ser submetidas a controle. Isto é jejuar. Esta seria uma definição geral do que significa jejuar.
Há certas maneiras incorretas de jejuar. Eis aqui uma delas: se jejuamos de forma mecânica, ou simplesmente por jejuar, me parece que estamos violando o ensino bíblico relativo a este assunto. Em outras palavras, se alguém faz do jejum um fim em si mesmo, algo do qual alguém diz: “bem, como sou cristão, tenho que jejuar tal dia e tal hora do ano, porque é parte da religião cristã”, mais valeria que não o fizesse. O elemento essencial do jejum fica perdido quando se age desta forma.
Isto não é exclusivo do jejum. Não vimos por acaso o mesmo no assunto da oração? É bom que as pessoas, se podem, que dediquem certos momentos especiais à oração. Porém, se elaboro meu programa para o dia e digo que a tal hora devo orar, e oro somente para cumprir tal programa, já não estou orando. O mesmo se dá em relação ao jejum. Há pessoas que o consideram precisamente desta maneira. São cristãos, mas preferem estar sob certa espécie de lei. Lhes agrada estar debaixo de regulamentos. Lhes agrada que lhes digam exatamente o que devem fazer e o que não devem fazer. Num dia específico da semana não devem comer carne, e assim sucessivamente. Isto não é vida cristã, senão não comer num determinado dia. Logo, se em certo período do ano alguém deve se abster de comer, ou comer menos. Há um perigo muito sutil nisso, é uma violação do ensino bíblico. Nunca se deve considerar o jejum como um fim em si mesmo.
Porém, a isto temos que agregar algo que já tenho indicado, e que pode ser expressado assim: jamais se deve considerar o jejum como uma parte da nossa disciplina. Alguns dizem que é muito bom não comamos certas coisas um dia por semana, ou então que em certo período do ano, nos abstenhamos de outras. Dizem que é bom sob o ponto de vista da disciplina. Porém a disciplina é algo que deve ser permanente. É algo perpétuo. Sempre devemos nos disciplinar a nós mesmos. Acerca disto não pode haver qualquer debate. Em todo tempo devemos manter o corpo submetido.
Devemos jejuar somente quando o Espírito Santo nos guie a fazê-lo, quando nos achamos empenhados em algum propósito espiritual importante, não segundo regras, senão porque sentimos que existe uma necessidade especial em concentrar-nos inteiramente, com todo o nosso ser, em Deus e na nossa adoração a Ele. Este é o momento de jejuar.    

TESOUROS NA TERRA E NO CÉU

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“19 Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
21 Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mt 6.19-21)

O tema desta seção do Sermão do Monte é, como se lembrarão, a relação do crente com Deus, enquanto seu Pai. Nada há mais importante que isto. O grande segredo da vida, segundo nosso Senhor, é vermos a nós mesmos e nos considerarmos sempre como filhos de nosso Pai celestial. Se o fizermos, nos veremos livrados de imediato de duas tentações principais que assediam a todos nós nesta vida:
A primeira, é a tentação muito sutil que assedia a todo cristão no assunto da piedade pessoal. “Como cristão tenho uma vida privada, pessoal, de devoção”.
A este respeito nosso Senhor diz que a única coisa que importa e tenho que considerar, é que os olhos de Deus estão postos em mim. Não devo me importar com o que as pessoas dizem, nem devo me interessar com o que penso de mim mesmo. Se dou esmola, não devo dá-la para que outros me louvem. O mesmo se aplica à oração. Não devo desejar dar a impressão que sou um grande homem de oração. Se o fizer, de nada me servirá. Não devo me interessar pelo que as pessoas pensem de mim como homem de oração. O Senhor chama a nossa atenção sobre isto. Devo orar como quem está na presença de Deus. Os mesmos princípios se aplicam à questão da ajuda, e vocês se recordarão como o examinamos em detalhes no terceiro capítulo. Estas considerações nos conduzem ao final do versículo 18 de Mateus 6.
A segunda, é quando chegamos ao versículo 19, no qual nosso Senhor inicia outro aspecto deste grande tema, a saber, o cristão que vive sua vida neste mundo numa relação com Deus como seu Pai, envolvido em seus problemas, cheio de preocupações, tensões e pressões. Na Bíblia, freqüentemente este problema é chamado “o mundo”.
Freqüentemente dizemos que o cristão tem que enfrentar nesta vida o mundo, a carne e o diabo. Nosso Senhor utiliza esta tripla descrição de nosso problema e conflito. Ao tratar desta questão da piedade pessoal, Ele se ocupa primeiro das tentações que provêm da carne e do diabo. O diabo vigia muito quando alguém é piedoso, e se ocupa em manifestar sua piedade. Uma vez tratado isto, nosso Senhor passa a mostrar que há outro problema, “o mundo”.
O que a Bíblia quer dizer com a expressão “o mundo”? Não quer dizer o universo físico, ou simplesmente todo o conjunto de pessoas, significa uma perspectiva e uma mentalidade, significa uma forma de ver as coisas, uma forma de ver toda a vida.
Um dos problemas mais delicados dos que tem que se ocupar o cristão é este de sua relação com o mundo. Nosso Senhor sublinha freqüentemente que não é fácil ser cristão. Ele próprio durante seu ministério terreno se viu tentado pelo diabo. Também teve que fazer frente ao poder e sutileza do mundo. O cristão se encontra na mesma posição. Há ataques que lhe chegam tanto em sua vida privada, quanto no que diz respeito ao mundo. E o mundo tem tudo o que pode fazer com que o crente perca sua vida espiritual. Por isso é necessário estar muito atento. E esta é uma luta na qual necessitamos de toda a armadura de Deus, porque aquele que não a tiver será derrotado. Não temos que lutar contra a carne e o sangue. É uma luta séria, é um conflito violento.
Jesus nos ensina que este ataque do mundo, ou esta tentação, do mundanismo, geralmente assume duas formas principais. A primeira é o amor declarado pelo mundo. E a segunda é a ansiedade, um espírito de preocupação ansiosa relativa ao mundo. Jesus ensinou que ambos são igualmente perigosos. O amor ao mundo é referido por Ele em Mt 6.19-24, e a preocupação ansiosa é citada do verso 25 até o final do capítulo (v. 34).
Devemos manter bem fixo diante de nós, que tudo o que Jesus ensinou tinha por pano de fundo a nossa relação com o nosso Pai celestial. Foi em função desta relação que Ele disse tudo quanto nos ensinou no Sermão do Monte. Assim, não podemos reduzir este Seu ensino a uma série de regras e normas, porque se o fizermos cairemos imediatamente no erro do monasticismo ou do puro ascetismo. A Bíblia nos ensina como vencer o mundo permanecendo nele, e não tentando fugir dele em monastérios ou em práticas ascéticas do tipo “não toques, não proves, não manuseies” (Col 2.21). Afinal Deus tem disposto todas as coisas para o nosso aprazimento, de modo que depositemos nEle próprio a nossa esperança, e não na instabilidade da riqueza (I Tim 6.17), pensando, por um falso julgamento, que será na grande quantidade de bens que acumularmos que teremos paz, descanso e segurança.
Daí o mandado que o Senhor nos dá de não ajuntarmos tesouros na terra, senão no céu (Mt 6.19,20). E o que Ele ajuntou a isto, são razões para assim procedermos, porque no mundo há aquilo que não há no céu, isto é, ” traça e ferrugem que corrói, e ladrões que escavam e roubam.”.
Veja que Jesus não diz: “não ajuntem dinheiro”, mas “não ajuntem tesouros”. Tesouro é uma palavra muito ampla que não inclui apenas dinheiro. Significa algo muito mais importante. Nosso Senhor se ocupa aqui nem tanto com nossas possessões, quanto de nossa atitude diante dessas possessões. Não importa o que o homem possa ter, senão o que ele pensa acerca da riqueza, a atitude que tem para com ela. Em si mesmo não há nenhum pecado em ter riqueza material, o que pode ser mal é a relação do homem com sua riqueza. E o mesmo se pode dizer de qualquer coisa que o dinheiro possa comprar.
Nos é imposto o dever de aprendermos a estarmos contentes com Deus e em Deus, em toda e qualquer situação, mas também nos é imposto o dever de sermos diligentes, de modo que ninguém pode alegar que está contente com a sua penúria por motivo da sua falta de diligência em trabalhar, de modo que se diz que aquele que não trabalha também não coma. Se tudo o que estivermos alcançando através da nossa diligência em trabalhar para o nosso sustento e de outros é a pobreza, então estejamos contentes com isto, porque é isto o que nos tem reservado a Providência. Mas se a nossa pobreza é extrema por conta da nossa falta de empenho, por causa da nossa indolência, então não temos porque estar contentes, senão entristecidos pelo nosso pecado de não atendermos a norma divina de sermos diligentes em todas as coisas.
O nosso contentamento deve estar em Deus que sempre suprirá as nossas necessidades, por sermos Seus filhos, tal como Jesus nos ensina acerca disto no Sermão do Monte. O problema  reside na nossa atitude diante da vida neste mundo. Nosso Senhor se ocupa aqui das pessoas que procuram, nesta vida, sua satisfação principal ou mesmo total, isto é, somente por meio das coisas que pertencem ao mundo.
Jesus nos adverte que os interesses e esperanças dos homens não devem se limitar a esta vida. E assim tanto pobres quanto ricos necessitam dar atenção a esta exortação de não juntarem tesouros na terra. Não importa o que seja, pequeno ou grande, o seu tesouro é o que é tudo para você, é aquilo para o qual você vive. Este é o perigo para o qual Jesus nos alerta nesta passagem do Sermão do Monte.
Isto nos dá uma idéia do que Ele quer dizer com “tesouros na terra”. Vemos que é algo quase sem limite, pois pode incluir dinheiro, bens, cônjuges, filhos, honrarias, posições, situação financeira, carreiras profissionais, seja o que for, desde que se relacione apenas a esta vida e a este mundo.
Em relação a estas coisas devemos ter o cuidado para que elas não se convertam no nosso tesouro, porque onde estiver o nosso tesouro será ali que estará o nosso coração, e nós somos chamados pelo nosso Pai a termos o nosso tesouro nas coisas espirituais, celestiais, divinas, isto é, naquilo que está no céu e que procede do céu, e não naquilo que é da terra e que procede da terra e termina nela.
Quando o coração se apega àquilo que é deste mundo sempre ocorrerá um decréscimo correspondente em nossa autoridade e poder espiritual. Isto pode ser medido pela perda ou redução do interesse de agradar a Deus submetendo-se à Sua Palavra e de trabalhar por Sua honra e glória, para estarem, quase sem notá-lo, centrados em si mesmos e em sua dedicação ao seu trabalho, carreira, ou qualquer outra coisa que configure o seu tesouro terreno. O fazer tesouros na terra é algo tão sutil que até mesmo boas pessoas podem ser o maior inimigo de um homem.
Muitos pregadores têm sido prejudicados pela sua própria congregação, por causa dos louvores que têm recebido dos homens, e assim fazem com que estes pregadores se percam como mensageiros de Deus, e se tornam culpados de quebrarem o mandamento do Senhor, por juntarem tesouros na terra. Quando o pastor busca, ainda que inconscientemente, ser controlado pelo desejo de obter o louvor de seu povo, e quando isto ocorre, este homem está fazendo tesouros na terra. Os exemplos são inesgotáveis quanto às possibilidades de se juntarem tais tesouros na terra.
Agora, com “juntar tesouros no céu” não está o Senhor se referindo a alcançarmos a nossa salvação eterna, porque isto foi alcançando somente pela graça, mediante a fé. Seria negar a doutrina da justificação somente pela fé, admitir que o homem deve fazer provisão no céu para que possa ser salvo.
Devemos ter em mente que Jesus estava se dirigindo a pessoas nas quais se cumprem as bem-aventuranças. É o homem pobre de espírito, o que não tem nada em si mesmo que lhe recomende à salvação, que é bem-aventurado. É o que chora devido aos seus pecados e assim sabe que nada pode fazer de si mesmo pela sua salvação. .
Assim “juntar tesouros no céu” significa manter em perspectiva que somos apenas peregrinos nesta vida, e que andamos neste mundo debaixo da vigilância de Deus, na direção de Deus e de nossa esperança eterna. Este é o princípio pelo qual devem ser governadas as nossas vidas.
Se pensarmos sempre acerca de nós mesmos desta forma, como poderemos nos desviar do alvo? Então tudo estará bem. Este é o grande princípio que se ensina em Hebreus 11. Os homens poderosos, os grandes heróis da fé tinham um só propósito: “andavam como que vendo o invisível”. Diziam que eram estrangeiros e peregrinos na terra, e se dirigiam à cidade que tem fundamentos, e cujo arquiteto e construtor é Deus. Eles desejavam uma pátria melhor, isto é, celestial.
Assim, se temos uma idéia adequada de nós mesmos neste mundo como peregrinos, como filhos de Deus que se dirigem a seu Pai, todas as coisas serão vistas na perspectiva adequada. Imediatamente teremos uma idéia adequada de nossos dons e possessões. Começaremos a pensar de nós mesmos como administradores que em breve deverão dar contas de tudo, porque não somos os possuidores permanentes destas coisas terrenas. Não importa que seja o dinheiro ou inteligência ou nós mesmos ou nossa personalidade ou qualquer dom que possamos ter.
O homem mundano pensa que é ele que possui tudo. Mas o crente sabe apenas que é um mordomo que terá que prestar contas com Deus daquilo que pertence na verdade a Ele. Assim, sabendo que terá que prestar contas a Deus o crente diz:  “devo ter cuidado como uso estas coisas, e quanto à minha atitude diante delas. Devo fazer todas as coisas com o fim de agradar a Deus!”.
O servo de Deus não deve se apegar a estas coisas. Não deve permitir que elas se convertam no centro de sua vida e existência. Não deve viver para elas nem se ocupar delas constantemente, de modo que venham a absorver a sua vida. Ao contrário, deve possuí-las como se não as tivesse, para poder servir mais livremente e dedicadamente ao Senhor.


DEUS OU AS RIQUEZAS

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“19 Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
21 Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
22 A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz;
23 se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!
24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mt 6.19-24)

Por que fazemos tesouros na terra quando sabemos o que sucederá a estes tesouros passageiros e que não podem satisfazer a alma? Por que não fazemos tesouros nos céus onde sabemos que há pureza e alegria, santidade e felicidade eternas? Acaso não somos exortados a começar a juntar este tesouro enquanto estamos na terra, para o nosso completo aprazimento e alegria? (Col 3.1-3).
O Senhor nos advertiu quanto ao perigo que há em juntar tesouros na terra, porque nisto está envolvido o nosso coração. Ah! O coração! Por isso Ele diz que onde estiver o nosso tesouro ali estará também o nosso coração.
Logo após Ele fala acerca da mente em Mt 6.24 que “ninguém pode servir a dois senhores.”. Isto nos fala do perigo que há em que as coisas mundanas podem exercer um controle terrível sobre nós. Todos estamos envolvidos nisso, todos estamos debaixo da garra deste poder terrível do mundo, que realmente nos dominará, a não ser que obedeçamos o mandado que o Senhor nos dá.
Não é somente poderoso, é muito sutil. É o que realmente exerce o controle na maior parte das vidas dos homens.
Nós temos nos fixado na mudança, na imperceptível mudança, que tende a ocorrer nas vidas dos homens à medida que eles triunfam e prosperam neste mundo? Eles permanecem com facilidade, na humildade e mansidão que são devidas a Cristo? Eles permanecem na Sua devoção piedosa diante de Deus? Negando-se a si mesmos, tomando a cruz a cada dia e seguindo debaixo da direção e instrução de Jesus?
Aqueles que são homens verdadeiramente espirituais poderão resistir ao poder e influência do mundo, mas os que não são, cairão invariavelmente debaixo deste poder e influência.
Por isso Jesus nos adverte quanto a este poder senhorial terrível que tende a afetar toda a nossa personalidade, não somente uma parte de nós, mas o homem total. A primeira advertência que Ele menciona é em relação ao coração, porque se são as coisas terrenas o nosso tesouro, o nosso coração, isto é, nossos sentimentos, nossos afetos e toda a nossa sensibilidade serão dominados por estes tesouros terrenos.
Nós amaremos o mundo porque toda a nossa natureza será dominada por estes tesouros (João 3.19; I João 2.15).
A segunda advertência do perigo que há nos tesouros terrenos, é que eles podem dominar a nossa mente. Assim estas coisas terrenas podem não somente dominar o coração como também a mente. Quanto a isto Jesus assim se expressa:
“22  São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso;
23  se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!
24  Ninguém pode servir a dois Senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mt 6.22-24).
Esta ilustração do olho é o exemplo do qual Jesus se valeu para nos explicar a maneira pela qual contemplamos as coisas. Segundo Ele, não há senão apenas duas maneiras de olhar as coisas do mundo. Há o que Ele chama de olho bom, que é o olho do homem espiritual que vê as coisas realmente como elas são, verdadeiramente, e sem dúvidas. Seus olhos são claros e vêm tudo adequadamente; porém há o outro olho que Ele chama de olho mau, que é uma espécie de visão dobre, ou, se prefere, é o olho no qual a lente não está clara. Há sombras e opacidades, e as coisas são vistas de uma maneira confusa, não como Deus as vê. Este olho maligno está dominado por certos prazeres e desejos terrenos. Este é o sentido da afirmação que confunde a muitos, porque não é tomada no seu contexto.    
É aqui que Jesus se refere ao domínio da mente pelos tesouros terrenos. Não são tantos os nossos pensamentos que se baseiam nestes tesouros terrenos? Esta visão confusa tende a afetar-nos também moralmente.
Somos muito inteligentes para explicar que algo que estamos fazendo não é realmente desonesto e que é aprovado por Deus. Somos dados a coar mosquitos e a engolir camelos no campo da moralidade, tal como os fariseus.
A razão disto não é o nosso amor pelos tesouros terrenos?
Não é por causa disto que somos tão pouco generosos no dar e compartilhar as necessidades de outros com os nossos bens?
O nosso apego a tudo o que o dinheiro possa comprar passa a ser o verdadeiro Senhor da nossa vontade, e por isso Jesus diz que não podemos servir a dois Senhores, porque este Senhor que nos domina por causa do amor aos bens terrenos dominará a nossa vontade, impedindo que ela possa obedecer efetivamente à vontade de Deus e os Seus mandamentos. Ele deixa assim de ser o nosso Senhor, quando o dinheiro passa a ter o controle e domínio das nossas mentes.
Esta última advertência de Jesus relativa à impossibilidade de se servir a dois senhores inclui, não somente o coração e a mente como também a vontade. Se o que determina nossa vida e o exercício dela é o que pensamos, então isto também depende de onde está o nosso tesouro.
Estes tesouros terrenos são tão poderosos que dominam a personalidade inteira. Apoderam-se do coração do homem, de sua mente, de sua vontade e tendem a afetar seu espírito, alma e todo o seu ser. Qualquer que seja o âmbito da vida que examinemos ou acerca do qual pensemos, nós encontraremos estas coisas. Elas afetam a todos, e são um perigo terrível.
Como já dissemos antes, o perigo reside não nos bens terrenos propriamente ditos, mas na maneira como nos relacionamos com eles, permitindo ou não, sermos dominados por eles, de forma que sejam ou não o centro motivador de nossas vidas.
Jesus disse que quando amamos as riquezas não podemos amar a Deus, e de igual modo, quando estamos amando verdadeiramente a Deus, nós não amamos as riquezas. Elas não serão o nosso objetivo de vida se temos de fato andado com Deus, se contrariamente, o desejo e o amor por elas nos dominam, faremos das riquezas o nosso objetivo de vida, o que reflete o nosso andar longe de Deus.
Não podemos servir a Deus e às riquezas. Esta declaração de Jesus é realmente algo muito solene, por isso a Bíblia se ocupa disso tão freqüentemente. A verdade desta proposição é óbvia. Ambos querem um domínio total sobre nós.
As coisas do mundo, na realidade tratam de nos dominar de forma totalitária, como temos visto. Elas exigem nossa devoção total, desejam que vivamos para elas de forma absoluta. Mas assim também Deus procede: “amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente.”.
Como servir a Deus e às riquezas é impossível, então se uma perspectiva materialista está nos dominando, somos ímpios.
Jesus diz que “se a luz que há em ti são trevas, quão grandes trevas serão”, porque se alguém se julga religioso e que está servindo a Deus, quando na verdade está apegado às coisas terrenas, e toda a sua busca de Deus tem a ver com a obtenção destas posses e nada mais, então esta pessoa está em grandes trevas espirituais, porque não pode enxergar a verdade bíblica quanto a impossibilidade de servir a Deus e às riquezas, pois a pessoa referida no exemplo tem por problema, não o ser rica, mas o fato de ser dominada e governada pelo desejo da riqueza, que automaticamente exclui o governo de Deus da sua vida.


A Detestável Escravidão ao Pecado

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“19 Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
21 Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
22 A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz;
23 se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!
24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mt 6.19-24)

Um dos efeitos do pecado no homem é escravizá-lo a coisas que deveriam servi-lo. Isto é algo terrível e trágico.
Segundo nosso Senhor, nesta passagem, as coisas terrenas, mundanas, tendem a se converter em nosso deus. As servimos e as amamos. Nosso coração se sente cativado por elas; estamos a serviço delas. Quais são? São as mesmas coisas que Deus em sua bondade tem dado ao homem para que lhe sirvam, e para que possa desfrutar da vida enquanto viva neste mundo. Todas estas coisas que podem ser tão perigosas para a alma, devido ao pecado, Deus no-las deu, e no-las deu para que desfrutássemos delas – alimento, família, amigos e tudo o mais. Todas estas coisas não são senão uma manifestação da bondade de Deus. No-las tem dado para que vivamos uma vida feliz e prazeirosa neste mundo. Porém, devido ao pecado, nos temos convertido em escravos delas. Nos dominam os apetites. Deus nos tem dado os apetites da fome, da sede e do sexo; tudo Deus tem criado. Porém, quando estas coisas dominam o homem, torna-se um escravo das mesmas. Que tragédia; inclina-se diante de coisas e adora coisas que teriam que servir-lhe. Coisas que teriam que estar a seu serviço se têm assenhoreado dele. Que terrível e espantoso é o pecado!
O último ponto, contudo, é o mais grave, o mais solene de todos. O efeito final do pecado no gênero humano é que faz com o homem se perca completamente. Este é o ensino da Bíblia desde o princípio até o fim. Isto que começou a existir por meio da serpente no jardim do Éden, não tem outra intenção que nossa ruína final. O diabo odeia a Deus com todo seu ser, e não tem senão um objetivo e ambição: lançar a perder e arruinar tudo o que Deus fez, e no qual Ele se deleita. Em outras palavras, procura sobretudo a ruína do homem e do mundo.
Como o pecado arruína o homem? Encontraremos a resposta nestes versículos do Sermão do Monte. Arruína o homem no sentido de que, havendo passado a vida em entesourar certas coisas na terra, no final se encontra com nada. Depois de entesourar para si tesouros na terra onde a ferrugem e a traça corrompem, e há ladrões que furtam e roubam, encontra-se frente a frente com a morte, o adversário mais poderoso de todos.  
Então, este pobre homem destroçado, que tem vivido para todas essas coisas, vê de repente que não tem nada; está despojado de tudo e sem nada mais que sua alma desnuda. É a ruína completa. “Que aproveitará ao homem, se ganhar todo o mundo, e perder a sua alma?”
A isto  conduz em última instância o pecado, e há muitas passagens bíblicas que o demonstram. Vejamos Lucas 16.19-31. Ali o encontramos em forma perfeita; não faz faltar nada. É um assunto de sentido e entendimento comum, e basta examiná-lo. Pensemos em todas as coisas pelas quais vivemos neste momento, as coisas que realmente importam, as coisas que têm realmente peso em nossa vida. Logo, façamo-nos esta simples pergunta: “Quantas delas estarão comigo depois de morrer?” O pecado é a ruína definitiva que ao final deixa o homem sem nada.
E o pior de tudo é que, ao final, o homem também descobre que durante toda sua vida tem estado inteiramente equivocado. Nosso Senhor o expressa assim: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz;
23 se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!”
O que isto significa é o seguinte. Como temos visto, a luz do corpo é, num sentido, a mente, o entendimento, esta faculdade extraordinária que Deus deu ao homem. Se, como conseqüência do pecado, e do mal, e devido ao controle que exercem o coração, o prazer, a paixão, e o desejo, essa faculdade suprema se tem pervertido, e quão grandes são essas trevas! Há algo pior ou mais terrível que isto? Poderíamos também vê-lo assim: O homem hoje em dia, como vimos dizendo, e como sabemos muito bem, não somente crê que se guia pela inteligência; repudia a Deus devido a sua mente e faculdades. Se ri da religião, se ri dos que se opõem a esta visão mundana da vida. Vive para o presente; isto é a única coisa que conta. E crê que esse é um ponto de vista racional. O demonstra até se satisfazer e se convence de que se conduz pela inteligência. Não se dá conta de que a luz que possui se tem entenebrecido. Não vê que suas faculdades ficaram alteradas devido ao pecado. Não vê as forças distintas que controlam e entorpecem sua mente, a qual, em conseqüência, já não opera de forma livre e racional. Porém, ao final chegará a vê-lo; e ao final se verá a si mesmo como o filho pródigo. De repente verá que as coisas em que confiava eram trevas, que lho haviam desorientado, e que lho tinham feito se perder completamente – que a luz que possui é trevas e que estas trevas são muito grandes. Não há nada pior que descobrir afinal, que aquilo em que havia colocado a fé, é o que lhe tem feito se perder.
Tudo isto pode ser visto no quadro do rico e de Lázaro de Lc 16. Eu estou seguro de que o rico se justificava dia após dia dizendo: “é justo o que eu faço”. Porém, depois de morrer se encontrou no inferno e de repente compreendeu tudo. Compreendeu que durante toda a sua vida havia sido um néscio. Havia crido que havia somente agido bem, e por fim chegou a isso. Viu quão néscio havia sido e suplicou a Abraão que enviasse a alguém a seus irmãos, os quais viviam da mesma forma que ele. Descobriu que a luz que havia nele eram trevas e que essas trevas eram muito grandes. Esta é uma das atuações mais sutis de Satanás. Persuade o homem de que é racional o negar a Deus; porém, como temos visto muitas vezes, o que na realidade sucede é que faz do homem criatura de prazer e desejos, cuja mente está cegada e cujos olhos já não são limpos. A faculdade mais elevada de todas se tem pervertido.
Se algum dos leitores não é cristão, que não confie em sua inteligência; é o mais perigoso que se pode fazer. Porém ao se tornar cristão, a inteligência torna a ocupar uma posição central e volta de novo a ser uma criatura racional. Não há engano mais patético para o homem que pensar em que a fé cristã é algo emotivo, o ópio do povo, algo puramente emocional e irracional. O apóstolo Paulo diz em Romanos 6.17 a visão verdadeira: “Tendes obedecido aquela forma de doutrina à qual fostes entregues!” Lhes pregou a doutrina, e quando chegaram a vê-la, lhes agradou, creram nela, e a puseram em prática. Receberam a verdade de Deus antes de tudo com a inteligência. A verdade deve ser recebida com a inteligência, e o Espírito Santo capacita a inteligência a ver com claridade. Isto é a conversão, isto é o que sucede como resultado da regeneração. A mente se vê livre da desorientação do mal e das trevas; vê a verdade, e a ama, e deseja acima de tudo. Assim é. Não há nada mais trágico para o homem que descobrir ao final de sua vida, que tem estado sempre equivocado. Umas palavras finais. Este homem infeliz ao que o pecado tem feito se perder, não somente descobre que nada tem, não somente descobre que se tem enganado a si mesmo e tem sido desviado pela luz que supõe que tivesse; descobre também que se acha fora da vida de Deus e sob sua ira. “Não podeis servir a Deus e às riquezas”. De modo que se alguém tem servido as riquezas toda a sua vida até a morte, se encontrará depois da morte, sem Deus. Não tem servido a Deus, de modo que somente uma coisa pode se dizer dele, segundo a Bíblia, e isto é, que “a ira de Deus está sobre ele” (Jo 3.36).  
Tudo aquilo pelo qual viveu tem desaparecido. Ali na eternidade não é mais que uma alma desnuda que tem que se enfrentar com Deus, ao Deus que é amor e que está cheio de bondade. Aquele Pai que conta até os cabelos da cabeça do crente, lhe parece estranho. Está sem Deus, e não somente sem Deus no mundo, senão sem Deus na eternidade, sem esperança, diante de uma eternidade infeliz e cheia de miséria e lamentações. O pecado é uma perda total. Se alguém não vive para servir a Deus, então esse será seu destino. Não terá nada, e morará nessa negação, essa negação sem esperança, durante toda a eternidade. Deus não quer que seja este o fim de  nenhum dos que estão escutando estas palavras. Se desejamos evitá-lo, corramos para Deus, e confessemos que temos estado servindo a coisas terrenas, acumulando tesouros terrenos. Confessemos e nos entreguemos a Ele, ponhamo-nos sem reservas em suas mãos e sobretudo lhe peçamos que nos encha com seu Santo Espírito, o único que pode iluminar a inteligência, aclarar a compreensão, limpar os olhos e capacitar-nos para ver a verdade – a verdade acerca do pecado, e o único caminho de salvação para o sangue de Cristo – o Espírito Santo que nos pode mostrar como nos livrar da perversão e da contaminação do pecado, e chegar a ser homens e mulheres novos, criados segundo a imagem do próprio Filho de Deus, para amar as coisas de Deus e servir-lhe, servir a Ele somente.


Pássaros e Flores

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?
26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam;
29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?” (Mt 6.25-30)

Nestes versículos 25-30 nosso Senhor se refere ao terrível perigo que corremos nesta vida e que nasce da tendência de nos interessarmos demasiadamente, de formas distintas, pelas coisas do mundo.
Somos propensos a ficarmos ansiosos com o que comeremos, beberemos e também quanto ao que vestiremos.
Chama a atenção ver como tantas pessoas parecem viver completamente nesta linha; toda sua vida se resume em comer, beber e vestir. Dedicam todo o tempo a pensar nestas coisas, a falar sobre elas, a discuti-las com outros, a argumentar sobre elas e ler acerca das mesmas em distintos livros e revistas. E o mundo de hoje faz tudo o que pode para que todos vivamos desta forma. Esta é a mente do mundo, este é seu círculo de interesse. O povo vive para essas coisas, e se preocupa por elas de todas as formas. Sabendo isto e sendo conscientes dos perigos, nosso Senhor, antes de tudo, nos dá uma razão geral para evitar esse engano específico.
Porém, uma vez que nos tem admoestado quanto a não estarmos ansiosos quanto ao que comer ou beber, ou acerca do que temos de vestir, passa a examinar separadamente cada aspecto da questão. O primeiro aspecto é examinado nos versículos 26 e 27, e trata da nossa existência, da continuação e sustento da nossa vida no mundo. Temos aqui o pensamento:
“26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?”
Alguns dirão que a afirmação do verso 27 pertence à seção seguinte, porém, a mim, me parece absolutamente claro que deve, por razões diremos daqui a pouco, formar parte desta primeira seção.
Quanto à questão geral do comer e do sustento da vida, nosso Senhor nos oferece um argumento duplo. Ou, se o preferimos, dois argumentos principais. O primeiro se deriva dos pássaros do céu. Começa com uma observação geral, chamando a atenção relativamente a algo que é um fato da vida neste mundo. “Olhai para as aves do céu”. Contemplemo-las. “Olhai” nem sempre implica o significado de observação intensa. Somente nos pede que olhemos algo que temos diante de nós.
Que se pode argumentar baseando-se nos pássaros que vemos? Que eles sempre dispõem de comida.
Há uma grande diferença entre a forma em que se sustenta a vida dos pássaros e a do homem. No caso dos pássaros, alguém a proporciona. No caso do homem, está envolvido num certo processo. Semeia, logo recolhe a colheita que tem crescido da semente semeada. Depois passa a armazená-la em grãos e conserva o que necessita. Esta é a forma de proceder do homem, e é uma forma adequada, e a forma que nosso Senhor ordenou ao homem depois da queda: “com o suor do teu rosto comerás o pão” (Gen 3.19). Desde o começo da história, o tempo de semear e de colher, foi determinado pelo próprio Deus, não o homem, de maneira que este, desde o princípio, teve que semear, colher e armazenar. Tem que fazê-lo, e é assim como pode suster-se. Por isto o mandamento de “não ficar ansioso” não pode significar que tenhamos que nos sentar e esperar que o pão nos chegue milagrosamente cada manhã. Isto não é bíblico, e quem imagina que é isto a vida de fé, tem entendido mal o ensino da Bíblia.  
Todavia, o homem nunca tem de se preocupar por essas coisas. Não deve passar a vida olhando o céu, perguntando-se que tempo vai fazer, e se vai conseguir algo para guardar no celeiro. Isto é o que nosso Senhor condena. O homem tem que semear, Deus o ordena. Porém, tem que depender de Deus, que é o único que pode fazer crescer a semente. Nosso Senhor chama a atenção sobre os pássaros. Nada há mais óbvio quanto a eles que o fato de que continuam vivos e que na natureza encontram alimento – vermes, insetos, grãos e todas as coisas que os pássaros comem. O sustento está disponível para eles. De onde procede? A resposta é que Deus o administra. Aí, está, é um simples fato da vida, e Deus nos diz que o observemos.
Deus é nosso Pai, e se nosso Pai cuida tanto das aves com as quais tem uma relação somente de providência geral, quanto maior deve ser por necessidade seu cuidado por nós, já que somos seus filhos.
Deus é o Criador, e é o sustentador de todas as coisas que existem. Cuida inclusive dos pássaros. Assim, deveríamos pensar, segundo nosso Senhor, e enquanto o fazemos, vemos que a ansiedade se torna impossível.
Quanto à impossibilidade de acrescentar um côvado ao curso da existência isto significa que por maiores que sejam nossas preocupações e ansiedades, não podemos prolongar com elas a duração da nossa vida neste mundo.
As pessoas vivem angustiadas por suas necessidades corporais porque desejam estender e prolongar sua vida neste mundo.
Contudo, o que alguém faz, com todos os tremendos esforços, com todas as angústias e ansiedades, pode prolongar a duração da sua vida sequer por um instante? E a resposta para esta pergunta é que não pode. O milionário com todo o seu dinheiro e quantidade de comida e bebida que pode comprar, não poderá decidir quanto à questão de poder viver por um tempo maior neste mundo. Deste modo, o milionário não tem nenhuma vantagem sobre a pessoa mais pobre do mundo.
Apesar de todos os conhecimentos modernos da medicina, nosso tempo neste mundo segue estando nas mãos de Deus, e em conseqüência, nos pergunta o Senhor, por que toda esta excitação, porque todo esta preocupação e ansiedade? A vida é um dom de Deus. Ele a dá e Ele decide o fim da mesma.
Agora devemos voltar nossa atenção para a seção que começa com o verso 28:
“28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam;
29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?”
Nosso Senhor apresenta o argumento como anteriormente. Primeiro olhem os fatos, os lírios do campo, as flores silvestres, a erva. Contemplem quão maravilhosos são, quão belos são, contemplem sua perfeição. Nem sequer Salomão em toda sua glória pôde se vestir como um deles.
Nas flores há uma qualidade essencial, sua forma, seu desenho, sua textura, substância, fragrância, nada que o homem, com todos os seus recursos, pode chegar a imitar verdadeiramente. Em tudo isso o homem vê a mão de Deus, vê a criação perfeita, vê a glória do Todo Poderoso.
Tiremos a conclusão: se Deus veste a erva do campo de tal forma, não fará muito mais por nós?
A erva do campo é transitória, efêmera. Depois que morriam e secavam eram usadas para aquecer o forno onde se fazia o pão, nos dias de nosso Senhor. Por isso se entendo o poder do argumento. Não podemos fazer com que as flores durem muito tempo, e quando as cortamos começam a morrer. Estas coisas maravilhosas vêm e vão. Porém, nós somos imortais, pertencemos à eternidade. Deus tem colocado a eternidade no coração do homem. O homem não está destinado a desaparecer. Não se aplica à alma a citação: “pó és e ao pó voltarás”. Ao dar-nos conta desta verdade acerca de nós mesmos, pode-se crer que o Deus que nos tem feito e destinado para a eternidade vai se esquecer do nosso corpo enquanto estivermos neste mundo? Claro que não. “Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?”


Não Ficar Ansioso

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?
26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam;
29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
32 (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
33 Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt 6.25-34)

Alguns pensam que não estar ansioso significa não se preocupar no sentido de nada fazer, porque chama a isto de viver pela fé, mas estão equivocados.
No próprio caso dos pássaros na ilustração apresentada por nosso Senhor devemos lembrar que não se limitam a ficarem pousadas todo o tempo nas árvores, esperando que se lhes traga comida mecanicamente. Não é assim. Buscam a comida ativamente. As aves do céu desenvolvem uma verdadeira atividade. De modo que o próprio argumento empregado por nosso Senhor a este respeito exclui completamente a possibilidade de interpretá-lo como uma espécie de espera passiva em Deus, sem nada fazer. Nosso Senhor nunca condena o lavrador por arar, semear, colher e acumular em celeiros. Nunca o condena, porque Deus ordenou que o homem vivesse de tal forma, com o suor da face.
De igual modo estes argumentos apresentados em forma de ilustrações incluem também os lírios do campo, porque extraem o seu sustento da terra na qual estão plantados.
Nosso Senhor pergunta:
“Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?” Que quer dizer nosso Senhor com isto? O argumento é profundo e poderoso, e estamos inclinados a esquecê-lo! Diz com efeito: “tomem esta vida pela qual vos preocupais e angustias. De onde a obtivestes? De onde vem?” A resposta é que é um dom de Deus. O homem não cria a vida. Nenhum de nós decidiu vir a este mundo. O fato mesmo de que estejamos vivos neste momento se deve inteiramente a que Deus o decretou e decidiu assim.
Tenho que trabalhar e ganhar dinheiro, porém tudo o que o Senhor diz é que nunca devo preocupar-me nem angustiar-me nem sentir-me ansioso de que de repente não venha a ter o suficiente para manter-me em vida. Nunca me sucederá tal coisa; é impossível. Se Deus me tem outorgado o dom da vida, procurará que essa vida prossiga. Porém aqui está a questão: não fala acerca de como o fará. Diz simplesmente que assim será.
Temos a afirmação desta verdade em Rom 8.32:
“Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas?”
E também em Hb 13.5:
“Seja a vossa vida isenta de ganância, contentando-vos com o que tendes; porque ele mesmo disse: Não te deixarei, nem te desampararei.”
Nosso Senhor sintetiza seu ensino principal com estas palavras: “homens de pouca fé”. Fé aqui, como veremos, não significa algum princípio vago; tem em mente nosso fracasso em entender, nossa falta de compreensão da visão bíblica do homem e da vida como tem que ser vivida neste mundo. Este é nosso verdadeiro problema, e o propósito de nosso Senhor ao apresentar as ilustrações que examinaremos mais adiante, é mostrar-nos como não pensamos como deveríamos pensar.
Deus tem um plano para cada vida. Nunca devemos considerar nossa vida neste mundo como acidental.
“Não tem o dia doze horas”, disse Cristo um dia a seus temerosos e assustados discípulos. E nós necessitamos dizê-lo a nós mesmos. Podemos ter a segurança de que Deus tem um plano e propósito para nossas vidas, e este plano se cumprirá.  Em conseqüência, nunca devemos estar ansiosos por nossa vida nem como para a sustentarmos.








Fé Aumentada

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
32 (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
33 Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mt 6.31-33)

O argumento essencial de nosso Senhor nesta passagem, é que nós como cristãos, devemos ser diferentes dos gentios, isto é, daqueles que não conhecem a Deus, sendo portanto, estranhos para Ele.
Se alguém pretende aumentar a fé, a primeira coisa que tem que fazer é dar-se conta de que preocupar-se com comida, bebida e vestimenta, é, num sentido, fazer o mesmo que os gentios.
Que quer dizer com isto? A palavra “gentios” significa na realidade “pagãos”. Os pagãos eram pessoas que não possuíam a revelação de Deus, e que por conseguinte não conheciam a Deus. Isso é o que se sublinha tanto no Antigo Testamento; e o que distingue aos filhos de Israel de todos os demais. Paulo, em seu argumento relativo a este tema diz em Rom 3.2 que “lhes tem sido confiada a Palavra de Deus!” Deus se revelou de forma especial aos judeus, não somente no chamamento de Abraão e em outros casos específicos, senão sobretudo ao dar-lhes a lei e o grande ensino dos profetas. Os pagãos não conheciam nada disso; não haviam tido esta revelação especial, nem possuíam conhecimento de Deus. Não tinham as Escrituras do Antigo Testamento, e estavam por conseguinte, sem os recursos para conhecê-lo. Este é o ponto essencial acerca dos pagãos, não sabem nada sobre Deus num sentido real, estão “sem Deus no mundo”.
Quando o Senhor diz que os gentios buscam todas estas coisas, esta palavra “buscam” é uma palavra muito forte. Significa que o buscam com afã, que buscam constantemente estas coisas, que vivem para elas.
Disto surge a pergunta vital e importante: Somos nós assim? Se estas cousas ocupam o primeiro lugar na vida – diz nosso Senhor – e se monopolizam nossa vida e nosso pensar, então não somos melhores que os pagãos, somos mundanos, com mentes mundanas. Esta palavra nos chega com poder e significado terríveis. Há muitas pessoas que podem ser descritas como mundanos espirituais. Se alguém lhes fala acerca da salvação, têm a idéia correta, porém se lhes fala acerca da vida em geral, são mundanos. Sempre estão falando sobre riqueza, posição, e possessões temporais. Estas coisas na realidade as dominam. Elas são as que os fazem felizes ou infelizes. E sempre estão pensando e falando acerca delas. Isto é ser como os pagãos, diz Cristo, porque o cristão não deveria estar dominado por essas coisas. Essas coisas não deveriam na realidade fazê-lo feliz ou infeliz, porque esta é a situação típica do pagão, estar dominado por elas em toda a perspectiva que tem acerca da vida; e em seu viver neste mundo.
Os filhos de Deus estão destinados neste mundo a viver a vida de fé, têm viver à luz dessa fé que professam.
Nosso Senhor conclui o ensino desta passagem com as palavras: “Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” Que quer dizer com isso? Obviamente não disse a seus ouvintes como fazer-se cristãos; lhes disse como se comportar por serem cristãos. Estão no reino de Deus, e porque estão nele devem buscá-lo mais e mais. Têm que, como disse Pedro: “fazer firme sua vocação e eleição”. Na prática significa que, como filhos de nosso Pai celestial, deveríamos buscar conhecer-Lhe melhor.
É citada pelo Senhor a justiça do reino de Deus. Por que acrescentou esta justiça? É um acréscimo muito importante; significa santidade, a vida de justiça.
Não somente tem que buscar o reino de Deus, no sentido de colocar o coração nas coisas do alto; também tem que buscar de maneira positiva a santidade e a justiça. Uma vez mais estamos frente a uma repetição de “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” Sim, é isso. O cristão busca a justiça, busca ser como Cristo, busca a santidade positiva e ser mais e mais santo, crescer na graça e no conhecimento do Senhor. Esta é a maneira de aumentar a fé. Funciona assim. Quanto mais santos somos, mais perto estaremos de Deus. Quanto mais santos somos, maior será nossa fé.
Podemos parafrasear as palavras de nosso Senhor da seguinte forma: se queres buscar algo, se queres ficar ansioso por algo, preocupa-te com tua condição espiritual, por tua proximidade com Deus e por tua relação com Ele. Se buscas isto em primeiro lugar, a preocupação desaparecerá; este é o resultado. Esta grande preocupação acerca da tua relação com Deus eliminará as preocupações menores acerca de comida, bebida e vestimenta.


Preocupação: Causas e Remédio

Por D. M. Lloyd Jones (adaptado)

“Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt 6.34)

Em Mateus 6.34, nosso Senhor conclui o tema que veio tratando em toda esta seção do Sermão do Monte, a saber, o problema que nos apresenta nossa relação com as coisas deste mundo. É um problema com o qual todos nos enfrentamos. As formas em que isto sucede são diferentes, como temos visto.
Aqui, neste versículo, conclui esta exposição e o faz assim: por três vezes emprega a expressão “não vos inquieteis”, em relação à comida, bebida e vestimenta. Aqui conclui todo o tema, e estou seguro de que muitos, ao lerem pela primeira vez este versículo em seu contexto, devem ter sentido quase uma sensação de surpresa de que nosso Senhor o quisera acrescentar. Parece ter alcançado um ponto culminante maravilhoso no versículo anterior (33), no qual resumiu seu ensino positivo em memoráveis palavras. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas!”. Isto parece como uma dessas afirmações finais às quais não se pode acrescentar nada, e à primeira vista o versículo que agora examinamos para ser quase um anticlímax.
Todavia, podemos ter a segurança completa de que não se trata de um anticlímax; existe alguma razão muito boa para esta afirmação. Conclui de modo negativo e é isto, à primeira vista, o que constitui o problema. Por que o fizera? É porque é na realidade uma extensão do seu ensino. Não é simples repetição, ou simples síntese; é isso, porém é mais do que isso.
Até agora, tinha examinado este problema quanto ao que nos concerne no presente imediato; e agora se refere a ele quanto ao que se refere também ao futuro.
Estende o ensino e o aplica, para que englobe toda a vida.
A preocupação é um fracasso em aplicar nossa fé. Porém o que devemos enfatizar, é que a preocupação é algo que se apodera de nós e nos controla. É um poder muito forte, uma força ativa, e se não nos damos conta disso, podemos ter a segurança de que nos derrotará. Se não pode fazer-nos ansiosos, agoniados e deprimidos devido ao estado e condição das coisas com as quais nos enfrentamos no momento atual, dará o passo seguinte e centrará sua atenção no futuro.
(uma das principais razões de nosso Senhor ter feito uma aplicação tão extensão quanto à ansiedade, não foi para motivos de nos dar um apanágio psicológico, para ajudar-nos a ficarmos tranqüilos e calmos, mas porque a ansiedade expulsa a fé, e a fé é essencial e básica para se viver a vida cristã – nota do tradutor).
Nosso Senhor mostra quão néscio é se preocupar com o futuro. Basta a cada dia o seu próprio mal. Se o presente, tal como é, já é suficientemente mal, por que pensar no futuro? O viver o dia a dia é suficiente em si mesmo, temos que nos contentar com isso. Porém, não somente isto. A preocupação com o futuro é completamente inútil e vã; não consegue absolutamente nada. Somos muito lentos em ver isto, e contudo, quão verdadeiro é! A preocupação nunca serve para nada. Isto se vê com especial clareza quando alguém contempla o futuro. Aparte de outras coisas, é um simples desperdício de energia, porque, por muito que alguém se preocupe, não pode fazer nada em relação ao mesmo. De qualquer modo, as catástrofes que se temem são imaginárias; não são certas; talvez nunca ocorram.
O resultado de se preocupar com o futuro é o que paralisa o presente, e diminui nossa eficiência relativamente ao dia de hoje, e com isso reduz toda sua eficácia quanto a esse futuro que terá que chegar. Em outras palavras, a preocupação é algo que se deve a um fracasso absoluto em entender a natureza da vida neste mundo.
Devemos assim vencer a tentação a que todos estamos expostos de tentar armazenar graça pra o futuro. Isto significa falta de fé em Deus, em cujas mãos se encontra o nosso futuro.
Não se inquietar não significa não pensar em nada, mas não se preocupar, não ficar ansioso.

Mateus 6.1 Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.
Mateus 6.2 Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Mateus 6.3 Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita;
Mateus 6.4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Mateus 6.5 E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Mateus 6.6 Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Mateus 6.7 E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.
Mateus 6.8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.
Mateus 6.9 Portanto, orai vós deste modo: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Mateus 6.10 venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
Mateus 6.11 o pão nosso de cada dia nos dá hoje;
Mateus 6.12 e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;
Mateus 6.13 e não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal. [Porque teu é o reino e o poder, e a glória, para sempre, Amém.]
Mateus 6.14 Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós;
Mateus 6.15 se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas.
Mateus 6.16 Quando jejuardes, não vos mostreis contristrados como os hipócritas; porque eles desfiguram os seus rostos, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Mateus 6.17 Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto,
Mateus 6.18 para não mostrar aos homens que estás jejuando, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Mateus 6.19 Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
Mateus 6.20 mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consumem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
Mateus 6.21 Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
Mateus 6.22 A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz;
Mateus 6.23 se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!
Mateus 6.24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
Mateus 6.25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?
Mateus 6.26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
Mateus 6.27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
Mateus 6.28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam;
Mateus 6.29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
Mateus 6.30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
Mateus 6.31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
Mateus 6.32 (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
Mateus 6.33 Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Mateus 6.34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.








Mateus 7

Não Julgueis – Mateus 7.1

“Não julgueis, para que não sejais julgados.” (Mt 7.1)

Em todo este sétimo capítulo de Mateus, o tema principal é o do juízo.
O Senhor nos recorda em todo o momento em seu ensino que nossa estamos de viagem aqui neste mundo, numa peregrinação, e que conduz a um juízo final, a uma última avaliação, e à determinação e proclamação do nosso destino eterno.
A metade de nossos problemas se devem ao fato de vivermos como assumindo que esta é a única vida e o único mundo. Claro que sabemos que isso não é assim; porém há uma grande diferença entre saber uma coisa e guiar-se e governar-se realmente por este conhecimento na vida e perspectivas ordinárias.
Nosso Senhor inicia sua consideração desta grande questão acerca de nosso caminhar neste mundo, sob um sentido de juízo, em função do ponto específico de se julgar uns aos outros. “Não julgueis”. Nosso Senhor segue usando o mesmo método que tem usado ao longo deste sermão. Faz um pronunciamento e o apresenta depois numa forma mais lógica e detalhada.
Faz primeiro o pronunciamento “Não julgueis”.
Se nos apresenta aqui uma afirmação que frequentemente, tem conduzido a muita confusão. Temos que reconhecer que é um tema que pode ser muito facilmente, ser mal entendido.
Houve épocas na história da Igreja em que se louvava aos homens que mantinham seus princípios a todo custo. Porém, hoje em dia não é assim. Estes homens são considerados como difíceis, pouco cooperadores e assim por diante. Hoje se glorifica ao homem que se pode descrever como “do centro”, ao homem agradável, que não cria dificuldades, nem problemas devia a seus pontos de vista. A vida, nos dizem, já é bastante difícil e complexa como é, sem necessidade de se tomar posturas firmes relativas a doutrinas específicas.
Numa época como a nossa, pois, há suma importância em poder interpretar corretamente esta afirmação relativa a julgar, porque há muitos que dizem que esse “não julgueis” deve ser entendido simples e literalmente como é, com o significado de que o cristão verdadeiro nunca deve expressar opiniões acerca dos outros. Dizem que nunca se deve julgar, que devemos ser brandos, indulgentes e tolerantes, e permitir praticamente tudo, em prol da paz e da tranquilidade, e sobretudo da unidade. (Este juízo é formado sem se levar em conta tudo o que a Bíblia ensina relativamente ao assunto, senão somente no que é da conveniência e imaginação das próprias pessoas – nota do tradutor).
Esta época não é época para este tipo de juízos, dizem; o que se necessita hoje em dia é unidade e comunhão. Todos devemos ser um. (Argumenta-se principalmente contra posições radicais que possam servir para aumentar as divisões no mundo, e assim, apela-se por uma paz mundial, especialmente sem fronteiras religiosas, sociológicas etc – nota do tradutor).
Todavia, se tomarmos o próprio contexto da afirmação do “não julgueis”, veremos que esta interpretação é completamente impossível.
Tomemos por exemplo o verso 6: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.” Como posso colocar isto em prática sem o exercício do juízo? Como posso saber que tipo de pessoa pode ser descrita desta forma como porco e cão?
Vejamos também a afirmação do verso 15: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.” Como devemos interpretar isso?  Não posso guardar-me dos falsos profetas se não penso e se tenho tanto medo de julgar o ensino deles.
Assim, pois, sem ir mais longe, essa interpretação não pode ser a interpretação verdadeira porque diz que significa somente ser “livre e fácil”, e ter uma atitude branda e indulgente com qualquer um que em forma vaga se chame cristão. É completamente impossível.
A própria Bíblia nos ensina que o juízo deve ser exercitado em relação aos assuntos do Estado. Os juízes e magistrados recebem o poder de Deus e que o magistrado deve pronunciar juízo, e que esse é seu dever. É parte do método que Deus tem para frear o mal e o pecado e os efeitos dos mesmos neste mundo temporal. Portanto, se alguém diz que não crê nos tribunais de justiça, contradiz a Bíblia.
Se encontra também o mesmo ensino na Bíblia relativamente à igreja. A disciplina era, para os pais protestantes, sinal tão distintivo da Igreja como a pregação da Palavra e administração dos sacramentos. Porém sabemos muito pouco sobre a disciplina. É o resultado desta noção frouxa e sentimental de que não há que se julgar, e que pergunta: “Quem és tu para julgar?” Porém a Bíblia nos exorta a fazê-lo.
Que significa então a exortação de nosso Senhor “Não julgueis”?
Nosso Senhor não nos diz que não temos que fazer avaliações baseados em juízos, porém que estejamos muito preocupados pelo assunto de condenar. Ao tentarem evitar esta tendência de condenar, algumas pessoas têm chegado ao outro extremo, e com isso se encontram também numa posição falsa. A vida cristã não é tão fácil. A vida cristã é sempre vida de equilíbrio. Têm bastante razão os que dizem que andar por fé significa andar por um fio de uma navalha. Alguém pode cair de um lado ou de outro, mas tem que se manter no centro mesmo da verdade, evitando o erro tanto de uma lado como de outro. Portanto, ainda que digamos que não significa se negar a exercitar o discernimento ou o juízo, devemos nos apressar a dizer nos põe de sobreaviso contra o terrível perigo de condenar, de pronunciar juízos num sentido definitivo.
Que perigo é este acerca do qual nosso Senhor nos põe de sobreaviso? Podemos dizer antes de tudo que é uma espécie de espírito, um espírito que se manifesta de certos modos. Que é este espírito que condena? É o espírito orgulhoso de sua própria justiça. O ego está sempre na raiz do mesmo, e é sempre uma manifestação de auto-justificação, um sentido de superioridade, um sentido que nós andamos bem enquanto que outros não. Isto conduz então ao espírito de censura, ao espírito que sempre está disposto a se expressar de forma detratora. E logo, junto com isto, se dá a tendência de desprezar aos outros, a tê-los em pouca conta. Não somente estou descrevendo os fariseus, estou descrevendo a todos os que têm o espírito farisaico.
Me parece também que uma parte de importância vital deste espírito é a tendência a ser hipercrítico. Há uma grande diferença entre ser critico e ser hipercrítico. O verdadeiro espírito de crítica é algo excelente. Desgraçadamente, é muito raro. A crítica verdadeira nunca é simplesmente destrutiva; é construtiva, é uma apreciação.
O homem que é réu de julgar, no sentido em que nosso Senhor emprega o termo aqui, é o hipercrítico, o qual significa que se deleita na crítica pela própria crítica e com isso se alegra. É o homem que se ocupa do que é criticável com a esperança de encontrar faltas, quase anelando encontrá-las.
O espírito hipercrítico nunca se sente realmente feliz a não ser que encontre estas faltas.
O melhor comentário a este respeito se encontra em Romanos 14, onde Paulo diz aos romanos em detalhe que evitem o julgar-se mutuamente em assuntos como a comida e a bebida, e como o considerar um dia mais importante que outro. Haviam situado estes assuntos numa posição destacada, e se julgavam e condenavam em função destas coisas.
Não se pode decidir se alguém é cristão ou não, examinando as ideias que têm acerca de assuntos como estes, os quais não são importantes.
Se descobrimos que temos prazer em saber acerca das faltas de outros, essa é a atitude que conduz a este espírito de juízo que nos torna réus perante o Senhor.
Este espírito se manifesta na realidade na tendência de emitir juízos definitivos acerca das pessoas como tais. Isto significa que não é tanto um juízo do que fazem ou creem ou dizem, senão das próprias pessoas.
É um juízo definitivo da pessoa, e o que o faz tão terrível é que para ser assim, se arroga algo que pertence a Deus.
Este é um tema difícil, e até agora temos examinado somente o mandamento. Não temos estudado todavia a razão que nosso Senhor agrega ao  mandamento. Simplesmente, temos tomado as duas palavras, e confia que sempre as recordamos: “Não julgueis”. Ao cumpri-lo agradecemos a Deus por ter um evangelho que nos diz que “sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós”, que ninguém se mantém por sua própria justiça, senão pela justiça de Cristo. Sem Ele estamos condenados, completamente perdidos. Temos nos condenado a nós mesmos ao julgar a outros. Deus é Senhor e nosso Juiz, e Ele nos tem proporcionado uma forma de passar do juízo para a vida. A exortação é para viver nossa vida neste mundo como pessoas que têm passado pelo juízo “em Cristo” e que agora vivem por Ele e como Ele, dando-se conta de que têm sido salvos por Sua graça e misericórdia maravilhosas.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)

A Trave e o Argueiro – Mateus 7.1-5

“1 Não julgueis, para que não sejais julgados.
2 Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.
3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?
5 Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” (Mt 7.1-5)

Examinamos o mandamento de nosso Senhor, “Não julgueis” e o que implica na prática. Agora, veremos nos versos 1 a 5 as razões que dá para não julgarmos.
A primeira razão que nos apresenta é a seguinte: “Não julgueis, para que não sejais julgados!” Se trata de uma razão muito prática e pessoal, porém, que significa exatamente?
Há um juízo que é definitivo e eterno, é o juízo que determina o estado do homem e sua posição diante de Deus. Este juízo decide a grande separação entre o cristão e o não cristão, entre as ovelhas e as cabras, entre os que alcançarão a glória e os que alcançarão a perdição. Este é um tipo de primeiro juízo, como um juízo básico que estabelece a grande linha divisória entre os que pertencem a Deus e os que não lhe pertencem. Isto é ensinado claramente em muitas passagens da Bíblia. Este é o juízo que determina e fixa o destino final do homem, sua condição eterna, se vai estar no céu ou no inferno.
Porém esse não é o único juízo que se ensina na Bíblia, há um segundo juízo, o juízo ao qual estamos submetidos como filhos de deus, e por ser filhos de Deus.
Para entender isso, deveríamos ler I Coríntios 11, onde Paulo expõe a doutrina relativa à santa ceia.
Ele diz: “27 De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. 28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice. 29 Porque quem come e bebe, come e bebe para sua própria condenação, se não discernir o corpo do Senhor.” (I Cor 11.27-29)
E Logo adiante afirma:
“30 Por causa disto há entre vós muitos fracos e enfermos, e muitos que dormem. 31 Mas, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados; 32 quando, porém, somos julgados pelo Senhor, somos corrigidos, para não sermos condenados com o mundo.” (I Cor 11.30-32).
Esta afirmação é muito importante e significativa. Indica claramente que Deus julga a seus filhos desta forma, que se somos culpados de pecado, ou de viver mal, é provável que Ele nos castigue. O castigo, diz Paulo, pode tomar a forma de enfermidade.
Há quem está enfermo por seu mal viver.
Não quer dizer necessariamente que Deus lhes tenha enviado a enfermidade, porém provavelmente significa que Deus retira sua proteção deles e permite que o Inimigo lhes ataque com a enfermidade. O mesmo tipo de afirmação é encontrada na mesma carta quando fala de entregar um homem a Satanás para que este lhe corrija dessa forma (capítulo 5). É uma doutrina sumamente grave e importante.
Deus permite que Satanás controle estas pessoas devido à sua negativa de julgarem-se a si mesmas e a arrepender-se e a voltar para Deus.
A exortação que faz, por conseguinte, é que devemos examinarmo-nos a nós mesmos, devemos nos julgar a nós mesmos e condenar o mal que há em nós, para que possamos evitar esse outro juízo.
Se engana, pois, o cristão que passa superficialmente pela vida dizendo que crê no Senhor Jesus Cristo, e que, por conseguinte, nada tem a ver com o juízo, que tudo está bem. Em absoluto, devemos andar com cautela, devemos examinarmo-nos e julgar em nossa consciência para que este tipo de juízo não venha sobre nós.
Tudo isto está confirmado em Hebreus 12.5,6:
“5 e já vos esquecestes da exortação que vos admoesta como a filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; 6 pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho.”
Deus conduz seus filhos à perfeição, e em consequência os disciplina neste mundo. Julga seus pecados e suas imperfeições neste mundo para prepará-los para a glória.
O terceiro tipo de juízo que é ensinado na Bíblia é o juízo de recompensa. É o juízo para o povo de Deus depois da morte.
Nós o encontramos em Romanos 14 onde Paulo diz que todos compareceremos diante do tribunal de Cristo. Temos o mesmo em I Cor 13 onde se afirma que a obra de cada um será manifestada e o dia a declarará, se o homem tem edificado sobre o fundamento, se ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, será julgado pelo fogo. Parte disso ficará completamente destruído, a madeira, o feno e a palha, porém o homem mesmo se salvará, “ainda que pelo fogo”. Tudo isto indica juízo, juízo de nossas obras desde que nos tornamos cristãos.
Este juízo se encontra também citado em Gál 6.5 onde se diz que “cada um levará a sua própria carga”, porque cada um de nós é responsável por sua própria vida e conduta. Também este tipo de juízo, não decide nosso destino eterno, porém vai constituir uma diferença, sendo um juízo de nossa vida desde que nos tornamos cristãos.
É a este tipo de juízo que nosso Senhor se refere em Mt 7.1: “Não julgueis para que não sejais julgados!”.
Não é simplesmente que se alguém não queira ser criticado por outros, que tampouco devem criticá-los. Isto está certo em ser dito, mas é muito mais importante o fato de que se alguém está se expondo a si mesmo a juízo, e que terá que responder diante de Deus por estas coisas. Se não vai perder a salvação, é evidente que vai perder algo.
Isto nos conduz à segunda razão que nosso Senhor apresenta para não julgar:
“Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.” Nosso Senhor declara que Deus mesmo, neste juízo que vimos descrevendo, nos julgará segundo nossa própria medida.
Esta é uma das afirmações mais alarmantes da Bíblia. Pretendo ter um conhecimento excepcional da Bíblia? Se é assim, serei julgado em função desse conhecimento. Pretendo ser um servo que conhece realmente estas coisas? Então não devo surpreender-me se me acoitam muito. Deveríamos ter muito cuidado, por conseguinte, em como nos expressamos. Se com autoridade julgamos a outros, não temos direito de nos queixarmos se somos julgados com a mesma norma. É completamente justo e adequado, e não temos razão nenhuma de nos queixarmos.
Se pretendemos ter este conhecimento, devemos demonstrá-lo vivendo de acordo com o mesmo. Segundo o que pretendo ser, serei julgado. Se, por conseguinte, ponho muito empenho em examinar a vida das outras pessoas, essa mesma norma se me aplicará, e não terei motivo para queixar-me. A resposta que se me daria, se me queixasse, seria esta: já o sabias, porque o fazias com os demais. Por que não também no teu próprio caso? É um pensamento surpreendente e alarmante.
Isto nos conduz à última razão que nosso Senhor apresenta nos versos 3 a 5:
“3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?
5 Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.”
Nosso Senhor ensina a terceira razão para não julgarmos a outros é que somos incapazes de julgar. Não podemos julgar. Diz que nosso espírito é tal que não temos direito de julgar.
Antes de tudo, indica que não nos preocupa a justiça e o verdadeiro juízo, porque se estivéssemos preocupados com isso, nos ocuparíamos disso em nós mesmos. Porém, não o fazemos, e por conseguinte nosso interesse não é realmente a verdade.
Se alguém tiver um verdadeiro interesse pela justiça e pela verdade, será tão critico de si mesmo quanto dos demais.
O verdadeiro desejo do hipercrítico é condenar a pessoa, muito mais do eliminar o mal que exista nela.
Isto nos faz incapazes de emitir um verdadeiro juízo. Se há parcialidade, se há sentimento e animosidade pessoais, não podemos ser verdadeiros examinadores.    
No verso 4 nosso Senhor mostra que nossa própria condição é tal que somos completamente incapazes de ajudar a outros. Pretendemos estar preocupados por essas pessoas e por suas faltas, e tratamos de dar a impressão de que estamos preocupados somente com o seu bem. Dizemos que estamos inquietos por essa pequena mancha que vemos neles, e que estamos desejosos de eliminar esta palha. Porém, diz nosso Senhor, não o podemos fazer, porque é um processo sumamente delicado. A viga que está em nossos próprios olhos nos torna incapazes disso.
Nosso Senhor afirma que é preciso ver claramente para que se possa tirar o diminuto argueiro do olho de outra pessoa pela qual demonstramos interesse em ajudá-la. Não se pode ajudar a outros quando não enxergamos bem por causa da viga que há no nosso próprio olho.
Quem não remove a viga de seu próprio olho é chamado de hipócrita pelo Senhor, porque é um falso ajudador.
Isto pode ser interpretado assim. Se desejas realmente ajudar aos outros, e ajudá-los a eliminar suas manchas, faltas, fragilidades e imperfeições, antes de tudo tens que dar-te conta que o espírito de juízo, hipercrítica e censura que há em ti é realmente como uma viga, se for comparada com a pequena palha  no olho alheio.
A outra pessoa talvez tenha caído em imoralidades, em algum pecado da carne, ou talvez seja ré de algum pequeno erro de vez em quando. Todavia, isto não é mais do que uma pequena palha no olho quando comparado com o espírito de hipercrítica que há em ti, que é como uma viga.
Por isso tens que começar com teu próprio espírito, diz em outras palavras; “enfrenta-te contigo mesmo com toda honestidade e sinceridade e admite a verdade acerca de ti mesmo!
Quando o homem se tem visto a si mesmo, nunca julga aos demais de maneira equivocada. Dedica todo o tempo a condenar-se a si mesmo, a lavar as mãos e a tratar de purificar-se. Há somente um modo de se livrar do espírito de censura e hipercrítica, e é julgar-se e condenar-se a si mesmo. Isto nos humilha até o pó, e logo se segue, necessariamente, que havendo-nos, desta maneira, nos livrada da viga dos próprios olhos, estaremos em condições adequadas para ajudar a outros, tirando-lhes a palha dos olhos.
O processo de tirar a palha do olho é difícil. Não há órgão mais sensível que o olho. Quando o dedo o toca, se fecha. Por isso, ao fazer isto necessitamos acima de tudo de afeto, paciência, calma e equilíbrio. Isto é o que se necessita, devido à delicadeza da operação.
Transportemos tudo isso para o âmbito espiritual. Vamos nos ocupar de uma alma, vamos tocar a parte mais sensível do homem. Como podemos tirar dela a palha? Somente uma coisa importa quanto a isto, é que se seja humilde, compassivo, e estr consciente do próprio pecado e da própria indignidade, a fim de que ao encontrá-la em outra pessoa, longe de condená-la, sintamos vontade de chorar.    
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)


Juízo e Discernimento Espirituais – Mateus 7.6

“Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.” (Mt 7.6)

Neste versículo de Mateus nosso Senhor conclui o que tem vindo dizendo relativamente ao tema difícil e complexo do juízo.
Esta afirmação parece uma contradição com o que o Senhor havia dito anteriormente neste sétimo capitulo. Aqui vemos o que o Senhor dissera anteriormente não era tudo que se relaciona a este assunto do juízo.  De modo que para que haja um equilíbrio adequado e para que a afirmação relativa a este assunto seja completa, é essencial esta observação do sexto versículo.
Se nosso Senhor tivesse concluído o ensino com os cinco primeiros versículos do sétimo capítulo, teria conduzido sem dúvida a uma posição falsa. As pessoas teriam cuidado em evitar o terrível perigo de julgar. Não haveria o que se chama de disciplina na Igreja; e a vida cristã, em sua totalidade seria caótica. Não haveria coisas como denunciar uma heresia e emitir juízo sobre a mesma, porque todo mundo teria tanto medo de julgar ao herege, que cerraria os olhos diante da heresia, e o erro se iria introduzindo na igreja mais do que já o tinha feito.
Assim pois, nosso Senhor passa a fazer esta afirmação, porque o esquecimento deste acréscimo ao  ensino acerca do juízo, faz com que tantas pessoas mostrem falta de discernimento e estão prontas a louvar e a recomendar qualquer coisa que se lhes apresente e que pretenda vagamente ser cristã. Dizem que não devemos julgar. E esta posição é considerada como apropriada a um espírito amistosos e caritativo, e por isso tantas pessoas caem em erros graves e suas almas imortais correm grandes perigos.
Como reconciliamos estas duas coisas A resposta simples é que, enquanto nosso Senhor nos exorta a que não sejamos hipercríticos, nunca nos diz que não discirnamos.
A Bíblia nos exorta continuamente ao espírito de discernimento.
Como podemos “provar os espíritos”, como podemos nos guardar dos falsos profetas, sem não exercitarmos nosso juízo e discernimento?
Em outras palavras, temos que reconhecer o erro, porém, temos que fazê-lo, não para condenar senão para ajudar. (E também para manter a verdade e a justiça entre os cristãos – nota do tradutor).
Ao fazer a afirmação deste sexto versículo nosso Senhor quer se referir à verdade, que é santa, e que tem sido comparada com s pérolas. A pérola aqui referida é a mensagem cristã, a mensagem do reino, as coisas relativas ao reino de Deus.
O cachorro, nos dias de nosso Senhor, na Palestina, não era o animal doméstico que temos hoje. Mas viviam nas ruas comendo do lixo, e era um animal selvagem e perigoso. E na sociedade judaica o porco representava a tudo o que era impuro e condenado pela Lei.
E estes são os dois termos que nosso Senhor emprega para nos ensinar como discernir entre pessoa e pessoa. Temos que reconhecer que há um tipo de pessoa que, relativamente á verdade, se coloca na posição de cão e de porco.
Isto não se refere à posição de todos os não cristãos, porque de outro modo nunca poderiam se converter porque estariam impedidos de ouvir a verdade.
Mas se refere a discernir entre pessoa e pessoa quanto ao modo que se posicionam em relação ao evangelho.
Veja como nosso Senhor evitou em expor a verdade quanto interpelado por Pilatos e por Herodes.
Veja como Paulo e Barnabé se opuseram a continuar pregando o evangelho aos judeus de Antioquia que estavam resistindo à verdade (At 13.46).
Não há nada tão trágico e antibíblico como testemunhar aos outros de forma mecânica. Há cristãos que são réus disto. Dão testemunho, porém o fazem numa forma totalmente mecânica. Nunca pensam na pessoa com a qual tratam; nunca tratam de avaliá-la nem em descobrir exatamente em que posição está. Falham completamente em por em prática esta exortação. Apresentam a verdade exatamente na mesma forma a todos e a cada um. Aparte do fato de que seu testemunho se torna bastante inútil, a única coisa que conseguem é um sentimento de autocomplacência, e expõem o santo nome do Senhor à ignomínia e desonra.
Nosso Senhor descreve a reação do cão e do porco, ao pisotear e destroçar, a blasfêmia e a maldição. E devemos ter sempre cuidado em não dar base a ninguém para que blasfeme e maldiga.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)


Buscar e Achar – Mateus 7.7-11

“7 Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.
8 Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
9 Ou qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe  dará uma pedra?
10 Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?
11 Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem?” (Mt 7.7-11).

Não posso imaginar uma afirmação melhor, mais alentadora ou mais consoladora, com a qual podemos enfrentar todas as incertezas e dificuldades de nossa vida neste mundo, que a contida nos versículos 7 a 11 de Mateus 7. É uma dessas promessas cheias de graça que somente se encontram na Bíblia. Não há nada que possa ser mais alentador que essas promessas ao enfrentar-nos com a vida e todas suas incertezas e possibilidades, e com nosso futuro desconhecido.
Numa situação assim, esta é a essência da mensagem bíblica desde o princípio até o fim, esta é a promessa que nos é feita: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.”.
Para que estejamos completamente seguros disso, nosso Senhor o repete, e o põe numa forma todavia mais vigorosa, quando diz: “Porque todo aquele que pede, recebe; e o que busca, acha, e ao que chama, se lhe abrirá.”.
Não cabem dúvidas acerca disso, porque é certo; é uma promessa absoluta. E mais do que isso, é uma promessa que é feita pelo Filho de Deus mesmo. Falando com toda plenitude e autoridade de seu Pai.
A Bíblia nos ensina a cada passo que esta é a única coisa que importa na vida. A visão bíblica da vida, em contraposição com a visão mundana, é que a vida é uma viagem, uma viagem cheia de perplexidades, problemas e incertezas.
Sendo assim, põe em relevo o que na realidade importa na vida não é tanto as coisas diferentes que nos ocorrem, e das quais temos que nos ocupar, senão nossa disposição para  enfrentá-las.
O ensino bíblico total a respeito da vida está sintetizado em certo sentido em Abraão, de quem se nos diz que saiu sem saber para onde ia.
Contudo, foi perfeitamente feliz, viveu em paz e tranquilidade. Não teve medo. Por que? Um antigo puritano que viveu há 300 anos respondeu a esta pergunta por nós: “Abraão saiu sem saber aonde ia, porém sabia com quem ia.”.
Isto é o que importa, sabia que havia saído nessa viagem com Alguém.
Não estava só, havia Alguém com ele que lhe havia dito que nunca lhe deixaria, nem abandonaria; e ainda que não estivesse seguro quanto aos sucessos que iria encontrar, e os problemas que ocorreriam, estava perfeitamente feliz, porque conhecia, se me permitem dizê-lo assim, ao seu Companheiro de viagem.
Abraão foi como o próprio Senhor Jesus Cristo, que, sob a sombra da cruz, e sabendo que inclusive seus discípulos mais íntimos iriam abandoná-lo por temor e preocupação de salvarem suas próprias vidas, contudo pôde dizer isto: “Eis que vem a hora, e tem já chegado, em que sereis espalhados cada uma para seu lado, e me deixareis só; mas não estarei só, porque o Pai está comigo” (João 16.32).
Segundo a Bíblia, isto é a única coisa que importa, nosso Senhor nos promete transformar a nossa vida; não nos promete remover dificuldades, provas, problemas e tribulações, não diz que vai arrancar todos os espinhos e deixar somente as rosas com seu aroma maravilhoso, não, enfrenta-se a vida de forma realista, e nos diz que estas são coisas que a carne manifesta e que têm que suceder.
Porém, nos garante que podemos conhecê-lo até o ponto que, seja o que for que suceda, nunca teremos que nos assustar, nunca teremos que nos alarmar.
Diz tudo isto nesta promessa tão grande e compreensiva: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.”.
Esta é uma das formas bíblicas de repetir esta mensagem, que se encontra ao longo da Bíblia, como espinha dorsal, desde o princípio até o fim.
Para tirar todo o proveito de palavras tão maravilhosas e cheias de graça, devemos examiná-las com mais detalhes.
Não basta repetir uma frase como esta.
A Bíblia nunca deve ser utilizada como uma espécie de tratamento psicológico.
Há pessoas que assim o fazem. Há pessoas que pensam que a melhor forma de passar pela vida triunfalmente é ler e repetir versículos maravilhosos. Desde logo, isso pode ajudar até certo ponto; porém não é a mensagem bíblica nem o método bíblico. Essa espécie de tratamento psicológico alivia somente de maneira temporal.
É como o ensino que nos diz que não há enfermidades nem dor. Isto parece muito útil e pode conduzir a melhoras temporais; porém se há enfermidades que levam à morte, como chegam a descobrir inclusive por si mesmos os seguidores de tais ideias, de que serve tal ensino?
Esta não é a forma bíblica. A Bíblia nos transmite a verdade, e quer que examinemos esta verdade. Assim pois, quando chegamos a uma frase como esta não nos contentamos com dizer: “está bem”. Devemos saber o que significa, e devemos aplicá-la em detalhes em nossa vida.
Ao começar a analisar esta grande afirmação, devemos recordar essa norma de interpretação que temos ouvido frequentemente e que nos põe de sobreaviso contra o perigo de tirar um texto de seu contexto.
Temos que evitar o terrível perigo de torcer a Bíblia, para nossa perdição, ao não tomá-la em seu contexto, ou ao não observar especificamente o que diz, ou ao não prestar atenção tanto às limitações como às promessas.
Isto é sobremaneira importante no caso de uma afirmação como esta. Há pessoas que dizem: “a Bíblia diz: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Muito bem”, - prosseguem – “acaso isto não está dizendo de forma explícita, e não quer dizer necessariamente que tudo o que eu deseje ou queira, Deus me dará?”. E porque creem que diz isto, e porque pensam que esse é o ensino bíblico, prescindem os demais ensinos e vão a Deus com todas suas petições.
Estas petições não lhes são concedidas, e então, caem em depressão e em desesperança.
Sua situação é todavia pior do que era antes; e dizem: “Parece que Deus não cumpre suas promessas”, e se sentem amargurados e infelizes. Temos que evitar isto. A Bíblia não é algo que funciona automaticamente. Por esta razão não examinemos somente os versículos 7 e 8. Examinemos os versículos 7 a 11 porque devemos tomar esta afirmação como um todo, se não queremos nos desviar gravemente ao examinar suas partes distintas.
Não é difícil mostrar que esta afirmação, longe de ser uma promessa universal pela qual Deus tem se comprometido a nos dar tudo o que pedimos, é de fato algo muito maior que isso.
Dou graças a Deus – permita-me dizê-lo com toda clareza – dou graças a Deus de que não esteja disposto a dar-me tudo o que eu possa  pedir-lhe, e digo isto como resultado de minha própria experiência.
Em minha vida passada, e como todas as pessoas, pedi frequentemente a Deus coisas, e tenho lhe pedido que faça coisas, que naqueles momentos, desejava muito e que cria que eram o melhor para mim. Porém, agora, situado neste ponto concreto de minha vida e ao contemplar o passado, digo que me sinto profundamente agradecido a Deus de que não me tivesse concedido certas coisas que lhe pedira, e de que me tivesse fechado a porta na cara. Naquele momento não entendi, porém agora, sei, e estou agradecido a Deus por isso. Pelo que Lhe dou graças de que isto não seja uma promessa universal, e de que Deus não me dará tudo o que desejo e peço. Deus tem coisas melhores para nós, e agora o veremos.
A forma adequada de ver esta promessa é a seguinte: Antes de tudo perguntemo-nos o óbvio. Por que nosso Senhor pronunciou estas palavras neste momento específico? Por que estão nessa frase do Sermão do Monte? Recordemos que haja pessoas que dizem que este capitulo sétimo de Mateus, esta porção final do Sermão do Monte, não é senão uma coleção de afirmações que nosso Senhor emitiu à medida que se lhe ocorriam. Porém, já temos visto que esta análise é muito falsa, e que há um tema que constitui a espinha dorsal do capítulo.
O tema é o do juízo, e nos recorda que nesta vida vivemos sempre sob o juízo de Deus. Nos agrade ou não, o olhar de Deus nos segue, e esta vida é uma espécie de escola preparatória para a grande vida que nos espera além da morte e do tempo.
Em consequência, tudo o que fazemos neste mundo tem um significado tremendo, e não podemos nos permitir o luxo de não nos fixarmos em nada.
Este é o tema, e nosso Senhor o aplica deste modo. Começa com a questão de julgar aos demais.
Devemos ter cuidado acerca disto porque nós mesmos estamos sob juízo. Porém, por que então nosso Senhor pronuncia esta promessa dos versículos 7 a 11 a esta altura?
A resposta é esta: Nos versículos 1 a 5 nos tem mostrado o perigo de condenar os outros como se fôramos os juízes, e abrigar amargura e ódio no coração. Também nos tem dito que devemos procurar tirar a viga do nosso próprio olho antes de extrair a palha do olho alheio. O efeito de tudo isto em nós é revelar-nos quem somos e mostrar-nos nossa tremenda necessidade da graça. Nos tem colocado frente a frente dessa norma tremendamente elevada com a qual seremos julgados – “Com o juízo com que julgardes, sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido, também medirão a vós.”. Esta é a situação no final do quinto versículo.
E no verso 6 Jesus nos ordena: “Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.”.
Há um princípio espiritual imutável em Deus de honrar somente àqueles que o honrarem.
Não admira portanto, que aqueles que não se interessam pelo tesouro celestial, sejam pobres das coisas espirituais, celestiais e divinas. Como não têm fome e sede de justiça, não pedem e não procuram por este tesouro celestial.
Se colocamos um desprezo naquilo que é verdadeiramente precioso, o que poderíamos esperar receber?
Note-se o caso de quem está sempre se alimentando de leite e nunca está em condições de receber alimento sólido. Qual é a razão disto? Deus teria porventura prazer em esconder e não conceder do tesouro do conhecimento, entendimento e prática da Sua Palavra a nós?
Ou a causa disto se encontra em nós mesmos? Na nossa falta de fome e sede de justiça? Na nossa negligência que não nos leva a lhe pedir com a alma, e não com meras palavras, em demonstração de firme interesse de aprender dEle por uma contínua meditação na Sua Palavra e no aprendizado humilde com os verdadeiros mestres que Ele levantou ao longo da história da Igreja!
Oh! Quão duros somos para enxergar que sem buscar com toda as nossas forças e alma, em grande interesse sincero num maior conhecimento de Jesus, jamais poderemos ter um verdadeiro crescimento na graça, que será o fator que nos possibilitará compreender e viver as coisas profundas relativas ao reino de Deus.
(“Buscai e encontrareis”, é o que Ele nos tem prometido. E por acaso poderia negar a Si mesmo deixando de cumprir o que prometeu?
Mas muitos têm confundido esta passagem das Escrituras como um encorajamento a buscarmos as coisas que sejam do nosso próprio interesse carnal, da simples solução dos nossos problemas terrenos, mas o texto deve ser entendido no seu contexto, porque foi proferido quando Jesus se encaminhava para concluir o Sermão do Monte, e imediatamente após ter proferido as seguintes palavras no verso anterior ao do nosso texto: “Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.” (Mt 7.6).
Ele estava falando da preciosidade das coisas santas, e do cuidado que deveríamos ter com elas, em razão do seu elevado valor tanto para Deus quanto para nós. Foi pensando nelas que nos ordenou pedir, buscar e bater à porta do céu à procura delas.
Se o fizermos, elas nos santificarão progressivamente. Dar-nos-ão o crescimento e amadurecimento espiritual que procede de Deus. Poderemos ser nutridos com o alimento sólido que procede do céu, pelo Espírito Santo, em aplicação da Palavra ao nosso entendimento e corações, e segundo o autor de Hebreus teremos as faculdades exercitadas para discernirmos tanto o bem como o mal (Hb 5.14).
E o ser capacitado por Deus a se nutrir de alimento sólido significa ser experimentado na palavra da justiça, segundo a experiência que Ele próprio concede progressivamente àqueles que honram o Seu nome, valorizando o tesouro santo do céu, por uma busca constante, fervorosa do mesmo, por causa do seu amor pelo Senhor Jesus – nota inserida pelo tradutor).
(O texto inserido por nós ao de D. M. Lloyd Jones, considerado juntamente com os argumentos que ele havia apresentado e que ainda continuará apresentando doravante sobre os versos 1 a 5, ajudam-nos a entender melhor a que Jesus queria se referir com as palavras de Mateus 7.7 – inserido pelo tradutor).
Imediatamente nos damos conta de que temos sido humilhados e começamos a perguntar: “Quem poderá viver assim? Como posso viver de acordo com tais normas?” E não somente isto; damo-nos conta da necessidade de purificação. Apercebemo-nos do quanto somos pecadores e indignos, e o resultado de tudo isto é que nos sentimos completamente desesperançados e impotentes.
Dizemos: “Como podemos viver o Sermão do Monte? Como pode alguém alcançar semelhante nível? Necessitamos de ajuda e graça. Onde poderemos consegui-los?”. Aqui   está  a  resposta: “Pedi, e dar-se-vos-á;  buscai,  e  achareis; batei e  abrir-se-vos-á.”  Esta  é  a conexão, e deveríamos agradecê-la a Deus, porque ao nos situarmos frente a frente com este glorioso evangelho, todos devemos sentir-nos pouca coisa, e indignos.
Essas pessoas néscias que pensam no cristianismo somente em função de uma certa moralidade que podem alcançar por si mesmos, nunca têm entendido de verdade.
A norma que nos apresenta é a que se encontra no Sermão do Monte, e segundo ela, ficamos prostrados até ao chão e nos damos conta da nossa incapacidade total e de nossa necessidade desesperada de graça. Temos aqui a resposta: a provisão está disponível, e nosso Senhor a repete para colocá-la mais em relevo.
Ao examinarmos isto devemos nos fazer uma série de perguntas: “Por que somos o que somos se existem tais promessas? Por que é tão pobre a qualidade da nossa vida cristã? Não temos diante de nós qualquer desculpa. Tudo o que necessitamos está disponível; por que então somos o que somos? Por que não somos exemplos mais perfeitos deste Sermão do Monte? Por que não nos conformamos cada vez mais ao modelo do Senhor Jesus Cristo mesmo? Se nos oferece tudo o que necessitamos; tudo nos tem sido prometido nesta promessa geral. Por que não nos servimos dela como deveríamos? Por sorte, esta pergunta tem resposta e este é o significado verdadeiro deste versículo. Nosso Senhor analisa estas palavras e nos mostra porque não temos recebido, porque não temos achado, e porque a porta não nos tem sido aberta como deveria ser. Ele conhece o que somos, e nos estimula a servir-nos desta promessa graciosa. Noutras palavras, há que se observar certas condições para poder desfrutar destes grandes benefícios que nos são oferecidos em Cristo. Quais são? Mencionemo-los de forma simples e breve.
Se queremos passar pela vida de maneira triunfal, com paz e alegria no coração, dispostos a enfrentarmos tudo o que se nos possa apresentar, e ser mais que vencedores, apesar de tudo, há certas coisas que devemos observar, e aqui as temos.
A primeira é que devemos nos dar conta de nossa necessidade. É estranho, porém há pessoas que parecem pensar que a única coisa necessária são as promessas que Deus fez.
Contudo, isto não é suficiente, porque o problema básico do gênero humano é que não se dá conta do estado de necessidade em que se encontra.
Há muitos que pregam acerca do Senhor Jesus Cristo sem conseguirem nenhum efeito e este é o motivo: não têm doutrina do pecado, nunca convencem as pessoas de seu pecado. Sempre apresentam a Cristo e dizem que isto é suficiente. Porém não é suficiente; porque o efeito do pecado em nós é tal que nunca recorremos a Cristo a não ser que nos demos conta de que somos pobres.
Porém, não nos agrada nos considerarmos como pobres, e não nos agrada sentirmos nossa necessidade.
Assim, estão dispostos a escutarem sermões que apresentam a Cristo, porém não lhes agrada que se lhes diga que são tão incapazes, que Cristo teve que subir à cruz e morrer para que pudessem ser salvos.
Pensam que isto é ofensivo. Temos que nos dar conta da nossa necessidade. Os dois primeiros elementos essenciais para a salvação e para a alegria em Cristo são a consciência da nossa necessidade, e a consciência da riqueza da graça que há em Cristo.
Somente os que se dão conta destas coisas podem verdadeiramente “pedir”, porque somente o que diz “miserável homem que sou!” busca a libertação. Os outros não são conscientes de sua necessidade. O que sabe que está quebrado é o que começa a pedir. E então começa a se dar conta das possibilidades que existem em Cristo.
O que nosso Senhor destaca aqui, em princípio, é a importância decisiva de conhecer nossa necessidade. Ele diz por meio destes três termos: pedir, buscar, chamar.
Ao ler os comentaristas encontramos grandes discussões relativas a se buscar, dizendo que é mais vigoroso que pedir, e chamar mais vigoroso que buscar. Dedicam muito tempo para discutir tais pontos. E como de costume, costumam se contradizer. Uns dizem que pedir significa um desejo superficial; buscar um desejo maior; e bater à porta algo muito mais poderoso. Outros dizem que o homem que chama batendo à porta é o que está fora e que é mais elevado pedir que chamar. Dizem que o não cristão deve bater à porta e começar a buscar, e que por fim, ao estar frente a frente com o Senhor, pode começar a pedir.
Porém tudo isto está fora de propósito. Nosso Senhor simplesmente quer enfatizar uma coisa, a saber, que temos de mostrar persistência, perseverança, esforço contínuo. (Buscar com toda intensidade e fervor de espírito, como aqueles que têm e sentem realmente fome e sede de justiça; reconhecendo nossa real necessidade, é a chave de recebermos graça para sermos cada vez mais cristãos melhores. Em resumo: não temos isto porque não buscamos, uma vez que o Senhor tem prometido dar a quem buscar – nota do tradutor).
Há momentos de fazer balanço da vida, quando nos detemos e dizemos: “a vida segue; eu sigo, que progresso tenho feito nesta vida e neste mundo?”. Concluímos que não vivemos a vida cristã como deveríamos, não somos diligentes quanto deveríamos na leitura da Bíblia e na oração. Dizemos que vamos mudar tudo isto porque compreendemos que há um nível mais elevado que devemos alcançar, e desejamos chegar a ele.
Somos sinceros, somos muito sinceros, e verdadeiramente desejamos fazê-lo.
Consequentemente, durante os primeiros dias de um novo ano, lemos a Bíblia com regularidade, oramos e pedimos a Deus sua bênção. Porém, e isto nos ocorre a todos – logo começamos a falhar e a esquecer. No momento em que pensamos em dedicar-nos à leitura ou à oração, sucede algo imprevisto, como dissemos, algo que havíamos previsto, e todo nosso programa fica alterado. Ao fim de uma ou duas semanas descobrimos que temos esquecido completamente nossa excelente resolução. Isto é o que preocupa a nosso Senhor. Se temos de alcançar realmente estas bênçãos que Deus nos tem reservado, devemos seguir pedindo.
“Buscar” simplesmente significa seguir pedindo, e chamar significa a mesma coisa. É como uma intensificação da palavra “pedir”. Seguimos, persistimos; somos como a viúva insistente. Seguimos pedindo ao juiz, por assim dizer, como ela o fez, e nosso Senhor nos diz o que o juiz disse: “como esta viúva me incomoda, hei de fazer-lhe justiça, para que ela não continue a vir molestar-me.” (Lc 18.5).
A importância deste elemento da persistência não se pode exagerar. Encontra-se não somente no ensino bíblico, senão também na vida de todos os santos. O mais fatal na vida cristã é contentar-se com desejos passageiros e não crescer espiritualmente. Se queremos realmente ser homens de Deus, se queremos realmente conhecê-lo, e andar com Ele, e experimentar essas bênçãos inesgotáveis que nos tem reservado, devemos persistir em pedi-las todos os dias. Temos de sentir esta fome e sede de justiça, e então seremos fartos. E isto não quer dizer que estaremos cheios de uma vez por todas, porque seguimos tendo fome e sede, como o apóstolo Paulo, deixando as coisas que ficam para trás, prosseguimos para o alvo, pelo prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus (Fp 3.14). “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas vou prosseguindo, para ver se poderei alcançar.” (Fp 3.12), disse também o apóstolo. Assim é. Esta persistência, este desejo constante, pedir, buscar e chamar. Devemos estar de acordo em que este é o ponto em que a maior parte de nós falhamos.  
Retenhamos pois, este primeiro princípio. Examinemo-nos à luz desta passagem e do quadro do homem cristão que é apresentado pelo Novo Testamento. Contemplemos estas gloriosas promessas e perguntemo-nos: “Estou experimentando tais promessas?”. Se vemos que não, como todos, devemos reconhecer então que devemos voltar a esta grande afirmação. Isto é o que quero dizer com “possibilidades”.
Se devo começar pedindo e buscando, devo seguir fazendo isto até que esteja consciente de que o nível espiritual que alcanço é mais elevado. E assim devemos seguir. É uma batalha da fé; é o que persevera até o fim que será salvo neste sentido. Persistência, continuidade, orar sempre e não desmaiar. Não somente orar quando desejamos uma grande bênção e logo parar; orar sempre. Persistência, isto é o primeiro. Dar-nos conta da necessidade, dar-nos conta da provisão, e persistência em buscá-la.
(Lembramos que tudo isto não tem a ver primeiro com os nossos próprios interesses, mas com os interesses de Deus, porque nos é ordenado buscar o Seu reino e a Sua justiça como prioridade de nossas vidas, e lembramos também que isto não coloca em perspectiva bênçãos ocasionais, mas o pedido fervoroso da alma por uma vida mais santa e útil nas mãos de Deus, para a realização dos Seus santos propósitos através de nós. Afinal, pelo contexto do Sermão do Monte, no qual a promessa de Mt 7.7 foi feita, não se coloca em perspectiva pedirmos bênçãos a Deus que nos tornem prósperos segundo o padrão deste mundo, mas as operações da Sua graça que nos tornem mais semelhantes a Cristo  – nota do tradutor).
Examinemos agora o segundo princípio, a saber, dar-nos conta de que Deus é nosso Pai. Nosso Senhor fala acerca disto a partir do versículo 9 e o apresenta assim: “Ou qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem?” (Mt 7.8-11). (O texto paralelo de Lc 11.13 traz “dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem" no lugar de “boas coisas aos que lhas pedirem” de Mt 7.11, e isto é muito significativo porque revela qual é o caráter destas coisas boas, a saber, as bênçãos espirituais que nos são dadas e aplicadas pelo Espírito Santo. O reino de Deus e Sua justiça, que buscamos, é o que nos será dado, as demais coisas necessárias à nossa sobrevivência neste mundo ser-nos-ão dadas como um acréscimo à nossa fidelidade em buscar estas bênçãos melhores e superiores, que são espirituais e que têm a ver com o nosso amadurecimento espiritual – nota do tradutor).
Se um pai terreno faz tanto por seus filhos, quanto mais o fará o Pai celestial?
Um dos maiores dos nossos problemas para vivermos a vida cristã consiste no nosso fracasso em conhecer a Deus como Pai, como deveríamos.
Este é nosso verdadeiro problema, e não o ter dificuldades acerca de bênçãos específicas. O problema básico segue sendo que não conhecemos, como deveríamos, que Deus é nosso Pai. Ah, sim, dizemos, sabemos isto e cremos nisto! Porém o sabemos na nossa vida e viver cotidiano? É algo do que estamos sempre conscientes? Se estivéssemos persuadidos disto, poderíamos sorrir diante de todos os imprevistos que nos esperam.
Como Deus é nosso Pai, nunca nos dará algo mau. Dar-nos-á somente o que é bom. Quem há entre os homens cujo filho lhe peça pão, e lhe dê uma pedra? Multipliquemos isto ao infinito e esta é a atitude de Deus para seus filhos. Em nossa necessidade somos propensos a pensar que Deus é contra nós quando nos sucede algo desagradável. Porém Deus é nosso Pai; e como nosso Pai nunca nos dará algo mau. Nunca! É impossível! Mesmo suas correções dolorosas são para o nosso bem, para participarmos mais da Sua santidade.
O terceiro princípio que se aprende no nosso texto é que Deus, por ser Deus, nunca comete erros. Conhece a diferença entre o bom e o mau numa forma única. Tomemos um pai terreno; não dá pedras em vez de pães, porém, às vezes comete erros.
O pai terreno, com a melhor intenção, pensa às vezes, em certo momento que está fazendo algo para o bem de seu filho, porém descobre mais adiante que lhe prejudicou. Nosso Pai que está no céu nunca comete tais erros. Nunca nos dará nada que resulte em dano para nós, ainda que à primeira vista pareça bom. Esta é uma das coisas mais maravilhosas que podemos descobrir. Somos filhos de um Pai que não somente nos ama senão que cuida de nós permanentemente. Nunca nos dará nada mau. Porém acima de tudo, nunca nos enganará, nunca cometerá erros no que nos dará. Sabe tudo, seu conhecimento é absoluto. Se compreendêssemos que estamos nas mãos de um Pai assim, nossa visão do futuro seria totalmente transformada.
Finalmente, devemos recordar mais a cada dia os dons que tem para nós. Já nos referimos que a passagem paralela de Lc 11.13 traz “Espírito Santo” no lugar de “coisas boas”. E ao nos dar o Espírito Santo, nos dá todas as coisas e disposições que necessitamos,  todas as graças, todos os dons. Tudo nos é dado nEle. Pedro resumiu isto dizendo: “todas as coisas que pertencem à vida e à piedade nos têm sido dadas pelo seu divino poder.”  (II Pe 1.3). Agora se vê porque deveríamos dar graças a Deus de que pedir, buscar e chamar não signifique que tudo o que lhe peçamos será dado. Claro que não. O que significa é isto: “Peçamos uma dessas coisas que são boas para nós, e que se encontram dentro da vontade de Deus para nós, como a salvação da alma, a santificação, e tudo o que nos aproxime mais de Deus, e Ele nos dará estas coisas boas. Ele fará com que tudo coopere juntamente para o nosso bem, isto é, para cumprir todo o bem que tem projetado para cada um de nós, como Seus filhos amados. E isto nos será concedido à medida da nossa fome e sede de justiça, que nos leve a pedir, buscar, chamar. E já dissemos, e voltamos a repetir que estes pedidos são sobretudo pedidos da alma, anelos do coração, por uma maior consagração a Deus.        
Dar-nos-á coisas boas que são boas para nós, e a promessa é literalmente esta, que se buscamos estas coisas boas, a plenitude do Espírito, a vida de amor, alegria, paz, paciência etc, todas estas virtudes e glórias que se viram resplandecer com tanta intensidade no ministério terreno de Cristo, Ele nô-las dará. Se desejamos realmente ser mais como Ele é, e como todos os santos, se realmente pedimos estas coisas, as receberemos; se as buscamos, as acharemos; se chamarmos à porta do céu ela será aberta para nós, e entraremos na posse das mesmas. A promessa é, que se pedimos as coisas boas, nosso Pai celestial nô-las dará.
Esta é a maneira de encararmos o futuro. Ver na Bíblia quais são estas coisas boas e buscá-las. O que importa acima de tudo, o melhor de tudo para nós, é conhecer a Deus, “o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviou”, e se buscarmos isto acima de tudo, se buscarmos em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, então temos a Palavra do Filho de Deus de que todas estas coisas nos serão acrescentadas. Deus nô-las dará com uma abundância que nem sequer podemos imaginar.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)


A Regra de Ouro – Mateus 7.12

“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas.” (Mt 7.12)

Sempre há o perigo de considerar a lei como algo em si mesmo e por si mesmo, e de pensar que a única coisa que há que se fazer é observar todas as regras e que, se assim o fazemos e nunca nos desviamos delas, se nunca nos excedemos em cumpri-las nem as cumprimos deficientemente, tudo irá bem. Contudo, todas estas ideias acerca da lei são completamente falsas.
Talvez podemos dizer que o perigo em que nos encontramos é pensar na lei como algo negativo, algo proibitivo. Claro que há aspectos da lei que são negativos; porém o que nosso Senhor enfatiza aqui é que a lei que Deus deu aos filhos de Israel por meio dos anjos e de Moisés é algo muito positivo, é algo espiritual. Nunca quis ser algo mecânico, e a falácia básica dos fariseus e dos escribas, e de todos seus seguidores, foi que reduziram algo essencialmente espiritual e vivo a nível do mecânico, a algo que era um fim em si mesmo. Pensaram que como não haviam matado a ninguém, haviam observado a lei relativa ao homicídio, e que, como hão haviam cometido adultério físico, tudo estava bem no sentido moral.
Se fizeram culpados de não verem o desígnio espiritual, o caráter espiritual da lei, e sobretudo de não verem o grande fim e objetivo para o que se havia dado à lei.
Aqui, nosso Senhor diz tudo nesta síntese perfeita. O propósito básico e o espírito verdadeiro que está na raiz de tudo isto é que devemos amar o próximo com a nós mesmos, que temos que nos amar uns aos outros.
Sendo como somos, contudo, não basta que se nos diga que nos amemos uns aos outros; tem que ser detalhado. Como resultado da Queda somos pecadores; em consequência não basta dizer: “Amai-vos uns aos outros”. Nosso Senhor, em consequência,o detalha e diz: do mesmo modo que valorizas tua própria vida, recorda que os outros também valorizam as suas, e que se tua atitude para com um homem é adequada, não matarás a esse homem, porque sabes que valoriza sua vida como tu valorizas a tua. O vital, depois de tudo, é que ames a esse homem, que o compreendas e desejes o bem-estar do teu próximo, dom esmo modo como desejas teu próprio bem-estar. Esta é a lei e os profetas. Tudo se reduz a isto. As normas detalhadas que são dadas no Velho Testamento – o que se te diz que faças, por exemplo, se vês que o boi do teu vizinho fugiu, com tens que levá-lo,ou se vês que algo vai mal em seus cultivos, como tens que informar-lhe imediatamente e fazer todo o possível para ajudá-lo.
Agora, devemos aplicar tudo isto ao mundo moderno e a nós mesmos. As pessoas ouvem a regra de ouro, a louvam como maravilhosa e estupenda, e como uma síntese perfeita de um tema importante e complicado. Porém a tragédia é que, depois de tê-la louvado, não a cumprem. E depois de tudo, a lei não foi dada para ser louvada senão para ser praticada. Nosso Senhor não pregou o Sermão do Monte para que vocês e eu o pudéssemos comentar, senão para que o cumpríssemos.
A razão para que todos os homens, por instinto e natureza, não se apressem a colocar em prática esta regra de ouro é porque são egoístas.
Tudo pode ser reduzido numa palavra: o ego. Nosso Senhor diz que deveríamos amar ao próximo como a nos mesmos. Porém, isso é o que não fazemos, e não queremos fazê-lo, porque amamos o eu demasiadamente e numa forma equivocada. Não fazemos aos demais como gostaríamos que eles fizessem a nós, porque estamos sempre pensando somente acerca de nós mesmos, e nunca nos dedicamos a pensar nos outros.
Como pode alguém colocar em prática esta regra de ouro?  Como pode nossa conduta e atitude se conformar com o que nosso Senhor nos diz aqui? A resposta do evangelho é que tem que se começar com Deus. Qual é o maior mandamento? É este: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração, e com toda a tua alma, e com toda a tua mente”. E o segundo é semelhante: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
Se não amarmos primeiro a Deus não poderemos amar o próximo.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)



A PORTA ESTREITA – Mateus 7.13,14

“13 Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela;
14 e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram.” (Mt 7.13,14)

A notável e surpreendente afirmação dos versículos 13 e 14, é importantíssima e vital. Podemos dizer sem temor de nos equivocar que Jesus concluiu realmente o Sermão do Monte propriamente dito, e que de agora em diante o que faz é arrematá-lo, aplicá-lo, fazendo ver a seus ouvintes a importância e necessidade de praticá-lo e cumpri-lo na vida diária.
Temos visto em nossos estudos que a seção do Sermão que ocupa o sétimo capítulo de Mateus tem uma unidade essencial, um tema comum, a saber, o do juízo. A rigor, o Sermão é concluído no versículo 12, onde Jesus resumiu todos os princípios que queria inculcar (“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas.” V.12).
O objetivo do Senhor neste sermão, como temos visto, é o de conduzir os cristãos a darem conta de sua natureza e caráter como povo de Deus, e em seguida lhes mostrar como têm que manifestar essa natureza e caráter na vida diária. Nosso Senhor, o Filho de Deus, veio do céu à terra para fundar e estabelecer um novo reino, o reino dos céus. Veio aos reinos deste mundo, e seu propósito é chamar a si pessoas do mundo e constituí-las em reino. Por conseguinte, é essencial que proponha com toda clareza que este reino que veio estabelecer é completamente diferente de tudo o que o mundo tem conhecido, porque é o reino de Deus, o reino da luz, o reino dos céus. Seu povo deve dar-se conta de que é algo único e distinto; por isso, lhes faz uma descrição do mesmo. Temos estudado essa descrição. Temos examinado o retrato geral que se faz do cristão nas Bem-Aventuranças. Temos escutado o Senhor dizer a este povo, que precisamente por ser esta classe de pessoas, que o mundo reagiria de forma especial em relação a elas; e que as perseguiria. Contudo, não têm que sair do mundo para se converter em monges e eremitas; têm que permanecer na sociedade como sal e luz; têm que guardar a sociedade da putrefação e da decomposição, e têm que ser luz; essa luz, sem a qual o mundo permanece num estado de trevas absolutas.      
Uma vez feito isto, passa à aplicação prática e à elaboração disso.  Recorda-lhes o tipo de vida que têm que viver, tem de ser completamente diferente, inclusive superior à das pessoas mais religiosas que existiam naquele tempo.
Contrasta seu ensino com o dos fariseus, dos escritas e dos sacerdotes da lei. Eram considerados como os melhores, os mais religiosos, e contudo  mostra ao Seu povo que a sua justiça deve superar a deles. E passa a lhes mostrar como isto deve ser feito dando-lhes instruções detalhadas como por exemplo como se deve dar esmolas, como se deve orar, e como devem jejuar. Finalmente se ocupa de toda a nossa atitude em relação à vida neste mundo, e de nossa atitude para com o  julgamento das demais pessoas.
E agora, havendo feito isto, faz uma pausa, por assim dizer, para contemplar os seus e dizer: “bem, este é meu propósito. Que vão fazer? De nada aproveita escutar este sermão, se vão se contentar em escutá-lo. Que vão fazer?”. Passa, em outras palavras, à exortação, à aplicação.
O método do Senhor deve ser o nosso método. Não há verdadeira pregação se não se aplica a mensagem e a verdade que ela contém; não há verdadeira exposição da Bíblia se nos contentamos em explicar uma passagem e não fazer depois a devida aplicação. A verdade deve ser incorporada à vida, e tem de ser vivida. A exortação e a aplicação são partes essenciais da pregação. Vemos como nosso Senhor faz precisamente isto aqui. O resto deste sétimo capítulo não é senão uma grande aplicação da mensagem do Sermão do Monte para aqueles que o ouviram pela primeira vez, e para todos os que, em todos os tempos, pretendem ser cristãos.
Em consequência, agora passa a submeter à prova os seus ouvintes. Diz de fato: “tenho terminado o sermão. Agora devem se perguntar: o que vou fazer? Qual é minha reação? Vou me contentar com cruzar os braços e dizer com muitos outros que é um sermão maravilhoso, que é a mais grandiosa concepção da vida que o gênero humano tem conhecido – moral tão sublime, uma elevação tão maravilhosa – que é a vida ideal que todos deveriam viver?”. O mesmo se aplica a nós. É essa nossa reação? Limitarmo-nos a louvar o Sermão do Monte? Se é assim, segundo nosso Senhor, seria o mesmo que não tivesse sido pregado. O que Ele quer não é elogio; é prática. O Sermão do Monte não deve ser simplesmente elogiado, tem que ser praticado.
Assim segue dizendo que há outra prova, a prova do fruto. Há muitos que têm elogiado este sermão porém que nunca o têm encarnado em suas vidas. Cuidado com essas pessoas, diz nosso Senhor. O que importa realmente não é a aparência de uma árvore; a pedra de toque é o fruto que ela dá.
Deste modo há uma prova final, e é a que as circunstâncias nos aplicam. Que sucede quando o vento começa a soprar, e o furacão ameaça, e cai a chuva produzindo inundações que sacodem a casa da nossa vida? Ela se mantém de pé? Esta é a prova. Noutras palavras, o interesse que tenhamos por estas coisas de nada serve e não tem valor a não ser que signifique que temos algo que nos permitirá permanecer firmes nas horas mais tenebrosas e críticas de nossa vida. Assim é como Jesus faz a aplicação.
Ao escutar estas coisas, ao ouvi-las, já não basta elogiá-las; segundo nosso Senhor é sumamente perigoso. Este sermão é prático; foi pregado para ser vivido. Não é uma simples ideia ética; é algo que temos que realizar e por em prática. E somos exortados a fazê-lo sempre à luz do juízo, sabendo que Deus é Onipresente e julga todos os nossos pensamentos e ações. E isto não é apenas o ensino do Sermão do Monte, é o ensino de todo o Novo Testamento.
Tomemos qualquer passagem da Bíblia como a carta aos Efésios, capítulos 4 e 5. Ali temos exatamente o mesmo. O apóstolo lhes dá conselhos práticos, lhes diz que não mintam, que não furtem, que amem, que sejam amáveis e de coração terno. Isso não é senão uma reiteração do Sermão do Monte. A mensagem cristã não é uma ideia teórica; é algo que realmente tem de se converter numa marca de nossa vida diária. Este é o propósito do restante deste sermão.
Agora devemos examinar os versículos 13 e 14 com os quais nosso Senhor começa esta aplicação de sua própria mensagem. Ele nos diz que a primeira coisa que devemos fazer, depois de ter lido este sermão, é observar o tipo de vida a que nos chama, de dar-nos conta do que significa. Temos visto muitas vezes que o perigo, ao considerar o Sermão do Monte, é perder-se em detalhes, ou desviar-se com coisas específicas que não interessam. Este é um enfoque errado. Por isso, Jesus nos exorta a que nos detenhamos a contemplar o sermão como um todo e refletir acerca dele. Qual é o elemento que sobressai como mais importante? Qual é o elemento da vida cristã que deve ser captado como sendo seu elemento básico? O Senhor nos responde dizendo que é a “estreiteza”. É uma vida estreita, é um caminho estreito. E aplicou isto de uma forma dramática afirmando que devemos entrar pela portar estreita e caminhar por um caminho também estreito.
Esta ilustração é muito útil e prática e o Senhor a apresenta numa forma gráfica que nos permite visualizar imediatamente a cena. Estamos caminhando, e de repente encontramos diante de nós duas portas. Há uma à esquerda que é ampla, e por ela entra uma multidão de pessoas. Do outro lado, há uma porta estreita pela qual pode entrar somente uma pessoa por vez. Ao olhar a porta ampla vemos que conduz a um caminho amplo e que uma grande multidão está caminhando por ele. Podemos ver o quadro com toda a clareza. E o Senhor nos diz que esse caminho estreito é o caminho que Ele deseja que sigamos, mas para isto devemos entrar pela porta estreita, que é a que conduz a ele. Ele nos convida para seguir este caminho porque é somente nele que podemos encontrar a Ele seguindo adiante de nós.
Imediatamente recordamos algumas das características da vida cristã à qual Jesus nos chama. É uma vida estreita e apertada desde o seu começo. Não é uma vida que é bastante ampla no começo e que à medida que a vamos vivendo vai se estreitando cada vez mais. Não! A própria porta, que é a forma de entrar nesta vida, é estreita. É importante sublinhar e reforçar este ponto porque, é essencial desde a perspectiva do evangelismo. Quando a sabedoria mundana e os motivos carnais entram no evangelismo, descobrirão que isto não é a porta estreita. Frequentemente isto dá a impressão que ser cristão não é muito diferente de não ser cristão, que não tem que se pensar no cristianismo como uma vida estreita, senão como algo sumamente atrativo e maravilhoso, e que se entra nessa vida de qualquer maneira. Segundo nosso Senhor, não é assim. O evangelho de Jesus Cristo é demasiado sincero para convidar a alguém dessa forma. Não se ocupa em persuadir-nos de que é algo muito fácil, e que somente mais tarde começaremos a descobrir que é difícil. O evangelho de Jesus é algo que é anunciado desde o princípio como algo cuja entrada é estreita. Isto significa que se queremos entrar nesta vida há muitas coisas que teremos que deixar do lado de fora. Não há lugar para elas. Porque temos que começar passando por uma porta estreita e apertada. Agrada-me pensar nisto como se fosse um torniquete que admite uma pessoa por vez e não mais que isso. E é tão estreito que há certas coisas que simplesmente não podemos carregar conosco. É importante que consideremos este sermão para ver algumas destas coisas que devemos deixar do lado de fora.  
A primeira que temos que deixar do lado de fora é o que se chama de mundanismo. Deixamos fora a multidão, o caminho do mundo, porque esta porta é ampla e conduz à perdição.
Tornar-se cristão é converter-se em algo excepcional e pouco frequente. Rompe-se com o mundo, com a multidão, com a grande maioria das pessoas. É inevitável. É importante que o saibamos. A forma cristã de viver não é popular. Nunca foi e nunca o será. É uma forma diferente, excepcional. Ninguém pode levar a multidão consigo na vida cristã, porque terá que sair da multidão para entrar na porta estreita, e terá que fazê-lo sozinho, e sem acompanhantes, numa firme decisão pessoal, porque a porta é estreita. Implica inevitavelmente em ruptura.
Estamos num mundo cheio de tradições, de hábitos e de costumes, com os quais tendemos a nos conformar. É o fácil e o óbvio, e podemos dizer que a maioria das pessoas não têm nada que tanto odeiem quanto o serem diferentes.
Então uma das coisas mais difíceis que  temos que enfrentar, quando nos convertemos, é o pensar que isso nos tornará diferentes. Porém isto tem que suceder. Uma das primeiras coisas que sucedem à pessoa que escuta a mensagem do evangelho é que diz para si mesma: “bem, seja o que for que ocorra com a maioria, eu tenho alma e sou responsável por minha própria vida.”. “Cada um levará a sua própria carga!”. Consequentemente, quando uma pessoa se torna cristã, começa a se ver como alguém separado deste grande mundo.
Estava vivendo intensamente com a multidão, porém se detém de repente. Este é sempre o primeiro passo para chegar a ser um cristão. E sente que deve se separar da multidão para salvar sua alma e seguir a Cristo. E ainda que esta separação seja difícil, sabe que deve fazê-lo. A porta estreita pela qual passa somente uma pessoa por vez faz o homem reconhecer que é responsável diante de Deus, seu Juiz Eterno. A porta é estreita e apertada e nos conduz ao juízo, situando-nos cara a cara com Deus, e leva-nos a considerar a questão da vida e de nosso ser pessoal, de nossa alma e seu destino eterno.
Agora, uma coisa é deixar a multidão, porém outra muito diferente é deixar o caminho da multidão. A falácia final do monasticismo é isto. O monasticismo, na realidade se baseia na ideia que se deixarmos as pessoas, deixaremos o espírito do mundo. Mas não é assim. É possível deixar o mundo num sentido físico, e se pode se afastar de uma multidão, porém na solidão do mosteiro, o espírito do mundo pode nos seguir. O mesmo pode ocorrer com a vida cristã. Há pessoas que têm se separado do grupo ao qual pertenciam, e contudo, alguém percebe que saiu do grupo, mas o espírito do grupo ainda permanece nele. Não abandonou o espírito do mundo, mas deve fazê-lo. Viver a vida do mundo e seguir o caminho do mundo de um modo diferente, não nos torna cristãos. Noutras palavras, devemos deixar do lado de fora da porta as coisas que agradam ao mundo. Isto não pode ser evitado. Basta ler o Sermão do Monte para chegar à conclusão que as coisas que pertencem à nossa natureza não regenerada e que agradam a esta natureza, devem ser deixadas do lado de fora dessa porta estreita.
Isto pode ser ilustrado. No Sermão do Monte aprendemos que  devemos dominar o espírito que exige “olho por olho, e dente por dente”, que não devemos resistir ao mal lutando com as mesmas armas dele, e que devemos estar dispostos a sofrer por amor a Cristo com a atitude de quem oferece a outra face para ser ferida. Isto não se faz por instinto; não saem espontaneamente de nós e não nos agradam. “Ao que demanda contigo a túnica deixa-lhe também a capa!”. “A qualquer que te obrigue a caminhar uma milha vai com ele duas!”. “Amai os vossos inimigos, bendizei aos que vos maldizem, fazei o bem aos que lhes aborrecem, e orai pelos que lhes ultrajam e perseguem.”.
Não obedecemos estes mandamentos instintivamente, antes resistimos a fazê-lo. O instintivo é devolver o golpe, defender nossos direitos e amar os que nos amam e odiar os que nos odeiam. Porém nosso Senhor nos disse que se queremos ser seus discípulos e viver no seu reino, devemos deixar do lado de fora o instinto mundano, as coisas que agradam a nossa natureza caída e que o que essa natureza faz. Não há lugar para tais coisas. Devemos nos dar conta desde o princípio que este tipo de equipamento não pode entrar conosco no caminho apertado. O Senhor nos adverte contra o perigo de uma salvação fácil, que geralmente é traduzida pelo convite: “vem a Cristo como és e estás e tudo irá bem!”. Não, o evangelho nos diz desde o começo que vai ser difícil. Significa uma ruptura radical com o mundo; é um tipo de vida completamente diferente. De modo que deixamos fora não somente o mundo, como também o caminho do mundo.
Mas não podemos deixar do lado de fora nosso antigo modo de vida se não deixamos também do lado de fora o nosso “eu”. E aqui é onde encontramos a pedra de tropeço maior. Uma coisa é deixar o mundo e o caminho do mundo, porém mais importante é deixar nosso eu. O eu é o homem adâmico, uma natureza caída; e Cristo diz que tem que ser deixado fora. “Despojai-vos do velho homem”, é o mesmo que dizer que deve ser deixado do lado de fora da porta estreita. O velho e o novo homem não podem passar juntos por esta porta que nos dá acesso ao caminho do reino de Deus. O velho tem que ficar do lado de fora.
O evangelho do Novo Testamento é muito humilhante para o eu e para o orgulho. No começo do Sermão nos é dito: “Bem-aventurados os pobres de espírito”. Mas a ninguém agrada ser pobre de espírito. Por natureza somos exatamente o oposto, porque todos nascemos com uma natureza orgulhosa, e o mundo faz tudo o que pode para estimular este orgulho desde o momento do nosso nascimento. A coisa mais difícil no mundo é fazer-se pobre de espírito. É humilhante para o orgulho, e contudo é essencial. A entrada desta porta estreita tem um aviso que diz: “deixem do lado de fora o seu eu”. Como podemos bendizer aos que nos maldizem, e orar pelos que se aproveitam de nós, a não ser que façamos isto de fato?
O eu não pode existir nesta atmosfera; deve ser crucificado. “Não julgueis para que não sejais julgados!”. Façam aos demais o que querem que vos façam, e assim por diante. O Senhor nos diz isto desde o começo. Não há como se criar ilusões. Se alguém pensa que é uma vida na qual se poderá alcançar fama e ser louvado, e ser considerado maravilhoso, é melhor parar e retornar ao começo, porque o que entra por esta porta sabe que deve dizer adeus ao eu. É uma vida de humilhação. “Se alguém quer vir após mim!”. Quê sucede? “Negue-se a si mesmo (sempre em primeiro lugar), e tome sua cruz e siga-me!”. Porém a auto negação, a negação do eu, não significa abster-se de prazeres e coisas que nos agradam; significa que negamos nosso direito mesmo ao nosso eu, que deixamos fora o nosso eu, e que passamos pela porta dizendo: “Já não vivo eu, mas Cristo vive em mim!”.
Jesus diz que a porta é estreita porque a vida cristã é difícil. Não é uma vida fácil. É muito maravilhosa para ser fácil. Significa viver como o próprio Cristo, e isto não é fácil. É por isso que Jesus diz que são poucos que acham esta porta estreita.
Todo mundo pode seguir o comum e o fácil, porém quem deseja alcançar as alturas, percebe que não há muitos que estejam tentando fazer o mesmo. É isto o que se dá com a vida cristã, é uma vida maravilhosa e elevada, que poucos encontram e entram nela, simplesmente porque é difícil. Além disso a porta é estreita porque sempre conduz ao sofrimento, e porque quando se vive a verdade sempre traz perseguição.
E a quem agrada ser perseguido? Não nos agrada que nos critiquem e que nos tratem com rudeza. Nos agradam as pessoas que falam bem de nós, e é muito irritante saber que nos odeiam e criticam; porém Cristo nos tem advertido que assim será se entrarmos por esta porta estreita. É estreita e difícil, e ao entrar por ela, devemos estar dispostos ao sofrimento e à perseguição.
Temos que estar dispostos a sermos mal-entendidos, temos que estar inclusive dispostos a que isto ocorra com aqueles que estão mais próximos de nós e quem queremos bem. Cristo não disse que veio trazer a paz para todos os relacionamentos, senão a espada, uma espada que talvez divida a mãe da filha, o pai do filho, e os da própria casa talvez sejam os nossos maiores inimigos. Por que? Porque ocorreu uma separação operada pela espada. Quando se entra por esta porta estreita não é possível mais estar unido em espírito com os que entram pela porta espaçosa. Isto é muito difícil e muito duro. Porém Jesus é sincero conosco, dizendo que teremos que estar separados espiritualmente daqueles que não Lhe seguem.
Agora, esta vida não é difícil somente no começo, pois segue sendo depois. A porta estreita conduz a um caminho apertado. A vida cristã é difícil do começo até o fim. Não existem férias espirituais. A vida cristã é uma batalha da fé até o final. E há inimigos em ambos os lados deste caminho apertado. Estão ao longo da estrada até o seu final, as coisas que nos oprimem e as pessoas que nos atacam. Ninguém terá uma vida fácil quando está neste caminho. A verdadeira vida cristã, quando realmente vivida será sempre difícil. Se alguém pensar que será difícil no começo e que progressivamente vai se tornando fácil, tem uma ideia completamente falsa do ensino do Novo Testamento. É sempre apertada, terá inimigos e adversários que nos atacarão até o último momento de nossas vidas neste mundo.
Estou desanimando alguém com estas palavras? Haveria algum ganho em dizer: “Bem, se é assim vou desistir?”. Antes de dizer isto gostaria de lhe dizer, antes de se decidir, que há algo sobre o final a que conduz este caminho. Porém afastado dele o que se terá? Não é melhor continuar seguindo por este caminho apertado? Mas em todo o caso, não tenhamos ilusões, a luta contra os principados e potestades, contra as trevas deste mundo e as hostes espirituais da maldade nas regiões celestes, prosseguem enquanto os homem estão nesta vida e neste mundo. No caminho da vida haverá tentações sutis, e teremos que vigiar e estarmos alertas, desde o princípio até ao fim. Nunca ninguém poderá descansar. Sempre terá que ter muito cuidado; sempre terá que vigiar com diligência, como Paulo disse, terá que vigiar todos os passos que tiver que dar. É um caminho apertado que começa assim e que assim continua.
O evangelismo genuíno, tal como o entendo, é o que apresenta aos homens a vida cristã como um todo, e devemos ter muito cuidado em não dar a impressão de que as pessoas podem acudir em massa, por assim dizer, a Cristo, que podem ter acesso à porta estreita sem levar em conta o caminho apertado a que conduz. O Senhor foi quem pronunciou as parábolas acerca dos néscios que não calculam o que custam as coisas, como o homem que começou a edificar, sem levar em conta o custo, por isso teve que deixar de concluir o edifício. Assim também se deu no caso do rei que foi guerrear contra outro rei, sem considerar a força do inimigo. O Senhor nos diz que calculemos o que custa, e que avaliemos o que temos de fazer antes de começar. Jesus não veio somente para nos salvar do castigo do pecado, veio para fazer-nos santos, e para “purificar para si um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras”. Veio a este mundo para preparar o caminho de santidade, e seu desejo e propósito em relação a nós é que andemos nesse caminho seguindo suas pisadas, neste chamamento tão elevado, nesta vida gloriosa, e que vivamos da mesma maneira que ele viveu, resistindo inclusive até o derramar do sangue se for preciso. Essa foi sua vida, um caminho apertado e espinhoso; porém o seguiu. E o privilégio de todos nós é o de sair do mundo e entrar nessa vida seguindo a Ele até o fim.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)



Falsos Profetas – Mateus 7.13-20

“13 Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela;
14 e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram.
15 Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.
16 Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
17 Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.
18 Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons.
19 Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.
20 Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.”  (Mt 7.13-20)

Nos versículos 15 e 16, e até o final do sétimo capítulo de Mateus, nosso Senhor ocupa-se somente de um grande princípio, de uma grande mensagem. Enfatiza somente uma coisa, a importância de entrar pela porta estreita e assegurar-se de que estamos realmente andando no caminho apertado. Em outras palavras, é uma espécie de reforço da mensagem dos versículos 13 e 14. Ali o apresenta em forma de convite ou exortação, que temos de entrar por essa porta estreita, e caminhar e nos mantermos caminhando por este caminho apertado. Agora o expande, mostrando-nos alguns dos perigos, dificuldades e obstáculos que se apresentam a todos os que se aplicam a fazer isso.
Jesus segue enfatizando este princípio vital, que o evangelho não é algo que basta ser ouvido, ou aplaudido, senão que deve ser aplicado.
Como disse Tiago, o perigo reside em se contemplar o espelho e se esquecer imediatamente o que temos visto, em lugar de contemplar insistentemente o espelho dessa lei perfeita e recordá-la e colocá-la em prática.
Este é o tema que nosso Senhor segue sublinhando até o final do Sermão do Monte. Antes de tudo o apresenta em forma de dois perigos específicos e especiais que surgem no caminho.
Mostra-nos como temos que reconhecê-los e, uma vez reconhecidos, como enfrentá-los.
Logo, uma vez expostos estes dois perigos, conclui o argumento, e todo o Sermão, apresentando-o numa afirmação simples, franca, clara, em função da metáfora das duas casas, uma construída sobre a rocha e a outra sobre a areia.    
Porém, desde o início até o fim é o mesmo tema, e o fator comum das três partes da afirmação geral é a admoestação terrível sobre o fato do juízo.
Isso, como temos visto, é o tema que é apresentado em todo este sétimo capítulo do evangelho de Mateus e é sumamente importante que nos demos conta disso.
Não captá-lo explica  a maioria de nossos problemas e dificuldades. Explica o evangelismo superficial e inconsistente tão comum hoje em dia. Explica a ausência de vida santa que se percebe na maioria dos cristãos. Não é que necessitemos de ensinos especiais acerca dessas coisas. O que parece que todos esquecemos é que os olhos de Deus sempre nos acompanham, e que todos caminhamos para o juízo final.
Por isso, nosso Senhor segue repetindo isto. Apresenta-o de formas diferentes, porém sublinha sempre o fato do juízo, e a índole do juízo. Não é um juízo superficial, não é um simples exame de coisas externas, senão uma indagação do coração, um exame de toda a natureza.
Sobretudo, sublinha o caráter definitivo, absoluto, do juízo, e as consequências que lhe seguem.
Já nos disse nos versículos 13 e 14 porque devemos entrar pela porta estreita. A razão é, diz Jesus, que a outra porta é ampla e leva à perdição, a perdição que segue ao juízo final, no caso dos ímpios.
Nosso Senhor, evidentemente, estava tão preocupado com isto que constantemente o repetia. Isso mostra de novo a perfeição do seu método como Mestre. Sabia a importância da repetição. Sabia quanto obtusos e lentos somos, e sempre dispostos a pensar que sabemos tudo, quando na realidade não o sabemos e em consequência necessitamos que as mesmas coisas nos sejam constantemente recordadas.      
Nosso Senhor, portanto, nos recorda de novo estas coisas, antes de tudo dando-nos advertências específicas. A primeira é sobre os falsos profetas. “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.”.
O que devemos recordar é mais ou menos isto: Podemos dizer que estamos junto ao umbral desta porta estreita. Temos ouvido o sermão, temos escutado a exortação, e estamos pensando no que fazer. “Agora”, diz nosso Senhor, “a esta altura, uma das coisas com as que têm que ter cuidado é o perigo de escutar os falsos profetas. Sempre estão aí, sempre estão presentes, precisamente no umbral da porta estreita. Esse é seu lugar favorito. Se alguém começa a escutá-los está perdido, porque te persuadirão a que não entres pela porta estreita, e que não andes no caminho apertado. Tratarão de dissuadir-te de escutar o que te estou dizendo!”.
Existe pois, sempre o perigo dos falsos profetas que apresentam esta tentação tão sutil.
A pergunta que se apresenta imediatamente é a seguinte: “quem são estes falsos profetas? Como vamos reconhecê-los?”.
Esta pergunta não é tão fácil como parece, de ser respondida.
Uma escola de interpretação afirma que aqui se alude somente ao ensino dos falsos profetas. E que a sua doutrina se refere ao fruto que produzem, conforme referido pelo Senhor.
Uma outra escola discorda da primeira citada e afirma que esta referência aos falsos profetas não tem nada a ver com o ensino, senão puramente com o tipo de vida que estas pessoas vivem. Seu ensino seria acertado, porém suas vidas não corresponderiam ao seu ensino, por serem hipócritas.
Estas duas escolas têm razão em algo, mas também estão equivocadas em algo.
Ambos elementos devem ser considerados. Não se pode dizer que somente é questão de ensino herético, porque não é muito difícil detectar tais ensinos.
A maioria das pessoas que possuem um certo discernimento podem identificar um herege. E sem dúvida, a metáfora do Senhor sugere que há uma dificuldade no reconhecimento dos falsos profetas, que há algo sutil nisso. Ele fala em vestimentas de ovelhas na metáfora. Sugere que a verdadeira dificuldade, quanto a este tipo de falsos profetas, é que em princípio não se imagina o que sejam.
Tudo é sumamente sutil; tanto é assim que o povo de Deus pode ser levado ao engano por eles. Recordemos como Pedro se referiu a isto no segundo capítulo da sua segunda epístola. Estas pessoas, disse, “introduzirão encobertamente” os erros, parecem pessoas justas, trazem a vestimenta de ovelhas, e ninguém suspeita de qualquer falsidade.
Tanto o Antigo, quanto o Novo Testamento sempre fazem ressaltar esta característica do falso profeta.
O perigo verdadeiro provém de sua sutileza.
Toda exposição genuína deste ensino, por conseguinte, deve salientar devidamente este elemento específico.
Por esta razão, não se pode aceitar como sendo uma simples admoestação acerca dos hereges e seus ensinos.
O mesmo se aplica ao outro grupo.
É óbvio que não há nada que ofenda na conduta dos falsos profetas. Se fosse assim, todo mundo o reconheceria, e não seria sutil nem constituiria nenhuma dificuldade. Ninguém titubearia em deixar de segui-los.  
O quadro que devemos ter diante de nós, portanto, deveria ser este: o falso profeta é alguém que vem a nós e a princípio tem o aspecto de ser tudo o que se poderia desejar. É agradável e prazeroso; parece ser muito cristão, e parece dizer o que tem que ser dito. Seu ensino no geral é muito bom, utiliza muitos termos que qualquer mestre cristão verdadeiro deveria usar. Fala sobre Deus, fala de Jesus Cristo, da cruz, enfatiza o amor de Deus, parece dizer tudo o que um cristão deveria dizer. Obviamente, está vestido de ovelha, e em sua forma de viver parece se harmonizar com isso. Em consequência ninguém suspeita que haja algo mau nele, não há nada que chame logo a atenção ou desperte qualquer suspeita, porque não há nada abertamente mau.
Qual é pois o mal, e o que pode ser mau numa pessoa assim?
No entanto esta pessoa está equivocada tanto em seu ensino quanto em sua forma de vida, porque, como veremos, estas duas coisas sempre andam juntas. Nosso Senhor disse: “pelos seus frutos os conhecereis”. O ensino e a vida humana não podem ser separados, e onde há ensino errôneo, de alguma maneira sempre haverá uma vida equivocada em algum aspecto.
Como podem, pois, ser descobertas estas pessoas? Que há de mau em seu ensino? A forma mais adequada de responder é dizer que não há porta estreita neles, que não há caminho apertado. O que dizem está certo, porém não inclui isto. É um ensino, cuja falsidade tem que ser detectada não pelo que dizem, mas pelo que não dizem. E é aqui que nos damos conta da sutileza da situação. Como temos dito, qualquer cristão pode detectar quem diz coisas abertamente equivocadas, porém é injusto ou pouco caridoso dizer que a grande maioria dos cristãos de hoje parece não poder detectar ao homem que parece dizer coisas boas, porém que não diz coisas vitais.
E são justamente estas pessoas que não dizem coisas vitais que são as mais perigosas.
O falso profeta não tem porta estreita nem caminho apertado no seu evangelho. Não há nele nada que ofenda ao homem natural; agrada a todos. Veste-se de ovelha, é atrativo, agradável à vista. Apresenta uma mensagem tão bonita, confortante e consoladora. Agrada a todo mundo e todo mundo fala bem dele. Nunca o perseguem por seu ensino, nunca o criticam com rigor. Tanto os liberais como os modernistas o louvam. Em suas palavras não há nada do escândalo da cruz.
Agora, o que é esta porta estreita e este caminho apertado?
Lembram que Pedro disse em sua segunda carta que “houve também falsos profetas entre o povo de Israel” e que de igual modo haveria tais falsos mestres na Igreja?
Voltemo-nos então ao Antigo Testamento para ler o que diz sobre os falsos profetas, porque o modelo não muda.
Sempre estiveram presentes, e cada vez que aparecia um verdadeiro profeta, como Jeremias, ou outro, os falsos profetas sempre duvidavam dele, lhe resistiam, e lhe acusavam e ridicularizavam.
Porém como eram eles?
Assim é como se lhes descreve: “curam a ferida da filha de meu povo com leviandade, dizendo: Paz, paz, e não há paz!”.
O falso profeta sempre é um pregador muito consolador. Ao escutá-lo dá sempre a impressão de que não há muitas coisas más. Admite desde logo, que há algo mau; não é o bastante néscio para dizer que não há nada mau. Porém diz que tudo vai bem e que tudo irá bem. “Paz, paz”, diz. “Não escutem alguém como Jeremias”, exclama. “é de mente estreita, é um herege, não tem espírito cooperador. Não o escutem, tudo está bem!”. “Paz, paz”.
Cura “a ferida da filha de meu povo com leviandade, dizendo: Paz, paz, e não há paz!”, e se acrescenta de forma aterradora, quanto ao modo como o povo de Deus recepcionava esta mensagem dos falsos profetas: “o meu povo assim o quis”. O povo desejava isto porque nunca lhes perturbava, nunca fazia com que se sentissem incomodados. Se tudo seguir como sempre foi, está tudo bem, não há porque se preocupar com uma porta estreita e um caminho apertado, nem de uma doutrina específica.
“Paz, paz!”, e acrescentaríamos: “prosperidade, prosperidade”, é muito consolador, muito tranquilizante, sempre é assim o falso profeta em seu vestido de ovelha, sempre inofensivo e agradável, sempre, invariavelmente, atrativo. Jamais apontará ao povo o dever de mortificar o pecado e de andar em temor e reverência diante de Deus. Nunca exporá toda a verdade da Palavra de Deus, particularmente os Seus juízos contra o pecado.
De quê maneira isto se manifesta na prática?
Diria que se manifesta de modo geral na quase  ausência total de doutrina, quanto na mensagem.
Sempre fala de variedades, de coisas vãs, e de modo geral, nunca desce a detalhes doutrinais. Não lhes agrada a pregação doutrinal; sempre é muito vaga. Porém alguém talvez pergunte: “Que quer dizer com isto de descer a detalhes doutrinais, e como se relaciona isto com a porta estreita e o caminho apertado?”.
A resposta é que o falso profeta mui raras vezes nos diz algo acerca da santidade, da justiça e da ira de Deus. Sempre prega acerca do amor de Deus, e nunca menciona as outras coisas. Nunca faz tremer a ninguém quando fala deste Ser santo e Majestoso com o qual todos devemos prestar contas. Não diz que crê nestas verdades. Não, não é essa a dificuldade. A dificuldade é que não diz nada acerca delas. Não as menciona. Não menciona as verdades que são destacadas na Bíblia, e é aí que está o perigo. Não diz coisas que sejam obviamente verdadeiras e justas. E por isso é falso profeta, porque todo verdadeiro profeta que fala da parte de Deus aos homens tem o dever de ensinar toda a verdade revelada. Ocultar a verdade é tão reprovável e condenável como proclamar uma heresia, e por isso o efeito de tal ensino é o de um “lobo devorador”.
Outra doutrina que o falso profeta nunca enfatiza é a do juízo final e do destino eterno dos condenados.
Nos últimos cinquenta ou sessenta anos, não se tem pregado muito acerca do juízo final, e tampouco acerca do inferno e da destruição eterna dos ímpios. Não, porque aos falsos profetas não lhes agrada ensinos como os que contém a segunda epístola de Pedro. Porém está também na carta de Judas, em João, no Sermão do Monte, proferido pela boca do próprio Jesus.
O ensino do falso profeta tampouco enfatiza a condição radicalmente pecaminosa do pecado e da incapacidade total do homem para fazer algo por sua própria salvação. Eles falam do pecado como se não fosse algo grave. Na verdade não lhes agrada falar sobre o pecado, e sobre a necessidade de mortificá-lo.
O falso profeta não enfatiza também a doutrina da predestinação, da eleição, e da expiação e justificação pela graça. Eles falam da cruz de forma sentimental, mas nada sobre a ofensa da cruz. A pregação deles sobre a cruz, não é loucura para os gentios, nem escândalo para os judeus. Através da sua filosofia removem todo o efeito da cruz. Eles fazem dela algo maravilhoso, uma grande filosofia de amor e sentimento. Nunca conseguem vê-la como uma tremenda transação santa entre o Pai e o Filho, na qual o Pai fez com que o Filho se tornasse pecado por nós.
Tampouco enfatizam o arrependimento em seu sentido real. Apresentam uma porta muito ampla que conduz à salvação e um caminho muito amplo que conduz ao céu. Basta a pessoa confessar que Jesus é o Salvador, que no entendimento deles já ocorreu ali o arrependimento e a salvação.
Isto é muito diferente do evangelismo dos puritanos, de John Wesley, de George Whitefield e outros; porque aquele evangelismo conduzia ao temor do juízo de Deus, e à angústia da alma, às vezes por dias, semanas e meses. John Bunyan nos diz que durante dezoito meses sofreu a agonia do arrependimento. Hoje em dia parece que não há muita possibilidade disto, porque as pessoas têm uma ideia superficial sobre o pecado e sobre a justiça de Deus. (Não se pensa que há condições para o perdão de pecados presentes, mesmo de cristãos, como o perdoar o próximo, e principalmente o arrependimento que consiste basicamente em três partes: contrição, confissão e conversão – II Crôn 7.14. O perdão sempre será concedido com base no sangue e nos méritos de Cristo, mas sempre também mediante o atendimento destas condições. Mas quantos pregam sobre isto, desta maneira, conforme é a verdade revelada por Deus nas Escrituras, quanto ao perdão de pecados? - nota do tradutor).
Pensa-se no pecado como o simples ato de errar e não a condição de estado ruim da alma que desperta a ira de Deus.
O falso profeta não pensa na necessidade de se tomar a cruz para se seguir a Cristo. Ele simplesmente se limita a curar a ferida superficialmente dizendo que tudo está bem, que há paz, que tudo o que se tem que fazer é vir a Cristo e se fazer cristão.
Vê-se assim que a porta e o caminho do falso profeta não são estreitos e apertados, mas bastante amplos, conduzindo muitos à perdição, pela falsa ideia de que se arrependeram e se converteram de fato de seus pecados para Deus, enquanto não apresentam qualquer evidência de transformação operada pelo Espírito Santo em suas vidas.
O falso profeta não diz que temos que praticar o Sermão do Monte. Nunca o veremos pregando as coisas que Jesus ordena neste sermão. O falso ensino não se interessa pela verdadeira santidade, pela santidade bíblica.
Sustenta uma ideia de santidade parecida com a dos fariseus. Os fariseus escolhiam certos pecados dos quais eles mesmos não eram réus, segundo criam, e diziam que desde que as pessoas não fossem culpadas daqueles pecados, os demais não importava. Ah! Quantos fariseus existem hoje em dia! A santidade se converteu em não se fazer três ou quatro coisas. Já não pensamos em função de “não ameis o mundo, nem as coisas que estão no mundo... os desejos da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida. E esta soberba da vida é uma das maiores maldições na Igreja cristã. O falso ensino deseja uma santidade como a dos fariseus. É simplesmente questão de não fazer certas coisas acerca das quais nos temos colocado em acordo. Com isso temos reduzido a santidade a algo fácil e corremos em multidões ao caminho espaçoso, e tratamos de segui-lo.
Estas são algumas das características destes falsos profetas que vêm disfarçados de ovelhas. Oferecem sempre uma salvação fácil, um tipo de vida fácil. Não aconselham o auto exame diário; e chegam quase a afirmar que examinar a si mesmo é uma heresia.
Dizem que não temos que examinar a nossa própria alma, porque tudo o que temos que fazer é olhar somente para Jesus, e nunca a nós mesmos para descobrir o pecado.
Assim, desaconselham o que a Bíblia nos aconselha que façamos. Não lhes agrada o processo de auto exame e de mortificação do pecado, que ensinavam os puritanos e os grandes líderes do século dezoito, como Wesley, Whitefield, John Fletcher e Jonathan Edwards.
Eles não creem nisto porque é incômodo. Querem uma salvação fácil, uma vida cristã fácil. Nada conhecem do sentimento de Paulo, quando disse “os que estamos neste tabernáculo gememos com angústia”. Nada sabem acerca de pelejar o bom combate da fé. Não sabem o que Paulo quer dizer quando afirma que nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais (Ef 6.12). Não entendem isto, não vêm necessidade alguma de revestir-se de toda a armadura de Deus, porque não têm visto o problema, afinal para eles “tudo é tão fácil!”. Eles não incomodam o diabo com o seu falso evangelho, e o diabo também não lhes incomoda, porque nada perde com a pregação e ensino destes falsos profetas, ao contrário, só tem a ganhar.
Hoje em dia não agrada às pessoas este tipo de ensino contra os falsos profetas. Vivemos numa época em que as pessoas dizem que contanto que alguém professe ser cristão, devemos considerá-lo como irmão e seguir juntos. Porém a resposta é o que disse nosso Senhor: “Guardai-vos dos falsos profetas!”. Estas advertências terríveis e penetrantes estão no Novo Testamento devido precisamente ao que temos comentado. Claro que não devemos ser hipercríticos, porém tampouco devemos confundir a amizade e afabilidade com a santidade. Não se trata de personalidades. Não devemos desapreciar estas pessoas. De fato o Dr. Alexander MacLaren tem razão quando afirma que são hipócritas inconscientes. Não é que não sejam agradáveis e complacentes, porque o são. Em certo sentido, este é o perigo maior, e isso é o que faz ser uma tal fonte de perigo. Ponho isto em relevo porque segundo nosso Senhor, é algo que sempre nos cerca. Há um caminho que conduz à perdição, e o falso profeta não crê na perdição ou então não dá a devida consideração a ela.
Não é acaso correto que a explicação do estado atual da Igreja cristã é precisamente isto que temos examinado?
Porque a Igreja está tão débil e ineficiente?
Não vacilo em responder que se deve ao tipo de pregação que se introduziu como consequência do movimento de alta crítica que começou no século dezenove, e que condenava totalmente a pregação doutrinal. Advogava uma pregação moral. Tomavam tais ilustrações da literatura e da poesia, e Emerson veio a ser um de seus sumo sacerdotes. Esta é a causa do problema. Prosseguiram falando de Deus, falando de Jesus e de sua morte na cruz. Não se apresentavam como hereges evidentes, mas em seu desejo de contextualizarem a mensagem ao mundo moderno em que viviam, não mencionavam as coisas que são vitais para a salvação. Ofereciam essa mensagem vaga que nunca perturba a ninguém. Eram sempre tão modernos e agradáveis; estavam acompanhando a ordem do dia e não se poderia chamá-los de fora de moda. Agradavam ao gosto popular, e o resultado é o de igrejas medíocres na vida cristã que se encontram entre tantos de nós.
Estas coisas são amargas e desagradáveis, e tenho que confessar honestamente, que se não tivesse me comprometido a pregar o Sermão do Monte, como estou fazendo, nunca teria escolhido estas palavras como texto. Nunca teria pregado acerca delas. Nunca tenho escutado um sermão sobre elas. Pergunto-me quantos de nós o temos escutado? Não nos agrada, é molesto, porém não nos compete escolher o que nos agrade. Isto disse o Filho do homem, e o situa no contexto do juízo e da destruição.
Assim, pois, ainda que me custe que me chamem de caçador de heresias ou pessoa que se senta para julgar seus irmãos e todo mundo, tenho tratado honestamente de explicar a Bíblia, e rogo que pensemos outra vez nisso em oração, na presença de Deus, enquanto consideramos o valor da nossa alma imortal e seu destino eterno.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)



A ÁRVORE E O FRUTO – Mateus 7.15-20

“15 Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.
16 Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
17 Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.
18 Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons.
19 Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.
20 Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7.15-20)

No estudo relativo aos Falsos Profetas, nós vimos que o Senhor colocou em relevo a sutileza deles, porque vêm a nós vestidos de ovelhas, quando que no seu interior são lobos devoradores.
O falso profeta vestido de ovelha ensina que nunca se deve dizer nada que soe como crítica ou então que seja duro de se ouvir. Para não serem descobertos quanto à falta do verdadeiro fruto espiritual em suas vidas, é que ameaçam aos que estão debaixo da sua liderança a não efetuarem qualquer tipo de juízo, por este temor de ser revelado que eles são na verdade lobos vestidos de ovelhas.
Mas nosso Senhor queria enfatizar este ponto dizendo que os falsos profetas são conhecidos por seus frutos, e que não se pode colher uvas de espinheiros ou figos de abrolhos; porque toda boa árvore dá bons frutos, porém a má árvore dá maus frutos. E toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo.
E o Senhor quis destacar que apesar de duas árvores serem parecidas em seu aspecto exterior, quando são julgadas pelo tipo de fruto que dão, percebe-se que são totalmente diferentes. Um se pode comer, porém o outro não. É evidente que há aqui um ensino muito profundo.
Com isto Jesus quis mostrar que ser cristão é algo que está na essência mesma da personalidade, que é algo vital e fundamental. Não se trata de aparências superficiais quanto a crenças. Parece querer nos ensinar sobre o perigo de nos enganarmos com as aparências. É o mesmo caso do uso da metáfora relativa aos falsos profetas que vêm vestidos de ovelhas. Noutras palavras, está em foco o perigo de parecer ser cristão sem sê-lo na realidade.
Já vimos que isto sucede no campo do ensino e da doutrina. Alguém pode parecer estar pregando o evangelho quando, na realidade, quando é julgado por provas genuínas, vê-se que não o faz. O mesmo acontece no caso da conduta e da vida. O perigo, neste caso, está em querermos ser cristãos acrescentando coisas à nossa vida, em vez de chegar a ser algo novo, em vez de se receber vida interior, em vez de que a natureza que está em nós se renove segundo a imagem do Senhor Jesus Cristo.
Assim, segundo o Senhor, alguém pode falar de maneira adequada, pode parecer que vive bem, e contudo permanece sendo um falso profeta. Pode ter a aparência da vida cristã sem ser realmente um cristão.  Isto tem sido uma fonte constante de problemas e perigos na história da Igreja. Porém o Senhor nos alerta desde o princípio que ser cristão significa uma mudança na vida e na própria natureza do homem. É a doutrina do novo nascimento. Nenhuma ação do homem vale nada para a sua salvação, a não ser que tenha mudado sua natureza.
Por isso devemos nos preocupar sobretudo com o estado do coração porque é o centro da personalidade. Assim é o que há no coração que sempre se manifesta. Manifestar-se-á nas crenças, no ensino e na doutrina.
E o Senhor diz que é por este fruto que sai do interior, da natureza mesma, do coração, que podemos reconhecer a pessoa, de modo que possamos saber se é um falso profeta, apesar da aparência de ser cristão.
Estão indissoluvelmente unidos o que alguém crê e a vida. O que o homem pensa, isso ele é. O homem atua da maneira pela qual pensa. Em outras palavras, manifestamos inevitavelmente o que somos pelo que cremos e pensamos.
Não importa o cuidado que tenhamos, num momento ou outro se manifestará. O fruto de nossas crenças e pensamentos se manifestará.
Isto implica que por mais que alguém se afirme correto e santo, ortodoxo, reto e aplicado em obedecer o ensino de Jesus, isto será detectado se é verdade ou não, pelo tipo de ação que produzir em sua vida. Como pode o mau praticar o que é bom?
Talvez nos enganemos por um tempo. As aparências podem enganar muito, porém não duram. Os puritanos gostavam muito de tratar em detalhes a quem chamavam de “cristãos temporais”. Com isto queriam se referir às pessoas que pareciam estar debaixo da influência do evangelho, pessoas que davam a impressão de serem verdadeiramente convertidas e regeneradas. Falavam de forma adequada e mostravam mudança na vida, pareciam cristãos. Porém os puritanos lhes chamavam de cristãos temporais porque chegavam depois a dar provas inconfundíveis e claras de que nunca haviam chegado a ser verdadeiramente cristãos. Isto ocorre muito nos avivamentos. Quantas vezes ocorre um despertamento religioso, ou emoção religiosa em que se costuma encontrar pessoas que, das quais podemos dizer, seguem a corrente. Não se dão conta do que acontece, porém caem sob a influência geral do Espírito Santo e por um tempo se sentem realmente afetados, porém, segundo este ensino, talvez nunca cheguem a ser verdadeiramente cristãos.
Em II Pedro 2 há uma exposição relativa a isto. O apóstolo descreve de forma clara e gráfica casos assim. Fala de pessoas que haviam entrado na igreja e haviam sido aceitas como cristãs, porém logo haviam saído. Descreve-as como cães que voltam ao vômito, e porcos lavados que voltam à lama. A porca pode ser lavada, e parecer limpa no exterior, porém sua natureza não foi mudada e isto a levará a amar a sujeira.
Em II Pe 1.4, ao se referir a verdadeiros cristãos o apóstolo diz que  por terem se tornado participantes da natureza divina, escaparam da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.
Mas quando se refere a estes cristãos temporais, no capítulo segundo, não diz que escaparam da corrupção, mas das contaminações. E isto porque há uma espécie de purificação superficial que não muda a natureza. A purificação é importante, porém pode ser muito enganadora. O que somente purifica o exterior, poder parecer cristão, porém, segundo a argumentação de nosso Senhor o que torna alguém um cristão é a natureza íntima, e essa natureza interior tem que se manifestar.
O Juízo Final há de revelar muitas surpresas para muitos que pensam ser cristãos zelosos por esta grande aplicação à simples purificação exterior, sem que tenham de fato nascido de novo. E alguns destes conseguem enganar a muitos por muito tempo, porque são meticulosamente farisaicos em sua atitude religiosa, levando até mesmo verdadeiros cristãos a pensarem que eles são de fato nascidos de novo, quando na verdade não são.
Mas na convivência com eles, os que são maduros espiritualmente, poderão observar que há algo que se manifesta na natureza deles, pelo fruto de sua conversação e modo de compreensão da vida cristã que revela que há algo muito duvidoso na alegada conversão que alegam terem experimentado.
A verdadeira crença básica do homem se manifestará na sua vida. Acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de abrolhos? Estas coisas nunca podem ser separadas. A natureza íntima se manifestará. Devemos portanto ter cuidado em admitir como cristão verdadeiro quem na realidade não passa de impostor em sua aparência externa. E somos exortados a nos disciplinarmos para buscar com cuidado o fruto.
Lembremos que é necessário também examinar quais são as características do bom fruto. Devemos buscá-las em nós mesmos e nos demais. Devemos ter cuidado, porque aquele que se encontra fora da porta estreita nos dirá: “Não há necessidade de fazer tudo isto. Este é o caminho”. E podem nos enganar. Por isso devemos aprender a discriminar, e também, ao examinar o fruto, devemos ter presente este elemento de sutileza. Há tipos de vida que se parecem muito com o verdadeiro cristianismo, e obviamente, são as mais perigosas de todas. Parece cada vez mais claro que o maiores inimigos da fé cristã genuína não são os que se acham no mundo, perseguindo de forma agressiva o cristianismo ou prescindindo de forma aberta ao seu ensino; são muito mais aqueles que possuem um cristianismo falso e espúrio. São os que receberam a condenação que o Senhor lança nesta passagem contra os falsos profetas. Se alguém examinar a história da Igreja, desde seus começos, descobrirá que sempre foi assim. O cristianismo falso e fingido sempre tem sido o maior obstáculo e inimigo da verdadeira espiritualidade. E não há dúvida de que o maior problema nos dias atuais é o estado mundano da Igreja. Deveria preocupar-nos muito mais o estado da própria Igreja que o estado do mundo fora da Igreja. Parece cada vez mais evidente que a explicação do estado atual da Cristandade, se encontra dentro da Igreja e não fora.
Por isso somos chamados a provar os espíritos.
Temos diante de nós alguém que fez profissão de cristão. Não diz nada que seja obviamente errado, e parece viver uma boa vida cristã. A qual prova submeteremos tal pessoa? Podemos ter pessoas simpáticas, moralmente corretas, com uma norma e código de vida pessoal elevados; parecem muito com os cristãos, embora talvez não o sejam. Como podem ser distinguidas? Temos aqui algumas perguntas às quais têm que responder. Antes de tudo, por que esta pessoa vive este tipo de vida? Tomemos o caso de um homem bom que não pretende ser cristão, ou um homem que assiste regularmente a um lugar de culto, porém que, julgado segundo as normas do Novo Testamento, não é cristão. Por que vivem como o fazem? Existem muitas razões para isso. Pode ser simplesmente questão de temperamento. Há pessoas com boa natureza. Têm um temperamento e caráter equilibrados; são tranquilos, não há neles nada naturalmente vicioso e ofensivo. Não têm que fazer nenhum esforço para ser assim; nasceram assim, são assim. É algo puramente físico e natural.
Em segundo lugar, essa pessoa vive este tipo de vida porque tem certas crenças ou aceita certo ensino moral? Há pessoas que são o que se pode chamar de bons pagãos. Essas pessoas têm normas muito elevadas e as praticam diariamente. Pode-se fazer isto completamente aparte do cristianismo. Assim pois, se julgamos somente pelas aparências gerais da vida de alguém, é possível nos enganarmos. Frequentemente se diz que há melhores cristãos fora da Igreja do que dentro. Isto quer dizer que podemos encontrar excelente moralidade fora da Igreja. Porém a moralidade talvez não tenha nada a ver com o cristianismo. Não tem conexão necessária com o mesmo. Os grandes filósofos gregos propuseram seus grandes ensinos morais antes que Cristo viesse. E é ainda mais significativo que os filósofos gregos foram às vezes opositores violentos do evangelho cristão, eles foram os que consideram como loucura a pregação da cruz.
Em consequência é necessário não olhar somente ao homem e sua vida em geral. Temos que descobrir as razões e motivos de seus atos. Desde o ponto de vista cristão, existe uma só prova vital a este respeito. Este homem dá a impressão de que vive esse tipo de vida porque é cristão e devido à sua fé cristã? Se não vive assim por ser cristão, de nada vale; é o que nosso Senhor chama de maus frutos. O Antigo Testamento se refere a isto com muito vigor quando diz que todas as nossas justiças são como trapo de imundície. Aos olhos de Deus o que tem valor, em última instância é somente o que é fruto do caráter cristão, o que nasce da nova natureza.
Esta é a prova geral. Vejamos agora algumas provas específicas. Nisto devemos ter cuidado para não nos expormos a que nos acusem de espírito de crítica; ademais devemos ter o cuidado para que aquilo que dissermos não julgue a nós mesmos.
Ainda que a vida de alguém se conforme a um código moral geral, mas se não vê que a mensagem da cruz é que a justiça do homem nada vale e que o homem é um pecador sem esperança, tudo isto se revelará em sua vida. Haverá assim pontos falhos quanto ao que se exige para se caminhar no caminho apertado. E se no modo de viver geral é muito parecido com o cristão, se observará que nos detalhes haverá muitas falhas. Há neles uma falta de qualidade e uma ausência da atmosfera peculiar que sempre se encontra na pessoa verdadeiramente espiritual.
Mas a grande prova que se deve buscar em todo aquele que se diz cristão é a prova das bem-aventuranças, porque o cristão verdadeiro é pobre de espírito, chora pelo pecado, é manso, tem fome e sede de justiça, é pacificador, é puro de coração etc.
Contudo alguém dirá: “Mas não há cristãos em que não há evidências visíveis destas bem-aventuranças, por viverem carnalmente?”. Isto é a verdade, e é daí que decorre a dificuldade para se saber quem é verdadeiramente cristão hoje em dia, porque são poucos os que procuram confirmar a sua eleição vivendo diligentemente em santificação. Mas, em todo o caso, quantos destes não correm o risco, por falta destas evidências, de se julgarem cristãos, quando na verdade podem não sê-lo efetivamente, porque se exige evidência de santificação, exige-se segundo nosso Senhor, este fruto positivo do Espírito Santo na vida, para a plena certeza da esperança. Aquele que não o possui não pode estar seguro da sua salvação.
É por estas provas que se excluem os bons pagãos, os falsos profetas e os cristãos temporais, porque são provas da natureza íntima do homem e do seu verdadeiro ser.
Somente a árvore boa pode produzir o fruto do Espírito Santo. O homem que for somente moralmente justo não pode produzi-lo.
O Senhor nos recorda nesta passagem que se alguém não é humilde, tem que se ter muita cautela com ele. Pode estar vestido de ovelha, porém não é verdadeira humildade, não é verdadeira mansidão. E se a doutrina de alguém é equivocada se manifestará nisto. Será afável, e agradável, será atraente para o homem natural e carnal, porém não dará a impressão de ser alguém que se tem visto como pecador a caminho do inferno e que tem sido salvo somente pela graça de Deus.
O homem do Novo Testamento é sóbrio, grave, humilde, manso. Possui o gozo do Senhor no coração, se, porém, não é efusivo, não é ruidoso, não é carnal em sua vida. É alguém que diz com Paulo: “os que estamos neste tabernáculo gememos com angústia” (II Cor 5.4). Não se interessa na sua maneira de vestir com a pompa e com o externo, não se interessa em causar impressão; é manso e se preocupa com Deus e com sua relação com Ele. E a prova definitiva, sem dúvida, é a humildade. Se em nós há a soberba da vida e do mundo, necessariamente, não sabemos grande coisa da verdade; e deveríamos examinarmo-nos de novo para nos assegurarmos da nova natureza. O que temos no interior se manifestará no exterior. Se tenho mente mundana, ainda que pregue uma grande doutrina, e ainda que tenha renunciado a certas coisas, se manifestará em minhas palavras ociosas (Mt 12.36). Mostramos realmente o que somos quando não estamos de sobreaviso. Podemos dar a impressão que somos cristão, porém nossa verdadeira natureza se manifestará.
A forma como alguém prega pode ser mais significativa do que diz, porque pela maneira com que fala revela quem realmente é. Os métodos de uma pessoa às vezes desmentem a mensagem que prega. O que prega o juízo e a salvação, e contudo, ri, e brinca, nega o que está pregando. A confiança em si mesmo, o depender da habilidade humana e da personalidade, proclamam que este homem possui uma natureza muito afastada do Filho de Deus, que foi manso e humilde de coração. Um homem assim não é como o apóstolo Paulo, que ao pregar em Corinto, não foi confiando em si mesmo e na sua sabedoria, senão com fraqueza e muito temor e tremor. Como nos traímos, quando manifestamos o que realmente somos com nossos atos espontâneos!
Mas ainda que nos enganemos em nossos juízos quanto a identificar se somos e quem é de fato verdadeiramente cristão, lembremos que Deus nunca se engana. Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançado no fogo. Que nos esforcemos então para achar este bom fruto em nós, andando humildemente na presença do Senhor. Que Deus tenha misericórdia de nós. Que nos abra os olhos para estes princípios vitais e nos capacite a exercer este discernimento relativamente a nós mesmos e a todos os que possam se tornar perigosos para nossas almas e que estejam falsificando gravemente a causa de nosso bendito Senhor neste mundo pecador e necessitado.  Concentremo-nos em assegurar-nos que possuímos a natureza divina, e que participamos da mesma, que a árvore é boa, porque se a árvore for boa, o fruto também será necessariamente.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)


FALSA PAZ – Mateus 7.21-23

“21 Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
22 Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres?
23 Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mt 7.21-23)

Um simples homem jamais teria falado tais palavras, senão o próprio Filho de Deus. Quantas vezes este texto é pregado nas Igrejas?
Não devem muitos se declarar culpados do fato de que ainda afirmem crer em toda a Bíblia, na prática, entretanto, frequentemente negam parte dela simplesmente porque não favorece a carne e lhes perturba?
Mas os que são fiéis a Deus devem examinar toda a Sua Palavra e devem evitar a todo custo os argumentos que procuram obscurecer o ensino direto e claro da Bíblia.
Estas palavras do texto mostram muito claramente o que ocorrerá no dia do juízo, quando todos terão que se apresentar diante de Deus.
Todos os cenários humanos desaparecerão e a verdade de cada pessoa será revelada pelo Filho de Deus que conhece o que realmente cada pessoa é, e quais de fato tiveram suas naturezas mudadas pela regeneração do Espírito Santo.
Este assunto é tão importante para o Senhor que Ele não se limitou a descrever a sutileza dos falsos profetas, pois prosseguiu alertando aos eleitos de Deus o perigo que eles correm em serem iludidos pelas muitas falsidades que os cercam neste mundo.
Ele declarou que há uma porta estreita e um caminho apertado que define a vida cristã, ou a senda da salvação. Não há outros. E esta porta e este caminho são definidos por Ele no Sermão do Monte. Mas estão cheios de perigos, e de atalhos e desvios na pessoa dos falsos profetas e falsos irmãos, dos quais os verdadeiros eleitos deverão se precaver a bem de suas almas, para não se verem privados da verdade ou fascinados pelas práticas deles, contra um viver segundo a exata vontade de Deus.
Os gálatas se deixaram fascinar pelos falsos mestres judaizantes que ministravam entre eles como verdadeiros cristãos. Os efésios viram homens pervertidos se levantarem do próprio meio deles, atuando como pastores, com o propósito de desviá-los da verdade.
“Guardai-vos dos falsos profetas!”. É a advertência do Senhor para os eleitos. Fujam do ensino deles. Não se coloquem debaixo da autoridade deles. Não foram enviados por Ele à Sua Igreja. São o joio que o Inimigo plantou por não terem os eleitos vigiado e orado o tanto quanto deviam.
Então após ter concluído o Sermão do Monte quanto ao que sejam os cristãos e qual seja o dever deles em seu comportamento e vida, diante de Deus, Jesus passa agora a alertá-los quanto às dificuldades e perigos que terão que enfrentar neste caminho apertado, e às renúncias que terão que fazer para não somente entrarem pela porta estreita, como também para prosseguirem fielmente em sua caminhada no caminho apertado, de modo que possam viver de modo digno da sua vocação.
E no propósito de alertar os eleitos diz que não é simplesmente por fazerem uma profissão de reconhecimento da Sua autoridade, dizendo “Senhor! Senhor!” que se poderá saber que são Seus de fato. O Senhor ensina que o que importa não é tanto o que o homem crê senão o que o homem faz, porque disse que é o que faz a vontade do Pai que entra no reino dos céus, e não quem diz simplesmente que crê nEle, e afinal não tem as evidências de um novo nascimento em sua vida, pela santificação que se segue à regeneração.
Mais uma vez o Senhor está se esforçando para abrir os nossos olhos para o terrível perigo do auto engano e da auto ilusão.
Se dantes o perigo se referia aos falsos profetas, agora, neste texto, refere-se a nós mesmos. E Jesus destaca que diante de Deus nada tem valor senão a verdadeira santidade (Hb 12.14). Com isso o Senhor nos alerta que apesar do que afirmemos, não podemos estar na presença de Deus se não somos verdadeiramente justos e santos. É o que a Bíblia ensina desde o começo até o fim. Na verdade ela foi revelada por Deus a nós para nos alertar sobre o modo da nossa redenção do pecado para a santidade. E é nisto que consiste uma verdadeira fé, que traz evidências de regeneração e santificação, e que não consiste em meras afirmações verbais de crenças e de elogios a Deus.
Ele não está criticando quem diz “Senhor! Senhor!”, até porque é o que dirão os verdadeiros eleitos, pelo Espírito (I Cor 12.3), mas para que não nos iludamos com uma religiosidade que consista apenas em se proferir palavras, e que não atinge o coração, purificando-o e transformando-o.
Mas o homem não regenerado, não nascido de novo, pode aceitar o ensino bíblico como uma espécie de filosofia, como uma verdade abstrata e daí chamar Jesus de Senhor, mas Jesus ensinou que isto não tornará tal pessoa digna de entrar no reino dos céus.
Se nós lermos as obras dos puritanos, veremos que dedicaram não somente capítulos, senão volumes inteiros ao assunto da “falsa paz”. Este perigo tem sido reconhecido ao longo dos séculos. È o perigo de confiar na fé, em vez de Cristo, de confiar na fé sem te sido realmente regenerado pelo Espírito.
É possível também que estas pessoas talvez não sejam somente cristãos sobre a verdade, senão também fervorosos e zelosos. Não são apenas cristãos intelectuais. Há um elemento de sentimento, de emoção, porque não dizem apenas “Senhor.”, mas “Senhor! Senhor!”. Parecem cheios de fervor em fazer coisas que julgam estar fazendo para Cristo e sendo aceitas por Ele. Não é porventura o que ocorre com a maioria dos que estão na Igreja Romana? Mas não são poucos deste tipo que se encontram também nas Igrejas Protestantes. Estes dizem muitas coisas adequadas acerca de Jesus, contudo não entraram no reino de Deus.
Como pode se explicar isto? Digamos porque deve se distinguir fervor e zelo espiritual de zelo e entusiasmo carnais. O que se faz para Cristo deve nascer de uma nova natureza recebida do Espírito, e não por uma questão de temperamento carnal. É possível ficar impressionado e emocionado debaixo da pregação de vários sermões e pensar até que se é de Cristo, quando na verdade não ocorreu nenhum verdadeiro arrependimento e conversão. E por que devemos considerar estas coisas? Simplesmente para ficarmos julgando a outros? Não, principalmente para vermos em que bases temos crido que somos de Cristo, de maneira que não nos iludamos com uma falsa paz, e um falso juízo de que somos dele simplesmente porque profetizamos em Seu nome, expelimos demônios e realizamos maravilhas, uma vez que o próprio Cristo nos adverte que é possível fazer tudo isto e por fim não ser conhecido por Ele, permanecendo debaixo da escravidão ao pecado.
Fazer estas coisas referidas com zelo e fervor não significa verdadeira espiritualidade. A carne pode falsificar quase tudo.
Depois de ter falado de uma falsa confissão, baseada numa falsa fé que não pode salvar, Jesus passou a ensinar que ninguém deve confiar nas obras que faz em Seu nome para ser salvo por meio delas. Porque disse àqueles que afirmaram profetizar, expelir demônios e fazer maravilhas em Seu nome que nunca os conheceu. Ninguém pode ser salvo por obras, porque a salvação é pela graça, mediante a fé, sem as obras.
Trazendo para o nosso próprio tempo a referência que Jesus fez ao profetizar em Seu nome, e ainda assim não ser conhecido por Ele, pode significar também o fato de alguém pregar a doutrina correta e em nome de Cristo, e, contudo, estar fora do reino de Deus. Nós vemos isto frequentemente na Bíblia. Não foi o que se deu com Balaão, com Saul, com Judas e outros? É possível falar a verdade e não viver a verdade. Por isso Paulo nos diz o seguinte em I Cor 9.27 quanto ao que fazia em relação a si mesmo, por saber deste grande perigo: “Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado.”.  Quando fala de colocar o seu corpo em servidão, não somente pensa nos pecados da carne, mas se refere a toda a sua vida. O homem tem que colocar o corpo em servidão e submissão a Deus tanto quando sobe ao púlpito quanto quando caminha na rua. Submeter o corpo à servidão significa dominar, controlar e sujeitar tudo o que a carne deseja fazer. A carne sempre tenta dominar a mente.
Pensemos em Fp 1.15, onde Paulo afirma que estas pessoas pregam a Cristo por inveja e contenda. Seu motivo é equivocado, seus pensamentos são errôneos; porém pregam a Cristo, dizem coisas adequadas acerca de Cristo. Paulo se alegra de sua pregação, ainda que eles estão equivocados porque o fazem com um espírito errôneo guiado pela inveja e pelo desejo de sobressair sobre o apóstolo. Devemos concluir então que é possível que o homem pregue a doutrina correta e contudo estar fora do reino.  Isto significa que haverá muitos homens que haviam pregado e que foram louvados como pregadores e que ficarão fora do reino. Disseram o que é justo e de modo maravilhoso, porém nunca tiveram neles a vida e a verdade. Tudo era carnal.
E estes homens podem ter até mesmo expelido demônios em nome de Jesus, porque Ele pode dar poder a um homem que não O conheça, tal como se deu com Judas, e tais homens permanecerão perdidos.
E finalmente Jesus diz que estas pessoas poderão dizer que fizeram muitas maravilhas em Seu nome, e contudo estarem fora do reino. Lembramos dos magos que fizeram maravilhas nos dias de Moisés. Pensamos nas palavras de Paulo em II Tes 2.8 do grande poder que terá o Anticristo para fazer sinais e prodígios mentirosos pela eficácia de Satanás.
O poder natural do homem pode imitar os dons do Espírito Santo, até certo ponto, mas o verdadeiro entendimento e vida espiritual são concedidos por Deus somente àqueles que nascem de novo, e mesmo a estes se continuarem em fidelidade oferecendo seus corpos como sacrifício vivo e santo a Deus, de maneira que possam mais do que conhecer, experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Rom 12.2), porque o Espírito fala à Igreja mas somente aqueles que têm ouvidos espirituais afinados podem ouvir e entender as coisas do Espírito que se discernem espiritualmente, isto é sendo espirituais, e não carnais, sendo cristão espiritual, obediente ao Senhor que anda humildemente na Sua presença, honrando e praticando a Sua Palavra.
Deste modo pouco adianta tentar convencer alguém acerca de verdades espirituais que se discernem espiritualmente, ainda que seja um pastor, quando esta pessoa anda e vive na carne, ainda que pense que tem andado no Espírito.
É por isso que o auto engano é uma realidade ensinada claramente por Jesus no nosso texto, e Ele é muito enfático ao mostrar que ao final das contas o que importa não é o que os homens afirmem acerca da verdade e o juízo que eles têm acerca do que é verdadeiramente espiritual porque é o Senhor mesmo quem julga a todos e a todas as coisas. Todos serão julgados pelos padrões de Cristo revelados na Palavra, e não pelo nosso próprio entendimento do que somos perante Ele. Estas pessoas às quais Ele se refere dizendo que nunca as conheceu, pensavam que eram conhecidas dEle e que Lhe agradavam por seus louvores e obras.
Não devemos esquecer que o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz e os seus ministros, isto é, aqueles que ele usa, em ministros da justiça bíblica (II Cor 11.14). E Satanás persuade a muitos não cristãos que eles o são de fato, para cumprir o seu propósito de enganar os eleitos e deter o avanço da obra de Deus na terra.
E para confirmar esta falsa convicção nos falsos cristãos lhes dará poder para realizarem sinais e maravilhas, e isto é permitido por Deus porque não deram crédito à verdade, senão à mentira.
Foi por isso que Jesus advertiu os discípulos a não se alegrarem simplesmente com o fato de verem que os espíritos malignos se lhes sujeitavam, mas por terem os seus nomes arrolados no céu. Eles não deveriam se deixar iludir pela simples realização de sinais e maravilhas, porque isto não é uma credencial segura para identificar os verdadeiros filhos de Deus.
Não se deixem persuadir por sinais e maravilhas para identificarem os verdadeiros homens de Deus. Vejam o fruto deles. Vejam se as vidas deles se conformam às bem-aventuranças. Se são pobres de espírito, mansos, humildes, se gemem em espírito diante do mundanismo, se são graves e sóbrios, se são homens santos de Deus. Se são longânimos, misericordiosos, pacificadores, íntegros, não amantes dos prazeres, se têm uma vida piedosa. Se são pacientes com os fracos. Se não buscam glória para si mesmos, mas somente para o Senhor. Se louvam a glória da graça de Deus que os salvou. Estas são as credenciais que devem ser usadas para sabermos se alguém está de fato servindo a Deus e não a si mesmo, ou aos homens. Não deixemo-nos levar pelas aparências, mas pela própria realidade porque é ela que conta diante de Deus, e que para tanto todo o nosso julgamento seja segundo a reta justiça, segundo os critérios e padrões do Senhor em Sua Palavra.
Lembremos que é o Senhor mesmo quem profere as palavras de Mateus 7.21-23, e que elas se referem ao dia do juízo, quando Ele será o Juiz, de modo que não haja nenhum engano. Lembremos que Ele disse sobre submetermos todo juízo ao crivo de Deus, para que seja reto, e não ao dos homens: “E ele lhes disse: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação.” (Lc 16.15).
Leiamos o Novo Testamento e não tentemos omitir ou dar um outro sentido às Palavras de Jesus e dos apóstolos, e então veremos quais são as evidências concretas de um verdadeiro filho de Deus. Meditemos nelas, apliquemos estas evidências a nós mesmos e aos demais. Façam isto, diz o Senhor, e jamais se equivocarão, nunca ficarão do lado de fora da porta estreita e do caminho apertado.
Quando o cenário terreno tiver desaparecido e tivermos que estar frente a frente com Cristo, teremos que enfrentar esta verdade aterradora pela qual teremos que responder.
Deste modo, podemos ver quão perigosa é para contribuir para este auto engano a que nos temos referido uma falsa doutrina relativa à segurança da salvação que baseia a segurança em certas afirmações que nós mesmos fazemos. O homem que é verdadeiramente salvo e que tem uma segurança genuína da sua salvação faz e deve fazer estas afirmações, porém a simples afirmação não é garantia e nem assegura necessariamente que seja salvo.
Consequentemente, devemos ter cuidado com esta tentação muito sutil, e recordar a forma pela qual as pessoas se persuadem erroneamente a si mesmas. Dizem: “Creio que Jesus é o Filho de Deus e que morreu por meus pecados, e por isso confesso que Ele é o meu Salvador!”. Não se lhes pergunta se chegaram a ter uma experiência de salvação, se o conheceram como Seu Salvador, mas se simplesmente creem no que têm dito. O cristão verdadeiro afirma estas coisas, porém não se limita a dizê-las. Mas estes que não chegam a ter uma experiência real de conversão creem na própria fé deles e não no Senhor Jesus Cristo. Isto é o que se chama de fideísmo.
Devemos então estar alertas contra o terrível perigo de se basear a segurança da nossa salvação na repetição de certas afirmações e fórmulas.
Por isso a Palavra ordena que nos examinemos a nós mesmos e que não façamos repousar a nossa vida espiritual em certas fórmulas decoradas e recitadas. Devemos pedir ao Senhor que sonde o nosso coração e nos dê um espírito reto e santo. E para tanto, devemos cooperar com Ele no exame que o Espírito fará do nosso coração, para nos revelar os pecados que precisam ser confessados e deixados.
De nada adianta tentar equilibrar nossa vida pondo coisas distintas nos pratos diferentes da balança. Por exemplo, se nossa consciência nos condena pela vida que vivemos, pomos no outro prato alguma boa obra que fazemos. E pensamos que as coisas que nos condenam serão assim anuladas. É o sangue de Jesus que purifica a nossa consciência. É pela fé na Sua morte vicária que somos limpos e purificados de toda injustiça. Mas é preciso ter humildade e deixar o Espírito realizar o Seu trabalho no nosso coração, criando em nós uma nova disposição em nossos espíritos.
Assim, devemos dar ouvidos às acusações que são feitas pelas nossas consciências, de maneira que possamos nos arrepender destas coisas das quais somos justamente acusados. É assim que se obtém uma boa consciência que não pode nos acusar, uma vez estando no caminho da verdade. Agora importa que uma boa consciência sempre nos julgará pelos padrões da Bíblia, e daí a importância de conhecermos a verdade tal como ela é, porque teremos uma má consciência que nos condenará segundo os nossos próprios padrões e critérios, ou então que nos absolverá quando deveria nos condenar, pela falta de conhecimento da verdade.
A Bíblia ensina claramente que temos que pregar o evangelho, a verdadeira mensagem, mas que também temos que praticá-lo. E diz que devemos fazer isto com sobriedade e com gravidade, com temor e tremor, com demonstrações de Espírito e de poder, não com palavras persuasivas de sabedoria. Porém, hoje em dia os métodos de evangelização são uma contradição flagrante destas palavras e são justificados pelos que os praticam em função dos resultados. Eles dizem que olham para os resultados. E por causa dos resultados põem de lado as afirmações diretas e claras da Bíblia. Isto é crer na Bíblia? É isto fazer da Bíblia a nossa autoridade final?
Se pretendemos evitar uma terrível desilusão no dia do juízo, aceitemos a Bíblia tal como é. Não discutamos com ela, não a critiquemos, não a manipulemos, não a forcemos, mas submetamo-nos ao que ela nos diz.
O que nosso Senhor dirá no dia do juízo àqueles que se enganaram a si mesmos é que têm feito todas estas coisas por seu próprio poder. Nunca teve nada a ver com eles. Por isto o mais importante para nós não é nos interessarmos em primeiro lugar por nossas próprias atividades e pelos resultados, senão por nossa relação com o Senhor Jesus Cristo. Nós o conhecemos e Ele a nós?
Devemos submeter-nos a Ele e ao seu ensino, tal como lhe agradou revelá-lo a nós na Bíblia, e se o que fazemos não se conforma com isso, é uma afirmação da nossa vontade, é desobediência que é tão repulsiva quanto o pecado de feitiçaria.
Aqueles aos quais Ele dirá que nunca os conheceu tudo fizeram para agradarem a si mesmos, e não para agradarem a Ele. Examinemo-nos pois, seriamente, à luz destas verdades.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)



Os Dois Homens e as Duas Casas – Mateus 7.24-27

“24 Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha.
25 E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha.
26 Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia.
27 E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda.” (Mt 7.24-27)

Nosso Senhor não diz que somente desceu a chuva, mas que também os rios vieram e sacudiram a casa. Sempre me parece que isto representa o mundo, em geral, no sentido bíblico da palavra, ou seja, a perspectiva mundana, o tipo mundano de vida.
Nos agrade ou não, sejamos cristãos verdadeiros ou falsos, o mundo chega a sacudir esta nossa casa, desencadeando toda sua fúria contra nós.
(Além do mundo, devemos considerar os ataques desferidos contra a nossa casa espiritual, pela nossa própria natureza terrena – carne, e pelos principados e potestades malignos – nota do tradutor).
Os ataques do mundo podem ser traduzidos por sedução ou por perseguição.
Todos sabemos algo sobre o que significa sentir que a casa quase desaba às vezes. Não é exatamente que o cristão deseja abandonar sua fé, porém o poder do mundo pode ser tão grande que às vezes se pergunta se seus fundamentos resistirão.
O jovem, tem uma maravilhosa fé em Cristo, porém, cedo ou tarde, talvez até a metade da vida, começa a pensar em seu futuro, em sua carreira, em toda sua posição na vida; e começa a vacilar e duvidar, entra em jogo o processo lento de envelhecimento, e também uma espécie de debilidade – esse é o mundo que dá com ímpeto contra a casa, submetendo-a a prova.
Depois vem o vento. Que quer dizer isto que sopraram ventos? São ataques de Satanás. O diabo tem muitas formas diferentes de nos atacar. Segundo a Palavra de Deus, pode se transformar em anjo de luz e citar a Bíblia. Pode nos separar por meio do mundo. Porém, às vezes nos ataca diretamente; pode lançar-nos dúvidas e negações. Pode nos bombardear com pensamentos sujos, maus, blasfemos. Leiamos as vidas dos santos de outras épocas e encontraremos que se viram submetidos a este tipo de coisas. O diabo promove ataques violentos, para derrubar a casa, por assim dizer, e os santos ao longo dos séculos têm sofrido por causa do poder desta forma de ataque.
Talvez temos conhecido homens bons que se têm visto sujeitos a isto, cristãos excelentes que têm vivido vidas piedosas; então, um pouco antes do fim, talvez no leito de morte, passam por um período de trevas e o diabo os ataca violentamente. Na realidade, “não conhecemos luta contra sangue e carne, senão contra principados, potestades, contra os governadores das trevas deste séculos, contra as hostes espirituais da maldade nas regiões celestes. Em Efésios 6, o apóstolo Paulo nos diz que a única forma de resistir é se revestindo de toda a armadura de Deus. E nesta passagem nosso Senhor diz também somente o fundamento sólido que Ele dá, permitirá que nossa casa resista.
Estas coisas nos chegam a todos nós. Porém, está claro, em última instância, de forma certa e inevitável, chega a própria morte. Alguns têm que suportar a chuva, outros os rios, e outros os ventos e furacões, porém todos temos que nos encontrar e fazer frente com a morte. Nos chegará a todos de alguma forma e submeterá à prova o próprio fundamento sobre o qual temos edificado.
Como resistimos a estas coisas? Em muitos sentidos, o labor principal da pregação do evangelho é preparar os homens para resistirem a estas coisas. O que importa não é a ideia que se tenha da vida, nem dos sentimentos que tenhamos, se alguém não pode resistir a estas provas que temos enumerado, o fracasso é completo. Sejam quais forem os dons de um homem ou seu chamamento, por mais nobre e bom que seja, se sua ideia e filosofia da vida não o têm provido destas certezas, é um néscio, e tudo o que tem lhe falhará e se derrubará sob seus pés precisamente quando necessita de mais ajuda. Já temos experimentado algumas destas provas.
Muitos parecem passar muito bem neste mundo, porém, seu final não é em paz. Pobre criatura! Não se tem preparado para isso, não está consciente de que se irá, se agarra ao que seja, e não morre em paz.
Escutemos o Salmo 112.7: “Não terá temor de más notícias; seu coração está firme, confiado em Jeová”. Não tem medo das pestilências, não tem medo de que cheguem as guerras, não tem medo nem sequer das más notícias. Não diz:”que vamos fazer dia após dia?” Nunca – “seu coração está firme, confiando em Jeová”. Escutemos também estas palavras magníficas de Isaías 28.16: “O que crê não se apresse”, ou se preferem: “O que crer não será confundido, o que crer não será apanhado de surpresa”. Por que? Porque tem prestado atenção, vem se preparando, de modo que, seja o que for que lhe chegue, tem fundamento sólido. Não tem pressa, nunca se apressa. Nosso Senhor mesmo o tem ensinado perfeitamente na parábola do semeador. Nos diz que o falso cristão “não tem raiz em si”. Resistiu por um tempo, porém quando chegou a perseguição, tudo se acabou. “O que foi semeado entre espinhos, este é o que ouve a Palavra, porém o afã deste século, e o engano das riquezas sufocam a Palavra, e se faz infrutífera”. O ensino da Escritura a este respeito é interminável.
Isto é algo que se ensina de forma positiva na Bíblia, e que a experiência cristã confirma.
Leiamos o relato daqueles primeiros cristãos que, ao serem perseguidos, e inclusive condenados à morte, davam graças a Deus de que fossem considerados dignos de sofrer por Seu nome.
O ensino, pois, se resume nisto, somente os homens que têm feito estas coisas, das quais nosso Senhor fala no Sermão do Monte, possuem estas experiências. O falso cristão descobre que quando necessita de ajuda, considerava como a fé não lhe ajuda. Lhe abandona quando mais necessita dela. Não há nenhuma dúvida relativamente a isto.  O fator comum na vida de todos os que têm se enfrentado com as provas da vida de forma triunfal e gloriosa, é que têm sido sempre homens que se têm entregado para viver o Sermão do Monte.
Como posso me assegurar de que estou edificando a casa sobre a rocha? Como ponho realmente estas coisas em prática? É a pergunta mais importante deste mundo. Nada há mais vital que recordar diariamente estas coisas. Às vezes creio que não há nada mais perigoso na vida cristã do que uma vida devocional mecânica. Ouço pessoas falarem superficialmente sobre fazer suas “devoções” diárias. Esta atitude superficial, em meu modo de entender, é absolutamente trágica. Significa que a estas pessoas se lhes tem ensinado que é bom para o cristão, como primeira atividade do dia, ler um pouca da Bíblia, e logo oferecer uma oração, antes de ir trabalhar. Alguém cumpre este costume e pronto. Claro que é uma coisa boa, porém pode resultar sumamente perigosa para a vida espiritual, caso se converta em algo puramente mecânico.
Diria pois, que o que se tem que fazer é o seguinte: certamente tem que se ler a Bíblia e orar; porém não numa forma mecânica, não porque se tem dito a alguém que tem que fazê-lo, não porque se espera que se faça. Perguntemo-nos se vivemos o Sermão do Monte, se estamos realmente o vivendo. Não nos falamos a nós mesmos o suficiente; este é nosso problema. Falamos demasiadamente com os demais e não o suficiente conosco.
Devemos dizer para nós mesmos: “Nosso Senhor pregou este sermão porém de nada nos valeria se não fizermos o que Ele diz”. Ponhamo-nos à prova segundo os ensinos do Sermão do Monte.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)



Conclusão do Sermão do Monte – Mateus 7.28,29

“28 Ao concluir Jesus este discurso, as multidões se maravilhavam da sua doutrina;
29 porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas.” (Mt 7.28,29)

Nos dois últimos versículos deste capítulo o escritor sagrado nos diz o efeito que este Sermão do Monte produziu no auditório. Desta forma nos oferece ao mesmo tempo a oportunidade de examinar em geral que efeito deveria produzir sempre este sermão nos que o leem ou o examinam.
Nestes dois versículos o interesse está mais centrado no Pregador do que no Sermão.
Se nos pede, por assim dizer, que uma vez examinado o Sermão, olhemos Aquele que o pronunciou e pregou.
Ao examinar o Sermão do Monte, nunca devemos nos deter nem sequer no ensino moral, ético e espiritual; devemos ir mais além de todas estas coisas, por maravilhosas que sejam, por vitais que sejam, até a pessoa do próprio Pregador.
A autoridade do Sermão deriva do Pregador.
No caso dos demais mestres que o mundo tem conhecido, o importante é o ensino; porém estamos diante de um caso no qual o Mestre é mais importante do que o que ensina. Em certo sentido não se pode dividir, nem separar um do outro. Porém não haveria o ensino sem o Pregador, porque é o reflexo da Sua Pessoa divina.
Se alguém pergunta: “Por que devo prestar atenção a este Sermão, por que devo pô-lo em prática, porque devo crer que é o mais vital desta vida? “ A resposta é: devido à Pessoa que o pregou. Esta é a autoridade, esta é a sanção do Sermão.
A primeira coisa que temos que observar nesta passagem é que produziu admiração. A primeira coisa, que está clara, é a autoridade geral com que falou – este homem que fala com autoridade e não como os escribas. Este aspecto negativo é muito interessante – que seu ensino não era segundo o estilo dos escribas. A característica do ensino dos escribas era que sempre citavam a autoridades e que nunca emitiam pensamentos originais; eram experientes, não tanto na lei mesma, quanto nas distintas exposições e interpretações da lei que haviam sido propostas desde o tempo de Moisés.
Depois, sempre citavam os excperts nestas interpretações.
(Não havia nas ministrações dos escribas, como não há em muitas pregações na Igreja em nossos dias, pouco ou nada da vida do Espírito Santo, inspirando os pregadores no conteúdo do que devem falar, senão citações deste e daquele intérprete das Escrituras – nota do tradutor).
Há que se destacar que havia também confiança e segurança no que o Senhor falou no Sermão do Monte.
O Senhor afirma que veio cumprir a lei e os profetas. Afirma que é Aquele para o qual apontaram todos os profetas do Antigo Testamento. É Ele que cumpre em sua própria Pessoa as promessas.
Este é o que havia de vir, o esperado. Diz tudo isto no Sermão do Monte.
O Senhor proclamou no final do Sermão que Ele será o Juiz do mundo. “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor! etc. “E então lhes declararei: nunca vos conheci, apartai-vos de mim, praticantes da iniquidade!”.
Como alguém disse muito bem:
“Aquele que esteve sentado no Monte para ensinar, é o mesmo que ao final se assentará no trono de sua glória para que todas as nações do mundo compareçam diante dEle, e Ele emitirá juízo definitivo sobre elas!”
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)


Mateus 7.1 Não julgueis, para que não sejais julgados.
Mateus 7.2 Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.
Mateus 7.3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
Mateus 7.4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?
Mateus 7.5 Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.
Mateus 7.6 Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.
Mateus 7.7 Pedí, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.
Mateus 7.8 Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
Mateus 7.9 Ou qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra?
Mateus 7.10 Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?
Mateus 7.11 Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem?
Mateus 7.12 Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas.
Mateus 7.13 Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela;
Mateus 7.14 e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram.
Mateus 7.15 Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.
Mateus 7.16 Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
Mateus 7.17 Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.
Mateus 7.18 Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons.
Mateus 7.19 Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.
Mateus 7.20 Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.
Mateus 7.21 Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
Mateus 7.22 Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres?
Mateus 7.23 Então lhes direi claramemnte: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.
Mateus 7.24 Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha.
Mateus 7.25 E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha.
Mateus 7.26 Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia.
Mateus 7.27 E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda.
Mateus 7.28 Ao concluir Jesus este discurso, as multidões se maravilhavam da sua doutrina;

Mateus 7.29 porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas.

















































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